Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1140/09.6JACBR.C1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: RAUL BORGES
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
CONCURSO DE INFRACÇÕES
CONHECIMENTO SUPERVENIENTE
CONSTITUCIONALIDADE
CÚMULO JURÍDICO
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
DECISÃO QUE NÃO PÕE TERMO À CAUSA
DIREITO AO RECURSO
DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO
PENA ÚNICA
QUESTÃO INTERLOCUTÓRIA
QUESTÃO NOVA
RECURSO PENAL
REQUISITOS DA SENTENÇA
Data do Acordão: 12/19/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Área Temática:
DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - SENTENÇA - RECURSOS - EXECUÇÕES.
Doutrina:
- Paulo Pinto de Albuquerque em Comentário do Código de Processo Penal, UCE, 2007, nota 4, p. 1002 (p. 1042, na 4.ª edição actualizada reportada a Abril de 2011).
Legislação Nacional:
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 77.º, 78.º.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 374.º, N.º2, 379.º, N.º2, 400.º, 410.º, 412.º, N.º1, 414.º, N.º 2, 420.º, N.º 1, ALÍNEA B), 427.º, 432.º, 471.º, N.º 2, 472.º.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 08-07-2004, PROFERIDO NO PROCESSO N.º 2238/04-5.ª ; DE 26-01-2005, PROCESSO N.º 4438/04-3.ª; DE 20-12-2006, PROCESSO N.º 3043/06-3.ª; DE 06-04-2006, PROCESSO N.º 805/06-5.ª, IN CJSTJ 2006, TOMO 2, PÁG. 159; DE 02-02-2005, PROCESSO N.º 4046/04-3.ª, IN CJSTJ 2005, TOMO 1, PÁG. 188; DE 22-09-2005, PROCESSO N.º 1752/05-5.ª; DE 11-01-2006, PROCESSO N.º 4301/04-3.ª; DE 02-02-2006, PROCESSO N.º 4224/05-5.ª, IN CJSTJ 2006, TOMO 1, PÁG. 180; DE 28-06-2006, PROCESSO N.º 1589/06-3.ª, DE 20-12-2006, PROCESSO N.º 3043/06-3.ª; DE 16-05-2007, PROCESSO N.º 1239/07-3.ª; DE 05-07-2007, PROCESSO N.º 2054/07-5.ª; DE 05-07-2007, PROCESSO N.º 1887/07-5.ª; DE 12-07-2007, PROCESSO N.º 1771/07-5.ª.
-DE 14-11-2007, PROCESSO N.º 3249/07-3.ª; DE 05-12-2007, PROCESSO N.º 3169/07-3.ª; DE 09-01-2008, PROCESSO N.º 2793/07-3.ª; DE 23-01-2008, PROCESSO N.º 4570/07-3.ª; DE 31-01-2008, PROCESSO N.º 4843/07-5.ª; DE 05-03-2008, PROCESSO N.º 220/08-3.ª; DE 26-03-2008, PROCESSO N.º 820/08 E AINDA OS DE 18-12-2008, PROCESSO N.º 3065/08, DE 25-11-2009, PROCESSO N.º 529/09.5YFLSB, E DE 02-06-2010, PROCESSO N.º 1987/09.3TAFAR-A.E1.S1, SENDO OS ÚLTIMOS QUATRO TODOS DA 3.ª SECÇÃO E DO MESMO RELATOR; DE 23-04-2008, PROCESSO N.º 899/08-3.ª; DE 24-04-2008, PROCESSO N.º 3057/06-5.ª; DE 21-05-2008, PROCESSO N.º 106/08-3.ª; DE 04-06-2008, PROCESSO N.º 1306/08-3.ª; DE 12-06-2008, PROCESSO N.º 1782/08-3.ª, DE 19-06-2008, PROCESSO N.º 2043/08-5.ª; DE 25-06-2008, PROCESSO N.º 449/08-3.ª E DA MESMA DATA EM INCIDENTE DE RECUSA DE JUIZ N.º 4842/07-3.ª; E AINDA DE 10-07-2008, PROCESSO N.º 2142/08-3.ª E DE 10-09-2008, PROCESSO N.º 1959/08-3.ª, DO MESMO RELATOR, DE 25-09-2008, PROCESSO N.º 809/08-5.ª; DE 12-11-2008, PROCESSO N.º 709/00.9JASTB.S1-3.ª; DE 10-12-2008, PROCESSO N.º 3638/08-3.ª; DE 18-02-2009, PROCESSO N.º 109/09, DESTA SECÇÃO, DE 25-02-2009, PROCESSO N.º 101/09-3.ª; DE 07-07-2010, PROFERIDO NO PROCESSO N.º 156/00.2IDBRG.S1-5.ª); DE 10-12-2009, PROCESSO N.º 326/04.4IDBRG.S1-5.ª; DE 02-06-2010, PROCESSO N.º 1987, CJSTJ 2010, TOMO 2, P. 213; DE 09-02-2011, PROCESSO N.º 12153/09.8TDPRT-A.P1.S1, IN CJSTJ 2011, TOMO 1, P. 196 E DE 24-03-2011, PROCESSO N.º 106/04.7TALMG-B.P1.S1, COM OS MESMOS INTERVENIENTES); DE 07-07-2010, PROCESSO N.º 156/00.2IDBRG.S1-5.ª, DE 29-09-2010, PROCESSO N.º 520/00.7TBABT-A.S1-3.ª, DE 6-10-2010, PROCESSO N.º 131/01.5TASTS.S1-3.ª; DE 13-10-2010, PROCESSO N.º 200/06.0JAAVR.C1.S1-3.ª ; DE 27-10-2010, PROCESSO N.º 2519/06.0TAVCT.G1.S1-3.ª; DE 26-01-2011, PROCESSO N.º 1349/06.4TBLSD.P1.S1-3.ª; DE 09-06-2011, PROCESSO N.º 4095/07.8TPPRT.P1.S1-5.ª; DE 26-10-2011, PROCESSO N.º 29/04.0JDLSB.L1.S1-3.ª; DE 17-11-2011, PROCESSO N.º 2235/09.1PBGMR.G1.S1-5.ª; DE 21-12-2011, PROCESSO N.º 978/99.5TBPTM-A.S1-3.ª; DE 31-01-2012, PROCESSO N.º 171/05.0TAPDL.L2.S1-3.ª; DE 22-02-2012, PROCESSO N.º 371/07.8TAFAF.G1.S1-3.ª; DE 21-03-2012, PROCESSO N.º 804/03.2TAALM.L1.S1-5.ª; E DE 18-04-2012, PROCESSO N.º 660/10.4TDPRT.P1.S1-3.ª; DE 26-04-2012, PROFERIDO NO PROCESSO N.º 438/07.2PBVCT.G1.S1-5.ª ; DE 09-05-2012, PROCESSO N.º 418/08.0PAMAI.S1-3.ª; DE 20-12-2006, PROCESSO N.º 4546/06-3.ª E DE 09-05-2007, PROCESSO N.º 1242/07-3.ª, DE 22-07-2004, EM TRECHO CITADO NO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL N.º 686/04, INFRA REFERIDO, PUBLICADO NO DR, II SÉRIE, DE 18-01-2005 E EM ATC, VOLUME 60, P. 665.
QUESTÃO NOVA
-ACÓRDÃOS DE 27-07-1965, BMJ N.º 149, PÁG. 297; DE 26-03-1985, BMJ N.º 345, PÁG. 362; DE 02-12-1998, BMJ N.º 482, PÁG. 150; DE 12-07-1989, BMJ N.º 389, PÁG. 510; DE 09-03-1994, PROCESSO N.º 43402; DE 01-03-2000, PROCESSO N.º 43/00, SASTJ, N.º 39, PÁG. 55; DE 05-04-2000, PROCESSO N.º 160/00; DE 06-06-2001, PROCESSO N.º1874/02-5.ª; DE 28-06-2001, PROCESSO N.º 1293/01-5.ª; DE 26-09-2001, PROCESSO N.º 1287/01-3.ª; DE 16-01-2002, PROCESSO N.º 3649/01-3.ª; DE 22-10-2003, PROCESSO N.º 2446/03-3.ª, SASTJ, N.º 74, PÁG. 147; DE 30-10-2003, PROCESSO N.º 3281/03-5.ª; DE 27-05-2004, CJSTJ 2004, TOMO 2, PÁG. 209; DE 20-07-2006, PROCESSO N.º 2316/06-3.ª; DE 02-05-2007, PROCESSO N.º 1238/07-3.ª; DE 10-10-2007, PROCESSO N.º 3634/07-3.ª; DE 17-10-2007, PROCESSO N.º 3878/07-3.ª; DE 13-12-2007, PROCESSO N.º 4283/07; DE 30-04-2008, PROCESSO N.º 4723/07-3.ª; DE 12-06-2008, PROCESSO N.º 4375/08-3.ª; DE 04-12-2008, PROCESSO N.º 2507/08; DE 11-02-2009, PROCESSO N.º 4132/08-3.ª; DE 25-02-2009, PROCESSO N.º 101/09-3.ª; DE 25-03-2009, PROCESSO N.º 308/09-3.ª; DE 07-05-2009, PROCESSO N.º 352/02.8TAETR.C1.S1-3.ª; DE 27-05-2009, PROCESSO N.º 484/09-3.ª; DE 25-11-2009, PROCESSO N.º 397/03.0GEBNV.S1; DE 03-12-2009, PROCESSO N.º 748/03.8TAGDM.P1.S1-3.ª; DE 10-12-2009, PROCESSO N.º 326/04.4IDBRG.S1-5.ª; DE 10-03-2010, PROCESSO N.º 343/09.8PBMTS.P1-A.S1-3.ª; DE 25-03-2010, PROFERIDO NO PROCESSO ESPECIAL N.º 76/10.2YRLSB.S1 (MDE); DE 06-05-2010, PROCESSO N.º 156/00.2IDBRG.S1-5.ª; DE 12-05-2010, PROCESSO N.º 4/05.7TACDV.S1-5.ª; DE 30-06-2010, PROCESSO N.º 1594/01.9TALRS.S1-3.ª; DE 10-11-2010, PROCESSO N.º 3891/03.0TDPRT.S1-3.ª; DE 17-11-2010, PROCESSO N.º 18/09.8JAAVR.C1.S1-3.ª; DE 13-04-2011, PROCESSO N.º 918/09.5JAPRT.P1.S1-3.ª; DE 24-05-2011, PROCESSO N.º 6/09.4TRGMR-A.S1-3.ª; DE 21-03-2012, PROCESSO N.º 130/10.0JAFAR.E1.S1-3.ª; DE 4-05-2001, QUE FOI PROFERIDO NO PROCESSO N.º 93/08.2JBLSB.S1-3.ª E O DE 06-10-2011, PROFERIDO NO PROCESSO N.º 1545/08.0JDLSB.S1 5.ª, PUBLICADO NA CJSTJ 2010, TOMO 3, P. 192; DE 17-10-2012, NO PROCESSO N.º 39/10.8PFBRG.S1; DE 15-12-2011, PROFERIDO NO PROCESSO N.º 41/10.0GOAZ.P2.S1, DE 5-07-2012, POR NÓS RELATADO NO PROCESSO N.º 246/11.6SAGRD.S1; DE 26-04-2012, PROCESSO N.º 438/07.2PBVCT.G1.S1-5.ª; DE 06-02-2008, PROFERIDO NO PROCESSO N.º 4454/07 DESTA SECÇÃO.
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ACÓRDÃO DO PLENÁRIO DA SECÇÃO CRIMINAL, DE 19-10-1995, PROFERIDO NO PROCESSO N.º 46580, ACÓRDÃO N.º 7/95, PUBLICADO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA, I SÉRIE - A, N.º 298, DE 28-12-1995, E BMJ N.º 450, PÁG. 72.

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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

-N.º 265/94, IN ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, 27.º VOLUME, PÁGS. 751 E SS.; N.º 30/01, DE 30-01-2001, PROCESSO N.º 469/00 (1.ª SECÇÃO), PUBLICADO NO DR, II SÉRIE, DE 23-03-2001 E N.º 390/04, DE 02-06-2004, PROCESSO N.º 651/03 (2.ª), IN DR, II, DE 07-07-2004 E ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, VOLUME 59, PÁG. 543.
- N.º 221/2000, DE 05-04-2000, NO PROCESSO N.º 753/99, PUBLICADO IN DR, II SÉRIE, DE 31-10-2000.
- N.º 375/2000, DE 13-07-2000, PROFERIDO NO PROCESSO N.º 633/99, IN DR, II SÉRIE, DE 16-11-2000.
- N.º 597/2000, DE 20-12-2000, NO PROCESSO N.º 643/00, DR, II SÉRIE, DE 25-01-2001.
- N.º 44/2005, DE 26-01-2005, PROCESSO N.º 950/04-1.ª SECÇÃO, PUBLICADO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA, II SÉRIE, DE 13-02-2006, PRONUNCIANDO-SE SOBRE A ALÍNEA C) DO N.º 1 DO ARTIGO 400.º DO CPP, E SEGUINDO O AFIRMADO NO ACÓRDÃO N.º 49/2003, DE 29 DE JANEIRO, PROFERIDO NO PROCESSO N.º 81/2002, DA 3.ª SECÇÃO, PUBLICADO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA, II SÉRIE, DE 16-04-2003 E EM ATC, VOLUME 55.
-N.º 390/2004, DE 02-06-2004, PROFERIDO NO PROCESSO N.º 651/03-2.ª SECÇÃO.
-N.º 589/2005, DE 2-11-2005, PROFERIDO NO PROCESSO N.º 240/05, DA 1.ª SECÇÃO (ATC, VOLUME 63.º, P. 889, SUMÁRIO).
-N.º 219/2009, DE 5 DE MAIO, DA 3.ª SECÇÃO, (ATC, VOLUME 75, P. 738, SUMÁRIO).
-N.º 686/2004, DE 30-11, PROFERIDO NO PROCESSO N.º 843/04, DA 2.ª SECÇÃO, PUBLICADO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA II SÉRIE, DE 18-01-2005 E EM ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, VOLUME 60, P. 663.
-N.º 107/2012, DE 06-03-2012, PROFERIDO NO PROCESSO N.º 859/2011, DA 3.ª SECÇÃO.
-N.º 191/2012, PROFERIDO NO PROCESSO N.º 872/11, DA 1.ª SECÇÃO.
Sumário :

I - Da conjugação dos arts. 400.º, 427.º e 432.º, todos do CPP, retira-se que as decisões de natureza processual ou que não ponham termo ao processo não são recorríveis para o STJ.
II - Pressuposto do recurso para o STJ é a natureza da decisão de que se recorre ─ decisões finais ─ e não decisões que incidam sobre questões processuais avulsas, exceptuando-se o caso de recurso de decisão interlocutória que suba com recurso para cuja apreciação é competente o STJ ─ art. 432.º, n.º 1, al. d), do CPP.
III - O TC tem reiterado que o exercício das garantias de defesa, onde se inclui o direito ao recurso por parte do arguido condenado, não comporta, nem um acesso irrestrito ao STJ, nem que sejam assegurados todos os graus de recurso abstractamente configuráveis, nem a sistemática garantia de um triplo grau de jurisdição corporizado, sempre e necessariamente, num reexame da decisão condenatória, sucessivamente pelas Relações e pelo STJ.
IV -Não admite recurso para o STJ o acórdão da Relação que confirmou o despacho proferido por juiz singular no sentido do indeferimento da realização de diligência probatória, no caso um pedido de parecer sobre perícias médicas realizadas nos autos.
V - Constitui jurisprudência uniforme do STJ que os recursos se destinam a reexaminar decisões proferidas por jurisdição inferior, visando apenas apurar a adequação e a legalidade das decisões sob recurso, e não a obter decisões sobre questões novas, não colocadas perante aquelas jurisdições.
VI -O tribunal superior, visando apenas a reapreciação de questões colocadas anteriormente e não a apreciação de outras novas, não pode conhecer de argumentos ou de fundamentos que não foram presentes ao tribunal de que se recorre.
VII - O grau de exigência de fundamentação na determinação da pena única não é o mesmo caso se esteja face ao art. 77.º ou ao art. 78.º do CP, já que no primeiro caso os crimes em concurso são objecto de julgamento conjunto no mesmo processo, enquanto que no segundo caso os crimes foram julgados, por vezes ao longo de meses ou de anos, em processos autónomos, de cuja existência se tem conhecimento superveniente.
VIII - No caso do art. 77.º do CP, as exigências de fundamentação, considerado o mero plano do cumprimento da injunção ínsita no n.º 2 do art. 374.º do CPP, pura e simplesmente inexistem, sob pena de todo o acórdão ser nulo e de se destruir a condenação por insubsistência da imprescindível matéria de facto.
IX -A referência à necessidade de fundamentação de facto, se bem que de forma sintética, só surge em casos de realização de cúmulo jurídico por conhecimento superveniente, em que são englobadas várias penas aplicadas em decisões anteriores já transitadas em julgado, impondo-se a indicação sintética das condutas aí julgadas, de modo a perceber-se as ligações entre os factos praticados em épocas diferentes e julgados separadamente em outros processos, de forma a ter-se uma imagem global do facto.
X - Não há qualquer violação do comando do art. 374.º, n.º 2, do CPP, quando a operação de cúmulo jurídico se segue à determinação das penas parcelares, já que os factos dados por provados necessariamente constam da decisão, como é o caso.



Decisão Texto Integral:

 

Nos autos de processo comum com intervenção do tribunal colectivo 1140/09.6JACBR do Tribunal Judicial de Montemor-o-Novo, integrante do Círculo Judicial da Figueira da Foz, o arguido AA foi submetido a julgamento, sendo acusado da prática, em autoria material, e em concurso real, dos seguintes crimes:

- Um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Código Penal;

- Um crime de incêndio, p. e p. pelo artigo 272.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal;

- Um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo artigo 291.º, n.º 1, alínea b) e 69.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, com referência aos artigos 69.º, n.º 1, e 76.º, alínea a), do Regulamento de Sinalização de Trânsito aprovado pelo Decreto Regulamentar 22-A/98 de 1 de Outubro e artigos 38.º, n.º 3, 13.º, n.º 1, 138.º e 146.º, n.º 1, todos do Código da Estrada;

- Dois crimes de coacção agravada nos termos das disposições conjugadas dos artigos 154.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alíneas a) e c), do Código Penal;

- Um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo artigo 347.º, n.º 1, do Código Penal;

- Um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, alíneas b), e) e h), todos do Código Penal (praticado sobre a vítima BB);

- Um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a), c), e), e h), 22.º e 23.º, todos do Código Penal (praticado sobre a vítima CC);

- Um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, alíneas e), h), e l), 22.º e 23.º, todos do Código Penal (praticado sobre a vítima DD);

- Um crime de homicídio qualificado, p. e p. disposições conjugadas dos artigos 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, alíneas e), h), e l), todos do Código Penal (praticado sobre a vítima EE);

- Um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 3.º, n.º 1, alínea r), n.º 2, alínea n), n.º 6, alínea c), n.º 4, alínea b), n.º 5 e n.º 6, 86.º, n.º 1, alíneas c) e d), e 97.º, todos da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro, com a alteração produzida pela Lei 17/2009 de 6 de Maio.

 FF constituiu-se assistente e por si e em representação das suas filhas menores, GG e HH, deduziu pedido de indemnização civil, pedindo a condenação do arguido no pagamento da quantia global de € 160.000,00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes da morte de EE.

II, em representação da menor CC, deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 80.000,00 a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, decorrentes quer do homicídio de BB quer da tentativa de homicídio perpetrada sobre a reclamante.

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Depois de iniciada a audiência de discussão e julgamento o arguido, em 26-07-2011, por requerimento constante de fls. 1758 a 1765, requereu, ao abrigo do disposto nos artigos 340.º, n.º 1 e 327.º, n.º 2 do Código de Processo Penal e 6.º do Decreto-Lei n.º 131/2007 de 27 de Abril, que fosse solicitado ao Conselho Médico-Legal a avaliação das perícias juntas aos autos com a elaboração de parecer técnico-científico com vista a obter resposta à seguinte questão: Os três relatórios de perícias psiquiátricas médico-legais elaborados pela Delegação do Norte e pela Delegação do Centro do INML, têm igual qualidade técnico-científica e igual valor científico demonstrativo?

Tal requerimento, após contraditório, foi objecto de despacho proferido pelo Juiz Presidente do Colectivo em 16-8-2011, a fls.1773, que o indeferiu.

O arguido interpôs recurso de tal despacho para o Tribunal da Relação de Coimbra - fls. 1805 a 1812 – a que respondeu o M.º P.º - fls. 1918-A a 1922 -, tendo sido admitido, com subida diferida, por despacho de fls. 1934.

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Por acórdão datado de 29 de Setembro de 2011, depositado no mesmo dia, constante de fls. 1848 a 1913 verso, foi deliberado:

I. Absolver o arguido AA do crime de incêndio, previsto e punido pelo artigo 272.º, número1, alínea a), do Código Penal, de um dos crimes de coacção agravada, previsto e punido nos termos das disposições conjugadas dos artigos 154º, número 1 e 155º, número 1, alíneas a) e c), do Código Penal, e do crime de homicídio qualificado, na forma tentada, referente à sua filha CC, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º, 132.º, números 1 e 2, alíneas a), c), e), e h), e 22.º e 23.º, todos do Código Penal.

II. Condenar o arguido AA, como autor material de:

1 - Um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do Código Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão.

2 - Um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo artigo 291.º, n.º 1, alínea b), e 69.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de um ano e seis meses de prisão.

3 - Um crime de coacção agravada, nos termos dos artigos 154.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de dois anos de prisão.

4 - Um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo artigo 347.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de dois anos de prisão.

5 - Um crime de homicídio qualificado, praticado sobre a vítima BB, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º, 132.º, números 1 e 2, alínea b), todos do Código Penal, na pena de dezanove anos de prisão.

6 - Um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, praticado sobre a vítima DD, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º, 132.º, números 1 e 2, alínea l), e 22.º e 23.º, todos do Código Penal, pena de oito anos de prisão.

7 - Um crime de homicídio qualificado, praticado sobre a vítima EE, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º, 132.º, números 1 e 2, alíneas e), h), e l), todos do Código Penal, na pena de dezasseis anos de prisão.

8 - Um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 3.º, n.º 5, alínea e), n.º 6, alíneas a) e c), e 86.º, n.º 1, alínea c), todos da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, com alteração feita pela Lei 17/2009, de 6 de Maio, na pena de três anos de prisão.

III -  Operando o cúmulo jurídico das referidas penas, nos termos do artigo 77.º, números 1 e 2, do Código Penal, foi o arguido condenado na pena única de vinte e cinco anos de prisão.

 Ao abrigo do disposto no artigo 69.º, número 1, alínea a), do Código Penal, foi o arguido condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por um período de seis meses, para o que deve entregar a sua licença de condução, no prazo de 10 dias, na Secretaria deste Tribunal ou no posto policial da área da sua residência (cf. artigo 69.º, número 3, do Código Penal).

Por, pela sua natureza e pelas circunstâncias do caso, porem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas e oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos, ao abrigo do disposto no artigo 109.º, do Código Penal, declaram-se perdidos a favor do Estado os demais bens apreendidos.

Foi ainda deliberado:

Julgando o pedido de indemnização civil formulado pela demandante FF, por si e em representação das suas filhas menores, GG e HH, parcialmente provado, por provado em igual medida, condena-se o demandado AA a pagar-lhe a quantia de €: 85.000,00, sendo €: 60.000,00 relativos ao dano morte, €: 10.000,00 referentes aos danos não patrimoniais da demandante FF, e €: 7.500,00, relativos aos danos não patrimoniais da menor GG e €: 7.500,00, relativos aos danos não patrimoniais da menor HH, tudo acrescido de juros, à taxa legal, desde a presente decisão, até efectivo e integral pagamento.

No mais, julga-se o pedido improcedente, dele se absolvendo o demandado.

Julgando o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante II, em representação da menor CC, parcialmente provado, por provado em igual medida, condena-se o demandado AA a pagar-lhe: a quantia de €: 20.000,00, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros, à taxa legal, desde a notificação do pedido até efectivo e integral pagamento; e a quantia de €: 40.000,00, a título de danos não patrimoniais próprios da menor e da sua parte no dano da provação da vida de sua mãe, acrescida de juros, à taxa legal, desde a presente decisão, até efectivo e integral pagamento.

                                                    *********

Inconformado com o acórdão proferido, dele recorreu o arguido AA, conforme fls. 1951 a 2036, do 8.º volume, e a fls. 2035 declarou, quanto ao recurso retido manter todo o interesse no conhecimento do recurso interlocutório interposto da decisão que não admitiu a intervenção do Conselho Médico-Legal, nos termos e para os efeitos previstos no art. 412.º, n.º 5, do C.P.P.

A assistente FF respondeu ao recurso, conforme fls. 2057 a 2069 e o Ministério Público respondeu igualmente ao recurso interposto, conforme consta de fls. 2070 a 2087.

                                                 *******

Por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24 de Abril de 2012, constante de fls. 2119 a 2286, foi negado provimento aos recursos interpostos pelo arguido, mantendo quer o despacho, quer o acórdão recorridos.

                                                 *******

           De novo inconformado, o arguido interpôs recurso para este Supremo Tribunal, constante de fls. 2293 a 2358, do 9.º volume, condensando as suas pretensões recursivas nas seguintes conclusões (em transcrição integral):

1ª - O arguido continua a entender que o tribunal colectivo devia ter deferido a requerida intervenção do Conselho Médico-legal, para que este se pronunciasse, não sobre cada uma das concretas perícias realizadas, mas sobre qual das metodologias seguidas era a correcta de um ponto de vista técnico-científico.

2ª - A defesa do arguido não se pode conformar com argumentos puramente formais quando em causa está a relevantíssima questão da prova da sua imputabilidade ou da sua imputabilidade diminuída.

3ª - Em Portugal vigora um modelo de perícia pública, oficial, sendo atribuído uma especial relevância ao juízo técnico, artístico ou científico, que se traduz na presunção de que tal juízo se encontra subtraído à livre apreciação do tribunal.

4ª - A verdade é que é do conhecimento de todos quantos intervêm na realização da justiça e na prática judiciária, que o Conselho Médico-legal é chamado amiudadas vezes a pronunciar-se sobre a valia e procedimentos técnicos adotados pelos Senhores peritos na realização das suas perícias.

5ª - As perícias realizadas e que se encontram juntas aos autos são todas elas realizadas pelo mesmo Instituto Público e por isso deviam ser semelhantes quanto aos métodos, técnicas e procedimentos.

6ª - É certo que, como se afirma no acórdão de que se recorre, “Isto resulta expressivamente do disposto no n° 2 [art. 6.° do DL n.° 131/2007, de 27 de Abril] do citado artigo de onde consta, nomeadamente, que ao Conselho Médico-Legal compete definir as regras técnicas e científicas a que deve obedecer a actividade do INML, o que já pressupõe a adopção de regras gerais aplicáveis em todos os casos concretos.”

Mas a verdade é que lidos os três relatórios periciais juntos aos autos, resulta cristalino que assim não aconteceu.

7ª - E repare-se que na sequência das dúvidas suscitadas pelo primeiro relatório pericial e dos esclarecimentos prestados em audiência, pelo Sr. Perito, o douto tribunal sentiu a necessidade de solicitar a realização de mais duas perícias, que tiverem resultados contraditórios e que foram realizadas com recurso a regras técnicas e cientificas diversas e não com recurso a regras gerais aplicáveis a todos os casos concretos.

8ª - Pelo que o arguido entende que, numa situação como a dos autos faz todo o sentido e é absolutamente necessário para a descoberta da verdade material, indagar qual das perícias é que foi elaborada de acordo com as legis artis.

9ª - Por isso devia, salvo o devido respeito, o douto Tribunal da Relação de Coimbra ter deferido o recurso do arguido e revogado o despacho que indeferiu a intervenção do Conselho Médico-legal, por forma a permitir que aquele Conselho Médico se pronunciasse, sobre uma questão que se reveste da máxima importância para a defesa do arguido. A saber:

Os três relatórios de Perícias Psiquiátricas médico-legais, elaborados pela Delegação do Norte e pela Delegação do Centro do INML, têm igual qualidade técnico-científica e igual valor científico demonstrativo?

10ª - Ao assim não ter decidido violou o Tribunal da Relação de Coimbra o art. 340.° nº 1, do C.P.P e art. 3º e 6º, do DL n.° 131/2007, de 27 de Abril.

11ª - Devendo o douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra ser revogado, nesta parte e ser proferido outro que defira a intervenção do Conselho Médico-legal, nos termos requeridos.

12ª - O Tribunal da Relação de Coimbra entendeu que o Tribunal Coletivo procedeu corretamente à determinação da pena única. No entanto, desconsiderou que os factos cometidos pelo arguido aconteceram no espaço de uma hora, “à frente de toda a gente”, não foram praticados às ocultas e não foram premeditados.

13ª - Tem sido entendimento do Supremo Tribunal de Justiça que a pena conjunta deve ser exaustivamente motivada, com indicação dos fundamentos que à luz da culpa e prevenção conduzem o tribunal à formação da decisão, cfr. Ac. STJ, de 04.05.2011, publicado em www.datajuris.pt.

Devendo sempre efetuar-se uma fundamentação especifica, autónoma da medida da pena do concurso, exigindo-se um exame critico e uma ponderação conjunta, sobre a interligação entre os factos e a personalidade do agente, importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, a existência ou não de qualquer relação entre uns e outros, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, cfr. Ac. desse Supremo Tribunal de Justiça, de 06-02-2008, in Proc. nº 4454/07, citado no Ac. do Supremo tribunal de Justiça, de 02.04.2009, publicado em www.datajuris.pt.

“Do que se trata agora é de ver os factos em relação uns com os outros, de modo a detectar a possível conexão que intercede entre eles (“conexão autoris causa”), tendo em vista a totalidade da actuação do arguido como unidade de sentido, que há-de possibilitar uma avaliação do ilícito global e a "culpa pelos factos em relação", a que se refere CRISTINA LIBANO MONTEIRO em anotação ao acórdão do STJ, de 12/07/05, (“A Pena Unitária” Do Concurso De Crimes”, RPCC, Ano 16, nº l, p. 162 e ss.). (...)

“Na avaliação desta personalidade unitária do agente releva, sobretudo «a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade (...), cfr. Acórdão do STJ, de 06.10.2011, CJ, Ac. STJ, Ano XIX, Tomo III/2011, pág. 192.

14ª - Ora, o douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, salvo o devido respeito não procede, como também não havia procedido o Tribunal Colectivo a esta ponderação do conjunto dos factos e da personalidade do arguido, imposta pela lei.

E que a ser efetuada, certamente que levaria a que a pena única aplicada fosse inferior aos 25 (vinte e cinco) anos que foram encontrados, claramente sem qualquer ponderação de prevenção especial, sem qualquer intuito de reintegração do arguido na sociedade.

15ª - Apenas fazendo referência, remetendo, para a análise detalhada dos factos aquando da ponderação das penas parcelares.

16ª - O arguido, entende, salvo o devido respeito, que esta forma de proceder acarreta a nulidade da decisão recorrida por violação do art. 77º n° 1, art. 374º, n° 2 e 379º n° 1, alínea a), do Código Penal, falta de fundamentação por desconsideração da globalidade dos factos em conexão com a personalidade do arguido, avaliada unitariamente e não de forma casuística.

17ª - Pelo que deve o processo ser reenviado ao Tribunal Judicial de Montemor para que o cúmulo seja feito cumprindo o estabelecido no art. 77º nº 1, do Código Penal.

        No provimento do recurso pede que na procedência do recurso interlocutório, seja ordenada a emissão de parecer pelo Conselho Médico-Legal, nos termos requeridos e a anulação da decisão recorrida com reenvio do processo.

                                                         *******

         O Exmo. Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação de Coimbra respondeu, conforme fls. 2361/2 verso, concluindo:

1 – Não tem fundamento legal, nem o recorrente justifica a sua pretensão de intervenção do Conselho Médico-Legal, estando as divergências entre perícias solucionadas nos termos legais (art. 158.º do CPP)

2 – A pena unitária encontra-se correctamente fundamentada e, na situação concreta, perante a actuação do recorrente e tendo em conta os motivos que lhe subjazem, não podia ser aplicada outra pena que não a de 25 anos de prisão em que foi condenado;

3 – A decisão constante do acórdão recorrido é correcta, não havendo violação de qualquer dispositivo legal, pelo que, não merecendo censura, deve a sentença (sic) ser mantida e confirmada nos seus precisos termos.

                                                            *******

       O recurso foi admitido por despacho de fls. 2363.

                                                             *******

         A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal emitiu douto parecer de fls. 2372 a 2375, afirmando que na parte em que impugna a decisão do Tribunal da Relação respeitante ao recurso interlocutório, o recurso não é admissível, por o Tribunal da Relação ter apreciado, em recurso, questão que extravasa o objecto do processo – artigo 400.º, n.º 1, alínea c), do CPP.

        No que respeita à invocada nulidade, defende que o Tribunal da Relação rebate a questão de forma fundamentada e que o acórdão recorrido não merece qualquer reparo.

                                                          *******   

          Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada qualquer resposta.

                                                              *******

          Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o processo prossegue com julgamento em conferência, nos termos dos artigos 411.º, n.º 5 e 419.º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Penal.

                                                              *******

           Colhidos os vistos, realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.

                                                  *******

          Como é jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (neste sentido, o acórdão do Plenário da Secção Criminal, de 19-10-1995, proferido no processo n.º 46580, Acórdão n.º 7/95, publicado no Diário da República, I Série - A, n.º 298, de 28-12-1995, e BMJ n.º 450, pág. 72, que fixou jurisprudência, então obrigatória, no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”) e verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do CPP é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior.

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         Questões a apreciar

    

       A impugnação do acórdão recorrido restringe-se ao campo criminal.

       As questões que o arguido pretende discutir e ver apreciadas no presente recurso são as seguintes: a (não) intervenção do Conselho Médico-legal e a determinação da pena conjunta.

         E assim temos como únicas questões a apreciar e decidir:

         I – Recurso interlocutório - Conclusões 1.ª a 11.ª.

         II – Recurso principal - Nulidade na determinação da pena única - Conclusões 12.ª a 17.ª

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           Apreciando. - Fundamentação de facto.

    

         Factos Provados

        

         Foi dada como provada a seguinte matéria de facto, que é de ter-se por imodificável e definitivamente assente, já que da leitura do texto da decisão, por si só considerado, ou em conjugação com as regras de experiência comum, não emerge a ocorrência de qualquer vício decisório ou nulidade de conhecimento oficioso, mostrando-se a peça expurgada de insuficiências, erros de apreciação ou contradições que se revelem ostensivos, sendo o acervo fáctico adquirido suficiente para a decisão, coerente, sem contradição, harmonioso, e devidamente fundamentado.

         Eis os factos provados.

i. O arguido casou com BB no dia 9 de Setembro de 1995, tendo o casal fixado a sua residência comum na Rua ..., em casa dos pais do arguido, AA e LL.

ii. Daquela relação conjugal nasceram dois filhos, JJ , a 17 de Maio de 1996, e CC, a 29 de Outubro de 2003.

iii. Em data não concretamente determinada, BB abandonou o lar conjugal levando com ela os dois filhos do casal, passando a partir de então a residir com esses seus filhos em Porto Luzio, Carapinheira, Montemor-o-Velho.

iv. Na madrugada do dia 29 de Novembro de 2009, o arguido dirigiu-se à residência da sua mulher, BB, em Porto Luzio, onde esta continuava a viver com os filhos.
v. Aí chegado, em circunstâncias não concretamente apuradas, o arguido desferiu-lhe vários murros, atingindo-a na cabeça, nos braços e no rosto, chegando também a inserir-lhe os dedos na boca, agarrando-lhe os dentes, causando-lhe, com tal conduta, directa e necessariamente, escoriações no nariz e no antebraço esquerdo, equimoses no tronco e membros superiores, tendo os ferimentos sofridos no nariz e no antebraço sangrado abundantemente, de tal modo que deixaram vestígios de sangue no lavatório da casa de banho, no chão à entrada do primeiro quarto à direita (quarto da filha), no tapete junto à cama do primeiro quarto à direita e num boneco que se encontrava em cima do tapete, junto à cama do primeiro quarto à direita.
vi. Perante tal conduta do arguido, BB conseguiu libertar-se dele e, levando consigo a filha CC, ambas ainda de pijamas, fugiu para o quintal exterior à sua residência, onde se escondeu com a filha.
vii. Já no exterior da habitação, arguido disse à malograda BB que ia buscar uma caçadeira para a matar.
viii. A infeliz BB, na companhia da filha CC, dirigiu-se então ao Posto da Guarda Nacional Republicana, em Montemor-o-Velho, onde, por volta das 7 horas e 45 minutos, apresentasse contra o arguido a queixa constante de fls. 18 e seguintes, que aqui se dá por integralmente reproduzida no seu teor, pelos maus tratos físicos e psíquicos de que tinha sido vítima.
ix. Entretanto, o arguido saiu de casa da BB e dirigiu-se ao 1º andar da residência onde continuava a viver com os pais, sita na já referida Rua ..., número 1, em Carapinheira, onde se muniu de uma espingarda caçadeira semi-automática de marca ”BENELLI”, com o número de série M169454, calibre 12 e de um revolver de calibre 0.32 Smith and Wesson Long (equivalente a 7,65 mm no sistema métrico), de marca Amadeo Rossi, de provável modelo 20, com o número de série rasurado, ambos descritos e examinados no relatório junto a fls. 570 a 583 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos, e respectivas munições, também descritas e examinadas a fls. 570 a 583, e vários cartuchos de arma de caça, todos a ele pertencentes.
x. Ainda na residência dos pais, o arguido abriu vários cartuchos da arma de caça, em número que não foi possível apurar, tendo espalhado o respectivo conteúdo, nomeadamente pólvora, chumbos e buchas, sobre a carpete que se encontrava no corredor do rés-do-chão daquela moradia, e de seguida, com objecto que não foi possível determinar, mas próprio para o efeito, nomeadamente fósforos ou isqueiro, ateou fogo àqueles materiais.
x. O fogo assim ateado pelo arguido queimou a carpete a que se aludiu, destruindo-a por completo.
xi. Seguidamente, munido com as referidas armas e munições, o arguido entrou no seu veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca SAAB 93 e de matrícula ...-LX, a fim de procurar e localizar a ofendida BB, com o firme propósito de a matar.
xii. Cerca das 8:00 horas desse mesmo dia, depois de elaborada a participação criminal acima referida e como a ofendida BB apresentasse ferimentos visíveis na face, os militares da Guarda Nacional Republicana que exerciam funções naquele Posto diligenciaram pelo seu transporte, em ambulância dos Bombeiros Voluntários de Montemor-o-Velho, ao Hospital Distrital da Figueira da Foz, seguindo a menor CC com ela.
xiii. Quando aquela ambulância dos Bombeiros Voluntários de Montemor-o-Velho, de matrícula ...-HS-..., em que seguiam a ofendida BB, a sua filha CC, o bombeiro MM e o condutor da ambulância, NN, circulava na Estrada Nacional número 111, em direcção à Figueira da Foz, no percurso entre Quinhendros e Vila Mota, área desta comarca, o referido condutor da ambulância apercebeu-se que o condutor do veículo de matrícula ...-LX os estava a seguir e que o mesmo não havia respeitado um semáforo vermelho, num cruzamento daquela localidade de Quinhendros.
xiv. Nessa altura, a malograda BB espreitou pelo vidro traseiro da ambulância e, como tivesse de imediato reconhido o arguido como sendo o condutor dessa viatura SAAB 93, de matrícula ...-LX, avisou, alarmada, os bombeiros de que era o marido que os perseguia e que o mesmo estaria até armado, mostrando-se muito preocupada, apreensiva e ansiosa com tal situação.
xv. No encalço da ambulância onde sabia que a mulher seguia, desde Quinhendros até Vila Mota, na referida Estrada Nacional número 111, o arguido tentou por diversas vezes ultrapassar a ambulância e travar a progressão da mesma, desrespeitando os sinais de trânsito, nomeadamente o traço contínuo existente no pavimento daquela via pública.
xvi. Numa dessas tentativas, o arguido conseguiu concretizar a ultrapassagem, imobilizando a viatura que conduzia à frente da ambulância de forma totalmente inopinada, de forma a forçar a ambulância a parar, pondo em perigo a saúde e o bem estar de todas as pessoas que seguiam na ambulância e naquela estrada.
xvii. Porém, o condutor da ambulância, mercê da sua perícia, não só não parou como conseguiu ultrapassar novamente a viatura do arguido.
xviii. Nesta altura, a vítima BB entrou em pânico e começou a gritar: “Vamos fugir que ele mata a gente”; “L... não pares, não pares que ele vai-nos matar”. A menor CC ficou também aterrorizada e começou a gritar com medo do pai.
xix. O arguido continuou a perseguição à ambulância e ao chegar ao cruzamento de Ereira com a auto-estrada A14, no túnel de acesso a esta, local em que é proibido ultrapassar e onde existe um traço contínuo, efectuou manobra de ultrapassagem, pela esquerda, à ambulância, transpondo o referido traço contínuo e invadindo a metade contrária da via.

xx. Neste seguimento, atravessou repentinamente o seu carro na faixa de rodagem, barrando o caminho à ambulância, assim tendo logrado forçar o condutor desta a deter a marcha.
xxi. O bombeiro NN, condutor da ambulância, perante tal conduta do arguido, receando pela sua vida e pela dos ocupantes da ambulância, efectuou de imediato manobra de marcha-a-trás, subiu um passeio e inverteu o sentido de marcha, decidido a regressar a Montemor-o-Velho e aí pedir o auxílio e a protecção das autoridades policiais.

xxii. Assinalando marcha de urgência, com as sirenes e os pirilampos ligados, NN conduziu a ambulância em direcção ao Posto da Guarda Nacional Republicana de Montemor-o-Velho, com o arguido novamente no seu encalço, sempre ao volante da sua viatura de matrícula ...-LX.

xxiii. Ao chegar ao Posto da Guarda Nacional Republicana de Montemor-o-Velho, o bombeiro Luís Guerra parou a ambulância em frente ao mesmo, ficando a porta lateral desta voltada para o lado do Posto e a porta do condutor virada para a faixa de rodagem, tendo de imediato acorrido ao exterior vários militares da Guarda Nacional Republicana, os quais haviam sido telefonicamente alertados pela vítima BB de que o marido os estava a perseguir da forma exposta.

xxiv. Entretanto, o arguido chegou também ao local e imobilizou a sua viatura ao lado da ambulância, do lado do condutor.

xxv. Acto contínuo, o arguido saiu do seu veículo e passou pela frente da ambulância, empunhando a espingarda caçadeira de marca “BENETI”, calibre 12, com o nº M169454, acima descrita, devidamente carregada com pelo menos quatro cartuchos.

xxvi. Ao deparar-se com o condutor da ambulância e com militares da Guarda Nacional Republicana no exterior do Posto, nomeadamente com os soldados OO, PP, QQ e DD, todos estes devidamente uniformizados e no exercício das suas funções, o arguido apontou a todos eles e ainda ao condutor da ambulância a referida caçadeira e disse-lhes em tom sério e grave que estivessem quietos, que saíssem dali senão os matava e que sabia que a sua minha mulher estava dentro da ambulância.

xxvii. Tais expressões foram proferidas pelo arguido em voz alta, com a caçadeira empunhada e apontada na direcção dos referidos militares da Guarda Nacional Republicana e do condutor da ambulância, tendo estes ficado tão atemorizados que, temendo pelas suas vidas, não esboçaram qualquer gesto, apesar da ofendida BB, continuar desprotegida, com a sua filha CC, no interior da ambulância.

xxviii. Com a sua descrita conduta, o arguido criou um tal sentimento de medo e terror nos militares da Guarda Nacional Republicana e no condutor da ambulância que estes não se atreveram sequer a aproximar-se dele.

xxix. Aproveitando-se disso, o arguido abriu com uma das mãos a porta lateral direita da ambulância e entrou na mesma, sempre empunhando a caçadeira com a outra mão. Nessa altura permaneciam no interior da ambulância o bombeiro MM, a infeliz BB e a menor CC.

xxx. No momento em que o arguido abriu a porta da ambulância, BB, tentando proteger a sua filha, CC, que até então seguia ao seu colo, projectou-a na direcção do bombeiro MM, a cujas pernas a pequena se agarrou, tal o seu pânico.

xxxi. De imediato, o arguido apontou a caçadeira na direcção da BB, e efectuou dois disparos, a distância inferior a 120 cm daquela, atingindo os projecteis (chumbos) a BB no membro superior direito, tórax e abdómen.

xxxii. Como consequência directa e necessária dos disparos sofridos, BB sofreu as lesões no tórax, abdómen e braço direito, melhor descritas no relatório de autópsia de fls. 435 a 441, cujo teor se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos, as quais foram causa adequada da sua morte.

xxxiii. Assim, sofreu no tórax as seguintes lesões:

- Nos vasos pulmonares: Intensa infiltração sanguínea da raiz da artéria e veias pulmonares, com várias perfurações e presença de 1 (um) chumbo numa das válvulas da artéria pulmonar e de vários chumbos na espessura das veias pulmonares;

- Na traqueia e brônquios: Múltiplas perfurações da traqueia, com presença de vários chumbos nas fascias peri-traqueais e sangue à superfície das mucosas;

- No esófago: Intensa infiltração sanguínea peri-esofágica à direita, com presença de vários chumbos na espessura das suas fascias, múltiplas lacerações da parede e mucosa com sangue;

- Nas pleuras e cavidades pleurais: Cavidade pleural direita livre e suja de sangue; cavidade pleural esquerda livre, contendo setecentos centímetros cúbicos de sangue com alguns coágulos-hemotórax;

- No pulmão direito: Discreta antracose; extensa desagregação do parênquima de todos os lobos; loca no lobo superior interceptando o lobo médio, em correspondência com a solução de continuidade descrita no hábito externo (tiro número 1); loca na face mediastínica do lobo inferior interceptando o lobo médio, em correspondência com a solução de continuidade descrita no hábito externo (tiro número 2); múltiplas esquírolas ósseas e chumbos na espessura do parênquima; presença de duas buchas localizadas entre a face mediastínica do lobo superior e o saco pericárdico;

- No pulmão esquerdo: Laceração e infiltração sanguínea do hilo; infiltração sanguínea do ligamento pulmonar e intercisural; múltiplas perfurações arredondadas com cerca de 5mm de diâmetro na face mediastínica e costal do lobo superior, com vários chumbos na pleura visceral; à superfície de secção mostrava parênquima seco, com áreas hemorrágicas e vários chumbos na sua espessura;

- No diafragma: Laceração da hemicúpula direita, na sua inserção posterior. 

xxxiv. Sofreu no abdómen as seguintes lesões:-----

- Nas paredes: Solução de continuidade ovalar, de bordos invertidos, com bisel de baixo para cima, de fora para dentro, estendendo-se do rebordo postero-inferior do tórax à direita até ao corpo vertebral de T10, T11 e T12 e inferiormente até à loca renal, medindo 11cmx6,5cm, com fractura pelos arcos posteriores direitos da 11ª e 12 ª costelas, esta última com ausência da totalidade deste fragmento ósseo e laceração dos músculos adjacentes (latissimus dorsal e ilío-costal) (tiro número 2). Tudo se encontrava rodeado de intensa infiltração sanguínea;

- No Peritoneu e cavidade peritoneal: Cavidade suja de sangue;

- No mesentério: Infiltração sanguínea da raiz do mesentério;

- No fígado: Laceração da face diafragmática posterior e inferior do lobo direito, com desagregação do parênquima e vários bagos de chumbo incrustados; perfurações em túnel do parênquima do lobo direito, definindo um trajecto de baixo para cima e da direita para a esquerda (tiro nº 2); restante parênquima com superfícies exterior e de secção lisas, de cor acastanhada com zonas amareladas;

- Na aorta: Intensa infiltração sanguínea peri-aórtica.

xxxv. E sofreu nos membros as seguintes lesões:

- Fractura exposta multi-esquirolosa do úmero e cúbito e desarticulação rádio-umeral direitos, rodeadas de intensa infiltração sanguínea.

xxxvi. A morte da BB foi provocada por qualquer das feridas perfurantes a nível torácico e abdominal, infligidas por acção do arguido, nomeadamente, as que atingiram o coração, os pulmões e o fígado, constituindo tais lesões causa adequada da morte.-----

xxxvii. Assim:

- No primeiro tiro os projecteis (chumbos) entraram a nível da região supra-escapular direita da ofendida BB, passando internamente pela face posterior-lateral direita do tórax, interceptando no seu trajecto os pulmões, grandes vasos e coração, alojando-se a bucha entre a face mediastica do lobo superior do pulmão direito e o saco pericárdio, sendo o tiro de trás para a frente e da direita para a esquerda;

- No segundo tiro os projécteis (chumbos) entraram a nível da região lombar direita da mesma ofendida, passando internamente pela cavidade abdominal, interessando no seu trajecto o pólo superior do rim e glândula super-renal direitos e o lobo direito do fígado. Entrou na cavidade torácica pela hemicúpula direita do diafragma, lacerando o pulmão direito, alojando-se a bucha entre a face mediastínica do lobo superior do pulmão e o saco pericárdio. O tiro foi de trás para a frente, de baixo para cima e ligeiramente da direita para a esquerda;

- O terceiro tiro atingiu as faces anteriores e medial do terço inferior do braço, cotovelo e terço superior do antebraço direitos da ofendida BB.

xxxviii. Apesar da vítima BB ter afastado a sua filha CC dos disparos da caçadeira, da forma exposta, ainda assim a menor CC foi atingida na zona abdominal, no braço direito e numa perna por 32 (trinta e dois) chumbos provenientes dos referidos disparos de caçadeira efectuados pelo arguido, que lhe causaram como consequência directa e necessária os ferimentos que se encontram melhor descritos nos relatórios periciais a fls. 482 a 484 e 561 a 566 e boletim de admissão em serviço de urgência hospitalar a fls. 78, designadamente escoriações na região abdominal, antebraço direito e abdómen, lesões que lhe determinaram um período de doença fixável em 12 dias, sendo 5 dias com afectação da capacidade para o trabalho geral e 5 dias com afectação da capacidade para o trabalho profissional.

xxxix. Após efectuar aqueles disparos, o arguido efectuou ainda mais dois disparos na direcção da vítima BB, após o que disse “- pronto já está” e se dirigiu para o exterior da ambulância.

xl. Quando o arguido saiu da ambulância, o soldado da Guarda Nacional Republicana, RR, conseguiu lançar as mãos aos canos da caçadeira que o arguido empunhava e retirar-lha, tendo o arguido sido de imediato imobilizado pelos militares DD e PP e conduzido para o interior das instalações do Posto da Guarda Nacional Republicana de Montemor-o-Velho, mais concretamente para a zona prisional.

xli. No interior do Posto, no corredor de acesso às celas, quando o Cabo DD e o soldado EE se preparavam para o colocar no interior da cela, depois de lhe terem retirado o cinto e alguns objectos que tinha nos bolsos, o arguido, após empurrar o Cabo DD, libertou a mão esquerda, levou-a ao bolso esquerdo das calças e dele retirou o revólver da marca «Rossi», calibre 0,32 Smith and Wesson Long, acima descrito, previamente carregado com as respectivas munições, que ali trazia escondido, empunhando-o.

xlii. Ao ver que o arguido tinha na mão esquerda o referido revólver, o Cabo DD agarrou-lhe aquela mão, evitando assim que o mesmo lhe apontasse a arma em direcção a zonas vitais do seu corpo.

xliii. Na luta e confusão então geradas, o arguido desferiu um tiro que atingiu a coxa direita do Cabo DD.

xliv. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, o Cabo DD sofreu as lesões melhor descritas e examinadas nos relatórios periciais a fls. 359 a 361 e fls. 414 a 416, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, designadamente, lesões traumáticas a nível da coxa direita, bacia e outras estruturas; fenómenos dolorosos no membro inferior esquerdo interessando o trajecto do nervo ciático, com queixas a nível funcional; certa claudicação a nível do membro inferior esquerdo, tendo o projéctil ficado alojado na nádega esquerda.

xlv. Tais lesões determinam 75 dias de doença para consolidação e cura, com incapacidade de trabalho geral de 30 dias e com incapacidade para o trabalho profissional de 75 dias.

xlvi. Logo que atingido pelo tiro, o cabo DD caiu de imediato no chão e arrastou-se para fora da zona prisional, ao mesmo tempo que gritava para o seu colega EE: “foge EE, que ele está armado”. Entretanto, o arguido disparou, ainda, mais um tiro que foi projectado contra a parede do lado direito do corredor da área das celas, junto à entrada.

xlvii. Quando o Cabo DD ainda se arrastava no chão a tentar afastar-se do arguido, este, fazendo novamente uso do mesmo revólver, desferiu mais dois tiros, agora contra o soldado EE, que entretanto se refugCC no interior da cela número 2, da zona prisional do Posto da Guarda Nacional Republicana de Montemor-o-Velho, o que fez a uma distância não concretamente apurada do malogrado soldado, mas estando este já no interior da dita cela, atingindo-o.

xlviii. Um desses tiros, atingiu a zona torácica do soldado EE, provocando-lhe as lesões melhor descritas no relatório de autópsia de fls. 424 a 430, cujo teor se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos, as quais foram causa adequada da sua morte.

xlix. Concretamente, o arguido provocou as seguintes lesões no tórax do soldado EE:

- Nas Paredes: Infiltração sanguínea das fibras posteriores do feixe clavicular e fascia do grande peitoral esquerdo, bem como das fibras superiores e fascia do pequeno peitoral esquerdo; solução de continuidade orificial do espaço subclavicular esquerdo, inferiormente ao terço médio da clavícula e superiormente ao bordo superior do arco médio da 1ª costela, medindo seis milímetros de diâmetro, rodeado de infiltração sanguínea; orifício de entrada a nível da grelha costal de projéctil de arma de fogo de cano curto, em continuidade com orifício de entrada descrito a nível do membro superior esquerdo; solução de continuidade orificial a nível do 2º espaço intercostal direito, junto ao bordo inferior do arco anterior da 1ª costela, com laceração dos músculos intercostais, medindo oito milímetros de diâmetro, rodeado de infiltração sanguínea -orifício de saída a nível da grelha costal de projéctil de arma de fogo de cano curto, em continuidade com orifício de entrada acima descrito; intensa infiltração sanguínea dos tecidos muscular e subcutâneo da região infraclavicular e axilar direitas;

- No dorso: intensa infiltração sanguínea dos músculos subescapular, infra-espinhoso e redondo menor direitos; solução de continuidade óssea, ligeiramente elíptica, com múltiplas esquírolas, localizada na fossa subescapular direita, prolongando-se até à fossa infra-espinhosa, medindo um centímetro de eixo maior por oito milímetros de eixo menor, com presença de projéctil de arma de fogo de cano curto na espessura do músculo infra-espinhoso;

- No Pericárdio e na cavidade pericárdica: infiltração sanguínea do pericárdio que recobre a aorta ascendente e tronco da artéria pulmonar;

- Na Artéria Aorta e nos Grandes Vasos: perfuração da parede anterior da artéria carótida comum esquerda, com retracção dos seus bordos e infiltração sanguínea da adventícia, distando dois centímetros da sua emergência do arco aórtico; perfuração incompleta da artéria subclavia direita, com retracção dos seus bordos, com infiltração sanguínea da adventícia; infiltração sanguínea das adventícias do tronco arterial braquiocefálico, artéria carótida comum direita, artéria subclavia e veia braquicefálica direita;

- Na traqueia e brônquios: solução de continuidade interessando a face anterior da traqueia, rodeada de infiltração sanguínea, medindo sete milímetros de eixo transversal por três milímetros de eixo vertical, distando três centímetros e meio da SS; sangue à superfície da mucosa da traqueia e brônquios, que se apresentavam pálidas;

- No esófago: Intensa infiltração sanguínea peri-esofágica a nível do terço superior;

- No pulmão direito: De aspecto colapsado. Antracose ligeira. Solução de continuidade a nível da face mediastínica do lobo superior, com desagregação do parênquima circundante, medindo um centímetro e meio de eixo maior por cinco milímetros de eixo menor – orifício de entrada a nível do pulmão de projéctil de arma de fogo de cano curto; solução de continuidade na face costal posterior do lobo superior, com desagregação do parênquima circundante, medindo um centímetro de diâmetro – orifício de saída a nível do pulmão de projéctil de arma de fogo de cano curto; entre os dois orifícios descritos observava-se um trajecto cavitado, orientado da esquerda para a direita, ligeiramente de frente para atrás e de cima para baixo, com desagregação do parênquima e infiltração sanguínea ao longo de toda a sua extensão. Infiltração sanguínea do hilo pulmonar. À superfície de secção mostrava parênquima pulmonar seco a nível dos lobos médio e inferior;

- No pulmão esquerdo: De aspecto colapsado. Antracose ligeira. Solução de continuidade a nível da face costal do lobo superior, com desagregação do parênquima circundante, medindo um centímetro e meio de eixo maior por um centímetro e meio de eixo menor, distando quatro centímetros do vértice pulmonar – orifício de entrada a nível do pulmão de projéctil de arma de fogo de cano curto; solução de continuidade na face mediastínica do lobo superior, com desagregação do parênquima circundante – orifício de saída a nível do pulmão de projéctil de arma de fogo de cano curto; entre os dois orifícios descritos observava-se um trajecto cavitado, orientado da esquerda para a direita, ligeiramente de frente para atrás e de cima para baixo, com desagregação do parênquima e infiltração sanguínea ao longo de toda a sua extensão. À superfície de secção mostrava parênquima pulmonar seco a nível do lobo inferior.

l. Tais lesões traumáticas torácicas infligidas por acção do arguido foram determinantes da morte de EE. Assim:

- O projéctil disparado pelo arguido entrou no corpo do soldado a nível da transição entre a região deltoideia e face lateral do terço próximo do braço esquerdo, intersectando os planos musculares a esse nível, passando internamente pela região axilar. Então, entrou na cavidade torácica a nível do espaço infraclavicular esquerdo, interessando no seu trajecto os lobos pulmonares superiores, a artéria carótida comum esquerda e a subclavia direita, saindo da cavidade torácica a nível do 2º espaço intercostal direito, tendo-se alojado na fossa infraespinhosa da escapula. Neste percurso descreveu um trajecto em canal, infiltrado de sangue, dirigido da esquerda para a direita, ligeiramente de frente para trás e ligeiramente de cima para baixo.

li. Após, foi o arguido colocado por outros militares da Guarda Nacional Republicana que se encontravam naquele posto no interior de cela prisional número 1, contígua àquela onde se encontrava o malogrado soldado Dias, tendo-lhe sido apreendido o referido revólver.

lii. Nessa mesma ocasião foram apreendidas na viatura do arguido de matrícula ...-LX as seguintes armas e munições: 1. Uma caixa de cartuchos da Marca “MELIOR”, que continha no seu interior 16 cartuchos intactos de chumbo 7 dispersante, 3 cartuchos intactos de chumbo 5, todos da mesma marca; 2- Uma faca de cozinha medindo 20 cm de cumprimento total, com lâmina de 10 cm de comprimento.

liii. Ainda nesse mesmo dia 29 de Novembro, pelas 13:00 horas, no âmbito de busca realizada na residência do arguido, sita na Rua Santo Cristo, número 1, Carapinheira, Montemor-o-Velho, foram apreendidas as seguintes armas que o arguido ali tinha guardadas, melhor descritas e examinadas no relatório pericial a fls. 585 a 604 e no auto de exame a fls. 387 a 391, cujos conteúdos aqui se dá por integralmente reproduzidos:

- 1 (uma) espingarda caçadeira, de tiro a tiro, com cano basculante, de calibre 9 mm, de marca Alejandro Lascurais, de modelo Gogor, com o número de série 262;

- 1 (uma) carabina de tiro a tiro, de sistema “bolt action” (culatra de ferrolho), de calibre.22 Long Rifle (equivalente a 5,6 mm no sistema métrico), de marca e modelo não referenciáveis, com o número de série 321517, apresentando as inscrições “ST ETIENNE” no corpo da carabina e no bloco da culatra, de origem francesa;

- 1 (uma) espingarda caçadeira, de tiro a tiro, de canos justapostos basculantes, de calibre 12, fabricada por Tulsky Oruzheiny Zavod, de modelo T03-54, com o número de série N9485, de origem soviética;

- 1 (uma) caixa de cartuchos de 9 mm da marca Rossi;

- 5 (cinco) caixas de cartuchos de caça da marca Melhor, contendo 25 (vinte e cinco) cartuchos da mesma marca, calibre 12, carregados com chumbo n.º 5;

- 1 (um) silenciador artesanal, feito em aço, com formato tubular de comprimento igual a 24,5 centímetros, contendo numa das extremidades uma rosca para incorporar na arma;

- 1 (uma) reprodução de arma de fogo, pistola automática em plástico de cor preta, com a marca “UA-312”, n.º A134276, de origem Chinesa;

- 1 (uma) espingarda de ar comprimido de calibre 4,5mm, marca “Diana”, modelo “27” de cano de alma lisa;

- 5 (cinco) caixas de cartuchos, com a indicação de 25 (vinte e cinco) cartuchos de caça, da marca "MELIOR", contendo no seu interior 25 (vinte e cinco) cartuchos da mesma marca, calibre 12, carregados com chumbo nº. 5;

- 1 (uma) caixa de cartuchos, com a indicação de 25 (vinte e cinco) cartuchos em plástico, da marca "MELIOR", tipo dispersante, contendo no seu interior, 15 (quinze) cartuchos da mesma marca, calibre 12, carregados com chumbo nº. 6 e com a inscrição "MELIOR" na base;

- 2 (duas) caixas de cartuchos, com a indicação exterior de 25 (vinte e cinco) cartuchos, da marca "ROSSI", calibre 9mm, contendo cada uma, respectivamente, 24 (vinte e quatro) e 17 (dezassete) cartuchos;

- 1 (um) cartucho de calibre 12, carregado com chumbo (6), da marca GLOBALSHOT – MIRATIRO;

- 22 (vinte e dois) cartuchos de calibre 12, da marca MELIOR;

- 2 (dois) cartuchos de calibre 12m carregado, aparentemente com chumbo de 7, da marca FIOCCHI – TIRACAÇA;

- 1 (um) cartucho de calibre 12m carregado presumivelmente com bala de borracha de 17,5 mm, da marca LELLIER & BELLOT;

- 1 (um) cartucho de calibre 12, carregado presumivelmente com chumbo de 4, da marca POLVICHUMBO;

- 1 (um) cartucho de calibre 12, da marca LELLIER & BELLOT, carregado com bago de borracha de 7,5mm;

- 7 (sete) cartuchos da marca FIOCCHI - TIRICAÇA Biturbo 35, calibre 12, carregados com chumbo nº. 4;

- 4 (quatro) cartuchos da marca MARTIGNONI – GILINHO, calibre 12, carregado com chumbo nº. 6;

- 2 (dois) cartuchos da marca FIOCCHI - MIRATIRO, calibre 12, carregados com chumbo nº. 7 1/2;

- 1 (um) cartucho de marca NOBEL SPORT - TIRACAÇA, calibre 12m carregado com chumbo nº. 6 e bucha dispersante;

- 1 (um) cartucho de marca FIOCHI - TIRACAÇA, calibre 12, carregado com chumbo nº. 5;

- 1 (um) cartucho da marca FIOCCHI - TIRACAÇA, calibre 12, carregado com chumbo nº. 6;

- 1 (um) cartucho de marca FIOCCHI - TIRACAÇA SUPERTRAP, calibre 12, carregados com chumbo nº. 7 1/2;

- 1 (um) cartucho da marca NOBEL SPORT - GILINHO, calibre 12, carregados com chumbo nº. 6;

- 1 (um) cartucho de calibre 12, com revestimento amarelo, sem qualquer referência ou tipo de carregamento;

- 1 (uma) caixa de cartuchos, com a indicação de 25 (vinte e cinco) cartuchos em plástico, da marca MELHOR VIT 34, contendo no seu interior, 5 (cinco) cartuchos da mesma marca, calibre 12, carregados com chumbo nº. 5;

- Bolsa de cintura em napa, de cor preta, contendo no seu interior: 6 (seis) cartuchos da marca CHEDDITE - MELIOR SUPER GT, 4 (quatro) carregados com chumbo nº. 7 e 2 (dois) com chumbo nº. 6;

- 5 (cinco) cartuchos da marca CHEDDITE - MELIOR, carregados com chumbo nº. 7 e bucha dispersante;

- 2 (dois) cartuchos da marca NOBEL SPORT – MELHOR carregados com chumbo nº. 7 e bucha dispersante;

- 1 (um) cartucho de marca FIOCCHI - MIRATIRO, calibre 12, carregados com chumbo nº. 6 e bucha dispersante;

- 2 (dois) cartuchos da marca CHEDDITE - MELIOR diamante, calibre 12, carregados com chumbo nº. 3;

- 2 (dois) cartuchos da marca CHEDDITE - MELIOR VIT 33, calibre 12, carregados com chumbo nº. 7 ½;

- 2 (dois) cartuchos com marca NOBAL SPORT, carregados com chumbo nº. 7;

- 1 (um) cartucho com marca AXCALSION, carregado com chumbo nº. 4; e

- 1 (um) cartucho com marca GLOBAL SHOT LOK, carregado com chumbo nº. 6.

liv. As armas e munições apreendidas ao arguido têm as características referidas no relatório pericial de fls. 585 a 604 e nos autos de exame a fls. 387 a 391 e a fls. 1504-1506, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

lv. Ao dirigir-se ao interior da residência da falecida BB e actuar da forma acima descrita, atingindo-a na sua integridade física, o arguido agiu com o propósito concretizado de molestar fisicamente a sua mulher, atentando contra o seu corpo, a sua saúde e dignidade, violando os deveres de respeito que devem presidir às relações conjugais.-----

lvi. Sabia o arguido que as expressões que dirigiu ao bombeiro NN, acima descritas, empunhando e apontando-lhe uma arma de fogo, eram adequadas a causar-lhe constrangimento, insegurança, medo e receio pela sua vida e a prejudicar-lhe a sua liberdade de determinação, designadamente de prestar auxílio à vítima BB, junto ao posto da Guarda Nacional Republicana, o que o arguido quis e conseguiu.

lvii. Bem sabia ainda o arguido que a sua relatada conduta na perseguição que moveu à ambulância, violando de forma grosseira as regras de circulação rodoviária atinentes à realização de manobra de ultrapassagem e à obrigação de parar perante luz vermelha sinalizadora do trânsito, era adequada a provocar acidentes e, desse modo, a pôr em risco, como efectivamente aconteceu, quer a ambulância e respectivos ocupantes, quer a integridade dos veículos conduzidos pelos demais utentes da via pública, de cujo valor elevado estava ciente, bem como a vida e integridade física dos seus condutores e demais ocupantes.

lviii. Ao actuar do modo acima descrito após a chegada da ambulância às instalações do Posto da Guarda Nacional Republicana, o arguido agiu com o propósito de impedir que os militares da Guarda Nacional Republicana levassem a cabo a sua missão de protecção de BB, NN e CC e detenção dele próprio, apesar de saber que se tratava de agentes policiais no exercício das suas funções.

lix. Ao utilizar e disparar a sua espingarda de caça semi-automática de marca ”BENELLI” acima descrita sobre a sua mulher BB, o arguido agiu com o propósito concretizado de lhe causar a morte.

lx. Ao disparar sobre o Cabo DD, da forma como o fez, o arguido agiu com intenção de lhe tirar a vida, o que só não aconteceu por circunstâncias estranhas à sua vontade, designadamente, o facto de o cabo DD lhe ter conseguido agarrar a mão que empunhava o revólver e desviar a sua direcção, pois o arguido tudo fez para o matar, tal como fez com o soldado EE .

lxi. Assim, o arguido só não atingiu os órgãos vitais do corpo do cabo DD por razões alheias à sua vontade.

lxii. Ao disparar o seu revólver sobre o soldado EE, o arguido agiu com o propósito concretizado de lhe causar a morte.

lxiii. O arguido teve sempre consciência da direcção que imprimiu aos disparos que efectuou e actuou num quadro de manifesta desproporção, superioridade e aleivosia, atendendo aos instrumentos utilizados e à curta distância a que se encontrava das vítimas que atingiu, no momento em que disparou sobre elas.

lxiv. Para além disso, o arguido bem sabia que as vítimas e ofendidos não representavam qualquer perigo para a sua integridade física, pois estavam desarmados e não tiveram qualquer gesto de animosidade para com ele nos momentos que precederam os disparos.

lxv. Sabia ainda o arguido que o soldado EE e o cabo DD eram militares da Guarda Nacional Republicana e que quando sobre eles disparou estavam no exercício das suas funções.

lxvi. Conhecia o arguido as características das armas, respectivos cartuchos e munições e silenciador que detinha e lhe foram apreendidos, bem sabendo não ser legalmente permitida a posse daquele silenciador e não ser titular de licença de detenção e uso das restantes armas e munições.

lxvii. Em todo o percurso descrito na acusação, o arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, com perfeito conhecimento que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal e contra-ordenacional.

lxviii. O arguido tem antecedentes criminais. Foi anteriormente julgado e condenado: por sentença de 2 de Dezembro de 2004, pela prática, a 2 de Novembro de 2002, de um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artigo 143º, do Código Penal, na pena de cento e cinquenta dias de multa à taxa diária de €: 5,00 [cinco euros]; por sentença de 21 de Setembro de 2006, pela prática, a 15 de Junho e 2003, de um crime de usurpação (direitos de autor), previsto e punido pelo artigo 195º, da Lei número 114/91, na pena de duzentos e cinquenta dias de multa à taxa diária de €: 5,00 [cinco euros].

lxix. No relatório social elaborado pelos competentes serviços da reinserção social conclui-se que: “o arguido realizou um percurso de vida pessoal, familiar e social globalmente adaptado e empreendedor, facilitado pelo suporte económico dos pais e pela participação afectiva e efectiva do cônjuge; socialmente foi referenciado por aspectos caracteriais e de personalidade como sejam a impulsividade, a primariedade reactiva, a atitude impositiva com dificuldade em gerir situações de contrariedade ou de afrontamento sem se abster de retorquir com atitudes ampliadas ou mesmo agressivas, tidas como desadequadas aos contextos; contudo, apesar de tais aspectos e embora no exercício de uma actividade laboral de relação directa com o público e com a especificidade que a caracteriza, apenas regista um comportamento ofensivo que foi penalmente censurado, indiciando alguma capacidade de auto-controlo no relacionamento social, mas que não terá praticado no contexto familiar na relação com a vítima”. No mesmo relatório é referido, para além do mais, que “No cumprimento da medida da privativa de liberdade tem apresentado uma postura cordata com o normativo institucional e adaptada no relacionamento com os pares e os funcionários. Foi autorizado a integrar a oficina de artesanato onde se ocupa na realização de obras que considera com valor pessoal artístico. Revela sofrimento com o afastamento dos filhos, particularmente do filho, e alguma preocupação com a situação económica do agregado familiar de cunhada, cujo agregado ele integra, constituído ainda pelos quatro filhos dela”.

lxx. Os amigos do arguido têm-no como boa pessoa, bom pai e bom marido, amigo e companheiro, dotado de um bom coração, sempre pronto a ajudar o próximo, muito amigo dos animais, tendo especial sensibilidade para os tratar nas suas doenças, em especial cavalos e cães. Tem sensibilidade artística, tendo feito o logótipo do Centro Hípico de Montemor-o-Velho.

lxxi. À data da sua morte, o malogrado EE tinha 42 anos de idade.

lxxii. Exercia funções de militar da Guarda nacional Republicana, auferindo um salário líquido mensal que rondava os €: 1.309,00 [mil e trezentos e nove euros].

lxxiii. Era casado com FF desde..., tendo nascido desse casamento: a ..., GG; a ..., HH.

lxxiv. EE vivia, com a sua família, em casa própria, para cuja construção contraiu empréstimo bancário, que estava a pagar, tendo contraído ainda empréstimo para aquisição de uma viatura, que ainda se mantinha à data da sua morte.

lxxv. À data da morte de EE , a demandante FF estava desempregada, vivendo o agregado familiar exclusivamente à custa do vencimento daquele.

lxxvi. A vítima EE era um pai zeloso e dedicado à família, muito em particular à esposa e às suas filhas menores, com quem passava quase tidas as horas em que não estava a trabalhar, acompanhando a mulher nas suas actividades, designadamente, quando ia às compras, ao medido ou nos seus assuntos familiares, e, sempre que podia, levando as filhas aos seus estabelecimentos de ensino.

lxxvii. Era uma pessoa alegre, bem disposta, muito voluntariosa para todo o tipo de serviços de casa, ajudando a filha mais velha nos estudos.

lxxviii. Tinha uma relação muito alegre e entusiasta com as filhas, a quem estava muito ligado emocionalmente.

lxxix. A filha mais velha tirou o curso de modelo e foi a vítima EE que mais a incentivou a tirar tal curso, fazendo questão de a acompanhar às aulas, o que era motivo de orgulho para a filha.

lxxx. Era muito ligado aos seus pais e aos seus sogros, para quem era muito atencioso, levando-os ao médico e assegurando-lhes as suas deslocações de automóvel, sempre que podia.

lxxxi. Era o malogrado EE quem fazia a manutenção da sua casa, estando a pintar os balaústres da mesma à data da sua morte.

lxxxii. Era um agente da Guarda Nacional republicana respeitado por colegas e cidadãos.

lxxxiii. Após a morte de EE , as suas filhas passaram a ser acompanhadas por psicóloga.

lxxxiv. A demandante FF ficou destroçada ao receber a notícia da morte do seu marido, a vítima EE , cuja perda ainda não superou, vivendo ainda em estado de grande tristeza e angústia e sentindo agora a responsabilidade, antes assumida pelo seu companheiro, de cuidar em exclusivo das suas filhas e de prestar assistência aos seus pais e sogros.

lxxxv. As filhas de EE sentem a ausência do seu pai, vivendo ainda momentos de tristeza, infelicidade e de revolta por o terem perdido.

lxxxvi. Após a morte de EE foi atribuída à sua viúva e às suas filhas menores uma pensão de preço de sangue, no valor de €: 1.029,94 [mil e vinte e nove euros e vinte e quatro cêntimos], ascendendo o capital necessário para suportar tal pensão à quantia de €: 119.483,34 [cento e dezanove mil, quatrocentos e oitenta e três euros e trinta e quatro cêntimos].

lxxxvii. A menor CC após os factos ocorridos no dia 29 de Novembro de 2009, ficou em estado de choque, chorando e dizendo continuamente que queria a sua mãe.

lxxxviii. Tendo presenciado a morte da mãe, vive intensamente a perda da figura materna, o que lhe causou e causa grande instabilidade emocional e psicológica, desgosto, dor profunda, angústia, tristeza e grande solidão, estando a ser acompanhada em consultas de pedopsiquiatria.

lxxxix. Com a morte da sua mãe, ficou privada do sustento que esta lhe proporcionava, proveniente dos rendimentos que a mesma auferia, não concretamente apurados.

xc. Depois de iniciarem uma relação de namoro, o arguido e a falecida BB viveram, na casa dos pais daquele, em condições análogas às dos cônjuges, após o que se casaram um com o outro, na data acima referida, tendo fixado a sua residência numa moradia que o arguido construiu juntamente com o seu pai.

xci. Ainda bebé, foi diagnosticada ao menor JJ uma surdez profunda bilateral.

xcii. Aparentavam ser um casal normal.

xciii. Desde data não concretamente apurada, passaram a explorar em conjunto um bar.

xciv. O arguido interrompeu a sua actividade à frente do bar, para ingressar na actividade de motorista de transportes internacionais, o que fez para granjear rendimentos que lhe permitissem custear um aparelho auditivo de que o seu filho necessitava, sendo que, nesse período, foi a infeliz BB quem ficou sozinha a trabalhar no bar, sendo coadjuvada pelo arguido quando este regressava das suas viagens.

xcv. Não obstante terem passado a viver separados, nos termos acima referidos, o arguido continuou a contactar com a vítima BB, passando continuamente na casa onde esta vivia com os filhos, pelo menos, para estar com as crianças.

xcvi. O arguido desconfiava que a mulher o enganava com outros homens.

xcvii. A malograda BB era tida socialmente como uma mulher séria, honesta, trabalhadora, boa esposa e boa mãe.

xcviii. Nos dias que antecederam o fatídico 29 de Novembro de 2009, o arguido dava mostras de andar cansado, fruto do muito trabalho que tinha sozinho no bar acima referido.

xcix. O arguido tem tido bom comportamento prisional.


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          Apreciando. - Fundamentação de direito.

           I – Recurso interlocutório  

       

          Nas conclusões 1.ª a 11.ª o recorrente pretende a reapreciação do decidido relativamente à sua pretensão de obtenção de parecer técnico-científico por parte do Conselho Médico-Legal.

A questão colocada era, simplesmente, esta:

Se perante três relatórios de perícias psiquiátricas médico-legais cujas conclusões não são coincidentes, devia o Tribunal a quo ter suscitado o parecer do Conselho Médico-Legal.

O despacho recorrido proferido pelo Juiz Presidente do Colectivo, constante de fls. 1773, é do seguinte teor (transcrição):

«Pediu, ainda, o arguido que fosse suscitada a intervenção do Conselho Médico-Legal no sentido de proceder à avaliação das perícias efectuadas nos autos.

Nos termos do artigo 6º, número 2, alínea a) do Decreto-lei número 131/2007, de 27 de Abril, compete ao Conselho Médico-Legal emitir pareceres sobre questões técnicas e científicas de natureza pericial.

Todavia, por força do disposto no número 3 da citada norma tal consulta técnico-científica apenas pode ser solicitada pelo membro do Governo responsável pela área da Justiça, pelo Conselho Superior da Magistratura, pela Procuradoria-Geral da República ou pelo presidente do Conselho Directivo do INML, IP.

Em face do teor da citada norma, forçoso é de concluir que este tribunal não dispõe de legitimidade para suscitar a intervenção daquele Conselho, de onde se retira que a competência deste Órgão ao nível da emissão de pareceres sobre questões técnicas e científicas de natureza pericial foi prevista em termos gerias e não em vista de processos concretos e perícias concretas ordenadas pelos Tribunais.

Assim e pelo exposto, deverá a diligência requerida ser indeferida, o que se decide.»

 

Sobre o tema, disse o acórdão ora recorrido, a fls. 2265 a 2267, negando provimento ao recurso:

«1.O recurso interlocutório

Porque foram realizadas nos autos três perícias médico-legais psiquiátricas ao arguido cujas conclusões não são coincidentes, o arguido e recorrente requereu ao Tribunal a quo que suscitasse o parecer do Conselho Médico-Legal, o que foi indeferido por despacho que considerou que o tribunal não dispunha de legitimidade para suscitar essa intervenção, mais considerando que a competência desse órgão para emitir pareceres sobre questões técnicas e científicas não se encontra prevista para questões concretas suscitadas por perícias realizadas.

Contra esse entendimento contrapõe o recorrente que o Conselho Médico-Legal tem intervindo inúmeras vezes por solicitação dos tribunais e não enjeita essa competência, sendo meramente formais as razões do despacho recorrido que viola o disposto no artigo 340º, nº 1 do Código de Processo Penal.

O recorrente não emprega qualquer esforço argumentativo no sentido de demonstrar a existência de efectiva violação do disposto no artigo 340º, nº 1 do Código de Processo Penal que estipula o poder-dever de o tribunal realizar toda e qualquer diligência de prova que seja necessária à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.

Para além da defendida possibilidade de realizar a diligência requerida, o tribunal apenas estaria obrigado a realizá-la caso se devesse concluir que seria a única susceptível de dirimir a contradição entre provas de natureza pericial e, portanto, indispensável à descoberta da verdade e boa decisão da causa.

Não obstante, confrontado o disposto no artigo 6º do Decreto-Lei nº 131/2007 de 27 de Abril que aprova a orgânica do Instituto Nacional de Medicina Legal, verificamos que o Conselho Médico-Legal é um órgão de direcção do INML a quem compete definir as orientações do Instituto em matéria técnica, científica e ética, com uma componente de avaliação da actividade e de proposta de alterações tendo em vista o melhor cumprimento das suas tarefas.

Isto resulta expressivamente do disposto no nº 2 do citado artigo de onde consta, nomeadamente, que ao Conselho Médico-Legal compete definir as regras técnicas e científicas a que deve obedecer a actividade do INML, o que já pressupõe a adopção de regras gerais aplicáveis em todos os casos concretos.

Mas o nº 3 do mesmo preceito especifica em relação conteúdo da alínea a) do nº anterior “compete ao conselho médico-legal (…) emitir pareceres sobre questões técnicas e científicas de natureza pericial" que a consulta técnico-científica e ética pode ser solicitada pelo membro do Governo responsável pela área da justiça, pelo Conselho Superior da Magistratura, pela Procuradoria-Geral da República ou pelo presidente do conselho directivo do INML.

Ora esta formulação legal é bem significativa no sentido de que ao Conselho Médico Legal não compete dirimir divergências que se suscitem entre concretas perícias médico-legais realizadas mas tão só definir as grandes linhas de orientação em matérias onde se possam suscitar dúvidas, emitindo pareceres, nomeadamente a solicitação das entidades que superintendem os serviços da justiça.

E sendo assim, o despacho recorrido não merece desde logo qualquer censura porque não cabe ao Conselho Médico-Legal emitir pareceres sobre perícias médico-legais realizadas, devendo ser mantido.

Aliás, o Código de Processo Penal é bem explícito no seu artigo 158º no sentido de que as dúvidas sobre perícias devem ser resolvidas através da realização de nova perícia e/ou esclarecimentos prestados pelos peritos, procedimentos que foram adoptados nos autos».

Apreciando.

Questão (prévia) da admissibilidade do recurso

A decisão recorrida é no presente recurso o segmento do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 24 de Abril de 2012, que conhecendo do recurso interlocutório, confirmou o despacho de primeira instância, que indeferira a realização da diligência impetrada.

Como se viu supra, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal opinou no sentido da irrecorribilidade do acórdão da Relação de Coimbra de 24-04-2012 neste segmento, para tanto invocando o artigo 400.º, n.º 1, alínea c), do CPP, por o Tribunal da Relação ter apreciado, em recurso, questão que extravasa o objecto do processo.

No caso sujeito impõe-se indagar da admissibilidade deste recurso, interposto para o STJ, visando impugnar o acórdão da Relação, confirmativo de despacho proferido por juiz singular no sentido de indeferimento de realização de diligência probatória, no caso um pedido de parecer e avaliação ao Conselho Médico-Legal sobre três perícias médicas realizadas no âmbito dos autos.

  

O princípio geral em termos de recorribilidade é o de que as decisões judiciais em processo penal são recorríveis, pois como estabelece o artigo 399.º do Código de Processo Penal “É permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei”.

A delimitação das possibilidades de recurso para o STJ consta, de forma taxativa, do artigo 432.º do Código de Processo Penal, que na versão originária de 1987 (Decreto-Lei n.º 78/87, de 17-02) estabelecia:

(Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça)

Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:

a) De decisões das relações proferidas em primeira instância;

b) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri;

c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo;

d) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores;

e) Noutros casos especialmente previstos na lei.

Na versão da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto (Diário da República I – A Série, n.º 195/98, da mesma data), que alterou o CPP, entrada em vigor em 1 de Janeiro de 1999 (artigo 10.º), passou a estabelecer:

1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:

a) De decisões das relações proferidas em primeira instância; (única inalterada em 1998)

b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º;

c) [Anterior alínea b).] De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri;

d) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito;

e) [Anterior alínea d).]. De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores;

A Lei n.º 48/07, de 29 de Agosto (rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 100-A/2007, Diário da República, I Série, n.º 207, Suplemento, de 26-10, por seu turno, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 105/2007, DR, I Série, n.º 216, de 9-11-2007), que procedeu à 15.ª alteração do CPP e republicou o CPP aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17-02, introduziu as seguintes alterações:  

Artigo 432.º

1 – (Anterior corpo do artigo)

a) ……………………………………………………..………………………..

b) ……………………………………………………………………………….

c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou do tribunal colectivo, que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito;

d) [Anterior alínea e)].

2 – Nos casos da alínea c) do número anterior não é admissível recurso prévio para a relação, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 414.º

(Esta redacção permaneceu intocada nas subsequentes modificações do Código de Processo Penal, operadas pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, pela Lei n.º 115/09, de 12 de Outubro e pela Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto, que introduziu a décima nona alteração ao CPP).

Por seu turno, estabelecia o artigo 400.º do Código de Processo Penal, na versão originária de 1987:

1 - Não é admissível recurso:

a) De despachos de mero expediente;

b) De decisões que ordenam actos dependentes da livre resolução do tribunal;

c) De decisões proferidas em processo sumaríssimo;

d) De acórdãos das relações em recursos interpostos de decisões proferidas em primeira instância;

e) Nos demais casos previstos na lei.

2. ----------------------------------------------------------------------------------------------

A reforma de 1998 manteve inalterada a redacção das alíneas a) e b) do n.º 1, alterando outras e inovando, introduziu a alínea c) do seguinte teor:

c) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não ponham termo à causa.

A Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, alterou as alíneas c), e) e f), daí resultando:

1 - Não é admissível recurso:

a) De despachos de mero expediente;

b) De decisões que ordenam actos da livre resolução do tribunal;

c) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que não conheçam, a final, do objecto do processo.

d) De acórdãos absolutórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.º instância;

e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade;

f) De acórdãos condenatórios proferidos em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos;

g) Nos demais casos previstos na lei.

                                                                          ********

A questão a dilucidar é a de saber se o acórdão da Relação na parte em que julgou improcedente o recurso interlocutório é recorrível.

O despacho proferido na primeira instância, bem como o acórdão da Relação que o confirmou, tiveram em vista apreciar a bondade da pretensão do arguido, que com o julgamento em curso requereu uma nova avaliação probatória, tendo sido confirmado o indeferimento de tal pretensão.

           Aqui e agora, coloca-se a questão de saber se o acórdão confirmativo do despacho de indeferimento de diligência probatória, requerida pelo arguido, é, ainda, sindicável por este Supremo Tribunal. 

          *******

É abundante a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça a propósito da interpretação a dar à antiga expressão “por termo à causa”, constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea c), do CPP, na versão de 1998, e da irrecorribilidade das denominadas decisões interlocutórias ou intercalares, quer o recurso tenha sido interposto para a Relação de forma autónoma ou isolada, ou no seio de recurso da decisão final.

Como se pronunciou o acórdão de 08-07-2004, proferido no processo n.º 2238/04-5.ª “Decisão que põe termo à causa é a que tem como consequência o arquivamento ou encerramento do objecto do processo, mesmo que não se tenha conhecido do mérito. Tanto pode ser um despacho como uma sentença (ou acórdão). Nem sempre é uma “decisão final” (decisão que, após audiência e conhecendo do mérito, põe termo à causa) mas a “decisão final” é sempre uma “decisão que põe termo à causa”.

Por isso, no caso dos autos, “decisão que pôs termo à causa” foi o acórdão absolutório, pois foi aí que se apreciou a “causa”, isto é, o objecto do processo definido pela acusação/pronúncia. E como essa decisão apreciou o mérito, após audiência, trata-se, também, de uma “decisão final”.

O acórdão da Relação que rejeitou o recurso do acórdão final, por tê-lo julgado extemporâneo, não foi, portanto, uma decisão que pôs termo à causa, mas uma decisão processual posterior ao termo da causa.

Posta a questão no seu devido lugar, há então que aplicar o disposto no art. 400.º al. c) do CPP, isto é, há que declarar irrecorrível o acórdão da Relação, pois não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não ponham termo à causa.”.

No mesmo sentido, o acórdão de 26-01-2005, processo n.º 4438/04-3.ª, onde se refere: “A decisão que põe termo à causa é a decisão que faz terminar a causa de modo substancial, que julga e determina o direito do caso e decide o objecto do procedimento criminal, definindo a existência ou a inexistência de responsabilidade criminal, e, quando for o caso, a culpabilidade e a pena.

Não constitui, assim, decisão final aquela que se não refira, funcional e estruturalmente, à matéria da causa e ao objecto do processo, mas apenas a incidências estritamente processuais, próprias do desenvolvimento e da ordenação sequencial do processo, como são os despachos proferidos nos limites estritamente processuais da discussão sobre os pressupostos da admissibilidade de um recurso, como é o caso dos autos”.

Como se pode ler no acórdão de 20-12-2006, processo n.º 3043/06-3.ª, em caso em que na Relação se julgara improcedente arguição de nulidade de escutas: “Apesar de o acórdão recorrido conter outras decisões que puseram termo à causa, em princípio susceptíveis de recurso para o STJ, tratando-se de uma questão interlocutória, a circunstância de não ter sido objecto de recurso autónomo não lhe confere recorribilidade, a reboque de algumas das restantes poderem ser objecto de recurso para este Tribunal, tanto mais que a hipótese não configura a excepção prevista na alínea e) do artigo 432º do CPP. Embora o problema das escutas acompanhe a decisão final, pode e deve ser dela cindida, sendo que sobre ela até já se formou dupla conforme. Este entendimento, além de respeitar a garantia constitucional do duplo grau de jurisdição, está em perfeita consonância com o regime traçado na Reforma de 1998 para os recursos para o STJ, a qual obstou, de forma clara, ao segundo grau de recurso, terceiro grau de jurisdição relativo a questões processuais ou que não tenham posto termo à causa”.

Em registo semelhante, o acórdão de 15-03-2006, proferido no processo n.º 2787/05-3.ª, onde se diz: “O STJ só conhece dos recursos das decisões interlocutórias de 1ª instância que devam subir com o da decisão final, quando esse recursos sejam directos para o STJ e não quando tenham sido objecto de recurso decidido pelas Relações. Compreende-se que assim seja, já que estão em causa meras questões procedimentais, não se justificando no sistema de recurso para o STJ, um 3.º grau de jurisdição para questões que não se referem directamente ao objecto do processo, não se vislumbrando que tal entendimento colida com as garantias do processo criminal contempladas no artigo 32.º da CRP”.

No acórdão de 06-04-2006, processo n.º 805/06-5.ª, in CJSTJ 2006, tomo 2, pág. 159, com citação de vários arestos, afirma-se que por termo à causa significa que a questão substantiva, que é o objecto do processo, fica definitivamente decidida.

Este Supremo Tribunal afirmou que o preceito em causa, na anterior versão, ao estabelecer a inadmissibilidade de recurso relativamente a acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações, que não punham termo à causa, abrangia todas as decisões interlocutórias, independentemente da forma como o respectivo recurso era processado e julgado pela Relação, ou seja, quer o recurso fosse autónomo quer fosse inserido em impugnação da decisão final - acórdãos de 02-02-2005, processo n.º 4046/04-3.ª, in CJSTJ 2005, tomo 1, pág. 188 (acórdão da Relação que anule o julgamento em 1.ª instância e determine a sua repetição é irrecorrível); de 22-09-2005, processo n.º 1752/05-5.ª (embora a questão interlocutória acompanhe a decisão final, pode e deve dela ser cindida, sendo que sobre ela até já se formou dupla conforme); de 11-01-2006, processo n.º 4301/04-3.ª; de 02-02-2006, processo n.º 4224/05-5.ª, in CJSTJ 2006, tomo 1, pág. 180 (o despacho que revogou o perdão de penas aplicado na decisão final, não põe termo à causa, antes é uma decisão posterior ao termo da causa e, como tal, irrecorrível para o STJ); de 28-06-2006, processo n.º 1589/06-3.ª, de 20-12-2006, processo n.º 3043/06-3.ª; de 16-05-2007, processo n.º 1239/07-3.ª; de 05-07-2007, processo n.º 2054/07-5.ª (a decisão intercalar da Relação que apreciou, em recurso, a questão da legalidade das escutas telefónicas é irrecorrível para o STJ. Tal decisão não põe termo à causa - cf. art. 400º, 1. f)); de 05-07-2007, processo n.º 1887/07-5.ª; de 12-07-2007, processo n.º 1771/07-5.ª.

Sobre o sentido e alcance da nova redacção dada à alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º pela reforma de 2007, pronunciaram-se os acórdãos de 14-11-2007, processo n.º 3249/07-3.ª; de 05-12-2007, processo n.º 3169/07-3.ª; de 09-01-2008, processo n.º 2793/07-3.ª (No presente caso, trata-se de uma decisão que não põe termo à causa, isto é, que não conhece do objecto do recurso. A decisão de que se pretende recorrer é um acórdão proferido em recurso pela Relação, que não pôs termo à causa. Na verdade, o segmento da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, que declarou válido e legal a valoração do depoimento da vítima não pôs termo à causa, ou seja, não conheceu do objecto do processo. Sendo aquela decisão irrecorrível, deve o recurso na parte em que a impugna ser rejeitado, nos termos dos artigos 420º, nº 1 e 414º, nº 2 do CPP); de 23-01-2008, processo n.º 4570/07-3.ª; de 31-01-2008, processo n.º 4843/07-5.ª; de 05-03-2008, processo n.º 220/08-3.ª, afirmando-se neste que a actual redacção se aproxima do artigo 432.º, alínea c), do CPP, onde se faz menção à recorribilidade para o STJ de acórdãos finais do colectivo ou do tribunal do júri (no nosso caso, em causa está um despacho de juiz singular); de 26-03-2008, processo n.º 820/08 e ainda os de 18-12-2008, processo n.º 3065/08, de 25-11-2009, processo n.º 529/09.5YFLSB, e de 02-06-2010, processo n.º 1987/09.3TAFAR-A.E1.S1, sendo os últimos quatro todos da 3.ª Secção e do mesmo relator, onde se pondera:

«Decisão que não conheça, a final, do objecto do processo, é toda a decisão interlocutória, bem como a não interlocutória que não conheça do mérito da causa.

O texto legal ao aludir a decisão que não conheça, a final, abrange todas as decisões proferidas antes da decisão final;

Ao mencionar o objecto do processo refere-se, obviamente, aos factos imputados ao arguido, pelos quais o mesmo responde, ou seja, ao objecto da acusação (ou da pronúncia), visto que é esta que define e fixa, perante o tribunal, o objecto do processo, condicionando o se da investigação judicial, o seu como e o seu quantum, pelo que contempla todas as decisões que não conheçam do mérito da causa.

O traço distintivo entre a actual e a anterior redacção reside na circunstância de anteriormente serem susceptíveis de recurso todas as decisões que pusessem termo à causa, sendo que actualmente só são susceptíveis de recurso as decisões que põem termo à causa quando se pronunciem e conheçam do seu mérito.

Assim, são agora irrecorríveis as decisões proferidas pelas Relações, em recurso, que ponham termo à causa por razões formais, quando na versão pré – vigente o não eram, ou seja, o legislador alargou a previsão da al. c) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, ampliando as situações de irrecorribilidade relativamente a acórdãos proferidos, em recurso, pelo Tribunal da Relação»

Podem ver-se ainda sobre o tema os acórdãos de 23-04-2008, processo n.º 899/08-3.ª; de 24-04-2008, processo n.º 3057/06-5.ª (É irrecorrível o acórdão da Relação que confirmou um despacho proferido em 1.ª instância, em que foi ordenada a junção aos autos da acta de uma sessão de julgamento. Na verdade, são irrecorríveis as decisões proferidas em recurso pela Relação «que não ponham termo à causa» ou, como se estipulou depois da entrada em vigor da Lei 48/2007, de 29-08, «que não conheçam, a final, do objecto do processo» (art. 400.º, n.º 1, al. c), do CPP); de 21-05-2008, processo n.º 106/08-3.ª; de 04-06-2008, processo n.º 1306/08-3.ª; de 12-06-2008, processo n.º 1782/08-3.ª, onde se considera que a Lei n.º 48/2007 introduziu um fundamento novo de irrecorribilidade das decisões da Relação que não ponham termo à causa, ampliando o âmbito da irrecorribilidade das decisões da Relação que não conheçam, a final, do objecto do processo, ou seja, do mérito da causa; de 19-06-2008, processo n.º 2043/08-5.ª; de 25-06-2008, processo n.º 449/08-3.ª e da mesma data em incidente de recusa de juiz n.º 4842/07-3.ª; e ainda de 10-07-2008, processo n.º 2142/08-3.ª e de 10-09-2008, processo n.º 1959/08-3.ª, do mesmo relator, que confirmando entendimento anterior, afirma: “a inadmissibilidade de recurso relativamente a acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não conheçam, a final, do objecto do processo, abrange todas estas decisões (processualmente denominadas de interlocutórias), independentemente da forma como o respectivo recurso é processado e julgado pela Relação, isto é, quer o recurso seja autónomo, quer seja inserido em impugnação da decisão final. A decisão da Relação que apreciou, em recurso, a invalidade da prova por reconhecimento e decidiu no sentido da validade da mesma não conheceu, a final, do objecto do processo, pelo que é irrecorrível”; de 25-09-2008, processo n.º 809/08-5.ª; de 12-11-2008, processo n.º 709/00.9JASTB.S1-3.ª; de 10-12-2008, processo n.º 3638/08-3.ª; de 18-02-2009, processo n.º 109/09, desta Secção “a decisão que conhece de contingências sobre a relação processual ou sobre uma questão avulsa, sobre incidências meramente processuais, próprias do desenvolvimento da relação processual, escapa ao conceito de decisão final e poderá, quando muito, constituir decisão que ponha termo ao processo”; de 25-02-2009, processo n.º 101/09-3.ª (O recurso interlocutório é um recurso autónomo relativamente ao recurso interposto do acórdão final condenatório. A circunstância de ter subido com o recurso interposto do acórdão final e, por isso, de ter sido conhecido juntamente com aquele - oportunidade ditada apenas por razões de economia processual -, não é susceptível de lhe retirar aquela autonomia formal e, consequentemente, de alterar as regras de (ir)recorribilidade que lhe são próprias. Assim, a pronúncia da Relação sobre os reconhecimentos – questão que era objecto de recurso interlocutório – é uma decisão que não conheceu, nessa parte, do objecto do processo e, como tal, não é susceptível de recurso para o STJ – cfr. a propósito de arguição de eventual nulidade, questão aqui versada, o acórdão de 07-07-2010, proferido no processo n.º 156/00.2IDBRG.S1-5.ª); de 10-12-2009, processo n.º 326/04.4IDBRG.S1-5.ª, (Com a actual redacção do art. 400.º, n.º 1, al. c), do CPP, introduzida pela Lei n.º 48/2007, o legislador pretendeu negar um duplo grau de recurso a decisões que se não tenham pronunciado quanto ao mérito; ou seja, mesmo que ponham fim à causa, se não conhecerem do objecto do processo, as decisões não são recorríveis; deste modo, é sempre irrecorrível a decisão da Relação que confirmou o despacho interlocutório proferido em 1.ª instância respeitante à questão da incompetência material do tribunal penal para se debruçar sobre a indemnização cível em que o recorrente foi condenado); de 02-06-2010, processo n.º 1987, CJSTJ 2010, tomo 2, p. 213 (versando segredo profissional e bancário – sobre o tema, em sentido contrário, com voto de vencido do relator do anterior, os acórdãos de 09-02-2011, processo n.º 12153/09.8TDPRT-A.P1.S1, in CJSTJ 2011, tomo 1, p. 196 e de 24-03-2011, processo n.º 106/04.7TALMG-B.P1.S1, com os mesmos intervenientes); de 07-07-2010, processo n.º 156/00.2IDBRG.S1-5.ª (Considerou-se que a questão atinente à falta de pronúncia do tribunal de 1.ª instância sobre  a validade das escutas e intercepções, antes do acórdão final, não era recorrível para o STJ; o recurso foi rejeitado por se tratar de questão interlocutória, para a qual há apenas um grau de recurso, e é o bastante. Pondera ainda que “Não sendo tais questões susceptíveis de recurso para o STJ , não seria a mera invocação de nulidade por omissão de pronúncia que iria tomar a decisão recorrível. A nulidade, a existir, teria de ser arguida pelo interessado no próprio tribunal que proferiu a decisão – a propósito de arguição de nulidade, cfr. o acórdão de 25-02-2009, proferido no processo n.º 101/09-3.ª); de 29-09-2010, processo n.º 520/00.7TBABT-A.S1-3.ª (acórdão proferido em recurso de revisão visando despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão, onde se refere que segundo a jurisprudência pacífica e constante do STJ, a decisão que põe fim ao processo é a decisão final, ou seja, a sentença, a qual em regra conhece da relação substantiva ou mérito da causa, bem como a que, proferida antes da sentença, tem como consequência o arquivamento ou o encerramento do processo); de 6-10-2010, processo n.º 1131/01.5TASTS.S1-3.ª (estando em causa, como no presente caso, despacho proferido por juiz singular); de 13-10-2010, processo n.º 200/06.0JAAVR.C1.S1-3.ª (tratando-se de uma questão interlocutória, a circunstância de não ter sido objecto de recurso autónomo não lhe confere recorribilidade fundamentada na circunstância de as restantes poderem ser objecto de recurso para o STJ. A reforma de 2007 consagra no art. 432.º, n.º 1, al. d), a regra de que as decisões interlocutórias que devem ser apreciadas pelo STJ são unicamente as que devam subir com as als. b) e c)); de 27-10-2010, processo n.º 2519/06.0TAVCT.G1.S1-3.ª; de 26-01-2011, processo n.º 1349/06.4TBLSD.P1.S1-3.ª; de 09-06-2011, processo n.º 4095/07.8TPPRT.P1.S1-5.ª (distinguindo entre decisões proferidas “no recurso” e proferidas “em recurso”, admite o recurso quanto a questões interlocutórias, intermédias, por na espécie a Relação ter conhecido delas “ex novo”); de 26-10-2011, processo n.º 29/04.0JDLSB.L1.S1-3.ª; de 17-11-2011, processo n.º 2235/09.1PBGMR.G1.S1-5.ª (de acordo com o art. 400.º, n.º 1, al. c) do CPP, o STJ não conhece da arguição de nulidade, por omissão de diligência posterior ao inquérito reputada essencial para a descoberta da verdade, quando o acórdão recorrido já se pronunciou sobre a questão, em termos que não merecem qualquer reparo, recusando a nulidade agora novamente arguida); de 21-12-2011, processo n.º 978/99.5TBPTM-A.S1-3.ª, proferido em processo de revisão, onde se pode ler “segundo a jurisprudência pacífica e constante do STJ, a decisão que põe fim ao processo é a decisão final, ou seja, a sentença, a qual em regra conhece da relação substantiva ou mérito da causa, bem como a que, proferida antes da sentença, tem como consequência o arquivamento ou o encerramento do processo”; de 31-01-2012, processo n.º 171/05.0TAPDL.L2.S1-3.ª; de de 22-02-2012, processo n.º 371/07.8TAFAF.G1.S1-3.ª; de 21-03-2012, processo n.º 804/03.2TAALM.L1.S1-5.ª e de 18-04-2012, processo n.º 660/10.4TDPRT.P1.S1-3.ª “Ponderando o estabelecido pelos artigos 432.º, n.º 1, al. d) e 400.º, n.º 1, al. c), do CPP, o STJ só conhece dos recursos das decisões interlocutórias do tribunal de 1.ª instância que devam subir com o da decisão final, quando esses recursos (do tribunal de júri ou tribunal colectivo) sejam directos para o STJ e não quando tenham sido objecto de recurso decidido pelas relações

É irrecorrível, conforme estabelece a al. c) do n.º 1 do art. 400.º, por referência à al. b) do artigo 432.º, ambos do CPP, a decisão da Relação tomada em recurso que, tendo absoluta autonomia relativamente às demais questões suscitadas, não pôs termo à causa por não se ter pronunciado sobre a questão substantiva que é o objecto do processo, sendo que para efeito da recorribilidade, mostra-se indiferente a forma como o recurso foi processado e julgado pela Relação, isto é, se o recurso foi processado autonomamente ou se a decisão se encontra inserida em impugnação da decisão final. 

       O recurso interlocutório (interposto do despacho que considerou que a consulta dos autos fora da secretaria está sujeita a tributação) versava exclusivamente uma decisão de natureza interlocutória e não uma decisão que pusesse termo à causa, pelo que, por inadmissível legalmente, não pode, nem deve, ser conhecido pelo STJ”.

Segundo o acórdão de 26-04-2012, proferido no processo n.º 438/07.2PBVCT.G1.S1-5.ª “Não é admissível recurso directo para o STJ de decisões interlocutórias proferidas pela 1.ª instância, quando da decisão final da 1.ª instância não é admissível recurso directo para este tribunal (cfr als. c) e d) do n.º 1 do artigo 432.º do CPP, a contrario). Como a relação apreciou e decidiu o recurso intercalar, o mesmo está definitivamente decidido, sendo infrutífera a tentativa do recorrente, no sentido de renovar, quando nem sequer é admissível recurso para o STJ da decisão da relação que dele conheceu (cfr al. c) do art. 400.ºdo CPP). A relação ao apreciar o recurso constituído por questões interlocutórias não conheceu, a final, do objecto do processo, não julgou o mérito da causa”; cfr. ainda o acórdão de 09-05-2012, processo n.º 418/08.0PAMAI.S1-3.ª.

Ademais, da conjugação dos artigos 400.º, 427.º e 432.º, todos do CPP, retira-se que decisões de natureza processual ou que não ponham termo ao processo não são recorríveis para o Supremo Tribunal de Justiça: pressuposto do recurso para este Tribunal (salvo os casos específicos que a lei especialmente preveja – artigo 433.º) é a natureza da decisão de que se recorredecisões finais - e não decisões que incidem sobre questões processuais avulsas (exceptua-se, aqui, o caso de recurso de decisão interlocutória que suba com recurso para cuja apreciação é competente o Supremo Tribunal – artigo 432.º, alínea e) - actual alínea d) - do Código de Processo Penal).  

“O artigo 400.º, n.º 1, alínea c) abrange todas as decisões interlocutórias, subtraindo-as à competência do Supremo Tribunal (com a excepção supra indicada, da alínea d) do artigo 432.º): a competência em razão da hierarquia para proferir decisões que não ponham termo à causa cabe ao Tribunal da Relação, que decide, em matérias interlocutórias, em última instância” – neste sentido os acórdãos de 20-12-2006, processo n.º 4546/06-3.ª e de 09-05-2007, processo n.º 1242/07-3.ª. (Sobre a última asserção, cfr. o acórdão deste STJ de 22-07-2004, em trecho citado no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 686/04, infra referido, publicado no DR, II Série, de 18-01-2005 e em ATC, volume 60, p. 665).

Como refere Paulo Pinto de Albuquerque em Comentário do Código de Processo Penal, UCE, 2007, nota 4, p. 1002 (p. 1042, na 4.ª edição actualizada reportada a Abril de 2011), o propósito da Lei n.º 48/2007 foi o de ampliar este fundamento de irrecorribilidade, alargando-a a todos os acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações que ponham termo à causa, mas não conheçam do objecto do processo, do mérito do pleito, o que a redacção anterior de 1998 não incluía.

      

         A jurisprudência constitucional tem apontado a exigência do duplo grau de jurisdição apenas no que tange a decisões penais condenatórias e a decisões de privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros direitos fundamentais do arguido, e não tanto “com o cumprimento das regras procedimentais ou processuais a que o legislador subordine as decisões judiciais sobre tais matérias” – cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 265/94, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 27.º Volume, págs. 751 e ss.; n.º 30/01, de 30-01-2001, processo n.º 469/00 (1.ª Secção), publicado no DR, II Série, de 23-03-2001 e n.º 390/04, de 02-06-2004, processo n.º 651/03 (2.ª), in DR, II, de 07-07-2004 e Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 59, pág. 543.

Por outro lado, a “garantia do recurso” introduzida na 4.ª revisão constitucional, pela Lei Constitucional n.º 1/1997, publicada in Diário da Republica, I-A, de 20-09-1997, conferindo nova redacção ao artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, não demanda a previsão de recurso até ao Supremo Tribunal para decisões quanto a questões processuais intermédias que não definem o direito do caso, mas apenas determinam um certo modo de ordenação e sequência processuais.

Da Constituição da República não se retira a plena recorribilidade de todos os actos praticados pelo juiz ao longo do processo penal ainda que sejam susceptíveis de afectar o arguido, tendo a questão sido abordada em alguns arestos do Tribunal Constitucional.
Com efeito, o Tribunal Constitucional tem reiterado que o exercício das garantias de defesa, onde se inclui o direito de recurso, por parte do arguido condenado, não comporta, nem um acesso irrestrito ao Supremo Tribunal de Justiça, nem que sejam assegurados todos os graus de recurso abstractamente configuráveis nem, por fim, a sistemática garantia de um triplo grau de jurisdição corporizado, sempre e necessariamente, num reexame da decisão condenatória, sucessivamente, pelas Relações e Supremo Tribunal de Justiça

O acórdão n.º 221/2000, de 05-04-2000, no processo n.º 753/99, publicado in DR, II Série, de 31-10-2000, proferido no âmbito do artigo 566.º, § 1.º, do Código de Processo Penal de 1929, enunciou as seguintes asserções:

1 - O artigo 32.º, n.º 1 da CRP ao dispor que o processo penal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso, não atribui um direito ilimitado de impugnação de toda e qualquer decisão judicial proferida no processo penal.

O direito ao recurso no processo penal garante-o a Constituição quanto às decisões condenatórias e relativamente àquelas que privem ou restrinjam a liberdade ou quaisquer direitos fundamentais do arguido.

2 - Sempre o Tribunal Constitucional julgou compatíveis com a Constituição várias normas do processo penal que recusam ao arguido a possibilidade de recorrer de determinados despachos interlocutórios.

3 - Não é possível pretender inferir do direito ao recurso, a regra da irrestrita recorribilidade de todas as decisões interlocutórias do juiz ao longo do processo penal, incluindo meras decisões preliminares ou provisórias.

   Como se extrai do acórdão n.º 375/2000, de 13-07-2000, proferido no processo n.º 633/99, in DR, II Série, de 16-11-2000, «a jurisprudência do Tribunal apenas reconhece a aplicabilidade do princípio de recorribilidade às decisões condenatórias e àquelas que impliquem privação ou restrições da liberdade ou de outros direitos fundamentais do arguido. Por isso, o Tribunal não julgou inconstitucionais normas processuais penais que denegam a possibilidade de o arguido impugnar determinados despachos interlocutórios do juiz, que se limitam a fazer prosseguir o processo (Ac. 353/91, Acs. Tribunal Constitucional, 19.º volume)».

No acórdão n.º 597/2000, de 20-12-2000, no processo n.º 643/00, DR, II Série, de 25-01-2001, foi julgada inconstitucional a interpretação do artigo 400.º, n.º 1, alínea c), segundo a qual não são susceptíveis de recurso para o STJ os acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações que versem sobre questões de direito processual penal.

  No caso apreciado no acórdão ora citado estava em causa rejeição do recurso, não chegando a ser censurada pelo Tribunal da Relação a sentença condenatória em pena de prisão efectiva, tendo nesse caso o acórdão recorrido ditado o termo do processo, fazendo transitar irremediavelmente a condenação da 1.ª instância, estando-se face a decisão final.

        Fazendo aplicação da doutrina deste acórdão e admitindo o recurso, o acórdão de 14-01-2009, por nós relatado, no processo n.º 2494/08, onde se decidiu: “No nosso caso a decisão recorrida é recorrível, pois que rejeitando o recurso interposto pelo arguido, com a invocação do caso julgado, considerando o recurso inadmissível, não conhecendo, por prejudicadas face à solução, as questões colocadas pelo arguido, põe termo ao processo, “reconfirmando”a pena de prisão aplicada.

Tal decisão implica, sem dúvida, a privação de liberdade do arguido.

Conclui-se, pois, pela admissibilidade do presente recurso.”.

        Como se dizia no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 44/2005, de 26-01-2005, processo n.º 950/04-1.ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, de 13-02-2006, pronunciando-se sobre a alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, e seguindo o afirmado no acórdão n.º 49/2003, de 29 de Janeiro, proferido no processo n.º 81/2002, da 3.ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, de 16-04-2003 e em ATC, volume 55 “…estando cumprido o duplo grau de jurisdição, há fundamentos razoáveis para limitar a possibilidade de um triplo grau de jurisdição, mediante a atribuição de um direito de recorrer de decisões condenatórias. Tais fundamentos são a intenção de limitar em termos razoáveis o acesso ao STJ, evitando a sua eventual paralisação (…). Não se pode, assim, considerar infringido o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição (…) já que a apreciação do caso por dois tribunais de grau distinto tutela de forma suficiente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas”, no mesmo sentido se pronunciando, entre vários outros, o acórdão n.º 390/2004, de 02-06-2004, proferido no processo n.º 651/03-2.ª Secção.
      O acórdão n.º 589/2005, de 2-11-2005, proferido no processo n.º 240/05, da 1.ª Secção (ATC, volume 63.º, p. 889, sumário), não julgou inconstitucionais as normas conjugadas da alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º e da alínea b) do artigo 432.º do CPP, interpretadas no sentido de considerarem irrecorrível, por não pôr termo à causa, a decisão do incidente de prestação de depoimento com quebra de segredo profissional, prevista no n.º 3 do artigo 135.º do mesmo Código.

O acórdão n.º 219/2009, de 5 de Maio, da 3.ª Secção, confirmou decisão sumária que não julgou inconstitucional a norma constante da alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, na interpretação que considera que nela estão incluídos os acórdãos do Tribunal da Relação que decidam não conhecer dos recursos interlocutórios (ATC, volume 75, p. 738, sumário).

As soluções contrárias surgem por razões de conformidade constitucional com a garantia de defesa que o recurso constitui nos casos em que está directamente em causa a afectação imediata de direitos fundamentais, como as decisões relativas a aplicação de medidas de coacção privativas de liberdade, ou a possibilidade de sindicância da própria condenação, como aconteceu no caso do citado acórdão n.º 597/00.

No acórdão n.º 686/2004, de 30-11, proferido no processo n.º 843/04, da 2.ª Secção, publicado no Diário da República II Série, de 18-01-2005 e em Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 60, p. 663, foi julgada inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea c), do CPP, interpretada no sentido de ser irrecorrível uma decisão do Tribunal da Relação que se pronuncie pela primeira vez sobre especial complexidade do processo, declarando-a.  

E ainda o acórdão n.º 107/2012, de 06-03-2012, proferido no processo n.º 859/2011, da 3.ª Secção, julgou inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da CRP, a norma em causa, interpretada no sentido de não haver recurso para o STJ de acórdão da Relação que, sem prévio contraditório, considera intempestivo o recurso, admitido na 1.ª instância, de decisão que condena o arguido em pena de prisão igual ou superior a oito anos de prisão.

Abordando a mesma questão, colocada no mesmo processo de arguido preso, o acórdão n.º 191/2012, proferido no processo n.º 872/11, da 1.ª Secção, decidiu estender o efeito de caso julgado da decisão proferida ao caso que julgou.

                                                                        ******

          No presente caso, a decisão de que se pretende recorrer é um acórdão proferido em recurso pela Relação, que pondo termo à causa, o faz por razões substantivas, mas que no aspecto focado, nele inserido, por força da anterior retenção, não poria termo ao processo, por estar em causa questão meramente processual, pois através dela não conheceria do objecto do processo, nada diria sobre o mérito da causa.

Ao confirmar um despacho que indeferiu o pedido de parecer, o acórdão ora recorrido não consubstancia uma decisão de fundo, uma apreciação de mérito, não tendo nesse segmento a natureza de decisão final, antes corresponde a uma decisão que não conhece do objecto do processo, nada tendo decidido, por essa via, em definitivo em termos substantivos, antes revestindo o carácter de decisão no plano processual.

Trata-se de uma decisão interlocutória, intermédia, incidental, versando sobre questão processual avulsa que não põe termo à causa, e como tal, abrangida pela irrecorribilidade constante da alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º, do Código de Processo Penal.

Sendo o acórdão recorrido irrecorrível nesta parte, deve o presente recurso ser rejeitado, nos termos dos artigos 420.º, n.º 1, alínea b) e 414.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

    II – Recurso principal - Nulidade do acórdão recorrido enquanto confirmatório da determinação da pena única


          Nas conclusões 12.ª a 17.ª, o recorrente invoca a nulidade do acórdão recorrido, por alegada violação dos artigos 77.º do Código Penal e 374.º, n.º 2, do CPP.
          Esta questão colocada nestes termos é nova, pois que no anterior recurso não foi arguida qualquer nulidade.

          Vejamos as conclusões do primeiro recurso dirigido ao Tribunal da Relação de Coimbra, que se reportam ao tema da pena única, constantes a fls. 2035:

66.a - O Tribunal a quo, embora refira correctamente os critérios para a fixação da pena única do concurso, em função das exigências gerais da culpa e da prevenção, devendo atender-se, em conjunto, aos factos e à personalidade do agente e embora refira que “No âmbito dessa análise impõe-se aferir se o conjunto dos factos revela uma «carreira» criminosa ou se configura antes uma pluriocasionalidade que não assenta na personalidade, antes em circunstâncias específicas de um determinado hiato temporal.”

Na verdade, não se pronuncia sobre esta concreta e decisiva questão.

67.a - O douto Colectivo, não considera que o arguido agiu de “uma assentada”, isto é, os factos porque foi acusado, julgado e condenado, ocorreram, todos na manhã do dia 29.11.2009 e no espaço de 1 hora ...

68.a - Assim, para além de tudo quanto alegado se deixou já relativamente à culpa de arguido (imputabilidade diminuída), o tribunal deveria ter valorado e enquadrado em conjunto os factos e a personalidade do arguido, não o tendo feito violou o imposto pelo art. 77.º n.º 1 do C.P.

           E no pedido então deduzido o recorrente nada referiu sobre a pena única, e muito menos sobre a sua fundamentação.

         Defendeu apenas que na determinação da pena única foi violado o disposto no artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, e não fez qualquer referência a violação do disposto no artigo 374.º, n.º 2, determinativa da nulidade, a que se refere o artigo 379.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do CPP.

         Do confronto destas conclusões com as constantes do presente recurso facilmente se alcança que o recorrente no anterior recurso não colocou qualquer questão relativa a nulidade por falta de fundamentação, tratando-se, pois, de questão absolutamente nova.

 

         Questão nova          

         Suscitando o recorrente pela primeira vez, aqui e agora, a nulidade do acórdão da primeira instância, sem dúvida estamos face a uma questão nova, que corresponde à colocação de um problema novo, em primeira mão, que não expôs no primeiro recurso, que não propôs à consideração do Tribunal da Relação.

         Os recursos ordinários visam o reexame da decisão proferida dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu.

         Sendo os recursos meios de impugnação e de correcção de decisões judiciais e não meio de obter decisões novas, não pode o tribunal de recurso ser chamado a pronunciar-se sobre questões não suscitadas ao tribunal recorrido.

          Constitui jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal que os recursos se destinam a reexaminar decisões proferidas por jurisdição inferior, visando apenas apurar a adequação e legalidade das decisões sob recurso, e não a obter decisões sobre questões novas, não colocadas perante aquelas jurisdições.

           O Tribunal Superior, visando apenas a reapreciação de questões colocadas anteriormente e não a apreciação de outras novas, não pode conhecer de argumentos ou fundamentos que não foram presentes ao tribunal de que se recorre – neste sentido, vejam-se os acórdãos do STJ de 27-07-1965, BMJ n.º 149, pág. 297; de 26-03-1985, BMJ n.º 345, pág. 362; de 02-12-1998, BMJ n.º 482, pág. 150; de 12-07-1989, BMJ n.º 389, pág. 510; de 09-03-1994, processo n.º 43402; de 01-03-2000, processo n.º 43/00, SASTJ, n.º 39, pág. 55; de 05-04-2000, processo n.º 160/00; de 06-06-2001, processo n.º1874/02-5.ª (não pode o STJ conhecer em recurso trazido da Relação de questões não colocadas perante este Tribunal Superior, mesmo que resolvidas na decisão da 1.ª instância); de 28-06-2001, processo n.º 1293/01-5.ª; de 26-09-2001, processo n.º 1287/01-3.ª; de 16-01-2002, processo n.º 3649/01-3.ª; de 22-10-2003, processo n.º 2446/03-3.ª, SASTJ, n.º 74, pág. 147; de 30-10-2003, processo n.º 3281/03-5.ª (os recursos, como remédios jurídicos que são, não se destinam a obter decisões ex novo sobre questões não colocadas ao tribunal a quo, mas sim a obter o reexame das decisões tomadas sobre pontos questionados, procurando obter o cumprimento da lei); de 27-05-2004, CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 209; de 20-07-2006, processo n.º 2316/06-3.ª; de 02-05-2007, processo n.º 1238/07-3.ª; de 10-10-2007, processo n.º 3634/07-3.ª; de 17-10-2007, processo n.º 3878/07-3.ª; de 13-12-2007, processo n.º 4283/07; de 30-04-2008, processo n.º 4723/07-3.ª; de 12-06-2008, processo n.º 4375/08-3.ª; de 04-12-2008, processo n.º 2507/08; de 11-02-2009, processo n.º 4132/08-3.ª; de 25-02-2009, processo n.º 101/09-3.ª; de 25-03-2009, processo n.º 308/09-3.ª; de 07-05-2009, processo n.º 352/02.8TAETR.C1.S1-3.ª; de 27-05-2009, processo n.º 484/09-3.ª; de 25-11-2009, processo n.º 397/03.0GEBNV.S1, estando em causa apenas responsabilidade civil em acidente de viação; de 03-12-2009, processo n.º 748/03.8TAGDM.P1.S1-3.ª; de 10-12-2009, processo n.º 326/04.4IDBRG.S1-5.ª; de 10-03-2010, processo n.º 343/09.8PBMTS.P1-A.S1-3.ª (Constituindo o recurso o mecanismo processual que permite a reapreciação (revisão), em outra instância (duplo grau de jurisdição), de decisões expressas sobre matérias e questões já decididas no Tribunal de que se recorre, nele não podem ser suscitadas questões novas que não tenham sido objecto de decisão pelo Tribunal a quo); de 25-03-2010, proferido no processo especial n.º 76/10.2YRLSB.S1 (MDE), onde se consigna que o tribunal superior não pode conhecer de questões que não tenham sido colocadas ao Tribunal de que se recorre; de 06-05-2010, processo n.º 156/00.2IDBRG.S1-5.ª; de 12-05-2010, processo n.º 4/05.7TACDV.S1-5.ª; de 30-06-2010, processo n.º 1594/01.9TALRS.S1-3.ª (Se a medida da pena conjunta, enquanto consequência de um concurso de crimes, nem sequer foi equacionada pelo arguido, constitui questão estranha ao objecto do recurso, e dela não pode o STJ conhecer, considerando o disposto nos artigos 400.º, n.ºs 1 e 2, als. c) e f) e 410.º, n.º 1, do CPP); de 10-11-2010, processo n.º 3891/03.0TDPRT.S1-3.ª; de 17-11-2010, processo n.º 18/09.8JAAVR.C1.S1-3.ª; de 13-04-2011, processo n.º 918/09.5JAPRT.P1.S1-3.ª; de 24-05-2011, processo n.º 6/09.4TRGMR-A.S1-3.ª (Constitui princípio básico e elementar em matéria de recursos o de que a impugnação de decisão judicial visa a sindicação da mesma, por via do reexame da matéria nele apreciada e não a reapreciação da matéria nela não conhecida, razão pela qual está vedado ao tribunal de recurso pronunciar-se sobre questão que, muito embora tenha sido decidida no processo, não tenha sido objecto de conhecimento na decisão recorrida); de 21-03-2012, processo n.º 130/10.0JAFAR.E1.S1-3.ª (A função do recurso no quadro institucional que nos rege é a de remédio para correcção de erros in judicando ou in procedendo, em que tenha incorrido a instância recorrida, processo de reapreciação pelo tribunal superior de questões já decididas e não de resolução de questões novas, ainda não suscitadas no decurso do processo).


           Revertendo ao caso concreto, dir-se-á que, de qualquer modo no caso concreto, a nulidade invocada, a existir, sempre seria de conhecimento oficioso, nos termos dos artigos 410.º, n.º 3, e 379.º, n.º 2, do CPP, podendo no caso, desde já, afirmar-se inexistir a arguida nulidade com os contornos pretendidos.
       Desde logo há que dizer que o recorrente incorreu em manifesto “erro de casting” na invocação que faz de acórdãos deste STJ para sustentar a sua posição, pois que em todos eles o que estava em causa era fundamentação em caso de cúmulo por conhecimento superveniente, nos termos do artigo 78.º e não do artigo 77.º do Código Penal.   

       Assim acontece com o acórdão de 06-02-2008, proferido no processo n.º 4454/07 desta Secção, abrangendo penas aplicadas por 11 crimes de furto qualificado, 5 de violação de domicílio, 4 de roubo, e 1 de homicídio qualificado.

        Aponta o recorrente acórdão datado de 02-04-2009, sem nenhuma outra referência, mas nesse dia há dois acórdãos sobre o tema, um proferido no processo n.º 580/09, em que interviemos como adjunto e outro no processo n.º 581/09, por nós relatado, tratando ambos de cúmulo nos termos do artigo 78.º do Código Penal.

       O mesmo se passa com o acórdão de 4-05-2001, que foi proferido no processo n.º 93/08.2JBLSB.S1-3.ª e o de 06-10-2011, proferido no processo n.º 1545/08.0JDLSB.S1 5.ª, publicado na CJSTJ 2010, tomo 3, p. 192, ambos igualmente reportados a cúmulo nos termos do artigo 78.º do Código Penal.

           Estabelece, quanto a regras de punição do concurso de crimes, o artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, em vigor desde 01-10-1995 (e inalterado pelas subsequentes modificações legislativas, operadas pelas Leis n.º 59/2007, de 4 de Setembro, n.º 61/2008, de 31 de Outubro, n.º 32/2010, de 02 de Setembro, n.º 40/2010, de 03 de Setembro, n.º 4/2011, de 16 de Fevereiro e n.º 56/2011, de 15 de Novembro - 28.ª alteração do Código Penal), que “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

         E nos termos do n.º 2, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão e 900 dias, tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

       Relativamente ao conhecimento superveniente do concurso, dispõe o artigo 78.º do Código Penal.   

      O caso de cúmulo jurídico por conhecimento superveniente de concurso de crimes tem lugar, quando posteriormente à condenação no processo de que se trata - o da última condenação transitada em julgado - se vem a verificar que o agente, anteriormente a tal condenação, praticou outro ou outros crimes.

      Neste caso, são aplicáveis as regras do disposto nos artigos 77.º, n.º 2 e 78.º, n.º 1, do Código Penal, não dispensando o legislador a interacção entre as duas normas. 

      O especial dever de fundamentação na elaboração da pena conjunta, se, por um lado, não pode reconduzir-se à vacuidade de fórmulas genéricas, tabelares, imprecisas e conclusivas, desprovidas das razões do facto concreto, por outro, dispensa a excessividade de exposição da matéria de facto dada por provada em todos e cada um dos processos convocados.

       O grau de exigência de fundamentação na determinação da pena única não é o mesmo se estivermos face a aplicação do artigo 77.º ou do artigo 78.º do Código Penal.     

       No primeiro caso os crimes em concurso são objecto de um julgamento em conjunto, único, no mesmo processo, e no outro os crimes em concurso foram julgados, por vezes ao longo de meses ou de anos, em processos autónomos, de cuja existência se tem conhecimento superveniente.

      No primeiro caso a sentença contém todos os factos que interessam à determinação da pena conjunta.

      Como referimos no acórdão de 17-10-2012, no processo n.º 39/10.8PFBRG.S1 “Há que ter em consideração que do que se trata nestes casos (de cúmulo por conhecimento superveniente) é de fundamentar minimamente em sede de matéria de facto uma pena final, desenhada numa nova decisão final, que fará a síntese de penas anteriores já transitadas em julgado, aplicadas em diversos processos, que se segue a uma audiência (artigo 472.º do CPP), o que é completamente diferente de um cúmulo em que são englobadas e unificadas penas acabadas de aplicar, objecto de um julgamento conjunto, no mesmo processo, e em que os factos constam da fundamentação de facto da própria decisão em causa, havendo então apenas que ponderar o conjunto dos factos e avaliá-los no contexto global.

         A situação é bem diferente e diverso o grau de exigência, como é bem de ver, nas situações de concurso previstas no artigo 77.º ou 78.º do Código Penal”.

     Como já havíamos referido no acórdão de 15-12-2011, proferido no processo n.º 41/10.0GOAZ.P2.S1 “As exigências de fundamentação colocam-se com maior acuidade nos casos de cúmulo por conhecimento superveniente e toda a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem sustentado a necessidade de maior rigor, de um especial cuidado na fundamentação nesses casos, quando está em causa a aplicação do artigo 78.º do Código Penal.

      Em casos como o presente, em que o cúmulo é feito no mesmo processo, em acto seguido, em contínuo, à aplicação das penas, a exigência não tem obviamente aquela amplitude, pois os factos provados suportes daquelas condenações são imediatamente cognoscíveis, estão todos narrados, integram o texto, estando ao alcance de uma simples leitura, embora não seja de todo despiciendo anotar as ligações e conexões existentes entre as diversas condutas em ordem a definir uma situação de pluriocasionalidade ou de delinquência por tendência”.

      E no acórdão de 5-07-2012, por nós relatado no processo n.º 246/11.6SAGRD.S1, em que estava em causa a punição de três furtos qualificados, o recorrente invocou a violação do artigo 374.º, n.º 2, do CPP, geradora de nulidade do acórdão recorrido, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP, citando em apoio da sua tese os acórdãos deste Supremo Tribunal de 21-04-2010, proferido no processo n.º 223/09.7TCLSB.L1.S1, desta Secção e de 24-02-2010, por nós relatado no processo n.º 655/02.1JAPRT.S1.

      No afastamento da invocação referimos: “Os artigos 77.º e 78.º regem sobre punição do concurso de crimes, de pluralidade de infracções cometidas pelo mesmo arguido, situações de concurso real ou efectivo de crimes, praticados durante certo lapso de tempo; a diferença entre um e outro está apenas no “timing” da cognição dessas condutas delitivas e da intervenção do sistema punitivo, de modo a julgá-las todas em simultâneo, abrangendo toda a actividade do período, quando consegue apreender a totalidade da conduta global, de um ciclo de vida do agente, antes que sobre uma qualquer dessas parcelares condutas incida uma condenação com trânsito em julgado, a partir da qual deixará de haver concurso, para se estar face a reincidência ou sucessão, ou ao invés, por razões múltiplas e diversas, a que não será alheia alguma falta de prontidão ou ineficácia do sistema (muitas vezes ocorridas até num mesmo tribunal, com mais de um juízo), só mais tarde o sistema de justiça consegue aperceber-se da totalidade de toda uma conduta que, processando-se ao longo do tempo, vai conseguindo, por uma razão ou por outra, escapar ao filtro da investigação criminal e ao conhecimento e à actuação do sistema de justiça penal.  

       No caso do artigo 77.º trata-se da punição de crimes relativamente aos quais não há uma condenação com trânsito em julgado, como é a situação dos autos; no do artigo 78.º, a pena conjunta supõe crimes pelos quais o agente foi já condenado com trânsito em julgado, correspondendo à fixação de uma pena final atribuída pelo ilícito global, cuja dimensão só posteriormente é conhecida.

       Em causa estão, pois, situações completamente diferentes, e daí, no caso de aplicação da regra do artigo 77.º do Código Penal, necessariamente, serem absolutamente diversas as exigências, relativamente ao caso do artigo 78.º.

       As exigências de fundamentação no primeiro caso, considerado o mero plano do cumprimento da injunção ínsita no artigo 374.º, n.º 2, do CPP, pura e simplesmente, inexistem, sob pena de todo o acórdão ser nulo, destruindo, obviamente, por insubsistência da imprescindível matéria de facto, a condenação, pelo que faleceria suporte para uma qualquer pena única, uma vez que no conspecto não subsistiriam sequer penas parcelares … 

     Por outras palavras: os factos, todos os necessários factos, para a condenação, e para a fixação da pena conjunta, já estão lá!

      No caso do artigo 77.º, o conhecimento da pluralidade de crimes é actual, contemporâneo do julgamento dos crimes em concurso, imediatamente apreensível; a pluralidade de infracções emerge da própria descrição/enumeração dos factos provados, em que a cada um se soma outro; emerge da fundamentação de facto; trata-se de uma confecção de pena de síntese, da elaboração de uma pena única, feita ao momento, ao vivo e em directo, em sequência do julgamento, em que os ingredientes de facto estão presentes e imediatamente acessíveis e disponíveis, e onde foi o próprio Colectivo que fixou a matéria de facto, que vai fixar a pena conjunta, em que os factos, os personagens, os intervenientes, os sujeitos processuais, estiveram presentes perante os julgadores, que decidiram em função da imediação de que desfrutaram, sendo a determinação da pena única apenas mais uma fase sequencial, complementar, em contínuo, da fixação da pena cabida, que se segue imediatamente após a fixação das penas parcelares, e daí que, compreensivelmente, as exigências de fundamentação da pena única no que respeita à análise da conjugação do binómio conjunto de factos/ personalidade do agente, sejam menores, e se aceite que de algum modo a fundamentação seja tida por suficiente quando feita por remissão para o segmento imediatamente anterior, no implícito desenvolvimento do anteriormente explanado, em que o rigor demasiado não seria compreensível e necessário.

      Muito diversamente, no caso do cúmulo jurídico feito ao abrigo do disposto no artigo 78.º do Código Penal, estamos em presença de uma elaboração de cúmulo tardia, efectuada ao retardador, subsequente, correspondendo à punição de uma situação de pluralidade de infracções que se encontram em concurso real e de condenações, que se sucederam, no desconhecimento umas das outras.

     O conhecimento do ilícito global vem a verificar-se, no final da linha, após a última das condenações transitadas, sendo competente para a realização do cúmulo o tribunal da última condenação (artigo 471.º, n.º 2, do CPP).

     Para o efeito do disposto no n.º 2 do artigo 78.º do Código Penal tem lugar audiência marcada nos termos do artigo 472.º do CPP, sendo o julgamento feito em face de prova documental, como as certidões dos acórdãos condenatórios e eventual relatório social, podendo mesmo o tribunal prescindir da presença da pessoa mais interessada no desfecho da decisão, pois que sendo obrigatória a presença do defensor e do M.º P.º, pode ser dispensada a presença do arguido, conforme parte final do n.º 2 do artigo 472.º “O tribunal determina os casos em que o arguido deve estar presente”.

    No caso presente, não há qualquer violação do comando do artigo 374.º, n.º 2, do CPP, uma vez que nestes casos em que a operação de cúmulo jurídico se segue à determinação das penas parcelares, os factos dados por provados necessariamente constam da decisão, como é o caso.

     A referência à necessidade de fundamentação de facto, se bem que de forma sintética, só surge em casos de realização de cúmulo jurídico por conhecimento superveniente, em que são englobadas no cúmulo jurídico várias penas aplicadas em decisões anteriores já transitadas em julgado, constantes de vários processos, impondo-se a indicação sintética das condutas aí julgadas, de modo a perceber-se as ligações e conexões entre os factos praticados em épocas diferentes e julgados separadamente em outros processos, de forma a ter-se uma imagem global do facto, a alcançar-se uma ideia mais concretizada do ilícito global.

     Nesses casos impõe-se o registo dos factos de forma resumida, para que o acórdão cumulatório possa valer como peça autónoma (…).

     Concluindo, não se verifica qualquer nulidade por falta de fundamentação, em registo de violação do artigo 374.º, n.º 2, do CPP”.

          Neste sentido de diverso grau de exigência pode ver-se o acórdão de 26-04-2012, processo n.º 438/07.2PBVCT.G1.S1-5.ª.


O Colectivo de Montemor-o-Velho, a fls. 1900 verso e 1901, expôs o seguinte: «Definidas as penas parcelares, resta somente determinar a pena única do concurso, a qual terá de ser fixada em função das exigências gerais da culpa e da prevenção, contendo o citado artigo 77º, número 1, segunda parte, do Código Penal, um critério especial (para além dos gerais constantes do artigo 71º, número 1, do Código Penal), isto é, haverá que atender, em conjunto, aos factos e à personalidade do agente. “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique.” [FIGUEIREDO DIAS, cit. no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Março de 2008, CJ (STJ), 2008, I, 249].

No âmbito dessa análise impõe-se aferir se o conjunto dos factos revela uma «carreira» criminosa ou se configura antes uma pluriocasionalidade que não assenta na personalidade, antes em circunstâncias específicas de um determinado hiato temporal.

Há ainda que ter presente o disposto no artigo 77º, números 2 e 3, do Código Penal, de tal modo que “a pena aplicável ao concurso tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.

Assim, no caso concreto, a moldura abstracta do cúmulo jurídico em que este Tribunal se move tem como limite mínimo a mais elevada das penas parcelares que o integram – aqui dezanove anos de prisão – e como limite máximo a soma de todas as penas – na situação em apreço cinquenta e quatro anos de prisão que, por imperativo legal, tem de ser reduzir a 25 anos de prisão.
Na ponderação da imagem global do facto, ter-se-á como guia o conjunto das circunstâncias acima referidas como determinantes da fixação da medida das penas parcelares sem que com isso se incorra em qualquer violação do princípio da proibição da dupla valoração [FIGUEIREDO DIAS, op. cit., p. 291].

Assim, será aqui ponderado tudo quanto se deixou escrito a respeito das penas parcelares encontradas, e, assim, em sede de determinação da medida da censura a atribuir por cada um dos crimes cometidos pelo arguido.

Assim feita de novo a devida ponderação, este Tribunal tem como justo e adequado aplicar ao arguido a pena única de 25 anos de prisão, amplamente suportada pela culpa demonstrada».


          O Tribunal da Relação, por seu turno, a fls. 2285/6, ao versar a pena única, considerou:

«Entende o recorrente que o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 77º, nº 1 do Código Penal na fixação da pena única porque não valorou e enquadrou em conjunto os factos; não considerou que o arguido agiu de uma assentada tudo tendo ocorrido no espaço de uma hora.

Não extrai porém, nenhuma consequência do exposto quer em termos de eventual falta de cumprimento do disposto no artigo 374.º, nº 2 do Código de Processo Penal (eventual insuficiência da fundamentação - artigo 379.º, nº 1, alínea do Código de Processo Penal) quer em termos de desagravamento da pena. Trata-se pois de uma alegação a que não corresponde qualquer pedido.

Sempre se dirá, porém, quanto a eventual insuficiência de fundamentação e falta de menção das circunstâncias da acção que decorreu em período restrito de tempo, o que se verifica da análise da decisão recorrida é que se fez análise detalhada dos factos aquando da ponderação das penas parcelares e no momento da ponderação da pena única se efectuou simples remissão para o que já antes fora exposto. Não se entrevê nessa forma de procedimento qualquer insuficiência de fundamentação, resultando ainda assim evidente o critério que presidiu ao doseamento da pena e que obviamente na decisão recorrida se teve em consideração as concretas circunstâncias em que decorreram os factos.»   

No presente caso não se configura a suscitada nulidade por violação do artigo 374.º, n.º 2, do CPP, pois todos os factos estão narrados.

           De todo o modo sempre se dirá que há que ter em conta que no caso presente, a moldura penal do concurso é de 19 anos a 25 anos, sendo o somatório das penas aplicadas de 54 anos de prisão.

          No presente caso é evidente a conexão e estreita ligação entre os oito crimes cometidos pelo recorrente, sendo atingidos bens jurídicos diversos, violando o arguido direitos de personalidade, na perspectiva de integridade física e da vida, segurança rodoviária, utilizando o arguido duas armas de fogo.
        A facticidade provada não permite formular um juízo específico sobre a personalidade do arguido que ultrapasse a avaliação que se manifesta pela própria natureza dos factos praticados, não se mostrando provada personalidade por tendência, ou seja, que o ilícito global seja produto de tendência criminosa do agente, antes correspondendo no contexto ora apreciado a um episódio isolado de vida, restando a expressão de uma ocasionalidade procurada pelo arguido, com resultados nefastos de grande monta.
      Em suma: A pena unitária tem de responder à valoração, no seu conjunto e inter conexão, dos factos e personalidade do arguido.

       Considerando a sequência da prática dos crimes, estando em causa bens jurídicos violados com diferente natureza, ponderando o contexto em que tudo se passou, afigura-se equilibrada a pena conjunta encontrada, não se mostrando, pois, necessária intervenção correctiva deste Supremo Tribunal de Justiça,

      

          Decisão

 

      Pelo exposto, acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, no recurso interposto pelo arguido AA, em:

 I – Rejeitar o recurso interlocutório por inadmissível;

II – Julgar improcedente o recurso interposto da decisão final.

      Custas pelo recorrente, nos termos dos artigos 374.º, n.º 4, 513.º, n.º s 1, 2 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na redacção que lhes foi dada pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro (rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, de 24 de Abril, e com as alterações introduzidas pela Lei n.º 43/2008, de 27 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28 de Agosto, pelo artigo 156.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Suplemento n.º 252), pelo artigo 163.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril e pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro), o qual aprovou – artigo 18.º – o Regulamento das Custas Processuais, publicado no anexo III do mesmo diploma legal, uma vez que de acordo com os artigos 26.º e 27.º daquele Decreto-Lei, o novo regime de custas processuais é de aplicar aos processos iniciados a partir de 20 de Abril de 2009, e o presente processo teve início em 29 de Novembro de 2009.

      Nos termos do artigo 420.º, n.º 3, do CPP, vai o recorrente condenado na importância de 5 (cinco) UC (unidades de conta).

      Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

                                      Lisboa, 19 de Dezembro de 2012

Raul Borges (relator)
Henriques Gaspar