Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
025051
Nº Convencional: JSTJ00011164
Relator: AVELINO LEITE
Descritores: SOCIEDADE COMERCIAL
SOCIEDADE POR QUOTAS
SOCIEDADE ANONIMA
PUNIÇÃO
FALENCIA DOLOSA
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ194010290250513
Data do Acordão: 10/29/1940
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DG IªS 07-11-1940; BOMJ ANO1, 63
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO.
Decisão: UNIFORMIZADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 2/1940
Área Temática: DIR COM - SOC COMERCIAIS.
DIR CRIM - TEORIA GERAL.
Legislação Nacional: CF35 ARTIGO 222 ARTIGO 262 PARUNICO.
CP886 ARTIGO 6 N1.
CPCOM05 ARTIGO 202 ARTIGO 323 ARTIGO 343.
D 15623 DE 1928/06/22.
CPC39 ARTIGO 1325.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1937/02/05 IN COL OF ANO37 PAG43.
Sumário :
A falencia fraudulenta das sociedades anonimas e das sociedades por quotas para o efeito de os seus gerentes serem indiciados e julgados criminalmente responsaveis deixou de ser punivel durante a vigencia do Codigo de Falencias, de 26 de Outubro de 1935.
Decisão Texto Integral:
Acordam em secções reunidas no Supremo Tribunal de Justiça:

A, socia gerente da casa de cambios B, Limitada, foi, em artigos de classificação de falencia deduzidos pelo Ministerio Publico e pelo credor , C pronunciada como autora do crime de quebra fraudulenta, por, na referida qualidade e desde Março de 1934 a 4 de Novembro do mesmo ano, ter desencaminhado em seu proveito e prejuizo dos respectivos donos varios papeis de credito que lhe tinham sido entregues para serem negociados e varias quantias destinadas a compra de titulos, haver passado cheques sem provisão e, não obstante conhecer a insuficiencia do activo, ter pago a um credor em detrimento dos outros.


Estes factos, minuciosamente descritos no questionario de folhas 324, foram em julgamento havidos como provados; e, em consequencia, foi ela condenada em tres anos de prisão maior celular ou, em alternativa, em quatro anos de degredo em possessão de 1 classe, em 2000 escudos de imposto de justiça e na indemnização aos queixosos que se liquidar depois de pela falencia se saberem os respectivos prejuizos.


Mas, com o fundamento de o Codigo de Falencias ter eliminado das suas disposições o preceito que sujeitava a responsabilidade criminal os directores ou administradores das sociedades anonimas e os gerentes das sociedades por quotas, pelos actos por eles praticados como tais, e de a disposição transitoria do paragrafo unico do artigo 262 se referir somente aos actos que pelo mesmo Codigo são classificados e mantidos como crimes de quebra fraudulenta ou culposa, entendeu a Relação que, no caso, era de aplicar o n. 1 do artigo 6 do Codigo Penal, e neste sentido, revogando a decisão do tribunal colectivo, julgou improcedentes os referidos artigos de classificação de falencia e absolveu a re.
Recorreu o Ministerio Publico; e como neste Supremo tribunal se entendesse que o crime de que a re e acusada de ter cometido continua a ser punido por lei e, portanto, revogado o acordão, se mandasse que os autos voltassem a Relação para, pelos mesmos juizes, conhecer do recurso para ela interposto, a re, invocando oposição entre o acordão de folha 407, que assim decidiu, e o de 5 de Fevereiro de 1937, publicado a pagina 43 da Colecção Oficial, interpos o presente recurso para tribunal pleno.
A oposição e realmente manifesta, visto que, tendo o citado acordão de 1937 decidido que os directores ou administradores das sociedades anonimas e os gerentes das sociedades por quotas não são criminalmente responsaveis pela falencia fraudulenta das mesmas sociedades, ainda que a quebra se houvesse dado anteriormente a publicação do Codigo de Falencias, o acordão ora recorrido decidiu que, neste caso, subsiste a responsabilidade que vinha legalmente estabelecida, continuando aqueles sujeitos a penalidade da lei, por força do disposto no paragrafo unico do artigo 262 do mesmo Codigo.


E, portanto, de conhecer do recurso.


E conhecendo:


O Codigo de Processo Comercial, no artigo 343, sujeitou os directores ou administradores de sociedades anonimas e os gerentes de sociedades por quotas as obrigações que no processo de falencia incumbem ao falido singular; e como, na hipotese de fraude ou culpa, uma dessas obrigações e a de este responder pelo respectivo crime, houve desde logo quem entendesse que igual obrigação impedia e era de exigir aqueles individuos, como verdadeiros agentes que eram dos actos determinativos da falencia da sociedade.


Embora logico e conforme a irrestrita sujeição obrigacional preceituada no citado artigo, tal entendimento não tinha nos tribunais uma aceitação geral; e porque, alem da grave injustiça da punição de poucos e impunição de muitos a que a divergencia vinha dando lugar desta resultava serio risco para a propria economia nacional, em virtude da consequente indefesa em que a impunibilidade das defraudações praticadas por aqueles mandatarios punha os capitais invertidos nas sociedades, o legislador interveio, publicando o decreto n. 15623, de 22 de Junho de 1928, e modificando por ele a disposição do questionado artigo.


Por essa modificação, consistente em se intercalar no texto deste, e seguidamente as palavras falido singular, a frase "e a falencia das mesmas sociedades podera ser declarada fraudulenta para os efeitos dos seus directores, administradores ou gerentes serem indiciados e julgados, bem como os seus cumplices, nos termos dos artigos 202, 323, e seguintes", ficou estabelecida sem mais possibilidade de controversias a responsabilidade criminal destes mandatarios.


Mas não foi por mero esclarecimento refugador das duvidas suscitadas na aplicação do antigo texto que aquele diploma fez tal modificação; fe-la como expressão de uma providencia nova, para satisfazer uma necessidade social e economica, a qual o Codigo de Processo Comercial, nem nesse artigo nem noutro, havia atendido - a de moralizar, pela imputação e efectivação da responsabilidade criminal dos respectivos directores, administradores ou gerentes, a administração das sociedades.
Todavia por motivo que não cumpre a este Supremo Tribunal perscrutar, o Codigo de Falencias, no seu artigo 222, reproduziu o referido artigo 343 no texto antigo e não no que lhe dera, com a finalidade que fica acentuada, o citado decreto n. 15623, revertendo, por isso a situação anterior a este diploma, isto e, a de irresponsabilidade criminal perante a falencia das sociedades anonimas e por quotas a gestão dos seus administradores ou gerentes.
E certo que o Codigo de Processo Civil, restabelecendo no artigo 1325 a responsabilidade destes e assim manifestando a vontade da lei quanto a repressão das defraudações por eles cometidas, autoriza a suspeita de a frase omitida no texto do artigo 222 não significar da parte do legislador atitude diversa da que tomara no decreto e de a omissão não representar mais que mero lapso na passagem do texto de um para outro diploma: mas isto, embora explicando o facto, não modifica a situação por ele criada e não legislativamente reparada no periodo decorrido entre a publicação do Codigo de Falencias e a entrada em vigor daquele Codigo.


A circunstancia de o crime imputado a recorrente estar objectiva e subjectivamente verificado a data em que a omissão ocorreu não o subtrai, por isso, aos efeitos que desta e desde logo derivaram, isto e, a impunibilidade dos actos cometidos, por virtude do desaparecimento do preceito da lei que os criminalizava.


E o que impõe a regra 1 de retroactividade prescrita no artigo 6 do Codigo Penal; e como o paragrafo unico do artigo 262 do citado Codigo de Falencias não contraria a sua aplicação, pois os crimes de quebra fraudulenta ou culposa a que se refere são os que, embora cometidos antes, se conformam na sua figuração juridica com as disposições do mesmo Codigo, e tal não e o caso dos autos. dando, como, pelo exposto, dão, provimento ao recurso, revogam o acordão recorrido, mantem a decisão por ele revogada e firmam o seguinte assento:


A falencia fraudulenta das sociedades anonimas e das sociedades por quotas para o efeito de os seus gerentes serem indiciados e julgados criminalmente responsaveis deixou de ser punivel durante a vigencia do Codigo de Falencias, de 26 de Outubro de 1935.



Lisboa, 29 de Outubro de 1940

Avelino Leite - Adolfo Coutinho - Vasco Borges - M.
Pimentel - Adriano Fernandes - Heitor Martins - Carlos Alves - Miranda Monteiro - Luis Osorio - Magalhães Barros - F. Mendonça - Flores - Mourisca - Teixeira Direito - Ribeiro Castanho.