Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
027917
Nº Convencional: JSTJ00002691
Relator: CRUZ ALVURA
Descritores: SUCESSÃO DE INFRACÇÕES
PUNIÇÃO
PENA MAIOR
PENA CORRECCIONAL
FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ195207250279173
Data do Acordão: 07/25/1952
Votação: MAIORIA COM 1 DEC VOT E 4 VOT VENC
Referência de Publicação: DG IºS 22-08-1952; BMJ N32, 155
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO.
Decisão: FIXADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 7/1952
Área Temática: DIR CRIM - TEORIA GERAL.
Legislação Nacional: CP886 ARTIGO 34 N33 ARTIGO 35 PAR2 PAR5 ARTIGO 37 PARUNICO ARTIGO 91 ARTIGO 92 ARTIGO 95 ARTIGO 96 ARTIGO 97 PARUNICO ARTIGO 100 N1 N2 N3 N4 N5 ARTIGO 101 ARTIGO 110 ARTIGO 359.
D 23203 DE 1933/11/06 ARTIGO 2 N2 ARTIGO 4.
L DE 1867/07/01 ARTIGO 11 ARTIGO 14 ARTIGO 15.
L DE 1884/06/14 ARTIGO 25 ARTIGO 27 ARTIGO 70 ARTIGO 71 PAR3.
L DE 1893/07/06 ARTIGO 9.
L DE 1896/04/03 ARTIGO 2.
D DE 1894/12/15.
EJ44 ARTIGO 240.
CP852 ARTIGO 19 N21 ARTIGO 85 ARTIGO 86.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1939/11/24 IN COL OF ANO38 PAG431.
ACÓRDÃO STJ DE 1948/01/21 IN BMJ N5 PAG143.
ACÓRDÃO STJ DE 1917/06/08 IN COL OF ANO16 PAG202.
ACÓRDÃO STJ DE 1938/05/06 IN COL OF ANO37 PAG186.
ACÓRDÃO RL DE 1912/04/13 IN GRL ANO26 PAG52.
ASSENTO STJ DE 1950/07/03 IN DG N144 IS 1950/07/22.
Sumário :
O preceito do artigo 101 do Codigo Penal aplica-se tanto nos casos em que o crime anterior haja sido punido com pena maior como quando o haja com pena correccional.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, as secções reunidas:

No acordão de 4 de Julho de 1951, este Tribunal deu provimento ao recurso interposto pelo Ministerio Publico da decisão do Tribunal Criminal de Lisboa, funcionando em plenario, que condenara A, B e C como autores de crimes de conjuração e o A tambem por detenção de arma proibida. Em tal acordão, atendendo-se a que havia, relativamente ao B, as circunstancias da confissão espontanea e da detenção sofrida, mas tambem a da sucessão de crimes, foi elevada a pena desse reu, pelo crime do artigo 173, paragrafo 1, primeira parte, com referencia aos artigos 172 e 167 do Codigo Penal, para quatro anos e seis meses de prisão maior celular ou, em alternativa, seis anos e nove meses de degredo e considerou-se aplicavel a circunstancia da sucessão o disposto no artigo 101 do mesmo Codigo, apesar de o delito anterior - por que sofrera ja condenação, por acordão do Tribunal Militar Especial, de 1 de Abril de 1936, em quinze meses de prisão correccional e perda de direitos politicos por cinco anos - ter sido o do artigo 2, n. 2, punido pelo artigo 4 do Decreto-Lei n. 23203, de 6 de Novembro de 1933.
O mesmo B interpos o presente recurso para o tribunal pleno, por oposição de doutrina com o acordão de 24 de Novembro de 1939, publicado na Colecção Oficial, ano 38, pagina 431, que julgou este artigo 101 so aplicavel na sucessão de crimes de penas maiores.
A Secção Criminal deu como verificado o conflito de jurisprudencia, e, de facto, cada um dos dois acordãos, postos em confronto e proferidos no dominio da mesma legislação, tratou de delito da pena maior em sucessão de crime que era e fora punido com pena correccional e, como se disse, o acordão recorrido considerou aplicavel a essa sucessão de crimes o dito artigo 101 e o acordão invocado pelo recorrente, e que se deve presumir transitado em julgado, decidiu que nesses casos a sucessão de crimes e agravante de ordem geral e não motiva a aplicação das regras desse artigo, que so visa as penas maiores, como do seu contexto se infere.
Dão-se, pois, todos os pressupostos legais para a resolução desse conflito de doutrina por este Tribunal em sessão plenaria.
O recorrente B, com a citação de oito acordãos deste Tribunal e alguns da segunda instancia, entre estes o da Relação de Lisboa, de 13 de Abril de 1912, na respectiva Gazeta, ano XXVI, pagina 52, e ainda das Anotações, de Pereira do Vale, pagina 370, Notas ao Codigo Penal, de Luis Osorio, volume I, pagina 343, e Lições de Direito Penal, do Professor Marcelo Caetano, pagina 308, alega que se firmara a jurisprudencia, desde esse acordão de 1912 ate ao deste Tribunal de 21 de Janeiro de 1948, no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 5, pagina 143, em se aplicar o dito artigo 101 so na sucessão de crimes de penas maiores; que isto resulta, não so da importancia de essa circunstancia agravante depender da gravidade das penas recorrentes e dever reservar-se a agravação especial do corpo do artigo para a hipotese de extrema gravidade do concurso de penas maiores, mas tambem da propria letra do artigo, que remete para as regras estabelecidas nos artigos 100 do Codigo e 14 e 15 da Lei de 1 de Julho de 1867, que so aludem a penas maiores, e que essa interpretação e a que se amolda melhor as exigencias de justiça e humanidade, e conclui por pedir provimento ao recurso, revogando-se a alteração feita, no acordão recorrido, da sua pena e assentando-se doutrina no sentido do acordão invocado em oposição.
O Ministerio Publico alega que, embora essa doutrina defendida pelo recorrente encontrasse por largo tempo favoravel acolhimento na jurisprudencia dominante, a letra do artigo 101 não a autoriza, pois e simplesmente arbitrario supor que nela se exige que o primeiro crime seja punido com pena maior, e ja Luis Osorio, naquelas Notas, volume I, pagina 342, disse que o artigo se refere a gravidade relativa dos crimes, sem exigir que a pena do primeiro seja correccional ou maior e que, se nalgum caso a agravação parecer demasiada ao julgador, isso não e motivo para o juiz não aplicar a lei; que a questão de o artigo 101 se aplicar quando o crime a punir for de pena correccional e diversa da tratada nos dois acordãos em confronto, em que se puniram crimes de pena maior com possibilidade de lhes serem aplicadas as regras para que remete esse artigo, e não se podera contestar que, quando directamente aplicadas a casos de reincidencia, o funcionamento de tais regras não esta dependente da exigencia de as condenações anteriores respeitarem a crimes de pena maior; que do relatorio da proposta da Nova Reforma Penal se depreende a ideia de submeter a sucessão de crimes a um tratamento repressivo particularmente severo, a ponto de chegar a ser considerada a possibilidade de a equiparar a reincidencia, sem se levar em linha de conta a natureza das penas aplicaveis aos crimes, e tanto que pelo paragrafo 3 do artigo 71 desse diploma o regime de agravação era expressamente declarado extensivo as penas do Codigo Penal de 1852, sem qualquer distinção, e seria absurdo que o artigo 101 do Codigo agora vigente, em que foi reproduzido esse artigo 71, comportasse uma interpretação que degradasse tal circunstancia a simples agravante geral no caso considerado pelo legislador mais significativo; que, sendo as razões que fundamentam esse regime de agravação especial uma maior culpa e um maior perigo de o delinquente, a despeito de ja haver sido advertido por uma condenação, insistir em delinquir, tanto maior sera essa culpa e esse perigo quanto mais se distanciarem, em sentido crescente, a gravidade do novo crime da daquele por que foi feita a primeira advertencia judicial, e que assim não so a letra e o espirito da lei, mas a propria razão de ser da natureza especial da agravante da sucessão de crimes, concorrem a favor da exactidão do criterio perfilhado no acordão recorrido, pelo que deve confirmar-se o nele decidido e assentar-se que, quando punido o crime actual com pena maior, devera, na graduação desta, observar-se a regra do corpo do artigo 101 do Codigo Penal, quer ao crime anterior fosse aplicavel pena maior quer pena correccional.
Cumpre decidir:
Como alega o recorrente e aceita o recorrido, a jurisprudencia dominante deste Tribunal desde o seu acordão de 8 de Junho de 1917 ( Colecção Oficial, ano 16, pagina 202, e Gazeta da Relação de Lisboa, ano XXXI, pagina 138 ) ate 1950 foi a de as regras do artigo 101 se aplicarem so a sucessão de concurso de crimes punidos com penas maiores. E a essa jurisprudencia que o Professor Marcelo Caetano se refere, no lugar citado na alegação do recurso, sem emitir a sua opinião pessoal. E essa jurisprudencia, embora predominante, não foi uniforme.
Consoante nota o Ministerio Publico e o confirma a invocação das Notas de Luis Osorio nas duas alegações, pode admitir-se a aplicabilidade dessas regras no concurso com crime anterior punivel e punido com pena correccional, se o crime actual for punivel com pena compreendida nos artigos 100 do Codigo Penal e 14 e 15 da Lei de 1 de Julho de 1867, e não se admitir se este crime, a punir, for de pena correccional. Os locais citados dessas Notas, paginas 342 e 343, indicam ter sido essa a opinião do seu autor, isto e, a de ser aplicavel o artigo 101 sempre que o crime actual seja punivel com alguma das penas constantes das disposições nele referidas, e nunca se esse crime for de pena correccional. A questão de agora limita-se ao primeiro ponto, visto, como se disse, os crimes de que trataram os dois acordãos em confronto serem puniveis com pena maior, e so os crimes anteriores e ja punidos por decisões transitadas serem de pena correcional.
Por o acordão invocado pelo recorrente em oposição ao recorrido remeter para o de 6 de Maio de 1938 ( Colecção Oficial, ano 37, pagina
186 ) e este, por sua vez, citar aquele, ja mencionado, de 8 de Junho de 1917, interessa ver os seus fundamentos. Para se afastar a sanção do artigo 101, argumenta-se nesse acordão que não podia presumir-se que o legislador desse a esse artigo extensão tal que abrangesse no seu preceito toda e qualquer sucessão de crimes, sem atenção a maior ou menor gravidade dos correspondentes crimes, pois o contrario levaria a verdadeiras monstruosidades, como seria, por exemplo, a de uma so condenação e por crime previsto pelo artigo 359 do Codigo Penal acarretar para o reu, quando posteriormente condenado a pena maior, um tal agravamento da pena que poderia ir ate vinte anos de prisão no lugar do degredo, pelo artigo 101, referido no artigo 100, n. 1, e que, por isso, e para se fugir a tais inadmissiveis consequencias, se tinha de concluir haver casos em que o legislador considerou agravante simplesmente comum, compreendida no artigo 34, circunstancia 33, a sucessão. Mas a agravação na sucessão de crimes, como na reincidencia especifica, não pune o delito antigo, ja julgado, e sim o actual, pelo que revela de tendencia de desrespeitar a ordem social, a ordem moral da sociedade, sem atenção não so a simples ameaça da lei, mas ate a sua efectivação anterior. Por isso, e que tal agravação se fazia num escalonamento em relação a pena do crime a punir, quando o confronto das penas previstas na lei para os dois crimes denotasse, na sucessão, um crescendo delituoso. E, como ja opinava Luis Osorio na citação feita na alegação do Ministerio Publico, acima referida, e agora se diz no artigo 240 do Estatuto Judiciario, não poderem os juizes deixar de aplicar a lei sob o pretexto de que ela lhes parece imoral ou injusta, e indispensavel apurar-se se o contexto do artigo 101 permite essa interpretação restritiva.
A doutrina, como se ve dos trabalhos dos Professores Marnoco e Sousa e Beleza dos Santos, escritos a distancia um do outro de quase quarenta anos, a paginas 12 dos Estatutos Juridicos e a paginas 49 do ano 75 da Revista de Legislação e Jurisprudencia, não justifica a distinção de tratamento penal para a reincidencia especifica e para a generica ou sucessão de crimes. E a propria lei as iguala nesse tratamento, quando a sucessão for progressiva na gravidade criminosa ( corpo do artigo 101), sendo so questionado, como se disse, se tal disposição abrange as sucessões em que entrem delitos de pena correccional.

Essa igualdade de tratamento penal em nada e afectada pelo assento de 3 de Julho de 1950, cujo preceito não alterou a natureza da circunstancia agravante da reincidencia nem o disposto nos artigos 35 e 100, n. 5, do mesmo Codigo e no artigo 15 da Lei de 1 de Julho de 1867, e apenas declarou, quanto aos restantes numeros do artigo 100 e o artigo 14 dessa lei, substituida a forma de agravação devida por essa circunstancia: de intensiva que era, passou a ser na duração das penas nos termos dos artigos 91 e 92 do Codigo e 11 da lei, sem que se possa olvidar nessa graduação de penas o significado legal de tal circunstancia e a gravidade relativa que o Codigo lhe marca quanto aos outros elementos circunstanciais dos crimes. So nos casos previstos no assento de 6 de Fevereiro de 1945 e que essa circunstancia agrava a responsabilidade dos delinquentes nos termos gerais.
Ora para a punição, nesses termos, da reincidencia de crimes puniveis com as penas que eram enumeradas nos ns. 1 a 4 do artigo 100 e no artigo 14 da Lei de 1867 e com as que são referidas no n.5 desse artigo 100 e no artigo 15 da dita lei, basta que o reu tenha sido condenado por algum crime da mesma natureza por sentença transitada em julgado dentro de oito anos anteriores, sem distinção da pena aplicada ou aplicavel ao delito anterior; as disposições citadas, quanto a reincidencia, não fazem qualquer referencia a pena do crime por que houve condenação anterior, e tem sido jurisprudencia deste Tribunal não fazer essa distinção, para efeitos da repressão da reincidencia.
Assim não pode advir da interpretação do artigo 100 qualquer razão para que a remissão que as suas regras faz o artigo 101 se limite a concorrencia de crimes de penas maiores. E, pelo contrario, essa remissão implica, pelo menos para alguns casos, em que entra a dos presentes autos, o concurso de delitos anteriores de pena correccional e indica que, relativamente aos restantes casos, se adopte o mesmo criterio que se adopta para a reincidencia especifica.
No local citado - pelo recorrente - das Anotações, de Pereira do Vale, pagina 370, enunciam-se as tres hipoteses previstas no artigo 101 e paragrafos, e na prevenida no corpo do artigo - a de ser aplicavel ao segundo e ultimo crime pena mais grave que a estabelecida pela lei para o crime pelo qual houve condenação passada em julgado - inclui-se o caso de a pena do crime actual ser a do n. 5 do artigo 100 ( prisão maior temporaria ou degredo temporario ). Ora, segundo as escalas dos artigos 95 e 96 e preceito do artigo 97, paragrafo unico, do mesmo Codigo, a pena imediatamente menos grave e a de prisão correccional. Por isso, e como se disse ja, o preceito do artigo 101, pela sua referencia as regras do artigo 100 e assim a do seu n. 5 e as do artigo 15 da Lei de 1867, envolve fatalmente a sucessão originada em crimes puniveis com pena correcional. E se para os crimes puniveis com as penas referidas nos restantes numeros do artigo 100 e no artigo 14 da lei não pode formular-se um juizo de conclusão tão evidente, e tambem seguro que o artigo 101 não faz qualquer distinção e, como se evidencia, considerou entre os crimes anteriores os de pena correcional, sendo de notar que nele se não fala em pena imediatamente mais grave ou menos grave, mas so em pena mais grave.
Esta disposição da lei, quando da sucessão de crimes da mesma natureza, pode levar a punuir-se tal concorrencia de delitos como se fosse reincidencia propriamente dita, mas isto tanto se pode dar com crimes anteriores de pena correccional como com os de pena maior, e nesse caso, se se dispensa o prazo intercalar dos crimes concorrentes, requer-se que a gravidade relativa destes seja progressiva, crescente. Isto esta de harmonia com o que diz o relatorio da proposta da lei de que resultou a Nova Reforma Penal de 1884, quanto ao indice de propensão criminosa para a reincidencia especifica e de gravidade relativa dos crimes para a aplicação das penas na reincidencia generica ou sucessão de crimes. Ai se le: " Se era necessario que a reincidencia não abrangesse mais nem menos especies de crimes do que actualmente abrange, não era menos indispensavel e justo aumentar a punição daqueles que, embora não sejam reincidentes, demonstram a sua impenitencia e incorrigibilidade, perpetrando crimes depois de condenados por sentença definitiva. Por isso regulei a aplicação das penas no caso de sucessão de crimes, tomando em consideração a gravidade relativa destes, o que, se for aprovado, constitui aditamento ao regime penal do Codigo e ao da Lei de 1 de Julho de 1867". E foi aprovado, como se ve, não so da discussão da proposta, mas tambem do confronto do seu articulado com os artigos 25, 27, 70 e 71 dessa Nova Reforma Penal, aprovada pela Lei de 14 de Junho de 1884. A não inclusão, naquele artigo 101, do paragrafo 3 deste artigo
71 da Nova Reforma Penal, a dizer que: " o disposto neste artigo e seus paragrafos e extensivo a aplicação das penas do Codigo Penal, da Lei de 1 de Julho de 1867 e da presente lei ", so pode ter sido devida a considerar-se dispensavel, pois que o compilador do novo Codigo Penal não tinha poderes para revogar tal disposição, tão clara quanto a extensão do preceituado no artigo.
Assim se demonstra que o contexto do artigo 101 contraria a pretensão do recorrente. Ha ainda o artigo 9 da Lei de 6 de Julho de 1893 - relativo apenas a crimes punidos com prisão correccional e, assim, so muito excepcionalmente aplicavel a delitos puniveis com pena maior - a ressalvar as regras estabelecidas no Codigo Penal para a aplicação da pena no caso de reincidencia ou sucessão de crimes, e que eram as dos artigos 100 e seguintes. E o cuidado que houve, no paragrafo unico do artigo 27 da Nova Reforma Penal, agora 37 do Codigo Penal, em excluir do disposto do dito artigo 71, correspondente ao questionado artigo 101, os casos de concorrencia de crimes intencionais com culposos, indica tambem que esse artigo 101 abrange delitos de pena correccional, visto não haver crimes culposos puniveis com pena maior.
Do exposto, resulta que o artigo 101, de cuja interpretação se trata, era de aplicar a hipotese dos autos e a todos os casos de sucessão de crimes puniveis com as penas que eram enumeradas nos artigos 100 do mesmo Codigo e 14 e 15 da Lei de 1 de Julho de 1867, mesmo que o crime ou crimes anteriores fossem puniveis com pena correccional, e, consequentemente, nega-se provimento ao recurso e tira-se o seguinte assento:
" O preceito do artigo 101 do Codigo Penal aplica-se tanto nos casos em que o crime anterior haja sido punido com pena maior como quando o haja sido com pena correccional ".
Com o minimo do imposto de Justiça.


Lisboa, 25 de Julho de 1952

A. Cruz Alvura ( Relator ) - Julio M. de Lemos - Bordalo e Sa - Jose de Abreu Coutinho - Campelo de Andrade - Rocha Ferreira - Raul Duque - Jaime de Almeida Ribeiro - A. Bartolo - Piedade Rebelo - Artur A. Ribeiro ( Vencido, porque não me convenço de que a jurisprudencia andasse longos anos a interpretar erradamente o artigo 101 do Codigo Penal ao decidir que ele não e aplicavel senão na concorrencia de penas maiores. Acompanho, assim, a opinião clara e bem fundamentada do Doutor Pereira do vale nas suas Anotações ao Codigo Penal ). - Roberto Martins
( Vencido, pelas mesmas razões ). - Lencastre da Veiga ( Vencido. A nosso ver, o disposto no artigo 101 do Codigo Penal, sobre sucessão de crimes, figura juridica criada pela Nova Reforma Penal de 1884, não se aplica a concorrencia de pena maior com pena correcional e somente a concorrencia de penas maiores ( sucessão especial ou especifica ); a tal criterio chegamos, ja pelo texto da lei, ja pelo seu espirito, ja pelos elementos sistematicos concernentes a materia: a) O relatorio da nova Reforma Penal e a discussão na Camara dos Deputados ( Revista de Legislação e de Jurisprudencia, ano 18, Actas, 1884 ), se não são, a este respeito, inteiramente elucidativos, não deixam, contudo, respectivamente, a paginas 306 e 356, 1157 e 1161, de mostrar o ambito restrito do artigo 71 da Nova Reforma, depois inserto no artigo 101 do Codigo vigente ( 1886 ), menos o paragrafo 3 ( disposição transitoria ), ao qual adiante se fara referencia; b) O Codigo Penal Portugues deve ser o unico que estabelece a figura de sucessão de crimes; adoptou-a o proprio Ministro Lopo Vaz, na Proposta de Reforma Penal, depois convertida na Nova Reforma Penal, donde passou para o Codigo vigente, o qual, na quase totalidade, contem materia que se encontra nessa Reforma e no Codigo Penal de 1852; os Codigos estrangeiros, antigos e actuais, admitem, como regra, apenas a reincidencia sob o aspecto generico e especial, correspondente, mais ou menos, a reincidencia e a sucessão da lei portuguesa; c) No Codigo de 1852 havia a agravante da reincidencia ( n. 21 do artigo 19 ) e a da pratica frequente de crimes da mesma natureza ( n. 19 desse mesmo artigo ); a reincidencia, embora abrangendo, tambem, crimes da mesma natureza era relativa a certo prazo de tempo ( 10 anos ), a contar da condenação anterior ate ao cometimento de novo crime ( artigo 85 ); tratava-se de agravante especifica (artigo 86); a outra circunstancia, geralmente conhecida por reiteração de crimes, não compreendendo distinção de tempo, figurava como agravante geral ou comum. Orientação equivalente seguiu o Projecto do Codigo Penal ( 1861 ), mas falando na anterior condenação por um ou mais crimes e na reincidencia ( artigo 57, ns. 2 e 16 ): aquela, agravante geral; esta, especial; d) Estabelecida, como se disse, a sucessão, ao lado da reincidencia, o alcance de cada uma ficou definido na conformidade dos artigos 35 e 37 do Codigo Penal: a sucessão, abrangendo crimes que não sejam da mesma natureza, sem qualquer distinção de tempo entre a condenação anterior e o segundo crime e ainda crimes da mesma nartureza, decorrido o prazo de oito anos sobre a condenação anterior, caso este que, antes do decurso desse tempo, e abrangido pela reincidencia; esta, passados esses oito anos, transforma-se, pois, em sucessão.
Daqui se ve a natureza das duas agravantes, sendo, evidentemente, a todas as luzes, mais grave a reincidencia; e) O artigo 34, n. 33 do Codigo Penal, considerando a sucessão como agravante de caracter geral, e o artigo 101, considerando-a de caracter especial, não podem deixar de ter a sua função propria. O corpo desse artigo 101 diz que, no caso de sucessão, se for aplicavel pena mais grave do que a estabelecida na lei para o crime pelo qual ja houve condenação passada em julgado, observar-se-ão as regras estabelecidas para reincidencia no artigo 100 e nos artigos 14 e 15 da Lei 1 de Julho de 1867; estes preceitos de referência

visam a concorrencia de pena maior; e so assim se se alcança o caracter especial da agravante; f) Nenhuma impressão pode despertar o ja atras mencionado paragrafo 3 do artigo 71 da Nova Reforma Penal, que diz: " O disposto neste artigo e seus paragrafos e extensivo a aplicação das penas do Codigo Penal, da Lei de 1 de Julho de 1867 e da presente lei".
Somente se mostra que se quis significar que a agravante da sucessão, mesmo a do artigo 71 ( depois artigo 101 do Codigo Penal vigente ), passava a ser tomada em conta nas condenações na conformidade do Codigo Penal de então ( 1852 ), dessa Lei de 1867 e tambem na aplicação da Nova Reforma. E chegou-se ao ponto de ventilar se, nas proprias condenações anteriores a 14 de Junho de 1884 ( data da Reforma), se devia agravar a pena por motivo da sucessão ( Salgado e Carneiro, Penas e sua aplicação, pagina LI ); g) E certo que o paragrafo unico do artigo
37 do Codigo Penal, em disposição transplantada, mutatis mutandis, do paragrafo unico do artigo 27 da Reforma Penal, diz que: " Para os efeitos do que dispoe o artigo 101 e paragrafos e aplicavel a sucessão de crimes o que para a reincidencia estabelecem os paragrafos 2 e 5 do artigo 35.
Esses paragrafos dizem, respectivamente, que, se um dos crimes for intencional e o outro culposo, não ha reincidencia e que não exclui esta a circunstancia de ter sido o agente autor de um dos crimes e cumplice do outro.
Certo e que o artigo 37, definindo a sucessão, não distingue aqui a geral e a especifica; e claro e, como diz Vale, nas Anotações, pagina 131, que se aplicam a sucessão mais outros preceitos desse artigo 35, bastara, por exemplo, considerar o paragrafo 1, no sentido de que quando a pena do primeiro crime tenha sido amnistiada, não se verifica a reincidencia, o que e manifestamente aplicavel a sucessão, sem embargo da redacção defeituosa do paragrafo, pois as penas não se amnistiam, mas sim os factos criminosos ou os crimes; mas a omissão no paragrafo unico do artigo 37 de qualquer referencia a esse paragrafo 1 do artigo 35 sera mais um demonstrativo do ambito restrito do artigo 101, pois escassissimas vezes, abuse-se do termo, se amnistiara uma pena maior, seja, um crime a que caiba, por lei, pena maior; e certo e que o legislador da Reforma de 1884 não mostra ter admitido, sequer, tal possibilidade; h) Se o mesmo paragrafo unico do artigo 37, mencionando o artigo 101, manda aplicar a sucessão, entre o mais, o dito paragrafo 2 do artigo 35, isso acha-se inteiramente consoante esse artigo 101, que não fala na pena da condenação anterior, mas sim na pena estabelecida na lei para o crime pelo qual ja houve condenação passada em julgado; a condenação por crime a que caiba pena maior e em pena correcional, se o crime vier a ser reconhecido culposo ( artigo 110 do Codigo Penal ); a sucessão, a que todo o artigo se refere, respeita unicamente a pena aplicavel, e não a pena aplicada; so assim alcançamos uma das observações de Luis Osorio, nas Notas, volume I, pagina 342, a que o acordão se refere.
O artigo 37, no seu paragrafo, como todo ele, em nada pode socorrer a tese de que o artigo 101, não compreende unicamente o concurso de penas maiores; antes, do mesmo preceito deriva entendimento contrario; i) A Lei de 3 de Abril de 1896, como o diploma que a antecedeu ( Decreto de 15 de Dezembro de 1894 ), estabelecendo sobre a reincidencia no caso de pena correcional, mandou ( artigo 2 ) que, na hipotese da 1 e 2 reincidencias, a pena seria aplicada conforme o n. 5 do artigo 100 do Codigo Penal, relativamente a pena de prisão maior temporaria; o que unicamente significa a adaptação desse n. 5 a aplicação da prisão correccional nos referidos casos de reincidencia.
Isso se fez por lei expressa quanto a mesma agravante da reincidencia; e certo e que assim se procedeu, porque, uma vez publicada a Lei de 6 de Julho de 1893, sobre a suspensão da execução da pena de prisão correccional a delinquentes primarios, quis-se punir mais severamente a reincidencia; isto mesmo consta, em largos e expressivos termos, de relatorio daquele Decreto de 15 de Dezembro de 1894, depois convertido, ipsis verbis, na dita Lei de 3 de Abril de 1896; j) O artigo 9 daquela Lei de 6 de Julho de 1893 somente estabelece que, no caso de a sentença, cuja pena foi suspensa, vir a ficar sem efeito em face do cometimento de outro crime no prazo assinalado a essa suspensão, a primeira pena sera acumulada a segunda, " sem prejuizo das regras estabelecidas no Codigo Penal para a aplicação da pena no caso de reincidencia ou sucessão de crimes ".
Decerto que e assim: passando a não produzir efeito a suspensão da pena, a respectiva condenação ulterior ha que atender a reincidencia ou a sucessão, não deixando as mesmas, conforme as circunstancias, de ter caracter geral ou especial, definido no Codigo Penal; l) Certo e que o caso vertente avulta, actualmente, um tanto menos, uma vez que, em face do assento de 3 de Julho de 1950, se consideram revogados os ns. 1 a 4 do artigo 100 do Codigo Penal, passando a agravante da reincidencia especifica, constante desses numeros, a ter, tambem, caracter generico, embora respeitante a aplicação de pena maior; mas, desse tão decepado artigo, ainda vigora a ultima parte, que e o ja atras aludido n. 5, concernente a prisão maior temporaria ou degredo temporario ( dois a oito anos dessa prisão ou o correspondente tempo de degredo, que e mais um terço ); o que demonstra que a aplicação do mesmo preceito a sucessão no caso do artigo 101, estendendo este ao concurso de pena maior com pena correccional, pode ate dar resultados de imposição de penas verdadeiramente desmesuradas, nomeadamente na hipotese, alias frequente, de uma remotissima condenação por uma leve infracção no minimo de prisão correccional ( tres dias ) ou numa pequena multa, representativa de sucessão, fazer que a pena pela nova infracção, podendo ser somente de dois anos de prisão maior celular, tenha de subir para cinco anos e quatro meses, se o reu, sem outra agravante, alem dessa longinqua e leve condenação, não tiver qualquer atenuante saliente, embora sendo o comum dos individuos em materia de conduta e comportamento, a parte, e claro, essa referida sucessão.
E sucede que a analise do assunto em presença do aludido assento de 3 de Julho de 1950 mostra a grande anomalia de, na concorrencia de pena maior com pena maior, sendo mais grave a pena do novo crime, se ter, inequivocamente, de seguir uma agravação muito atenuada, uma vez desaparecidos os ns. 1 a 4 do artigo 100, ao passo que, em casos incontestavelmente menos graves, se adopta a agravação especifica; m) Não e ocioso referir que, pelo Codigo de Justiça Militar, apenas a reincidencia e agravante especial; a sucessão não o e em qualquer hipotese ( artigos 18, 20 e 21 ); n) São quase inteiramente unanimes, atraves do tempo, a jurisprudencia e a doutrina sobre esta materia, a da aplicação da sucessão especial ou especifica do artigo 101 do Codigo Penal, unicamente ao concurso de pena maior com pena maior. E as Relações metropolitanas e ultramarinas, sem deixarem de apreciar o assunto nos casos ocorrentes dos processos, tem continuado a manter, pode-se dizer, a mesma uniformidade de vistas.
Tal orientação, indiscutivelmente corrente, seguiu a propria Secção Criminal deste Tribunal, criada em Outubro de 1945, sucedendo que o seu primeiro acordão que se mostra em sentido divergente e apenas de 1 de Março de 1950; vem no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 18, pagina 177.
Pelas razões aduzidas, não votei o assento; vencido nesta parte, votei o mais do acordão) - Beça de Aragão ( Vencido. Tambem, a meu ver, o preceito penal em causa e aplicavel somente a concurso de penas maiores; isto se mostra superabundantemente no douto voto que antecede.
A doutrina oposta, agora fixada no assento, alem de se não harmonizar com o espirito da lei, podera, na pratica, sancionar a aplicação de penas desumanas, levando, como ja se dizia no acordão deste Supremo Tribunal, de 8 de Julho de 1917 ( Colecção Oficial, ano 16, pagina 202), a verdadeiras monstruosidades, a inadmissiveis consequencias).