Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
492/10.0TBPTL.G2.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
CONTRATO DE ARQUITECTURA
CONTRATO DE ARQUITETURA
COISAS INCORPÓREAS
CONTRATO ATÍPICO
VÍCIO DE CONSTRUÇÃO
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
CADUCIDADE
PRESCRIÇÃO
ABUSO DE DIREITO
CONTRATO DE MANDATO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO
ANALOGIA
SUBSIDIARIEDADE
ERRO
EDIFICAÇÃO URBANA
OBRIGAÇÃO INDIVISÍVEL
OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA
PRIVAÇÃO DO USO
CASA DE HABITAÇÃO
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 12/14/2016
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação:
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / TEMPO E SUA REPERCUSSÃO NAS RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / RESPONSABILIDADE CIVIL ( DANOS NÃO PATRIMONIAIS ) / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÕES INDIVISÍVEIS / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / CONTRATOS EM ESPECIAL / MANDATO / PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS / EMPREITADA.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE EXECUÇÃO / LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA.
Doutrina:
- Almeida Costa, Noções Fundamentais do Direito Civil, 380.
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- Vaz Serra, “Empreitada”, in B.M.J., n.º 145, 38-45; Prescrição Extintiva e Caducidade (Estudo de Direito Civil Português, de Direito Comparado e de Política Legislativa), Lisboa, 1961, 32, 53, 501 e ss.; Trabalhos preparatórios do Código Civil de 1966, no B.M.J. n.º 70, 158-162.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 202.º, N.º 1, 298.º, N.º 2, 306.º, N.º1, 309.º, 329.º, 330.º, 334.º, 494.º, 496.º, N.º1, 535.º, 537.º, 564.º, N.º 2, 570.º, 798.º, 801.º, N.º 1, 1154.º, 1155.º, 1156.º, 1157.º, 1207.º, 1221.º, 1224.º, 1225.º, 1302.º, 1303.º, N.º 1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 358.º, N.º 2, 704.º, N.º 6, 716.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 03/11/1983;
-DE 21/11/2006, NO PROCESSO N.º 6A3716, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 24/04/2012, NO PROCESSO 683/1997.L1.S1, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 26/06/2012, NO PROCESSO N.º 2984/ 04.0TBCSC. L1.S1, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 05/11/2013, NO PROCESSO N.º 4498/04.0TVPRT. P1.S1, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 10/12/2013, NO PROCESSO N.º 1286/02.7TVLSB. L1.S1.
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ACÓRDÃO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA N.º 4/2002, DE 09-05, PUBLICADO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA, 1.ª SÉRIE, N.º 146, DE 27/06/2002, E DISPONÍVEL EM WWW.STJ.PT .
Sumário :
I. O contrato de empreitada, segundo a noção dada no artigo 1207.º do CC, fruto da solução legislativa adotada nesse âmbito, tem como traço característico a realização de certa obra corpórea e material, estando o respetivo regime legal modelado, nos seus diversos segmentos, em torno dessa característica.

II. Nessa medida, aquele regime revela-se, em regra, inadequado a reger os contratos de prestação de serviço atípicos que tenham por objeto um resultado consistente na realização de obra incorpórea e imaterial, em relação aos quais será, subsidiariamente, aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do contrato de mandato, nos termos do artigo 1156.º do CC.

III. Tal não obsta, porém, a que, em sede dessas adaptações, se possa aplicar disposições do regime do contrato de empreitada mais conformes, quando as do contrato de mandato se mostrem inadequadas ao caso.

IV. Nessas adaptações, por via analógica, afigura-se mais segura uma metodologia de ponderação casuística que permita aferir a melhor adequação de determinado segmento normativo do regime típico da empreitada à natureza concreta da obra incorpórea e imaterial que estiver em causa.

V. A elaboração de um projeto de estabilidade com vista à construção de uma casa de habitação, nas componentes de estruturas, fundações e betão armado, na medida em que envolve cálculos e fórmulas matemáticas complexas que definem os materiais e as características de resistência dos elementos estruturais do edifício, bem como o seu dimensionamento e disposição, de forma a garantir a segurança da construção, traduz-se num resultado incorpóreo e imaterial.

VI. Assim, um contrato que tenha por objeto tal elaboração deve ser qualificado como contrato de prestação de serviço atípico, a que é aplicável, subsidiariamente, as disposições sobre o mandato, nos termos dos artigos 1154.º e 1156.º do CC.

VII. Os erros de conceção do referido projeto de estabilidade, só apurados no decurso de uma ação movida contra o empreiteiro pelo dono da obra mediante estudo especializado feito a partir das anomalias reveladas na construção, tornam-se insuscetíveis de ser eliminados nos termos do artigo 1221.º do CC.

VIII. Em tais circunstâncias, não se mostra adequado aplicar o regime da caducidade estabelecido nos artigos 1224.º e 1225.º do CC aos direitos de indemnização emergentes dos danos derivados daqueles erros de conceção, restando aplicar-lhes o regime da prescrição ordinária.

IX. A dilatada inércia no exercício de tais direitos, por parte do credor, pode envolver abuso de direito nos termos do artigo 334.º do CC.

X. Porém, num caso, como o dos autos, em que tais erros só foram conhecidos pelo credor em finais de 2008, não obstante se tratar de construção concluída em 2002, tendo a ação de indemnização pelos prejuízos daí decorrentes sido instaurada contra o projetista em 2010, não se mostra, sem mais, abusivo o exercício desse direito.

XI. A obrigação de elaboração de um projeto de desenho e de especialidades para construção duma edificação, a realizar de forma conjugada por um desenhador e um engenheiro civil, consoante as respetivas habilitações profissionais, reconduz-se a um obrigação de prestação indivisível, salvo se tiver sido estipulada a solidariedade dos devedores ou esta resultar da lei, nos termos do disposto no artigo 535.º do CC.

XII. Porém, não tendo sido estipulada a solidariedade dos devedores nem resultando ela da lei, em caso de ocorrência de erros de conceção respeitantes exclusivamente ao projeto de estabilidade elaborado pelo engenheiro civil, face aos quais a prestação perfeita se tornou impossível, pelos danos daí decorrentes só responde aquele projetista, nos termos do artigo 537.º do CC.

XIII. Se o projetista tiver também exercido as funções de diretor técnico da obra, o eventual incumprimento das suas obrigação, nesta última qualidade, de zelar pela conformidade da execução dessa obra com o projeto de construção, não releva quanto à responsabilidade pelos danos decorrentes exclusivamente dos erros de conceção do projeto de estabilidade.

XIV. A privação da fruição de uma habitação inapta para tal por erros de conceção do projeto de estabilidade constitui dano patrimonial indemnizável, correspondente à frustração dessa utilidade económica.   

XV. Paralelamente, são também indemnizáveis, a título de danos não patrimoniais, os incómodos, perturbações e frustrações de ordem moral, sofridos em consequência dos sobreditos erros de conceção, nos termos dos artigos 494.º e 496.º, n.º 1, subsidiariamente aplicáveis no domínio da responsabilidade contratual.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça



I – Relatório


1. AA e cônjuge BB (AA.), beneficiando de apoio judiciário, instauraram, em 10/ 05/2010, junto do então designado Tribunal Judicial de Ponte de Lima, ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra CC e cônjuge DD (1.º RR.) e contra EE e cônjuge FF (2.º RR.), alegando, em síntese, o seguinte:

. Os AA., pretendendo construir uma moradia num prédio rústico sito no Lugar de …, na Freguesia de Fornelos do Município de Ponte de Lima, em meados de 2000, com vista ao respetivo licenciamento camarário, acordaram verbalmente com o 1.º R. marido e 2.ª R. mulher que estes se obrigavam a elaborar os projetos de arquitetura e de especialidades, incluindo o projeto de estabilidade com a componente da estrutura, fundações do edifício e do betão armado, mediante determinado preço, que foi pago pelos A.A.;

. O 1.º R. marido e a 2.ª R. mulher prestaram os serviços acordados, embora de forma deficiente, tendo obtido o licenciamento municipal da obra em referência;

. Os A.A. adjudicaram a empreitada de construção da moradia à sociedade “GG, Lda”, tendo a obra sido iniciada em 2001 e concluída em 2002, em que a 2.ª R. mulher exerceu as funções de diretora técnica;

. Finda a obra foram detetados vários defeitos de construção, o que levou à instauração de uma ação judicial pelos ora AA. contra a referida sociedade;

. Já depois da fase de instrução desse processo, tendo os AA. começado a suspeitar da possibilidade de existirem deficiências estruturais do edifício construído relacionadas com erros de conceção dos projetos, solicitaram um estudo a uma empresa de especialistas em estruturas;

. Nesse estudo, entregue aos AA. em novembro de 2008, concluiu-se que existiam graves erros de conceção da estrutura, no capítulo do betão armado e do projeto de estabilidade, bem como um risco de colapso iminente de elementos estruturais, sendo ali aconselhada a imediata realização de trabalhos de escoramento com vista a prevenir a derrocada do edifício;

. Tais deficiências são imputáveis a título de incumprimento, com culpa presumida, aos 1.º R. marido e 2.ª R. mulher, no âmbito do contrato de prestação de serviço que os AA. com eles celebraram;

. Em consequência dessas deficiências, os AA. sofreram os seguintes danos: o custo pelas reparações relativas aos defeitos visíveis, no valor de € 2.500,00, acrescido de IVA; o custo com obras de reforço estrutural do edifício no valor de € 23.988,42, acrescido de IVA; o valor de juros remuneratórios desaproveitados e pagos à banca, no montante de € 12.352,82; a desvalorização da moradia construída na importância de € 20.000,00; a privação de uso da mesma já verificada equivalente a € 13.350,00; as despesas com estudos técnicos e projetos de intervenção suportadas pelos AA. no valor de € 3.840,00; danos não patrimoniais a compensar no montante de € 15.000,00, perfazendo o total líquido de € 96.328,92;

. Além disso, os AA. sofrerão ainda, entre a data da instauração da ação e a execução do reforço estrutural do prédio, os danos que se venham a manifestar, o custo dos juros remuneratórios vincendos relativo às prestações do mútuo hipotecário e o dano da privação de uso futuro, em montantes a liquidar para efeitos de execução de sentença.

. As obrigações indemnizatórias pelos danos em referência são comunicáveis aos cônjuges do 1.º R. marido e da 2.ª R. mulher.      

Concluíram os AA., pedindo que:

I - Seja declarado o incumprimento culposo do 1.º R. e da 2.ª R. no contrato de prestação de serviço celebrado com os AA.;

II - Os RR. sejam solidariamente condenados a pagar-lhes:

a) - € 2.500,00, a título de indemnização pelas reparações relativas aos defeitos visíveis e causados pelos erros de projeto de estabilidade, acrescidos de IVA à taxa legal na data da sentença;

b) - € 23.988,42, a título de indemnização pelas obras de reforço estrutural do edifício, com vista a suprir erros de projeto, acrescidos de IVA à taxa legal na data da sentença;

c) - € 12.352,82, a título de indemnização pelos juros remuneratórios pagos à banca;

d) - € 20.000,00, a título de indemnização pela desvalorização do imóvel;

e) - € 13.350,00, a título de indemnização pelo dano da privação do uso do imóvel já verificado;

f) - € 3.840,00, a título de indemnização pelas despesas com os estudos técnicos e projetos de intervenção suportados pelos AA.;

g) - € 15.000,00 a título de compensação pelos danos não patrimoniais;

III – Ou, subsidiariamente, em relação aos pedidos de II das alíneas a) a b), sejam os RR. condenados, solidariamente, a reparar os defeitos descritos na petição inicial e a executar as obras de reforço da estrutura segundo o projeto de intervenção aí referido ou, ainda subsidiariamente, outro com as mesmas garantias e eficácia;

IV - Os RR. sejam solidariamente condenados a pagar aos AA. as quantias, a liquidar em execução de sentença, relativas:

a) - à reparação dos defeitos latentes, decorrentes de erros de projetos, que se venham a manifestar entre a data da instauração da ação e até à execução do reforço estrutural do prédio;

b) - aos juros remuneratórios vincendos relativos às prestações do mútuo hipotecário, desde a data de instauração da presente ação até à conclusão dos trabalhos de reforço estrutural do prédio;

c) - ao dano da privação do uso do imóvel, desde a data de instauração da ação até à conclusão dos trabalhos de reforço estrutural do prédio.

V - Sejam os RR. condenados solidariamente a pagar os demais acréscimos legais, designadamente juros de mora contados sobre a data da citação até integral pagamento, custas e procuradoria.


2. Os RR. contestaram tanto por exceção, invocando a caducidade dos direitos peticionados, como por impugnação de parte da matéria alegada, designadamente no que respeita aos invocados erros de conceção da estrutura, no capítulo do betão armado e do projeto de estabilidade, ao iminente risco de colapso da edificação e aos danos peticionados.

3. Os AA. apresentaram réplica a responder à exceção deduzida, reiterando o petitório.  

4. Findos os articulados, realizou-se a audiência preliminar, no decurso da qual foi proferido despacho saneador tabelar, fixando-se o valor da causa em € 96.328,92 e relegando-se o conhecimento da exceção da caducidade para final, procedendo-se, de seguida, à seleção da matéria de facto tida por relevante com organização da base instrutória, conforme fls. 358-388 (Vol. 2.º).

5. Realizada a audiência final, foi proferida sentença a fls. 608-633 (Vol. 3.º), datada de 04/12/2013, na qual foi integrada a decisão sobre matéria de facto e respetiva motivação, julgando-se a ação totalmente improcedente com a consequente absolvição dos RR. dos pedidos formulados.

  6. Inconformados com tal decisão, os AA. apelaram dela, em sede de facto e de direito, para o Tribunal da Relação de Guimarães que anulou a decisão recorrida, ordenando a baixa do processo à 1.ª instância para suprimento das falhas detetadas, nos termos da decisão singular de fls. 790-805 (Vol. 4.º), datada de 08/01/2015.

7. Proferida nova decisão pela 1.ª instância a fls. 822-832/v.º, em 09/02/2015, a concluir igualmente pela total improcedência da ação, os AA. apelaram de novo, impugnando a decisão de facto e de direito, tendo sido proferido o acórdão de fls. 864-886/v.º (Vol. 5.º), datado de 29/10/ 2015, a alterar um dos pontos de facto impugnados e a julgar parcialmente procedente a apelação, decidindo:

I – Declarar o incumprimento culposo (cumprimento defeituoso) do 1.º R. marido e da 2.ª R. mulher no contrato de prestação de serviço celebrado com os AA.;

II – Condenar, solidariamente, os RR. a pagar aos AA. a quantia de € 18.302,14, acrescida de IVA, à taxa legal vigente à data do trânsito em julgado da decisão, a título de indemnização pelas obras de reforço estrutural e correção das inerentes patologias, valores estes acrescidas dos inerentes honorários do projeto de reforço e despesas relativas à substituição do projetista da estabilidade a liquidar em execução de sentença;

III – Condenar, solidariamente, os RR. a pagar aos AA. a quantia de € 3.840,00, a título de indemnização pelas despesas com estudos técnicos e peritagens suportados pelos mesmos AA. para a deteção e diagnóstico dos problemas estruturais;

IV- Condenar, solidariamente, os RR. a pagar aos AA. a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, a título de indemnização pelo dano da privação de uso do imóvel, considerando o período que decorreu entre 2003 (ano seguinte à conclusão da obra) até à efetuação do escoramento provisório relatado no art.º 46 dos factos provados, atendendo ao valor mensal de uso e fruição de uma moradia com as características da dos AA., fixado no ponto 60 dos factos provados e ainda os que a este título se vencerem, aquando dos trabalhos de execução do reforço estrutural do imóvel;

V – Condenar, solidariamente, os RR. a pagar aos AA. a quantia de € 10.000,00, a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos;

VI – Condenar os RR. nos juros de mora sobre tais quantias, à taxa legal aplicável, contados da data da citação até integral pagamento;

VII – Julgar improcedente, no mais, o recurso com a consequente absolvição dos RR. dos pedidos nessa parte.


8. Desta feita, inconformados os RR. vieram pedir revista, formulando as seguintes conclusões:

1.ª - Atentando na globalidade da matéria dada como provada nestes autos, concretamente nos factos t), u), x), z), aa), bb), cc) e dd) que nos reconduzem à relação estabelecida entre AA e 1.º R, dela se extraindo que o 1.º R não é arquiteto, nem engenheiro, mas um desenhador; que foram os AA quem projetou a sua própria casa e pediram depois ao 1.º R. que fizesse os desenhos do projeto por eles idealizado; que os AA indicaram com exatidão o que queriam ver desenhado; que o 1.º R. lhes entregou os desenhos e estes, munidos dos mesmos foram requerer a licença de construção na CM, o que obtiveram, não poderemos concluir que estamos aqui perante qualquer contrato de arquitetura, pois não existiu qualquer elemento criativo do 1º R; o mesmo não é arquiteto nem tem direitos de “autor” sobre o que ficou desenhado.

2.ª - Perante os factos provados e enumerados na conclusão anterior, fez-se errada aplicação da lei quando se subsumiu tal realidade como um contrato de arquitetura e se passou a considerar quais os normativos legais a aplicar a um tal contrato.

3.ª - Não fez correta aplicação da lei a decisão que aplica um entendimento que pressupõe a existência de uma obra com cariz eminentemente criativo-intelectual, sem cuidar de verificar previamente se, no caso concreto e da prova feita, a obra em causa tem essa característica criativa e intelectual, na medida em que dessa forma lhe falta o pressuposto fático para aplicar tal entendimento de direito, o que equivale por dizer que o acórdão recorrido partiu da 2.ª premissa, sem verificar a existência da 1.ª que a pressuponha e para ela reconduzia.

4.ª - Para se considerar uma obra como de cariz incorpóreo e intelectual, no sentido em que a doutrina e a jurisprudência têm exigido para que se afaste do simples resultado material da empreitada, terá de estar sempre presente um elemento criativo, pois, caso assim não seja, estaremos a significar como “intelectual” toda a atividade que usasse o intelecto - melhor adjetivada de racional - onde, em última análise, caberiam todas as prestações de serviços, como tomar o café ou confecionar um arroz de cabidela, pois, se não totalmente mecanizados, exigem sempre uma vertente intelectual, seja para acender o gás; pegar nas panelas; mexer, medir as quantidades, etc, sendo que se reservaria à “empreitada” a obra puramente irracional, instintiva ou mecanizada.

5.ª - Fez errada aplicação da lei a decisão que, ao interpretá-la, perante as duas teses doutrinais e jurisprudenciais em confronto, diz aderir “à primeira parte da segunda tese...”, como se cada tese fosse cindível e pudesse contrariar as próprias premissas na sua conclusão;

6.ª - Se nas teses aventadas como possíveis para interpretar a lei, em ambas, se exige sempre a existência de uma obra imaterial, criativa, de natureza intelectual, ainda que depois corporizada numa obra e em ambas se socorrem das regras da empreitada - embora só uma o faça por aplicação direta e outra por aplicação extensiva - não pode decidir-se que se adere a “parte” de uma tese que, se respeitada na sua integralidade lógica e conclusiva, levava à aplicação de um regime legal que se não aplicou, tudo sob pena de insanável contradição de fundamentação na aplicação do direito.

7.ª - Radicando o nosso sistema jurídico em conceitos, para subsumir os factos à lei, tem o tribunal de interpretar os mesmos nos termos que o art.º 9.º do CC impõe: através da letra da lei, reconstituir o pensamento legislativo. Todavia tem o Tribunal de ter presente que a lei deve ser interpretada tendo presente que os conceitos nela contidos são conceitos jurídicos, não podendo o Tribunal socorrer-se de interpretações conceituais de outras ciências e áreas de conhecimento para interpretar conceitos jurídicos.

8.ª - Fez a decisão recorrida errada aplicação da lei quando, para fundamentar e determinar a aplicação do direito, se socorreu dos conceitos de “obra” e “responsabilidade” vertidos num estudo feito por um professor de uma faculdade de arquitetura, pois os conceitos de cada ciência têm conteúdos diferentes. Apesar de tal resultar do art.º 9 º do CC, também resulta de outras normas legais, já que, por exemplo, as partes só podem juntar com as suas alegações pareceres de jurisconsultos e não de arquitetos, engenheiros ou quaisquer detentores de conhecimentos de outros ramos do saber;

9.ª - Fez a decisão recorrida errada aplicação da lei quando, para fundamentar qual o instituto e normas legais a aplicar ao caso concreto, decide não poder aplicar ao caso o regime da empreitada porque os RR não são empreiteiros. Não fundamenta de direito quem assim decide, pois usa o definido para buscar a definição e concluir na subsunção dos factos ao direito através da negativa;

10.ª - Fez a decisão recorrida errada aplicação da lei quando afasta a aplicação de normas jurídicas - no caso da empreitada - por dizer não vislumbrar como poder este responder a determinadas perguntas que considera essenciais para a boa decisão da causa e decide depois aplicar as regras do mandato sem aferir se tal instituto passaria no mesmo crivo lógico ou responderia às perguntas que o levou a afastar o regime da empreitada. Ao assim decidir, o acórdão recorrido fundamenta a não aplicação de um instituto, mas não fundamenta porque entende dever aplicar outro e em que medida é que este se aproximaria mais da realidade do caso concreto;

11.ª - O Tribunal “a quo” não deveria ter aplicado o instituto do mandato ao caso “sub judice”. Não interpretou nem subsumiu corretamente à lei o contrato que resulta dos factos provados; não aplicou nem interpretou corretamente os artigos 9.º, 405.º, n.º 1 e 2, 1154.º, 1555.º, 1157.º a 1184.º e 1207.º a 1225.º todos do CC e ainda os artigos 663.º, n.º 2, e 607.º, n.º 3, do CPC;

12.ª - Atentando na globalidade da matéria dada como provada, concretamente nos factos t), u), x), z), aa), bb), cc) e dd) que nos reconduzem à relação estabelecida entre AA e RR - pedido de desenho de uma casa previamente convencionada, sem esboços prévios, sem qualquer componente criativa e que se queria corporizada no papel e de realização dos cálculos da estrutura com vista a serem por eles apresentados na Câmara, tarefa pela qual os AA aceitaram, logo no momento da contratação, pagar um preço previamente fixado em 300.000$00, tal configura um típico contrato de empreitada nos ter-mos em que o prevêem os artigos 1207.º e 1208.º do CC, sendo que tal contrato não perde a sua identidade e qualificação jurídica, pelo facto do desenho e cálculo da casa ter sido depois realmente construído ou não;

13.ª - Sabendo-se que o contrato de mandato é definido, nos seus elementos essenciais, por o mandatário atuar em nome do mandante numa dupla vertente: agir no interesse e em vez do mandante, ocupando a mesma posição jurídica que este ocuparia se fosse ele a praticar o ato; o mandatário vincular-se a uma obrigação de meios; o mandato presumir-se gratuito, a realidade fáctica, ao contrário do que se decidiu no acórdão em crise, não se aproxima sequer do contrato de mandato, mas sim de um contrato de empreitada.

 14.ª – Apesar desse traço comum que ambos serem modalidades de prestações de serviços “quanto ao mais distinguem-se tipicamente as duas figuras contratuais com nitidez, na medida em que o mandato se caracteriza pela prática de atos jurídicos por contra da outra parte, e a empreitada pela realização de uma obra, mediante o pagamento do preço. Observe-se, aliás, que se o preço é elemento típico imprescindível da empreitada, a tipicidade legal do mandato nem sequer integra uma contrapartida, estando-se, bem ao invés, perante contrato que em princípio se presume gratuito (artigo 1158.º);

15.ª – «Na empreitada o trabalho ou os serviços não são devidos enquanto tais, mas apenas como meios de produção do resultado, constituindo este na realidade o objecto nuclear da prestação obrigacional.

Na prática pode tornar-se duvidoso se o objecto de determinado contrato é o trabalho ou actividade qua tale, ou antes o respectivo resultado ou produto, posto que só neste caso haverá empreitada. Advoga-se a propósito um critério prático-jurídico de distinção consoante a forma de determinação da remuneração: ou em função da duração do trabalho (v. g., pagamento à hora, ao dia, ao mês), ou em função do produto deste (v. g., da sua qualidade e originalidade). A segunda forma de cálculo é típica da empreitada, sendo a primeira própria de outras espécies de contratos de prestação de serviço e do contrato de trabalho. Mas o critério tem valor meramente indiciário, dependendo da incidência de uma multiplicidade de factores consoante os casos concretos.

Assente em todo o caso que o trabalho exigível na empreitada não é devido como tal, mas como meio de realização da obra, bem se compreende que o mesmo não tenha que ser prestado pelo próprio empreiteiro a título pessoal - a menos, é evidente, que se trate de obra caracterizada à partida infungivelmente pela personalidade do obrigado, tal como uma obra de arte, um parecer científico, a tradução de um romance.»

16.ª - Do ensinamento exposto, se atentarmos que os AA contrataram o 1.º R marido para lhes desenhar o projeto que eles definiram com exatidão, lhe pediram a ele para se socorrer da 2.ª R para que esta elaborasse os cálculos de especialidades, de modo a poderem, munidos desses dois documentos, dar entrada do pedido de licenciamento na Câmara; que o preço foi estabelecido antes de se iniciar o trabalho, em 300.000$00; que os AA foram levantar esses desenhos e cálculos, aceitando-os e entregando-os na Câmara e obtiveram a licença, temos por seguro que o que foi contratado não foi o trabalho do R, enquanto meio e sem assegurar um resultado; Foi claramente pedida uma coisa corpórea, sem caráter ou margem criativa, que tanto poderia ser desenhada ou calculada pessoalmente pelos RR ou outros - os AA nem sabem se foram os RR pessoalmente que executaram os desenhos e cálculos - por cujo resultado acor-daram um preço que pagaram antecipadamente;

17.ª - Mesmo na parte dos cálculos, se é certo que calcular uma estrutura - assim como calcular outra coisa qualquer - envolve operações matemáticas de maior ou menor relevo, certo é que não há um elemento criativo, mas uma obrigação de resultado sem carácter criativo, que pode ser levada a cabo por quem quer que tenha conhecimentos para o efeito, facto que determina que não haja sequer direitos de autor sobre cálculos …;

18.ª - Ao contrário do que refere a decisão recorrida, a aplicação do regime da empreitada não cerceia quaisquer direitos aos donos da obra que se veja a braços com defeitos na mesma. Se o desenho ou cálculos feitos pelos RR padeciam de um defeito, os direitos dos AA seriam os que a lei concede para os defeitos da obra, sendo que todos os demais prejuízos, uma vez provado o respectivo nexo de causalidade, poderiam ser ressarcidos em sede de direito indemnizatório, pois este é um direito que sempre acresce a todos os outros, quando as demais soluções legais não resolvem ou não acautelam totalmente os direitos de quem fica com uma obra com defeito (1223.ª do CC);

19.ª - Contraria-se - e demonstra o contrário do seu argumento - a decisão recorrida quando afirma que, numa situação como a dos autos em que se veio a demonstrar a existência de um erro de cálculo numa casa já construída, é impossível “eliminar o defeito” com a casa pronta e pergunta se “obra nova” significa realizar novo projeto, para assim tentar demonstrar o afastamento do regime da empreitada – art.º 1221.º do CC - e, curiosamente, numa parte do dispositivo até condenou os RR a pagar aos recorrentes os honorários do projeto de reforço e despesas relativas à substituição do projetista de estabilidade, a liquidar em execução de sentença, estando a casa pronta;

20.ª - O facto de defeito de natureza estrutural ser de mais difícil conhecimento e considerado “não aparente”, tal relevará para outras sedes, nomeadamente para a contagem do prazo de denúncia: para se considerar o momento do conhecimento mais tardiamente; Mas mantêm-se os mesmos direitos em caso de defeito: eliminação do defeito, correção do mesmo ou realização de nova obra; eventual redução do preço ou resolução do contrato, sendo que tudo o demais cabe em sede indemnizatória, em que haja nexo causal para tal – artigos 1221.º a 1223.º do CC);

21.ª - Atentos os factos provados em dd), mm), nn) e oo), conclui-se que todas as normas legais citadas no acórdão recorrido para imputar a responsabilidade civil à 2.ª R. ou nada têm a ver com o caso concreto ou não estavam sequer em vigor, não sendo constitutivas de qualquer responsabilidade civil dos RR: o art.º 76.º, n.º 1, do DL n.º 555/99, na redação dada pelo DL n.º 177/2001, é dirigido ao dono da obra; a referência ao art.º 3.º, n.º 1, al. c), da Portaria n.º 1115-A/9 deverá ter constituído lapso, pois tal normativo não existe; o anexo IV da Portaria n.º 1115-A/94 (à qual sucedeu a Portaria n.º 1105/2001, de 18/09, “donde releva o art.º 8.º), trata-se apenas um anexo onde se estabelece o modelo de formulário para os autores de projeto, sendo que o modelo de formulário para os diretores técnicos é o anexo V, sendo que desse formulário se extrai que o que aí deve ser atestado e constitui obrigação do diretor técnico é verificar que a obra está concluída em conformidade com o projeto, já que, ao tempo em que a obra foi construída, não havia a obrigação de fiscalização de execução de obra; Para o art.º 8.º da Portaria n.º 1105/ 2001, de 18/09, vale o que se disse para o normativo anterior; o art.º 15.º do RGEU estabelece uma norma geral, a ser observada pelo dono da obra e empreiteiros, de que “todas as edificações deverão ser construídas com perfeita observância da arte de construir...”; o art.º 86.º, n.º 5, e 87.º, n.º 2, do Estatuto da Ordem dos Engenheiros estabelece normas deontológicas a observar pelos engenheiros, que não têm que ver com o caso dos autos; a Lei n.º 31/2009, de 03/07, além de não se saber a que disposição dessa lei se referem, a verdade é que, claramente, não estava em vigor ao tempo em que os RR estabeleceram contrato com os AA e estes construíram a sua casa...;

22.ª - Se o defeito da “prestação de serviço” está no erro cometido no cálculo, temos de concluir que não há sequer dano causado pela atividade prestada pela 2.ª R., ao aceitar constituir-se como diretora técnica da obra (o acórdão recorrido confunde a fiscalização da execução de obra com a função de direção técnica) e as obrigações que, na data dos factos, lhe eram inerentes, pois à direção técnica da obra - como ficou provado no facto 38 - cabe assegurar que o que está construído é aquilo que foi projetado, sendo que, sem dano, não pode haver pretensões indemnizatórias, já que, dos factos 75 e 76 resulta o cumprimento das obrigações que lhe eram impostas: elaborar o livro de obra e estar nos momentos mais relevantes da obra;

23.ª - A fiscalização da obra, ao tempo dos factos, era da competência do Presidente da Câmara e seus auxiliares (cfr. artigos 93.º, 94.º, 95,º e 96.º do DL n.º 555/99, de 16/12);

24.ª - Estando perante uma empreitada, ou aplicando o respetivo regime ainda que por interpretação extensiva por ser o que mais se aproxima das relações estabelecidas entre AA. e RR., tendo-se dado como provada a matéria de mm), oo), o), p), gg), pp), qq) rr), 5, 6 e 7 e face à invocação da caducidade dos direitos dos RR, deverá, tal como decidido no tribunal de 1.ª instância, ser esta exceção julgada por verificada e os RR absolvidos do pedido;

25.ª - Efetivamente, desde o momento da conclusão da obra/projeto feita pelos RR. até à citação dos mesmos, decorrem quase 10 anos (dezembro de 2000 - novembro de 2010); desde o momento da conclusão do edifício, decorrem também mais de 8 anos (janeiro de 2002 - novembro de 2010); desde o momento em que os próprios AA referem ter tido conhecimento das patologias que alegam, decorrem mais de 7 anos (2003 - 2010); desde o momento em que os próprios AA referem ter tido conhecimento minucioso do estado da obra e de que certas patologias tinham causa estrutural, até terem intentado a respetiva ação, decorreram mais de três anos (outubro de 2007 – novembro de 2010);

26.ª - Se a isto juntarmos a evidência de que os AA, embora sabedores de tais defeitos em 2007, fizeram questão de transacionar na ação contra o empreiteiro no ano de 2008, alheando dessa transação os RR e depois de terem obtido o resultado que entenderam justo do empreiteiro é que viraram o objeto dos seus problemas para os RR, o que gerou que se pudesse estar agora a discutir um ressarcimento parcialmente duplicado de danos, conclui-se que os AA não denunciaram a existência dos defeitos no prazo legal; não intentaram a ação judicial dentro do prazo de um ano seguinte ao conhecimento dos defeitos; não denunciaram aos RR, dentro do prazo legal, a existência de defeitos, mesmo depois de entenderem que os mesmos tinham causa estrutural; não intentaram a ação dentro do ano seguinte ao alegado conhecimento de que os defeitos teriam causa estrutural, ou seja até outubro de 2008; passam já mais de 7, 8 e 9 anos desde a entrega da obra efetuada pelos RR.; mais de 5, 6 e 7 anos desde a conclusão da própria casa, caducados estão todos os eventuais direitos que os AA aqui pretendem fazer valer, caducidade que se invoca nos termos dos artigos 1220.º,1224.º e 1225.º do CC;

27.ª - Nos termos do direito positivado; pela coerência sistemática que serve de regra interpretativa - art.º 9.º - devemos considerar que o legislador, quando determinou e consagrou o prazo de caducidade de 5 anos para os empreiteiros - sentido amplo - teve de encontrar um equilíbrio e ponderação de interesses. Não colhe - pois violaria o princípio da igualdade - dizer-se que o legislador quis tornar o engenheiro que faz um cálculo responsável por 20 anos e o engenheiro de execução de obra e o executor da mesma, ficar exonerado dessa responsabilidade ao fim de 5 anos;

28.ª - Se acaso assim se não entendesse e se concluísse existir responsabilidade de algum dos RR, perfilhando a posição do acórdão recorrido (de que o autor do projeto é quem comanda a disponibilização e alocação dos espaços ao que faz o cálculo pouca margem lhe resta, havendo que responsabilizar ambos pelo erro de cálculo) - a verdade é que, tendo saído provado os autores do projeto de arquitetura são próprios AA, então, nos termos do art.º 570.º do CC, sempre seriam eles que concorreram com a 2.ª R. para a produção dos danos, nomeadamente ao terem avançado com a execução da obra sem nada informar nenhum dos RR. e nos termos do citado normativo, qualquer indemnização a que tivessem direito, mesmo perfilhando o entendimento de repartição de culpas entre o autor do projeto e autor dos cálculos, sempre careceria de ser reduzida, pelo menos, em 50%.

29.ª - Em primeiro lugar, se o tribunal tem todos os elementos de facto para poder liquidar, no momento da sentença certos danos, não deve relegá-los para execução de sentença - melhor se diria liquidação posterior;

30.ª - Face aos factos provados em oo), 6, 7, 39, 60, S e LL), existiam elementos para liquidar imediatamente o período de “privação” entre 2003 e novembro de 2008;

31.ª – Atenta a prova referida em 30, nomeadamente que: a partir do momento da sua conclusão até ao ano de 2009, nunca habitaram naquela casa; desde novembro de 2008, tendo sabido da necessidade de escoramento, passaram a poder habitá-la, não o tendo feito. Desconsiderando o Tribunal que, desde o momento em que passaram a poder habitá-la e não quiseram, o facto de não a habitarem não poderia onerar os RR. Não há uma privação, deveriam considerar também que desde 2003 até novembro de 2008, nunca os AA tiveram qualquer prejuízo ou tiveram sequer privados da sua habitação;

32.ª - Isto porque, estando provado que, desde 2002 até novembro de 2008, os AA nem sequer puseram a hipótese de haver qualquer perigo na utilização daquela casa; desconheciam em absoluto que a mesma oferecesse perigo à sua utilização e que tal utilização era desaconselhável, e que, mesmo com esse total desconhecimento, por vontade própria, nunca quiseram ir para lá morar, podendo fazê-lo, não pode considerar-se que, nesse período houve privação do imóvel. Poderiam os AA, muito tempo depois, ter ficado conscientes do risco que haviam corrido no passado se acaso tivesse utilizado a casa, mas privação, não tiveram, pois, tendo-a à sua disposição e julgando-a estruturalmente segura, nunca a quiseram usar...;

33.ª - Num caso em que o titular do direito não o usa porque não quer e nem sequer tem conhecimento ou consciência de que não poderia dispor do seu direito, não pode considerar-se ter existido privação e muito menos direito indemnizatório, até por falta de dano e causalidade adequada;

34.ª - Se os AA. nunca quiseram - mesmo quando poderiam fazê-lo, ainda que sem consciência do risco que poderiam correr - habitar a casa de 2002 a 2008 e, mesmo depois de escorada, continuaram a não querer habitá-la, entendemos que o Tribunal não poderia ter atribuído uma indemnização aos AA por estes ficarem tristes e nervosos por “não poderem tirar partido da casa”. Os AA até poderiam ter ficado tristes e nervosos por muitas coisas - não alegadas ou provadas - mas, por não poderem tirar partido da casa, isso é que não resulta dos autos, antes o seu contrário.

35.ª - É incongruente atribuir-se um valor indemnizatório equivalente à fruição do imóvel e, simultaneamente, condenar-se os RR numa indemnização por danos não patrimoniais decorrentes do facto dos AA não poderem tirar partido da casa ... ainda que pudesse pensar-se que não exista de forma total, há, em grande parte, uma clara duplicação indemnizatória pelo mesmo dano;

36.ª - A quantia atribuída por danos não patrimoniais - pela falta de prova que o estribasse - existe somente o facto 62; pelo valor locativo que a casa tem (avaliado que está o uso em 150 euros/mês, vê-se que não será propriamente um lugar de grande valia), acrescido dos padrões jurisprudenciais que são usados para quem é agredido; para quem fica incapacitado para toda a vida em certo grau; para quem perde a vida de um familiar direto (a jurisprudência tem quantificado a perda de um cônjuge em cerca de € 25.000,00), atribuir € 10.000,00 por alguém que demonstrou ter ficado triste e nervoso, será, no mínimo, desajustada a quantia atribuída, nomeadamente quando se percebe que a correção do defeito poderá custar € 18.000,00 e se constata que a tristeza, não quantificada pela existência do defeito, foi avaliada em € 10.000,00;

37.ª - Pelas razões expostas nas conclusões anteriores, entende-se não ser devida qualquer indemnização.

38.ª - Ao ter-se quantificado, de forma atualizada, o valor dos danos não patrimoniais, viola o acórdão recorrido jurisprudência uniformizada, quando, sobre essa quantia, manda acrescer juros a contar da citação até integral pagamento (ponto VI do dispositivo);

39.ª - Além dos artigos acima citados, violou ainda o acórdão recorrido o disposto nos artigos 570.º do CC (que o não aplicou); 494.º CC; 566.º, n.º 1, 2 e 3, do CC e 609.º, n.º 2, por remissão do art.º 663.º, n.º 2, ambos do CPC.


9. Os AA/Recorridos apresentaram contra-alegações, a pugnar pela confirmação do julgado, rematando com o seguinte quadro conclusivo:

A - Questão da aplicabilidade do regime legal da empreitada ao contrato dos autos

 1.ª - Em nenhum dos pontos de facto dados por provados decorre que o projeto de arquitetura foi elaborado pelos Recorridos, aspeto invocado “ex novo” pelos Recorrentes que se afigura em absoluta oposição aos factos provados D), E) , F), V), X) e Z) e, em especial, os factos provados C), donde decorre que o 1.º R. e a 2.a R. foram contratados para "elaborar e organizar todos os elementos necessários à instrução do processo de licenciamento de obra particular junto do Município de Ponte de Lima" (facto provado A), B), I) e 1);

  2.ª - Muito embora um projeto de arquitetura possa ter em conta as preferências dos donos da obra, ora Recorridos - o que é o normal e habitual - a autoria dessa peça técnica é inconfundível, não podendo um desenhador renegar um projeto de arquitetura de gabinete que integrava, imputando-o àqueles (recorde-se, um empregado da construção civil e uma dona de casa);

 3.ª - Trata-se de falsa questão, já que não houve problema algum com o projeto de arquitetura, sendo que toda a matéria dos autos decorre - isso sim - de projeto de especialidade, mais concretamente o projeto de estabilidade estrutural peça técnica bem definida e demarcada no âmbito técnico e do direito do urbanismo;

 4.ª - Assim, não está em causa um contrato de arquitetura mas - coisa diversa - um projeto de especialidades específico: o projeto de estabilidade. Este com base em cálculos e fórmulas matemáticas complexas, define os esforços, movimentos, cargas e tensões estruturais a considerar, bem como as características da estrutura resistente dos edifícios, com a eleição dos materiais, seu dimensionamento e disposição, por forma a ser assegurada e garantida a sua estabilidade e integridade duradouras;

 5.ª- Tal projeto de estabilidade comporta uma margem criativa, uma vez que visa articular as características arquitetónicas com mecanismos de estabilidade estrutural que podem variar e comportar mais do que uma solução técnica para o mesmo problema: a estabilidade estrutural duradoura, que os Recorrentes não asseguraram, conforme podiam e deviam. A não ser assim, que trabalho fizeram afinal os Recorrentes e para que servem os termos de responsabilidade exigidos pelas normais legais em matéria urbanística?

 6.ª - De resto, a “margem de criatividade” não é elemento típico de qualquer um dos tipos contratuais em confronto: existem empreitadas e prestações de serviços pacificamente demarcadas como tal, com e sem “margem de criatividade”;

 7.ª - Discutir se os RR. apenas efetuaram uns desenhos ou um verdadeiro projeto de arquitetura afigura-se irrelevante, já o problema da obra radicou no projeto de especialidades, coisa distinta.

  8.ª - Não se entende o alcance do reparo plasmado no ponto 8 das alegações dos Recorrentes, sendo certo que o Tribunal não está impedido de aceder a todas as fontes bibliográficas que entender, a propósito de matérias que possam ter relevância para o conhecimento do objeto de recurso. Não se tratou de junção de pareceres pelas partes, mas do exercício legítimo do dever de fundamentação do acórdão recorrido.

 9.ª - Ao contrato dos autos não deverá aplicar-se o regime legal da empreitada, uma vez que é difícil, senão mesmo impossível, conciliar a maioria das regras do contrato de empreitada com este tipo de obra intelectual (projeto de estabilidade), designadamente no que concerne: (i) - às regras de transferência da propriedade (art.º 1212.º do CC); (ii) - ao direito do dono da obra fiscalizar a sua realização (art.º 1209.º do CC; (iii) - ao direito de exigir a eliminação dos defeitos, ao direito de exigir “uma nova construção” ou a resolução do contrato (art. 1221.º e 1222.º do CC), tendo em conta que, no caso dos autos, a obra já estava concluída antes de detetado o problema; (iv) - à definição do momento da entrega da obra (a entrega dos projetos escritos? O momento da sua transposição para a moradia? O momento da conclusão da moradia?) e (v) - no que concerne à “ratio” da definição legal dos prazos, mormente de garantia.

 10.ª - Ao nível do projeto de estabilidade de uma obra concluída não existe qualquer efeito útil na denúncia, o que torna imprópria a exigência deste ónus e mais imprópria a sua sujeição a um prazo de um ano. Num contexto de empreitada, a denúncia tem por objetivo fundamental facultar ao empreiteiro a eliminação do defeito, a construção de nova obra, a redução do preço ou a resolução do contrato. Se tivermos em conta o objeto do projeto de especialidades em causa, a função da denúncia torna-se destituída de efeito útil e descabida: após a moradia pronta, não pode haver correção ou substituição dos projetos de estabilidade já transpostos definitivamente para a edificação ou resolução do contrato, restando somente a via indemnizatória, a qual torna absolutamente desnecessária a denúncia, bastando a interpelação judicial.

 11.ª - E não se diga - como no ponto 19 das conclusões do recurso dos Recorrentes - que não é impossível eliminar o defeito: pois, na tese destes, a empreitada seria o próprio projeto de especialidades e não o seu objeto mediato (ou seja, a moradia). Ora, o projeto enquanto tal, uma vez transposto para a obra, ficou esgotado, sendo insuscetível de ser corrigido em si mesmo. O remedeio ulterior implicou a elaboração ex novo de um projeto de reforço elaborado de raiz à luz dessa necessidade, “quid” absolutamente diverso.

 12.ª - A aplicabilidade do regime da empreitada aos denominados contratos de arquitetura, embora não pacífica, tem a sua justificação essencial no facto de que esta obra intelectual acaba por ser transporta para uma realização corpórea (v.g. um edifício), com a qual se funde, momento em que os seus potenciais defeitos ou vícios se exteriorizam. O que é radicalmente diferente no caso dos projetos de estabilidade: muito embora os mesmos sejam transpostos para uma obra corpórea, as suas manifestações são incomensuravelmente menos detetáveis e cognoscíveis, radicando em fórmulas, cálculos e modelos matemáticos intrincados e complexos que não saltam à vista de um cidadão médio, ao contrário da generalidade dos defeitos exibidos pelas coisas corpóreas (corroborado, aliás, pelo facto provado 61 e 75).

 13.ª - A aplicabilidade ao caso dos autos das regras da empreitada implica, necessariamente, a sujeição a todos os prazos aí previstos. E não apenas, de forma seletiva, aos prazos de denúncia do defeito e de caducidade da ação. Seria absurdo aplicar os prazos do art.º 1225.º, n.º 2, do CC e afastar o prazo de garantia de 5 anos constante do n.º 1. O que degeneraria num regime híbrido traduzido numa mescla arbitrária geradora insegurança jurídica extrema e inconcebível. Assim, a tese seguida pelos Recorrentes impõe, inelutavelmente, o pressuposto de que o prazo de garantia do contrato dos autos se cinja a 5 anos (não se sabendo muito bem a partir de que momento).

 14.ª - A “ratio” de um prazo de garantia de 5 anos sucumbe no âmbito dos projetos de estabilidade, sendo que a defesa da sua conformidade com as regras técnicas e as normas legais obedece, inclusive, a prementes razões de interesse e ordem pública, relacionadas com a segurança, a longo termo, das edificações e com a salvaguarda da integridade física e da própria vida dos utilizadores da obra corpórea. Não é por acaso que o legislador estabeleceu a obrigatoriedade de instrução de um processo administrativo de licenciamento de obra particular com a emissão de um “termo de responsabilidade” do autor de cada um dos projetos (de estabilidade incluído), conforme definiu no anexo IV da Portaria n.º 1115-A/94, de 15/ 12. O legislador não estava - seguramente - a pensar acautelar um prazo de, apenas, cinco anos.

  15.ª - A aplicabilidade das regras da empreitada ao contrato dos autos põe em causa razões de ordem pública e constitui uma clamorosa ofensa à tutela dos interesses dos consumidores, fomentando um verdadeiro retrocesso civilizacional perante os padrões de reconhecida qualidade da generalidade dos nossos técnicos, passando a permitir uma validade circunscrita a 5 anos também para um projeto de estabilidade que é suposto ser indefinidamente duradouro.

 16.ª - Pelo que o entendimento sufragado pelos Recorrentes compromete valores de segurança e de ordem pública, sendo inconstitucional, por ofensa ao art. 60.º, n.º 1, 81.º, al. i), 9.º, al. e), 65.º e 66.º, n.º 2, al. b) e e), todos da Constituição, que tutelam a defesa dos interesses do consumidor e o direito da construção que se projeta nos direitos sociais de habitação e urbanismo e, ainda, no direito ao ambiente, onde é visível o entrecruzar de interesses públicos com interesses particulares. Inconstitucionalidade que, expressa e cumulativamente se invoca, para todos os efeitos legais e processuais.

 17.ª - Acresce que regime da empreitada, no que concerne ao regi-me e prazos da denúncia e, ainda, caducidade do direito da ação, constitui um desvio assinalável, uma verdadeira exceção, ao regime geral do exercício e caducidade de direitos, assim como uma exceção ao regime geral da prescrição. Ou seja, os prazos estabelecidos no art.º 1225.º, n.º 2, do CC, constituem uma exceção à regra consignada nos artigos 300.º a 327.º do CC (quanto à prescrição) e 328.º a 333.º (quanto à caducidade);

 18.ª - O entendimento dos Recorrentes viola o art.º 11.º do CC, segundo o qual as normas excecionais não comportam aplicação analógica, muito embora admitam interpretação extensiva. A aplicação do regime da empreitada a um contrato de prestação de serviços que tem por objeto um projeto de estabilidade não é, manifestamente, um caso de interpretação extensiva, a qual se verifica sempre que a letra da lei fique aquém do seu espírito. É óbvio e manifesto que o legislador não se esqueceu de incluir expressamente todos os contratos de prestação de serviços, direta ou indiretamente refletidos numa obra corpórea, sendo que o regime legal e doutrinário da empreitada, embora sujeito a evoluções, está perfeitamente consolidado.

 19.ª - Pelo que o entendimento perfilhado pelos Recorrentes viola, designadamente, os artigos 1156.º, 1225.º, n.º 1 e 2, 309.º, 11.º e 483.º, todos do CC, e os artigos 60.º, n.º 1, 81.º, al. i), 9.º, al. e), 65.º e 66.º, n.º 2, b) e c), todos da Constituição;

 20.ª - Os Recorrentes confundem duas realidades distintas: os danos decorrentes de vícios e defeitos da construção propriamente dita (da responsabilidade do construtor/empreiteiro) e os danos decorrentes da conceção do edifício (ao nível do projeto de estabilidade estrutural), situações bem demarcadas e que não se confundem. Um construtor pode executar na perfeição um projeto deficiente ..., pelo que não há nenhuma duplicação de dano, tendo a prova pericial estabelecido claramente um nexo de causalidade entre os erros de projeto e os danos produzidos.

   B - Questão da responsabilidade decorrente do exercício da direção técnica da obra:

  21.ª - Está - também e paralelamente - em causa o facto de a 2.ª R. mulher ter assumido o cargo de “diretor técnico da obra” - facto provado DD) - fonte cumulativa de responsabilidade, a par daquela que decorria naturalmente dos demais serviços contratados.

  22.ª - A 2.ª R. não violou, apenas, as suas obrigações enquanto autora dos projetos de especialidades. Também as violou numa qualidade completamente distinta diretora técnica da obra - cargo esse com um recorte legal bem definido e pelo qual, inclusive, subscreveu o inerente termo de responsabilidade, conforme resulta do processo administrativo apenso aos autos;

 23.ª - A matéria de facto provada permite imputar a responsabilidade civil à 2.a R., à luz, designadamente, dos artigos 76.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.° 555/99, de 16/12, na redação dada pelo Dec.-Lei n.º 177/2001, de 04/06, art.º 8.º e Anexo IV da Portaria n.º 1115-A/94, de 15/02 - à qual sucedeu a Portaria n.º 1105/2001, de 18/09, donde relevam os artigos 3.º, n.º 1, alínea c) -, o artigo 15.º do RGEU e os artigos 86.º, n.º 5, e 87.º, n.º 2, do Estatuto da Ordem dos Engenheiros, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 119/92, de 30/06 (normativos supra transcritos). Tal responsabilidade é corroborada pelo regime emergente da posterior Lei n.º 31/2009, de 03/07 [(tudo em sintonia com o decidido nos acórdãos da Relação de Coimbra de 09/03/ 2004 (n.º 3365/03) e de 26/01/2010 (proc. 1801/08.7TBCBR. C1)];

  24.ª - Quanto ao reparo assinalado pelos Recorrentes no ponto 21 das sua conclusões, consigna-se que, muito embora aquele art.º 76.º, n.º 1, do DL n.º 555/99, na redação do DL n.º 177/2001, se dirija ao dono da obra, impõe-lhe o ónus de reunir os elementos necessários à obtenção de licença de utilização (“apresentando para o efeito os elementos previstos em portaria aprovada pelo Ministro do Ambiente e do XXVIII -, pelo que a tese dos Recorrentes sempre violaria o art. 483.º do CC, e artigos 60.º, n.º 1, 81.º, al. i), 9.º, al. e), 65.º e 66.º, n.º 2, alíneas b) e c), todos da Constituição e, ainda, artigos 76.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 555/99, de 16/12, na redação que lhe foi dada pelo Dec.-Lei n.º 177/2001, de 04/06, os artigos 3.º, n.º 1, alínea c), e Anexo IV da Portaria n.º 1115-A/94, de 15/02 (à qual sucedeu a Portaria n.º 1105/ 2001, de 18/09, donde releva o art.º 8.º), o artigo 15.º do RGEU e os artigos 86.º, n.º 5, e 87.º, n.º 2, do Estatuto da Ordem dos Engenheiros, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 119/92, de 30/06.

   C - Questão do dano da privação do uso

  29.ª - Embora os Recorridos não conhecessem a causa dos problemas da moradia até terem promovido uma análise pericial, conheciam as suas manifestações: tetos a vergar, com esmagamento de alvenarias, fissuração, etc. (factos provados 12, 15, 26, 40, 45);

  30.ª - Atente-se que “os defeitos decorrentes de erros de conceção supra enunciados tornaram a obra inapta para o fim a que se destina, até ao seu escoramento” (facto provado 46). Não era exigível impor aos Recorridos que habitassem uma moradia que, do ponto de vista pericial, se encontrava inapta para o fim habitacional, conhecessem ou não a real causa das manifestações que observavam;

  31.ª - Pelo que inexistem motivos que obstem à condenação pelo dano da privação do uso nos moldes efetuados no acórdão recorrido, não constituindo o mero desconhecimento das causas dos problemas qualquer quebra atendível do nexo causal entre os erros de projeto de estabilidade e o dano da privação do uso.

   D - Outras questões

 32.ª - Quanto à questão dos danos não patrimoniais, tendo em conta os factos provados e a fundamentação do acórdão recorrido, nada têm os Recorridos a acrescentar, sendo que a privação do maior investimento da sua vida com os contornos em causa falam por si, sem necessidade de considerandos adicionais;

  33.ª - Quanto ao modo de contagem dos juros, falece razão aos Recorrentes: não se verificam os pressupostos do AUJ n.º 4/2002 do STJ, já que a compensação por danos não patrimoniais não foi objeto de cálculo atualizado, aresto unicamente aplicável a danos patrimoniais, visto que estes são insuscetíveis de ser objeto de mecanismos de atualização monetária. Pelo que, também quanto a esse respeito, não merece censura o acórdão recorrido.    


     Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


      II – Delimitação do objeto do recurso


    Como é sabido, no que aqui releva, o objeto do recurso é definido em função das conclusões formuladas pelo recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do CPC.

     Dentro desses parâmetros, o objeto dos presente recurso incide sobre as seguintes questões de direito:

         A – Em primeira linha:

i) - A questão da qualificação jurídica do contrato celebrado entre os AA. e os 1.º R e 2.ª R. e do regime legal aplicável;  

ii) – A questão da caducidade dos direitos peticionados pelos AA.;

         B – Subsidiariamente:

iii) – A questão da pretendida não imputação do danos ao 1.º R.;  

iv) – A questão da imputação dos danos à 2.ª R. na qualidade de diretora técnica da obra;

v) – A questão da imputação da responsabilidade aos AA. e à 2.ª R., a título de culpas concorrentes;

vi) – A questão da responsabilidade pelos danos relativos à correção e reforço estrutural da moradia;

vii) – A questão relativa ao dano pela privação do uso da moradia em referência;

viii) – A questão relativa à indemnização pelos danos não patrimoniais e ao respetivo montante;

ix) – A questão do cálculo dos juros de mora desde a citação sobre quantias já atualizadas à data do julgado.


   Mais precisamente, só estão aqui em causa os segmentos decisórios do acórdão recorrido de condenação dos R.R., nos pedidos de indemnização, incluindo os respetivos juros moratórios, indicados nas seguintes alíneas do petitório acima enunciadas: II - a) e b) – pelas obras de correção e reforço estrutural do edifício; II - e) e IV - c) – pela privação do uso; II – f) – pelas despesas com estudos técnicos e peritagens suportados pelos AA. para a deteção e diagnóstico dos problemas estruturais; II – g) – pelos danos não patrimoniais.

Fica assim de fora o segmentos absolutório sobre os pedidos indicados em II - c) e d), e IV – a) e b).   

 

III – Fundamentação   


1. Factualidade dada como provada pelas instâncias


Vem dada como provada pelas instâncias a factualidade que, para mais clareza e melhor compreensão, se reordena nos seguintes pontos[1]

1.1. No decurso do ano 2000, os autores (AA.) decidiram construir uma moradia unifamiliar, composta por cave e rés-do-chão, a implantar num prédio rústico sito no lugar de …, freguesia de Fornelos, concelho de Ponte de Lima, propriedade do A. – correspondentes às alíneas A) e B) dos factos assentes;

1.2. Para tanto, foi necessário elaborar e organizar todos os elementos necessários à instrução do necessário licenciamento municipal de obra particular junto do Município de Ponte de Lima – correspondente à alínea C) dos factos assentes;

1.3. Pretendendo construir aquela moradia, os A.A., em meados de 2000, dirigiram-se ao 1.º R. marido, desenhador de profissão, a quem solicitaram que este lhes desenhasse o projeto da casa por eles pretendido, bem como solicitaram ao 1.º R. que pedisse à 2.ª R. mulher – que consigo trabalhava no mesmo gabinete de projetos, de forma conjunta e articulada, com intuito lucrativo – que realizasse os projetos de especialidades dessa mesma habitação – correspondente às alínea T) e U) dos factos assentes;

1.4. O 1.º R. e a 2.ª R. contribuem entre si com bens e serviços para o exercício em comum da atividade económica referida em 1.2, cujos custos e proveitos dividiam entre si, com vista à obtenção de lucro –  correspondente às alíneas D), E) e F) dos factos assentes

1.5. E em 02/10/2000, vieram a constituir, entre si, uma sociedade comercial por quotas, denominada “HH - Gabinete de arquitetura e engenharia, Lda” – correspondente à alínea G) dos factos assentes;

1.6. O 1.º R. e a 2.ª R. foram contratados pelos AA. porque estes acreditavam que eram profissionais competentes e que elaborariam os projetos de acordo com as normas legais e regulamentares e com a boa arte e técnica da construção civil – correspondente ao ponto 32 da factualidade provada constante da sentença e ao art.º 65.º da base instrutória;

1.7. Os AA. indicaram ao 1.º R. e à 2.ª R. a forma da casa e a exata distribuição interior que pretendiam ver desenhada e projetada – correspondente à alínea X) dos factos assentes;

1.8. Os AA. informaram o 1.º R. e a 2.ª R. de que os desenhos e projetos referidos em 1.3 se destinavam a ser apresentados na Câmara Municipal de Ponte de Lima, para obterem a necessária licença de construção – correspondente à alínea V) dos factos assentes;

1.9. O 1.º R. e a 2.ª R. aceitaram realizar esse trabalho pelo preço global de 300.000$00, equivalente a € 1.496,39, preço que os AA. aceitaram e pagaram no momento da contratação – correspondente às alíneas J) e Z) dos factos assentes;

1.10. Alguns meses mais tarde, foi acordado pelas partes o pagamento do preço adicional de 30.000$00, equivalente a € 149,63, relativo ao projeto de especialidades atinente a telecomunicações – correspondente à alínea L) dos factos assentes;

1.11. Os projetos de especialidades incluem o projeto de estabilidade, com a componente da estrutura, fundações do edifício e do betão armado – correspondente ao ponto 1 da factualidade provada constante da sentença e ao art.º 2.º da base instrutória;

1.12. O 1.º R. e a 2.ª R. executaram o descrito em 1.2 e elaboraram para os AA. o projeto de segurança da obra, cujo preço pagaram, bem como o do projeto de telecomunicações – correspondente aos pontos 2 e 3 da factualidade provada constante da sentença e aos artigos 5.º e 6.º  da base instrutória;   

1.13. Pouco tempo depois, antes de dezembro de 2000, o 1.º R. e a 2.ª R. entregaram aos AA., concluídos, os desenhos e projetos (cálculos) de especialidades da casa por eles pretendida – correspondente à alínea AA) e MM) dos factos assentes;   

1.14. Da memória descritiva e justificativa do projeto de estruturas consta que a tensão de segurança do solo das fundações deveria “ser confirmada por ensaio de solo, aquando da abertura dos caboucos” – correspondente ao ponto 36 da factualidade provada constante da sentença;

1.15. Da mesma memória descritiva e justificativa consta que “nenhuma peça da estrutura será betonada sem a prévia vistoria, e autorização do técnico responsável” – correspondente ao ponto 73 da factualidade provada constante da sentença;

1.16. A 2.ª R. advertiu que, se a qualidade do solo não garantisse a tensão considerada no cálculo, deveria esse mesmo cálculo ser refeito – correspondente à alínea JJ) dos factos assentes

1.17. Os AA. aceitaram os desenhos e projetos de especialidades que os RR. lhes apresentaram – correspondente ao ponto 63 da factualidade provada constante da sentença e parte do art.º 172.º da base instrutória;   

1.18. Os AA. apresentaram o dito projeto na Câmara Municipal de Ponte de Lima, pagando os custos, emolumentos e taxas relativas ao processo de licenciamento referido em 1.2 – – correspondente à alíneas H) e  BB) dos factos assentes;

1.19. Os AA. viram tal projeto aprovado e obtiveram o licenciamento da construção por eles pretendida – correspondente à alínea CC) dos factos assentes;

1.20. O 1.º R. e a 2.ª R. tinham a consciência de que a casa em questão era para habitação dos AA. e que se destinava a proporcionar-lhes uma melhoria no seu conforto e qualidade de vida – correspondente ao ponto 31 da factualidade provada constante da sentença e ao art.º 64.º da base instrutória;

1.21. Os AA. adjudicaram a empreitada de construção da moradia em 1.1 à sociedade “GG, Lda” – correspondente à alínea M) dos factos assentes;

1.22. Por pedido dos AA., a 2.ª R. mulher aceitou constituir-se como responsável pela direção técnica da obra – correspondente à alínea DD) dos factos assentes;

1.23. Compete ao diretor técnico da obra assegurar a conformidade dos projetos licenciados com a obra executada – correspondente ao ponto 38 da factualidade provada constante da sentença e ao art.º 74.º da base instrutória;  

1.24. A obra referida em 1.21 foi iniciada em 2001 e terminada em janeiro de 2002 – correspondente às alíneas N) e OO) dos factos assentes;

1.25. Os AA. contrataram com o empreiteiro e aplicaram em obra um betão B15, com classe de resistência inferior ao que a 2.ª R. tinha previsto – correspondente à alínea II) dos factos assentes;   

1.26. A aplicação do betão da classe B15 pode pôr em causa a durabilidade máxima das estruturas – correspondente ao ponto 72 da factualidade provada constante da sentença e ao art.º 157.º da base instrutória;

1.27. Os AA. aumentaram o pé-direito da entrada do portão da garagem, ignorando o projeto – correspondente à alínea EE) dos factos assentes;

1.28. Os AA., por sua iniciativa e sem conhecimento dos RR., procederam a alterações em obra que não estavam no projeto – correspondente ao ponto 64 da factualidade provada constante da sentença e ao art.º 137.º da base instrutória;  

1.29. Há um ligeiro aumento, em relação ao projeto, no alinhamento do alçado poente da cave – correspondente ao ponto 65 da factualidade provada constante da sentença e ao art.º 141.º da base instrutória;

1.30. O projeto de estabilidade considera na cobertura umas lajes com vigotas simples e outras duplas, tendo na obra sido utilizadas todas as lajes com vigotas simples – correspondente ao ponto 66 da factualidade provada constante da sentença;  

1.31. Não executaram as vigas-cinta sobre os muros de apoio à laje de cobertura, que estavam previstas no projeto, facto que determina que haja uma maior concentração da carga nesses mesmos muros – correspondente ao ponto 67 da factualidade provada constante da sentença e ao art.º 143.º da base instrutória;

1.32. Executaram de forma deficiente o recobrimento nalguns pilares embutidos no muro de betão periférico da cave – correspondente ao ponto 68 da factualidade provada constante da sentença e ao art.º 144.º da base instrutória;

1.33. Ao longo da execução da obra, a 2.ª R. deslocou-se à mesma pelo menos duas vezes – correspondente ao ponto 4 da factualidade provada constante da sentença e está relacionado com o art.º 8.º da base instrutória;

1.34. A 2.ª R. presenciou, pelo menos, a betonagem dos muros da cave, vendo nessa altura o subsolo – correspondente ao ponto 76 da factualidade provada constante da sentença;

1.35. O livro de obra tem como data de abertura o dia 29 de dezembro de 2000 – correspondente à alínea NN) dos factos assentes;  

1.36. A 2.ª R. exarou no livro de obra, pelo seu punho, a execução das fundações, das sapatas e da colocação de placas e lajes – correspondente ao ponto 75 da factualidade provada constante da sentença;

1.37. Finda a obra referida em 1.21, foram detetados vários defeitos e vícios de construção – correspondente à alínea O) dos factos assentes;

1.38. Por força disso, pendeu termos, no 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Ponte de Lima, a ação com processo ordinário n.º 376/03. 8TBPTL, em que figuraram como demandantes os ora AA. e como demandada a sociedade empreiteira indicada em 1.21 correspondente à alínea P) dos factos assentes;  

1.39. Essa ação terminou por transação, celebrada em 04/03/2008, com sentença homologatória da mesma data, transitada em julgado – correspondente à alínea Q) dos factos assentes;

1.40. Na referida ação, o empreiteiro reclamava dos AA. o pagamento de € 32.646,29, tendo, em sede de transação, aceitado receber € 17.500,00 – correspondente ao ponto 70 da factualidade provada constante da sentença e ao art.º 150.º da base instrutória;

1.41. A obra apresenta vários defeitos e vícios de construção, que nada têm a ver com problemas estruturais – correspondente à alínea FF) dos factos assentes;

1.42. Os AA. nunca representaram a hipótese de erro de conceção, designadamente ao nível dos projetos de especialidades – correspondente à alínea S) dos factos assentes

1.43. Nem o empreiteiro nem os AA. alguma vez comunicaram ao 1.º R. e à 2.ª R. a existência de qualquer falha ou omissão no projeto – correspondente à alínea GG) dos factos assentes;

1.44. Já após a fase de instrução do processo movido pelos ora A.A. contra a empreiteira, referido em 1.38, aqueles começaram a suspeitar da possibilidade de existirem deficiências estruturais no edifício relacionadas com erros de conceção do edifício, na sequência de opiniões avulsas que iam recolhendo – correspondente à alínea R) dos factos assentes;

1.45. Os AA. tiveram conhecimento de que haveria alguma deficiência estrutural em outubro de 2007 – correspondente à alínea PP) dos factos assentes;

1.46. Mesmo nessa altura, nada referiram aos ora 1.º R. e à 2.ª R. – correspondente à alínea QQ) dos factos assentes;

1.47. Em 2007, os AA. solicitaram a um engenheiro civil que efetuasse uma avaliação sumária da obra e dos projetos respetivos, com vista a diagnosticarem a real condição do imóvel, tendo-se aí detetado problemas estruturais na moradia – correspondente ao ponto 5 da factualidade provada constante da sentença e aos artigos 9.º e 10.º da base instrutória;

1.48. Em face daquela avaliação, os AA. decidiram consultar uma empresa dotada de especialistas em estruturas, com vista a um exame minucioso aos projetos e à obra – correspondente ao ponto 6 da factualidade provada constante da sentença e ao art.º 11.º da base instrutória;

1.49. Tal estudo foi entregue aos AA. em novembro de 2008 e concluiu que existiam erros de conceção da estrutura, no capítulo do betão armado e do projeto de estabilidade, assinalando risco de rotura em alguns elementos estruturais e aconselhando a imediata realização de trabalhos de escoramento – correspondente ao ponto 7 da factualidade provada constante da sentença e aos artigos 12.º, 13.º e 14.º da base instrutória;

1.50. Só em dezembro de 2008 é que os A.A., através do seu mandatário, comunicaram a alegada existência de problemas estruturais na obra – correspondente à alínea RR) dos factos assentes;

1.51. A classe de resistência da estrutura que foi adotada pelo projeto de estabilidade estava em desconformidade com a prevista no Regulamento de Estruturas de Betão Armado então em vigor, que visa acautelar a durabilidade máxima das estruturas – correspondente ao ponto 8 da factualidade provada constante da sentença e ao art.º 15.º da base instrutória;

1.52. No projeto de estabilidade e betão armado, as cargas resultantes das lajes e vigas de cobertura não estão contempladas no cálculo das lajes do teto do rés-do-chão – correspondente ao ponto 9 da factualidade provada constante da sentença e ao art.º 16º da base instrutória;

1.53. No mesmo projeto, o cálculo do valor da flecha da laje LP1 (teto da cave) e da laje LT1 (teto do rés-do-chão) é superior a 1,50 cm, ultrapassando o estado limite de deformação desses elementos estruturais, fixado no Regulamento de Estruturas de Betão Armado e Pré-Esforçado (REBAP) – correspondente ao ponto 10 da factualidade provada constante da sentença e ao art.º 17.º da base instrutória; 

1.54. Considerando a carga real originada pela laje inclinada de cobertura, as lajes LT2, LT3, LT4 e LT5 (teto do rés-do-chão) não cumprem as condições de segurança relativas ao estado limite último de resistência tal como definido no REBAP e no Regulamento de Segurança e Ações (RSA), por não terem sido tidas em conta no projeto de estabilidade as cargas relativas à laje de cobertura e às paredes de alvenaria de tijolo aplicadas – correspondente ao ponto 11 da factualidade provada constante da sentença e aos artigos 18.º a 20.º da base instrutória;

1.55. As vigas[2] V19, V20, V22 e V23 (V1 e V2), do teto da cave, foram projetadas com uma armadura insuficiente, sendo os esforços de flexão e de corte atuantes superiores aos esforços resistentes correspondentes, em estado limite último, correndo, sem escoramentos, riscos de colapso – correspondente ao ponto 12 da factualidade provada constante da sentença e ao art.º 21.º a 23.ª da base instrutória;

1.56. No projeto de estabilidade, não há listagens de esforços das vigas V21, V26 e V27 (VE1 e L), porque foram consideradas como lintéis sobre paredes resistentes – correspondente ao ponto 13 da factualidade provada constante da sentença e ao art.º 24.º da base instrutória;

1.57. No projeto de estabilidade, não constam as devidas verificações de segurança das paredes onde se encontram apoiadas as vigas V1, V2, V3, V6, V7, V8, V13, V14, V15, V20, V22, V24 e V26 (VC, L e V4) – correspondente ao ponto 14 da factualidade provada constante da sentença e ao art.º 25.º da base instrutória;

1.58. O aparecimento de fendas nos rebocos das paredes é uma das patologias das alvenarias resistentes, quando estas são submetidas a tensões excessivas – correspondente ao ponto 15 da factualidade provada constante da sentença e ao art.º 26.º da base instrutória;

1.59. No projeto de estabilidade, não há listagens de esforços das vigas V27, V28, V29, V30 e V31 (L), do teto do rés-do-chão, por se definirem como lintéis, podendo tais vigas agravar as condições das referidas em 1.55 (ponto 12 da sentença) – correspondente ao ponto 16 da factualidade provada constante da sentença e é relativa à matéria dos artigos 30.º a 32.º da base instrutória;

1.60. O pilar P19 (P1) possui armadura insuficiente, não cumprindo as condições de segurança no tramo do piso inferior – correspondente ao ponto 17 da factualidade provada constante da sentença e é relativa à matéria do art.º 35.º da base instrutória;  

1.61. O pilar P20 (P2) possui armadura insuficiente, não cumprindo as condições de segurança no tramo do piso inferior – correspondente ao ponto 18 da factualidade provada constante da sentença e é relativa à matéria do art.º 36.º da base instrutória;

1.62. O pilar P21 (P1) possui armadura insuficiente, não cumprindo as condições de segurança no tramo do piso inferior – correspondente ao ponto 19 da factualidade provada constante da sentença e aos artigos 37.º e 38.º da base instrutória;

1.63. A armadura definida em projeto para a sapata do pilar P19 (P1) não é suficiente para resistir aos esforços atuantes, sendo a tensão transmitida ao solo pela sapata superior à tensão de segurança admitida em projeto – correspondente ao ponto 20 da factualidade provada constante da sentença e aos art.º 42.º e 43.º da base instrutória;

1.64. A armadura definida em projeto para a sapata do pilar P20 (P2) não é suficiente para resistir aos esforços atuantes, sendo a tensão transmitida ao solo pela sapata superior à tensão de segurança admitida em projeto – correspondente ao ponto 21 da factualidade provada constante da sentença e é relativa à matéria dos artigos 44.º e 45.º da base instrutória;

1.65. A armadura definida em projeto para a sapata do pilar P21 (P1) não é suficiente para resistir aos esforços atuantes, sendo a tensão transmitida ao solo pela sapata superior à tensão de segurança admitida em projeto – correspondente ao ponto 22 da factualidade provada constante da sentença e é relativa à matéria dos artigos 46.º e 47.º da base instrutória;

1.66. Esta sapata não respeita os valores de referência ao esforço de punçoamento – correspondente ao ponto 23 da factualidade provada constante da sentença e ao art.º 48.º da base instrutória;

1.67. Face à tensão admissível adotada em projeto, existem algumas fundações (as sapatas dos pilares P19, P20 e P21) que não cumprem as condições de consistência necessárias – correspondente ao ponto 24 da factualidade provada constante da sentença e ao art.º 49.º da base instrutória;

1.68. O projeto de estabilidade não assinalou as sapatas dos pilares P23, P24, P25 e P26 – correspondente ao ponto 25 da factualidade provada constante da sentença e ao art.º 52.º da base instrutória;

1.69. Há pequenas fissuras na laje do teto que vão até à viga designada como “L” no projeto – correspondente ao ponto 26 da factualidade provada constante da sentença e ao art.º 56.º da base instrutória;

1.70. Essa viga não tem capacidade de resistir às cargas, estando assente numa parede divisória que não permite a sua deformação controlada e natural – correspondente ao ponto 27 da factualidade provada constante da sentença e é relativa à matéria do artigo 57.º da base instrutória;

1.71. Ao restringir o movimento da viga, a parede absorve as cargas, transmitindo-as às vigas inferiores V1 e V2 e notando-se já a fissura da viga V1 na laje de piso, provocada por uma armadura subdimensionada e pela aplicação de maior carga do que a prevista no projeto de estabilidade – correspondente ao ponto 28 da factualidade provada constante da sentença e ao art.º 58.º da base instrutória;

1.72. O projeto de estabilidade e betão armado deveria ter considerado o RSA (Regulamento de Segurança e Ações para Estruturas de Edifícios e Pontes) e o REBAP (Regulamento de Estruturas de Betão Armado e Pré-Esforçados), sendo obrigatório para quem o elabora o conhecimento de todas as normas, regulamentos e especificações que impõem regras relativas à conceção e dimensionamento de estruturas – correspondente ao ponto 29 da factualidade provada constante da sentença e ao art.º 60.º da base instrutória;

1.73. A 2.ª R., enquanto engenheira civil, conhecia ou devia conhecer as normas referidas em 1.72 (ponto 29 da sentença) – correspondente ao ponto 30 da factualidade provada constante da sentença e está relacionada com o vertido no art.º 61.º da base instrutória;

1.74. Para a elaboração do projeto de estabilidade e betão armado, o projetista deve requerer ao dono da obra os elementos que concluam pela definição das capacidades resistentes do terreno onde vão assentar as fundações, já que tal condiciona o tipo de fundações a adotar no projeto – correspondente ao ponto 33 da factualidade provada constante da sentença;

1.75. Para este tipo de projeto, e dado o elevado custo do estudo das características do terreno, o projetista deve considerar valores de referência em função da sua experiência, que deverão ser mencionados nas peças de projeto – correspondente ao ponto 34 da factualidade provada constante da sentença;  

1.76. Não foram efetuadas sondagens ao terreno, prévias à elaboração do projeto de estabilidade – correspondente ao ponto 35 da factualidade provada constante da sentença;

1.77. Salvo alterações de pormenor, sem relevância para as patologias de causa estrutural, os projetos de estabilidade e demais projetos de especialidade foram transpostos para a obra executada – correspondente ao ponto 37 da factualidade provada constante da sentença e é relativa à matéria do art.º 73.º da base instrutória;

1.78. Como consequência dos erros de projeto supra referidos, a obra apresenta as seguintes patologias:

   a) - rutura dos panos de alvenaria existentes nos topos das paredes interiores da cave;

   b) - fissuração a meio do vão da viga no teto da cave;

   c) - fissura horizontal exterior na varanda do quarto do rés-do-chão;

   d) - fenda horizontal na parede divisória corredor/quarto.

correspondente ao ponto 40 da factualidade provada constante da sentença e ao art.º 77.º da base instrutória;

1.79. Os vícios da laje de teto concorreram, em cerca de 10%, para o aparecimento de fissuras nas sancas interiores do rés-do-chão – correspondente ao ponto 41 da factualidade provada constante da sentença;

1.80. Os vícios da laje de piso concorreram, em cerca de 10%, para o aparecimento de fissuras paralelas às vigotas do rés-do-chão – correspondente ao ponto 42 da factualidade provada constante da sentença;

1.81. No caso das sapatas referidas em 1.63 a 1.65 (pontos 20 a 22 da sentença), pode haver assentamentos diferenciais da estrutura, com aparecimento de fissuras – correspondente ao ponto 43 da factualidade provada constante da sentença;

1.82. Além das patologias que já são visíveis, os erros de projeto verificados e executados em obra determinaram, como consequência direta e necessária, uma tensão estrutural do edifício superior à que resulta das normas legais e regulamentares aplicáveis e da boa arte e técnica da construção civil – correspondente ao ponto 45 da factualidade provada constante da sentença;

1.83. As patologias, que não as descritas em 1.78 (ponto 40 da sentença), têm origens diversas, nomeadamente má execução e/ou qualidade dos materiais – correspondente ao ponto 69 da factualidade provada constante da sentença;

1.84. A reparação das patologias descritas 1.78 (ponto 40 da sentença) orça em cerca de € 18.302,14, sem IVA, acrescida de honorários do projeto de reforço e de despesas relativas à substituição do projetista de estabilidade – correspondente ao ponto 44 da factualidade provada constante da sentença;

1.85. Os defeitos decorrentes dos erros de conceção supra enunciados tornaram a obra inapta para o fim a que se destina, impedindo a sua utilização habitacional, até ao seu escoramento – correspondente ao ponto 46 da factualidade provada constante da sentença;

1.86. Entre 2000 e a entrega aos AA. do estudo referido em 1.49 (ponto 7 da sentença), a obra nunca esteve escorada, não tendo colapsado – correspondente ao ponto 71 da factualidade provada constante da sentença;

1.87. Ao tomar conhecimento do risco aludido em 1.49 (ponto 7 da sentença), e para evitar o colapso da estrutura, os AA. imediatamente realizaram trabalhos de escoramento provisório com recurso a tubos metálicos, ao nível da cave, nas vigas V19, V20, V22 e V23, pontos recomendados pela empresa especialista em estruturas – correspondente ao ponto 39 da factualidade provada constante da sentença;

1.88. Os AA., desde a conclusão da casa, em 2002 até 2009, nunca habitaram a casa em questão – correspondente à alínea LL) dos factos assentes;

1.89. O valor de mercado atual da moradia dos AA., tendo em conta a sua tipologia e localização, é de cerca de € 175.000,00 – correspondente ao ponto 47 da factualidade provada constante da sentença e ao art.º 92.º da base instrutória;

1.90. Os erros de projeto transpostos para a obra, bem como as suas manifestações, desvalorizam o imóvel em valor equivalente ao do custo da reparação referida em 1.84 (ponto 44 da sentença) – correspondente ao ponto 48 da factualidade provada constante da sentença e ao art.º 93.º da base instrutória;

1.91. O estado da moradia dos AA. impõe a realização de trabalhos de reforço da estrutura e correção das manifestações dos defeitos relacionados com os erros estruturais, criando algumas dificuldade de execução ao nível do teto, devido ao peso e dimensão dos elementos a manusear e ao exíguo espaço disponível no desvão – correspondente ao ponto 49 da factualidade provada constante da sentença e é relativa à matéria dos artigos 95.º e 96.º da base instrutória;

1.92. A reparação das causas e das manifestações dos erros de projeto deve utilizar os materiais, métodos, processos e técnicas descritos a fls. 133 a 138, 142 e 143 dos autos e das peças desenhadas de fls. 145 a 153, que preconizam a única solução adequada para o problema, de acordo com as técnicas de construção civil – correspondente ao ponto 50 da factualidade provada constante da sentença e aos artigos 98.º e 99.º da base instrutória;

1.93. Tal reparação orça no valor referido 1.84 (ponto 44 da sentença – correspondente ao ponto 51 da factualidade provada constante da sentença e ao art.º 101.º da base instrutória;

1.94. Esse valor é variável em função do mercado, podendo aumentar ou diminuir – correspondente ao ponto 52 da factualidade provada constante da sentença e ao art.º 102.º da base instrutória;

1.95. Para a construção da moradia, os AA. celebraram contrato de mútuo com hipoteca com o Banco II (ao qual sucedeu o Banco JJ) em 18 de maio de 2001, celebrado no Cartório Notarial de Ponte de Lima, por força do qual lhes foi mutuada a quantia de 12.000.000$00, pelo prazo de 25 anos, a pagar em prestações mensais e sucessivas – correspondente ao ponto 53 da factualidade provada constante da sentença e aos artigos 104.º e 105.º da base instrutória;

1.96. Os AA. têm vindo a pagar essas prestações mensais, sendo os juros pagos ao Banco, até 17 de fevereiro de 2012, no valor de € 12.510,03 – correspondente ao ponto 54 da factualidade provada constante da sentença e ao art.º 107.º da base instrutória;

1.97. A existência de problemas na moradia dos AA. foi do conhecimento público na comunidade local, tendo-se constado que a casa estava a cair – correspondente ao ponto 55 da factualidade provada constante da sentença;

1.98. O agregado familiar dos AA. é composto pelos próprios e por uma filha, estudante – correspondente ao ponto 56 da factualidade provada constante da sentença e é relativa à matéria do art.º 116.º da base instrutória;

1.99. Tal agregado vive de favor em casa da avó paterna da A. conjuntamente com uma tia desta, sita no Lugar de …, Fornelos, Ponte de Lima – correspondente ao ponto 57 da factualidade provada constante da sentença e aos artigos 117.º e 118.º da base instrutória;

1.100. Essa casa tem dois pisos, de rés-do-chão e andar, sendo este último o piso habitável, com uma área de 68,40 m2, composto por três quartos, uma sala, uma cozinha e uma casa de banho – correspondente ao ponto 58 da factualidade provada constante da sentença e aos artigos 119.º e 120.º da base instrutória;

1.101. Os AA. e o seu agregado vivem constrangidos no espaço disponível, sem qualquer privacidade, o que prejudica o seu bem-estar, a sua mobilidade, o espaço livre para guardarem os seus haveres e pertences e a fruição de momentos de lazer e repouso em casa – correspondente ao ponto 59 da factualidade provada constante da sentença e aos artigos 122.º e 123.º  da base instrutória;

1.102. O valor locativo mensal de uso e fruição de uma moradia com as características da dos AA. é não inferior a € 150,00 – correspondente ao ponto 60 da factualidade provada constante da sentença e ao art.º 124.º da base instrutória;

1.103. Para deteção e análise dos erros de projeto e para a definição da intervenção adequada, os AA. despenderam € 3.840,00 com estudos técnicos, peritagens e projetos de intervenção – correspondente ao ponto 61 da factualidade provada constante da sentença e ao art.º 125.º da base instrutória;

1.104. A supra descrita situação provocou nos AA. tristeza, nervosismo, angústia e revolta por não poderem tirar partido da casa, tornando-se tema de conversas e zangas, o que deteriora o convívio familiar – correspondente ao ponto 62 da factualidade provada constante da sentença e aos artigos 126.º a 128.º da base instrutória;

1.105. A perceção dos erros de conceção do projeto de estabilidade depende de conhecimentos especializados, não estando ao alcance dos AA. – correspondente ao ponto 74 da factualidade provada constante da sen-tença;

1.106. A elaboração dos projetos pressupõe um acompanhamento da obra, de grau variável mas o suficiente para assegurar a conformidade global da obra com os projetos – correspondente ao ponto 77 da factualidade provada constante da sentença;

1.107. A 2.ª R., na qualidade de autora dos projetos da especialidade e diretora técnica do processo, devia ter verificado, por si, a homogeneidade e demais características do solo onde foi implantada a moradia dos AA. imediatamente antes da betonagem das fundações, de modo a corrigir eventuais falhas nessa homogeneidade por existência de pontos menos densos ou outras desconformidades nos pressupostos assumidos em projeto – correspondente ao ponto 78 da factualidade provada constante da sentença alterada pela Relação (fls. 869/v.º) e relativa aos artigos 66.º a 68.º da \base instrutória.  

1.108. Os lucros da atividade profissional do 1.º R. marido e da 2.ª R. mulher eram afetos às despesas e encargos dos respetivos agregados familiares – correspondente à alínea SS) dos factos assentes;

1.109. Os 1.º RR. contraíram entre si casamento católico, sem convenção antenupcial, a 10 de setembro de 1995 - certidão de fls. 589;

1.110. Os 2.º RR. contraíram entre si casamento católico, sem convenção antenupcial, a 26 de agosto de 1993 - certidão de fls. 588.


Do teor da alínea HH) dos factos tidos por assentes na sentença e reproduzido no acórdão recorrido consta que:

A classe de resistência para a estrutura prevista pela 2.ª R. corresponde à que constava dos normativos em vigor no momento da elaboração do projeto.

Tal matéria corresponde ao alegado sob o artigo 45.º da contestação, donde foi trasladada para a alínea HH) da seleção dos factos assentes, conforme cotejo de fls. 235 e 362. 

     Ora, apesar do indicado artigo 45.º não figurar na síntese impugnativa do artigo 64.º da réplica (fls. 323), o certo é que a matéria naquele vertida, aliás de cariz conclusivo, se encontra em oposição com o concretamente alegado sob o artigo 44.º da petição inicial (fls. 11), traduzindo-se, portanto, em impugnação por mera negação.

Por sua vez, o alegado no art.º 44.º da petição inicial foi inserido - e bem - como facto controvertido sob o artigo 15.º da base instrutória (fls. 365), com o seguinte teor:

A classe de resistência da estrutura que foi adoptada pelo projecto de estabilidade foi a B29 (C16/20), a qual se encontrava em desconformidade com a norma NP ENV 206 de 1993 então em vigor, normativo esse que visa acautelar a durabilidade máxima das estruturas?  

Neste ponto, acabou por ser dado como provado, conforme o ponto 8 da sentença, o facto constante do ponto 1.51 acima consignado.

         Assim, posto que o alegado no artigo 45.º da contestação, além de puramente conclusivo, se traduz em mera impugnação do facto constitutivo alegado no artigo 44.º da petição inicial, não resta senão ter por não escrita a matéria constante da alínea HH) dos factos tidos por assentes na sentença, o que ainda se inscreve nos poderes de cognição deste tribunal de revista, por se tratar do não atendimento de facto tido por assente com violação de lei, nos termos dos artigos 574.º, n.º 2, 607.º, n.º 4, normativo este aplicável por via dos artigos 663.º, n.º 2, e 679.º todos do CPC.

    Termos em que se considera eliminada a matéria da sobredita alínea HH), mantendo-se, por seu turno, incólume o facto constante do ponto 1.51 da factualidade acima consignada.             


2. Factos dados por não provados


Foi dado como não provado que:

2.1. O projeto de segurança da obra tenha custado 60.000$00 – ponto 2.2 dos factos não provados;

2.2. O 1.º R. tenha sido autor do projeto de estabilidade – ponto 2.17;

2.3. A 2.ª R., para efetuar o projeto, tenha usado um programa de cálculos atualizado que nem permite um dimensionamento inferior ao legalmente previsto – correspondente ao ponto 2.37;

2.4. A 2.ª R. nunca tenha tido problemas com o dimensionamento noutros projetos – correspondente ao ponto 2.38;

2.5. Os AA mandaram desaterrar e terraplenar o terreno e executaram as fundações e betonagens sem terem informado os RR. de tais factos – correspondente ao ponto 2.1;

2.6. Nem os AA. nem o empreiteiro tenham querido fazer ensaios de solo – correspondente ao ponto 2.46;

2.7. Os AA. tenham mandado cortar uma viga de betão que havia já sido construída – correspondente ao ponto 2.28;

2.8. Os AA. tenham mandado colocar cantaria em granito maciço, em todas as portas e janelas da habitação, não prevista no projeto – correspondente ao ponto 2.29;

2.9. No final da obra, os AA. tenham posto uma máquina escavadora, junto à casa a regularizar o terreno – correspondente ao ponto 2.35;

2.10. A intervenção da 2.ª R. na direção técnica da obra tenha ocorrido por mero favor – correspondente ao ponto 2.26;

2.11. Os AA. nunca tenham avisado a 2.ª R. do andamento da obra – correspondente ao ponto 2.27;

2.12. Os AA. nunca tenham comunicado aos RR. qualquer problema em relação ao projeto – correspondente ao ponto 2.48;

2.13. Os AA. tenham tido conhecimento em 2003 dos defeitos que aqui alegam - correspondente ao ponto 2.49;

2.14. A 2.ª R. tenha presenciado todas as fases referidas no livro de obra – correspondente ao ponto 2.51;

2.15. A 2.ª R. tenha tido conhecimento de todas as alterações ocorridas em obra, não se lhes tendo oposto – correspondente ao ponto 2.52;

2.16. Os AA. reclamam nos autos danos já ressarcidos no processo identificado em 1.38 (alínea P dos factos assentes) correspondente ao ponto 2.50;

2.17. O engenheiro contatado em 2007 pelos AA. tenha detetado erro de conceção no projeto de especialidade relativo à estrutura e betão armado, decorrente do subdimensionamento de elementos estruturais, como vigas e pilares – correspondente ao ponto 2.3;

2.18. As vigas V21, V26 e V27 (VE1 e L) do teto da cave possuam armadura insuficiente, ao nível longitudinal e ao nível transversal – correspondente ao ponto 2.4;

2.19. As paredes nas quais se encontram apoiadas as vigas V1, V2, V3, V6, V7, V8, V13, V14, V15, V20, V22, V24 e V26 (VC, L e V4), do teto do rés-do-chão, não tenham, em projeto, sido dimensionadas com a resistência suficiente – correspondente ao ponto 2.5;

2.20. As vigas V5, V16 e V17 (V3 e V4), do teto do rés-do-chão, apresentem uma armadura insuficiente ao nível transversal, e que a viga V4 (V3) tenha uma armadura insuficiente ao nível longitudinal superior sobre o apoio esquerdo, com reflexos na estabilidade da obra – correspondente ao ponto 2.6;

2.21. As vigas V10 e V12 (VC), do teto do rés-do-chão, apresentem as armaduras com uma área/espessura insuficiente tanto ao nível longitudinal como transversal, com reflexos na estabilidade da obra – correspondente ao ponto 2.7;

2.22. As vigas V32, V33 e V35 (L), do teto do rés-do-chão, tenham armaduras insuficientes ao nível longitudinal e ao nível transversal, e secção insuficiente, que tenha reflexos na estabilidade da obra e que corram risco de colapso – correspondente ao ponto 2.8;

2.23. Os pilares P2, P3, P5, P7, P10 e P12 (P) tenham a armadura longitudinal insuficiente, com reflexos na estabilidade da obra – correspondente ao ponto 2.9;

2.24. Os pilares P19 (P1), P20 (P2) e P21 (P1) tenham, no rés-do-chão, uma espessura inferior à prevista no REBAP em 0,15 m – correspondente ao ponto 2.10;

2.25. O pilar P21 (P1) apresente uma quantidade excessiva de armadura relativamente à secção de betão – correspondente ao ponto 2.11;

2.26. Ao nível das fundações, as sapatas dos pilares P2 e P6 (P) apresentem uma armadura insuficiente, com reflexo na estabilidade da obra – correspondente ao ponto 2.12;

2.27. A sapata do pilar P10 (P) apresente uma armadura insuficiente e exceda a tensão de segurança do solo admitida em projeto – correspondente ao ponto 2.13;

2.28. A tensão dos pilares P19 (P1), P20 (P2) e P21 (P1) seja, respetivamente, de 245,8 kPa, 271,4 kPa e 402,1 kPa – correspondente ao ponto 2.14;

2.29. A tensão das fundações, em várias zonas da implantação, designadamente na zona de confluência entre o alçado poente e o alçado norte, seja inferior a 200 kPa, aí provocando assentamento diferencial da estrutura – correspondente ao ponto 2.15;

2.30. A viga L esteja fissurada – correspondente ao ponto 2.16;

2.31. O projeto de estabilidade e betão armado da moradia dos AA. devesse respeitar o REAE (Regulamento de Estruturas de Aço para Edifícios), a Norma NP EN 206-1 2007 (Betão Parte 1 – especificação, desempenho, produção e conformidade), a Norma NP ENV 13670-01 2007 (Execução de estruturas em Betão Parte 1 – Regras gerais) e a Especificação LNEC E464 (Betões – Metodologia prescritiva para uma vida útil de projeto de 50 e 100 anos face às ações ambientais) – correspondente ao ponto 2.18;

2.32. Foi a falta de verificação das características do solo, mormente a sua densidade, consistência e tensão, que determinou a inadequação das fundações previstas, com o consequente assentamento estrutural – correspondente ao ponto 2.21;

2.33. O descrito em 1.82 (ponto 45 dos factos provados na sentença) irá provocar, até ao reforço estrutural do imóvel, o aparecimento de novas fendas, fissuras e esmagamentos nos vários elementos que compõem a moradia (paredes, pavimentos e tetos, vigas, vigotas, lajes e pilares), a desagregação de argamassas e superfícies em geral, estragos nas impermeabilizações, cantarias, caixilharias, tubagens e elementos das carpintarias (rodapés, armações e portas) – correspondente ao ponto 2.22;

2.34. Por força dos erros de conceção, a edificação dos AA. tenha sido submetida a uma torção e força acima daquela que seria a tecnicamente recomendada, provocando danos em elementos não visíveis nem detetáveis e encurtando a longevidade do imóvel – correspondente ao ponto 2.25;

2.35. O descrito em 1.29 (ponto 65 dos factos provados na sentença) leve a que os vãos e cargas estruturais sejam maiores do que o inicialmente previsto e projetado – correspondente ao ponto 2.30;

2.36. O descrito em 1.30 (ponto 66 dos factos provados na sentença) determine a diminuição da resistência das lajes, origine a sua deformação, afete os seus apoios e seja causa de fissuras no teto da laje do rés-do-chão – correspondente ao ponto 2.31;

2.37. O referido em 1.31 (ponto 67 dos factos provados na sentença) seja causa fissuras na laje do teto – correspondente ao ponto 2.32;

2.38. O referido em 1.32 (ponto 68 dos factos provados na sentença) determine a perda de resistência dos elementos estruturais e constitua causa de fissuras – correspondente ao ponto 2.33;

2.39. As alterações da obra referidas de 1.36 a 1.39 (pontos 65 a 68 dos factos provados na sentença) constituam causa das deficiências aludidas em 1.52 a 1.54 (ponto 9 a 11 dos factos provados na sentença), 1.69 (ponto 26) 1.70 (ponto 27), 1.79 (ponto 41) e 1.80 (ponto 42) – correspondente ao ponto 2.34;

2.40. O projeto e o dimensionamento estrutural esteja bem calculado e de acordo com os coeficientes de segurança legalmente previstos – correspondente ao ponto 2.36;

2.41. Durante o período em que a obra não esteve escorada, nunca tenha havido sintoma da ocorrência e colapso – correspondente ao ponto 2.39;

2.42. Caso o projeto tivesse sido cumprido na construção, não teria havido risco para a obra – correspondente ao ponto 2.40;

2.43. Todas as cargas tenham sido consideradas no projeto, tanto no cálculo das vigas como no das lajes – correspondente ao ponto 2.41;

2.44. A laje LP1 esteja bem dimensionada em relação ao projeto, respeitando o REBAP quanto à sua deformação – correspondente ao ponto 2.42;

2.45. O problema das paredes não esteja relacionado com o cálculo projetado para a laje LP1 – correspondente ao ponto 2.43;

2.46. O cálculo dos vários elementos resistentes seja adequado e de acordo com o legalmente estabelecido – correspondente ao ponto 2.44;

2.47. O cálculo das fundações tenha sido devidamente feito, considerando uma tensão de segurança de 0,02 KN/cm2 – correspondente ao ponto 2.45;

2.48. As fissuras referidas em 1.79 e 180 (ponto 41 e 42 dos factos provados na sentença) se devam somente à execução da obra e às alterações nelas introduzidas pelos AA. – correspondente ao ponto 2.47;

2.49. O 1.º R. tivesse obrigação de conhecer as normas referidas em 1.72 (ponto 29 dos factos provados na sentença) – correspondente ao ponto 2.19;

2.50. Os erros de projeto transpostos para a obra e as suas manifestações desvalorizem o imóvel em valor não inferior a € 75.000,00 – correspondente ao ponto 2.23;

2.51. Após a efetivação da reparação, o prédio dos AA. fique desvalorizado – correspondente ao ponto 2.24;

2.52. O 1.º R. e a 2.ª R. soubessem que a construção de uma moradia pelos AA. representava o investimento de uma vida, implicando um grande esforço financeiro – correspondente ao ponto 2.20.


3. Do mérito do recurso


3.1. Enquadramento preliminar


Estamos no âmbito de uma ação declarativa através da qual os A.A. pretendem a condenação solidária dos R.R. no pagamento de diversas quantias indemnizatórias por danos decorrentes de erros de conceção de um projeto de estabilidade e betão armado, integrado num projeto global pretensamente de arquitetura e de especialidades com vista ao licenciamento camarário de uma moradia unifamiliar dos A.A., cuja elaboração foi objeto de acordo celebrado, em meados de 2000, entre eles e os 1.º R. e 2.ª R., estes na qualidade de projetistas.

Segundo o factualismo provado, apresentados tais projetos aos A.A. e obtido o respetivo licenciamento de construção, foi esta adjudicada, a título de empreitada, à sociedade “GG, Lda, tendo a obra sido iniciada em 2001 e concluída em 2002, sob a direção técnica da 2.ª R..

Porém, finda a obra, os A.A., constatando que a mesma apresentava vários defeitos de construção, instauraram, em 2003, uma ação contra a empreiteira, mas que terminou por transação celebrada em 04/03/2008, nos termos da qual a empreiteira aceitou receber a quantia de € 17.500,00 dos € 32.646,29 que reclamava dos AA..

Sucede que, já no decurso da fase de instrução desse processo, os A.A. começaram a suspeitar da possibilidade de existirem deficiências estruturais no edifício relacionadas com erros de conceção, designadamente ao nível do projeto de estabilidade e betão armado que os 1.º R e 2.ª R. lhes apresentaram. Perante isso, os AA. solicitaram, em 2007, a um engenheiro civil um estudo de avaliação sumária e, na sequência deste, uma consulta a uma empresa de especialidade em estruturas. Os resultados desse estudo foram entregues aos A.A., em novembro de 2008, com a conclusão de que existiam erros de conceção da estrutura, no capítulo do betão armado e do projeto de estabilidade, com risco de rutura em alguns elementos estruturais, aconselhando-se a imediata realização de trabalhos de escoramento. E, em dezembro de 2008, os A.A., através do seu mandatário, comunicaram ao 1.º R. e à 2.ª R. a alegada existência de problemas estruturais da obra, acabando por instaurar a presente ação em 10/05/2010.    

  

Em 1.ª instância, a ação foi julgada totalmente improcedente, considerando-se, por um lado, que os erros de conceção dados como provados, respeitando ao projeto de estabilidade e de betão armado, não eram imputáveis ao 1.º R. e, por outro lado, que, tratando-se de um contrato de empreitada, estava verificava a caducidade dos direitos peticionados, nos ter-mos do art.º 1225.º, n.º 2, do CC.  


Todavia, no recurso de apelação interposto pelos A.A. daquela decisão, o Tribunal da Relação, qualificando o acordo celebrado entre os A.A. e os 1.º R. e 2.ª R. como contrato de prestação de serviço atípico a que seriam aplicáveis, subsidiariamente, as regras do mandato com as devidas adaptações, que não as do contrato de empreitada, e portanto também o regime da prescrição ordinária de 20 anos, julgou não verificada a exceção de caducidade invocada pelos R.R..

No mais, considerou o Tribunal da Relação que a responsabilidade civil pelos erros do projeto de estabilidade e betão armado eram imputáveis aos 1.º R. e 2.ª R., condenando-os solidariamente, bem como os respetivos cônjuges, a pagar aos A.A.:

a) - A quantia de € 18.302,14, acrescida de IVA, a título de indemnização pelas obras de reforço estrutural e correção das inerentes patologias, acrescida dos inerentes honorários do projeto de reforço e despesas relativas à substituição do projetista da estabilidade, a liquidar em execução de sentença;

b) - A quantia de € 3.840,00, a título de indemnização pelas despesas com estudos técnicos e peritagens suportados pelos AA. para a deteção e diagnóstico dos problemas estruturais;

c) - Quantia a liquidar em execução de sentença, a título de indemnização pelo dano da privação de uso do imóvel, considerando o período que decorreu entre 2003 até à efetuação do escoramento provisório relatado no art.º 46 dos factos provados, atendendo ao valor mensal de uso e fruição de uma moradia com as características da dos AA., fixado no ponto 60 dos factos provados e ainda os que a este título se vencerem, aquando dos trabalhos de execução do reforço estrutural do imóvel;

d) - A quantia de € 10.000,00, a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos;

e) - Os juros de mora sobre tais quantias, à taxa legal aplicável, contados da data da citação até integral pagamento.


Na presente revista, como já acima se deixou enunciado, os R.R. pugnam:

A - Em primeira linha, pela qualificação do contrato como empreitada e pela consequente verificação da exceção de caducidade;

B - Subsidiariamente:

a) – pela não imputação do dano ao 1.º R;  

b) – pela não imputação do dano à 2.ª R. na qualidade de diretora técnica da obra;

c) – pela concorrência de culpas dos AA. e da 2.ª R.;

d) - Quanto à responsabilidade pelos danos relativos à correção e reforço estrutural da moradia;

e) – pela não verificação do dano relativo à privação do uso da moradia em referência;

f) – contra a indemnização pelos danos não patrimoniais, que consideram exagerada;

g) – contra o cálculo dos juros de mora desde a citação sobre quantias já atualizadas à data do julgado.


Analisemos então cada uma dessas questões.

 

3.2. Da qualificação do contrato e do regime aplicável, em sede de caducidade


Neste capítulo, importa proceder à qualificação do acordo firmado, em meados de 2000, entre os A.A. e os 1.º R. e 2.ª R., o qual teve por objeto a elaboração, por parte destes, dum projeto com desenhos da obra a construir e de projetos de especialidade, incluindo o projeto de estabilidade nas componentes da estrutura, fundações do edifício e do betão armado, com vista à construção da moradia unifamiliar dos mesmos A.A., mediante o pagamento de determinado preço. 

O que se discute, em primeira linha, é a questão de saber se o sobredito acordo assume a natureza de um contrato de prestação de serviço atípico e inominado, como sustentam os A.A. e como foi considerado pelo acórdão recorrido, ou se consiste num contrato de empreitada, como defendem os R.R. e foi considerado pela 1.ª instância. Tal qualificação mostra-se aqui essencial para ajuizar sobre a procedência da exceção de caducidade dos direitos peticionados invocada pelos R.R., porquanto os direitos emergentes do contrato de empreitada, diferentemente dos derivados do contrato atípico de prestação de serviço, estão sujeitos a prazos de caducidade nos termos dos artigos 1224.º e 1225.º do CC.  


Ora, segundo a noção dada pelo artigo 1154.º do CC:

Contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.

   Para além disso, o artigo 1155.º estabelece como modalidades do contrato de prestação de serviço o mandato, o depósito e a empreitada regulados nos artigos 1157.º a 1230.º do CC.

    Quanto ao regime do contrato de prestação de serviço atípico, o artigo 1156.º torna extensíveis, com as necessárias adaptações, as disposições do contrato de mandato.        

Por sua vez, o artigo 1207.º do mesmo Código define empreitada como sendo o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço.

Assim, o tipo genérico de contrato de prestação de serviço tem como objeto característico uma prestação de facto consubstanciada num resultado concreto de uma atividade intelectual ou manual, que não esta atividade em si mesma. E foi precisamente para exprimir a concretude de tal resultado que a lei adoptou a designação de “contrato de prestação de serviço”, em vez da expressão “contrato de prestação de serviços”, impropriamente usada com alguma frequência[3].

Por seu turno, o contrato típico de empreitada, recortado dentro do tipo genérico de contrato de prestação de serviço, apresenta como diferença específica, em sede da prestação de resultado, a realização de “certa obra”, a qual define a causa típica ou a função económico-social da empreitada.   

Tem sido, pois, em torno da definição do elemento normativo “obra” que se tem procurado distinguir o contrato atípico de prestação de serviço do contrato típico de empreitada.

Neste domínio, surgiram, na doutrina nacional, três orientações distintas:

a) – uma que perfilha um conceito restrito de obra, compreendida como coisa de natureza corpórea[4];

b) – outra que apela a um conceito amplo de obra, suscetível de abarcar também coisas incorpóreas e imateriais, designadamente as obras intelectuais[5];

c) - numa linha intermédia, uma terceira corrente segundo a qual, embora considerando que o objeto típico do contrato de empreitada é a realização de uma obra material, ainda assim sustenta a aplicação do regime deste tipo contratual, com as necessárias adaptações, além do mais, no respeitante à responsabilidade por defeitos da obra, designadamente os artigos 1221.º e seguintes do CC[6].       

Desde logo, convém reter que a qualificação de uma espécie contratual em vista da determinação do seu regime jurídico não se deverá pautar por uma mera subsunção aos elementos essenciais da respetiva definição legal, nem quedar-se numa interpretação puramente dedutiva dos conceitos classificatórios nela incorporados, como pretendem os Recorrentes. Impor-ta, ainda, conjugar, por via do método tipológico, essa definição com os traços típicos do correspondente regime legal, de modo a compaginar o alcance daquela com o perfil deste.   

Como escreve Cura Mariano[7]:

«(…) na qualificação de um contrato como pertencente a um determinado tipo legal, há que confirmar o juízo extraído do critério dos essentialia com o apuramento da adequação do contrato em discussão qualificativa à generalidade das regras legalmente estabelecidas para o tipo»

    E nas palavras de Rui Pinto Duarte, «um juízo negativo sobre essa adequação deve acarretar a recusa de qualificação.»[8] 

     Nesta linha, o alcance do conceito de obra integrado na definição do contrato de empreitada dada pelo artigo 1207.º do CC deverá ser também aferido em função dos segmentos típicos do regime que lhe está agregado.    

      Posto isto, passemos agora à determinação do sentido e alcance do referido conceito de obra.

      Nessa análise, convém ter presente que o Código Civil de 1867 (Código de Seabra) continha um capítulo sob a epígrafe Contratos de prestação de serviços, do qual não constava qualquer definição ou tipificação genérica, mas sim a regulamentação de diversos tipos contratuais, dentre eles o contrato de empreitada definido no artigo 1396.º, nos seguintes termos:

Dá-se o contrato de empreitada, quando algum, ou alguns indivíduos se encarregam de fazer certa obra para outrem, com materiais subministrados, quer pelo dono da obra, quer pelo empreiteiro, mediante certa retribuição proporcionada à quantidade do trabalho executado.



Em comentário a este artigo, Cunha Gonçalves[9] refere que:

  «O contrato de empreitada, na maioria dos casos, tem por objecto construções de edifícios, de navios ou mesmo de móveis; mas, também pode versar sobre simples trabalhos mecânicos e braçais, tais como os de desaterro e remoção de terras, perfuração de túneis e de poços, abertura ou reparação de estradas, dragagens de rios e portos, drenagem de pântanos, arranca de arvoredos, limpeza de mato, ceifas e debulhas, etc. Os legisladores de diversos países, porém, como o nosso, só se preocuparam com a primeira hipótese.»

     Sucede que, nos trabalhos preparatórios do Código Civil de 1966, foram ponderadas as diversas soluções de ordenamentos jurídicos estrangeiros, mais precisamente dos Códigos Civis alemão, italiano, francês, brasileiro, suíço e etíope. Constatou-se então que o Código Civil alemão concebia a obra com grande amplitude, compreendendo tanto a criação ou modificação de uma coisa, como outro resultado a obter mediante trabalho ou prestação de serviço, e que, no Código italiano, a obra era tida no sentido de modificação do estado material de coisas pré-existentes, embora se incluíssem no contrato de empreitada, ali nomeado de appalto, também os serviços; já os restantes códigos, à semelhança do nosso, referiam-se apenas a obra[10].

       Em face disso, Vaz Serra[11] observou, criticamente, que:

  «O objecto do contrato de obra ou empreitada poderia não ser limitado à criação ou modificação de uma coisa, podendo abranger também a realização de um serviço (desde que encarado como resultado de uma actividade), por não haver diferença fundamental entre o contrato pelo qual alguém se obriga a criar ou modificar uma coisa (v.g. construir um prédio ou alterar alguma das suas partes) e o contrato pelo qual alguém se obriga a um serviço concebido como resultado de uma actividade.

  Mas, se assim for, o contrato de obra ou empreitada será uma categoria ampla, na qual se compreenderão várias subespécies contratuais. Será aquilo a que o artigo 1154.º chama “contrato de prestação de serviço” …»

E concluiu neste ponto que:

«Dada a orientação do artigo 1154.º, parece que o objecto do contrato de empreitada terá de ser circunscrito à construção ou modificação de uma coisa. Se o objecto do contrato for um serviço (encarado embora como resultado de uma actividade), o contrato não será já de empreitada, mas outro contrato de prestação de serviço.»

     Nessa base, Vaz Serra[12] propôs uma noção do contrato de empreitada com o seguinte teor:

O contrato de empreitada é o contrato de prestação de serviço pelo qual uma das partes, o empreiteiro, se obriga a criar ou modificar uma coisa, mediante retribuição que a outra parte, o dono da obra, se obriga a pagar-lhe.  

      No mesmo sentido, Inocêncio Galvão Telles[13] escreve que:

   «A obra, elemento que dá vida ao contrato de empreitada quando se reúnam os mais requisitos, é aquela modalidade de serviço que se traduz neste resultado material: criação ou melhoramento de uma coisa (fabrico, manufactura, construção, benfeitorias».

 

     No entanto, o texto definitivo do Código Civil de 1966 acabou por consagrar a formulação já acima transcrita, a qual, no que aqui releva, apenas se refere à realização de “certa obra”. Sobre a adoção deste texto mais condensado em relação ao constante da fórmula do Anteprojeto proposta por Vaz Serra, esclarece Antunes Varela[14] que:

«(…) com tal substituição, se não quis de modo nenhum aderir à concepção do direito alemão … nem à do direito italiano, sob pena de se esvaziar de conteúdo a prestação de serviço, tal como o artigo 1154.º do Código Civil português a concebeu.»

 

     Ainda assim, para aquilatar a compreensão e a extensão do conceito de obra, não se poderá deixar de atender ao conceito jurídico basilar de “coisa” e à respetiva classificação, em função da sua mais elementar natureza substancial, muito embora, como adverte Antunes Varela[15], não se deva confundir a “coisa sobre a qual incide a obra, com a obra que recai sobre a coisa”, porquanto “a obra, que define a causa típica ou a função económico-social da empreitada, refere-se ao acto que o empreiteiro se obrigou a realizar (…) e não à coisa sobre a qual o acto incide”. O que releva é, pois, a coisa em que se consubstancia a obra resultante da prestação de facto a cargo do empreiteiro. 

   Conforme a noção dada pelo artigo 202.º, n.º 1, do CC, diz-se coisa tudo aquilo que pode ser objeto de relações jurídicas.


Trata-se de uma noção abrangente que, pese embora algumas divergências doutrinárias, se pode reconduzir à definição adotada por Mota Pinto[16], segundo a qual coisas em sentido jurídico são:

«(…) os bens (ou os entes) de carácter estático[17], desprovidos de personalidade e não integradores do conteúdo necessário desta, susceptíveis de constituírem objecto de relações jurídicas.»

  Também, de acordo com o entendimento corrente da doutrina, as coisas podem ser: corpóreas, quando “têm existência exterior sendo percetíveis pelos sentidos”[18], sejam ou não dotadas duma forma física determinada[19]; incorpóreas, se a sua “existência é desencadeadas pelo espírito humano, ganhando, depois, relevância social”[20]. Nas palavras de Oliveira Ascensão, as «coisas incorpóreas são aquelas cuja realidade é meramente social; resultam de uma valoração humana, que se pode basear em elementos do mundo sensível, mas que não se limita a esses elementos.»[21]

Segundo outra classificação, as coisas podem ser materiais, quando dotadas de uma forma física delimitada no espaço; ou imateriais, se forem desprovidas dessa forma[22]. Assim, as coisas corpóreas podem ser também imateriais, como, por exemplo, a eletricidade; mas as coisas incorpóreas são sempre imateriais[23].

    Por outro lado, as coisas incorpóreas, embora consistindo em entes ideais, fruto da atividade intelectiva, nem sempre revestem natureza criativa ou inventiva, podendo consistir em conceitos, fórmulas, esquemas ou cálculos, sem aquela natureza. Há ainda que ter presente que as coisas incorpóreas, em regra, se exteriorizam através de um suporte físico, denominado corpus mechanicus, mas que não se confunde com aquelas.

    Não obstante a abrangência da noção de coisa acima referida, que compreende quer as coisas corpóreas, materiais ou imateriais, quer as incorpóreas, sempre imateriais, segundo o artigo 1302.º do CC, só as coisas corpóreas, móveis ou imóveis, podem ser objeto do direito de propriedade regulados neste código, estando a propriedade intelectual relegada para legislação especial pelo artigo 1303.º, n.º 1.

    Ora, como já foi dito, segundo a tese do conceito restrito de obra na definição do contrato de empreitada dada pelo artigo 1207.º do CC, o objeto típico deste confinar-se-á a obra material como coisa corpórea. Na tese do conceito amplo, esse objeto alcançará também a obra imaterial traduzida em coisa incorpórea, nomeadamente as que sejam objeto de propriedade intelectual.

    Contudo, do regime do contrato de empreitada contemplado nos artigos 1208.º e seguintes do CC constam diversos segmentos normativos moldados à corporeidade da obra, tais como: os que respeitam à sua fiscalização pelo dono da obra (art.º 1209.º), à propriedade da mesma, recaia ela sobre coisa móvel ou sobre construção de imóveis (art.º 1212.º), às alterações e realização de obras novas (artigos 1214.º a 1217.º) e à eliminação de defeitos (art.º 1221.º), matérias estas dificilmente compagináveis com uma prestação de resultado incorpóreo ou imaterial, independentemente da predominância ou não do tipo de atividade, intelectual ou manual, para tanto desenvolvida pelo prestador[24].

   Pese embora as pertinentes considerações de Jorge Brito Pereira[25] no sentido de compatibilizar os dispositivos sobre direitos de “fiscalização”, “fornecimento de materiais e utensílios” e “propriedade da obra” com a realização de coisas incorpóreas e imateriais, o certo é que aquela regulamentação legal se mostra fortemente dominada pela ideia de obra corpórea, mormente no que respeita à transmissão da propriedade da obra, à eliminação de defeitos e ao especifico regime de caducidade dos direitos daí decorrentes. De resto, como foi referido, no tocante, por exemplo, ao direito propriedade regulada do Código Civil, relevante também no âmbito da empreitada nos termos e para os efeitos do artigo 1212.º do mesmo diploma, o respetivo artigo 1302.º limita-o às coisas corpóreas.

      Em face desses traços característicos, fruto da solução legislativa adotada, o regime do contrato de empreitada revela-se, no essencial, inadequado aos contratos de prestação de serviço que tenham por objeto um resultado consistente na realização de coisas incorpóreas ou imateriais, em relação aos quais será, subsidiariamente, aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do contrato de mandato, nos termos do artigo 1156.º do CC. 

    Tal não obsta, porém, a que, em sede dessas adaptações, quando se mostrem inadequadas ao caso as disposições do contrato de mandato, se possa, casuisticamente, lançar mão de disposições mais conformes do próprio contrato de empreitada[26]. Mesmo Antunes Varela, estrénuo defensor do conceito restrito de obra, admite que devam ser aplicadas, por analogia, algumas das disposições da empreitada no âmbito de contratos de realização duma obra literária, científica ou artística.[27]     

     Significa isto não optar por uma compreensão latitudinária do conceito de obra que seja inclusiva das coisas incorpóreas e imateriais, envolvendo, por essa via, uma extensão sistemática do regime do contrato de empreitada, como sustentam os defensores da tese ampla do conceito de obra. E nem ainda assim se opta por uma extensão analógica categorial, de certo modo automática, por segmentos normativos ou institutos daquele regime, como parece ser a orientação perfilhada por Baptista Machado.

Afigura-se, antes, mais seguro adoptar uma metodologia de adaptação por via analógica mediante ponderação casuística que permita aferir a melhor adequação de determinado segmento normativo do regime típico da empreitada à natureza concreta da obra incorpórea e imaterial que estiver em causa.

      E cremos também se situar, em geral, nessa linha o sentido perfilhado pela nossa jurisprudência, em particular a do Supremo Tribunal de Justiça, como disso dão nota as recensões de Cura Mariano[28] e de Bianca Cecília de Sousa Teixeira[29].

     Desde logo, o acórdão do STJ de 03/11/1983, versando sobre um caso de produção de filmes, parece não abdicar do conceito de obra em sentido corpóreo, ao considerar que a referida produção de filmes, embora contendo uma componente de engenho ou trabalho intelectual mais intensa do que em muitas outras hipóteses de empreitada, ainda assim revelava uma componente material corporizada nos filmes, gravação de imagens e som suficiente para integrar o conceito de obra imposta no artigo 1207.º do CC.

    Também refletindo, de algum modo, o sentido centrípeto do contrato de empreitada típico em torno do conceito de obra material, podem citar-se os seguintes arestos do STJ, disponíveis na Internet:

i) - O acórdão de 21/11/2006, no processo n.º 6A3716[30], em que, estando em causa a elaboração de um estudo de volumetria e área de construção com vista a instruir um pedido de licenciamento camarário, se entendeu que se tratava de um contrato de prestação de serviço ao qual eram, subsidiariamente, aplicáveis as re-gras do contrato de mandato;

ii) - O acórdão de 24/04/2012, no processo 683/1997.L1.S1[31], em que se discutia a elaboração de um estudo prévio, projeto de base e projetos de arquitetura, além da assistência técnica à respetiva execução, com vista à reabilitação de zona monumentalizada e classificada como Monumento Nacional, se considerou tratar-se de um contrato de prestação de serviço atípico, a que se aplicariam, além as regras contidas nas suas próprias cláusulas e das normas gerais dos contratos, as disposições do contrato de mandato devidamente adaptadas e, na medida do possível, sempre que a semelhança das situações o justificasse, as regras da empreitada, designadamente, em sede de cumprimento defeituoso, por inobservância de regras procedimentais de ordem meramente técnica;    

iii) – O acórdão de 26/06/2012, no processo n.º 2984/ 04.0TBCSC. L1.S1[32], em que se discutia a qualificação de um contrato de arquitetura com vista à urbanização e implantação de edifícios, se considerou tratar-se de um contrato de prestação de serviço, a que eram aplicáveis as regras do mandato, com as necessárias adaptações, mormente em sede de revogação e de resolução;    

iv) – O acórdão de 05/11/2013, no processo n.º 4498/04.0TVPRT. P1.S1[33], em que, no âmbito dum contrato de arquitetura com vista à elaboração do projeto geral de remodelação, adaptação e reconstrução dum prédio urbano, e ainda da atividade de acompanhamento e fiscalização da obra, se discutia a responsabilidade pela existência de anomalias estruturais importantes causadas, pelo menos em parte, por uma má conceção do projeto de estruturas metálicas (erro de cálculo, problemas de resistência de estruturas metálicas e de vigas em relação aos pesos previstos, defeitos de desenho, determinativos de ausência de estabilidade e insegurança), má execução das obras, bem como por uma deficiência ou falta de fiscalização das mesmas, se considerou tratar-se de contrato inominado de prestação de serviço regido, fundamentalmente, pelas disposições do contrato de mandato, não fazendo, por isso, sentido invocar a caducidade a partir do conhecimento dos defeitos nos termos do artigo 1224.º, n.º 1, do CC;     

v) – O acórdão de 10/12/2013, no processo n.º 1286/02.7TVLSB. L1.S1[34], em que, discutindo-se um contrato de elaboração de uma aplicação informática destinada a facilitar o acesso e consulta de um site, para o qual existia um caderno de encargos com definição do prazo de execução dos trabalhos e respetivo orçamento, se considerou tratar-se de contrato de empreitada já que, não obstante a natureza predominantemente intelectual da prestação para tal desenvolvida, esta prestação de traduziu na transformação da realidade material concretizada naquela aplicação informática.  


     Ora, no caso vertente, estamos no âmbito de um contrato cujo objeto consistia na elaboração de projetos de desenhos e de especialidades com vista ao licenciamento camarário de edificação de uma moradia, conforme pontos 1.1 a 1.3, 1.7, 1.8, 1.11, 1.12 e 1.13 da factualidade provada.

Por seu turno, os erros de conceção em causa respeitam apenas ao projeto de especialidades relativo à estabilidade da componente de estrutura, fundações do edifício e do betão armado.


Com efeito, do ponto 1.78 dos factos provados resultam como patologias relevantes as seguintes:   

   a) - rutura dos panos de alvenaria existentes nos topos das paredes interiores da cave;

   b) - fissuração a meio do vão da viga no teto da cave;

   c) - fissura horizontal exterior na varanda do quarto do rés-do-chão;

   d) - fenda horizontal na parede divisória corredor/quarto.

Tais patologias são consequência dos seguintes erros do projeto de estabilidade e betão armado:

i) - A classe de resistência da estrutura que foi adotada pelo projeto de estabilidade estava em desconformidade com a prevista no Regulamento de Estruturas de Betão Armado então em vigor, que visa acautelar a durabilidade máxima das estruturas – ponto 1.51 da factualidade provada;

ii) - No projeto de estabilidade e betão armado, as cargas resultantes das lajes e vigas de cobertura não estão contempladas no cálculo das lajes do teto do rés-do-chão – ponto 1.52;

iii) - No mesmo projeto, o cálculo do valor da flecha da laje LP1 (teto da cave) e da laje LT1 (teto do rés-do-chão) é superior a 1,50 cm, ultrapassando o estado limite de deformação desses elementos estruturais, fixado no Regulamento de Estruturas de Betão Armado e Pré-Esforçado (REBAP) – ponto 1.53; 

iv) - Considerando a carga real originada pela laje inclinada de cobertura, as lajes LT2, LT3, LT4 e LT5 (teto do rés-do-chão) não cumprem as condições de segurança relativas ao estado limite último de resistência tal como definido no REBAP e no Regulamento de Segurança e Ações (RSA), por não terem sido tidas em conta no projeto de estabilidade as cargas relativas à laje de cobertura e às paredes de alvenaria de tijolo aplicadas – ponto 1.54;

v) - As vigas V19, V20, V22 e V23 (V1 e V2), do teto da cave, foram projetadas com uma armadura insuficiente, sendo os esforços de flexão e de corte atuantes superiores aos esforços resistentes correspondentes, em estado limite último, correndo, sem escoramentos, riscos de colapso – ponto 1.55; 

vi) -  O aparecimento de fendas nos rebocos das paredes é uma das patologias das alvenarias resistentes, quando estas são submetidas a tensões excessivas – ponto 1.58;

vii) - No projeto de estabilidade, não há listagens de esforços das vigas V27, V28, V29, V30 e V31 (L), do teto do rés-do-chão, por se definirem como lintéis, podendo tais vigas agravar as condições das referidas em 1.55 (ponto 12 da sentença) – ponto 1.59;

viii) - O pilar P19 (P1) possui armadura insuficiente, não cumprindo as condições de segurança no tramo do piso inferior – ponto 1.60; 

ix) - O pilar P20 (P2) possui armadura insuficiente, não cumprindo as condições de segurança no tramo do piso inferior – ponto 1.61;

x) - O pilar P21 (P1) possui armadura insuficiente, não cumprindo as condições de segurança no tramo do piso inferior – ponto 1.62;

xi) - A armadura definida em projeto para a sapata do pilar P19 (P1) não é suficiente para resistir aos esforços atuantes, sendo a tensão transmitida ao solo pela sapata superior à tensão de segurança admitida em projeto – ponto 1.63;

xii) - A armadura definida em projeto para a sapata do pilar P20 (P2) não é suficiente para resistir aos esforços atuantes, sendo a tensão transmitida ao solo pela sapata superior à tensão de segurança admitida em projeto – ponto 1.64;

xiii) - A armadura definida em projeto para a sapata do pilar P21 (P1) não é suficiente para resistir aos esforços atuantes, sendo a tensão transmitida ao solo pela sapata superior à tensão de segurança admitida em projeto – ponto 1.65;

xiv) - Esta sapata não respeita os valores de referência ao esforço de punçoamento – ponto 1.66;

xv) - Face à tensão admissível adotada em projeto, existem algumas fundações (as sapatas dos pilares P19, P20 e P21) que não cumprem as condições de consistência necessárias – ponto 1.67;

xvi) - O projeto de estabilidade não assinalou as sapatas dos pilares P23, P24, P25 e P26 – ponto 1.68;

xvii) - Há pequenas fissuras na laje do teto que vão até à viga designada como “L” no projeto – ponto 1.69;

xviii) - Essa viga não tem capacidade de resistir às cargas, estando assente numa parede divisória que não permite a sua deformação controlada e natural – ponto 1.70;

xix) - Ao restringir o movimento da viga, a parede absorve as cargas, transmitindo-as às vigas inferiores V1 e V2 e notando-se já a fissura da viga V1 na laje de piso, provocada por uma armadura subdimensionada e pela aplicação de maior carga do que a prevista no projeto de estabilidade – ponto 1.71;

xx) - O projeto de estabilidade e betão armado deveria ter considerado o RSA (Regulamento de Segurança e Ações para Estruturas de Edifícios e Pontes) e o REBAP (Regulamento de Estruturas de Betão Armado e Pré-Esforçados), sendo obrigatório para quem o elabora o conhecimento de todas as normas, regulamentos e especificações que impõem regras relativas à conceção e dimensionamento de estruturas – ponto 1.72;

xxi) - Para este tipo de projeto, e dado o elevado custo do estudo das características do terreno, o projetista deve considerar valores de referência em função da sua experiência, que deverão ser mencionados nas peças de projeto – ponto 1.75;  

xxii) - Não foram efetuadas sondagens ao terreno, prévias à elaboração do projeto de estabilidade – ponto 1.76.

E, segundo o ponto 1.77, salvo alterações de pormenor, sem relevância para as patologias de causa estrutural, os projetos de estabilidade e demais projetos de especialidade foram transpostos para a obra executada.

Sucede que tais anomalias importam ainda as seguintes consequências:

- Os vícios da laje de teto concorreram, em cerca de 10%, para o aparecimento de fissuras nas sancas interiores do rés-do-chão – ponto 1.79;

- Os vícios da laje de piso concorreram, em cerca de 10%, para o aparecimento de fissuras paralelas às vigotas do rés-do-chão – ponto 1.80;

- No caso das sapatas referidas em 1.63 a 1.65, pode haver assentamentos diferenciais da estrutura, com aparecimento de fissuras – ponto 1.81;

- Além das patologias que já são visíveis, os erros de projeto verificados e executados em obra determinaram, como consequência direta e necessária, uma tensão estrutural do edifício superior à que resulta das normas legais e regulamentares aplicáveis e da boa arte e técnica da construção civil – ponto 1.82;

- Os defeitos decorrentes dos erros de conceção supra enunciados tornaram a obra inapta para o fim a que se destina, impedindo a sua utilização habitacional, até ao seu escoramento – ponto 1.85.

      Verifica-se assim que as patologias em referência decorrem dos erros de conceção do sobredito projeto de estabilidade e de betão armado, o qual se baseia, como se refere no acórdão recorrido, “em cálculos e fórmulas matemáticas complexas, que definem os esforços estruturais a considerar que têm de ser tidos em conta, bem como as características da estrutura resistente dos edifícios, com a eleição dos materiais, seu dimensionamento e disposição, por forma a ser assegurada e garantida a sua estabilidade e integridade ao longo do tempo.”

     Argumentam os Recorrentes que quer o projeto de desenhos quer o projeto de estabilidade não evidenciam natureza criativa que os torne incompatíveis com o conceito de obra adotado no artigo 1207.º do CC.  

    Porém, ainda que todo esse trabalho se encontre materialmente expresso em suporte documental, o certo é que este suporte mais não é do que o mero corpus mechanicum daquele resultado, traduzindo-se este, substancialmente, em coisa incorpórea e imaterial, porque só apreensível por via do intelecto mediante conceitos e valorações sociais, de existência abstrata ou ideal. A natureza incorpórea e imaterial desse resultado prestacional revela-se não tanto no predomínio da atividade intelectual para tal desenvolvida, mas fundamentalmente no seu próprio objeto. E muito embora, no caso, não se trate de uma produção do espírito dotada de natureza criativa ou inventiva, portanto insuscetível de tutela em sede da propriedade intelectual, nem por isso deixa de se traduzir numa realidade ideal em termos de revestir a natureza de coisa incorpórea. 

     Nessa conformidade, estamos, indubitavelmente, perante um resultado imaterial que, em si, não é suscetível de evidenciar defeito material eliminável, nem tão pouco se mostrando viável a correção do referido projeto, nos termos do artigo 1221.ºdo CC, porquanto já transposto para a obra executada.

Por outro lado, não se tem por adequada a aplicação do regime específico de caducidade estabelecido nos artigos 1224.º e 1225.º do CC, no quadro do contrato de empreitada, uma vez que se trata de erros de natureza imaterial, insuscetíveis de serem identificados, de forma direta e imediata, pelas revelações patológicas da obra construída. Basta ter presente o que se passou no caso dos autos, em que só no decurso da instrução do processo movido pelos ora A.A. contra a empreiteira é que se começou a suspeitar da existência de tais erros para o que se mostrou necessário recorrer à consulta de uma empresa da especialidade (pontos 1.44 a 1.49 da factualidade provada).

Nestas circunstâncias, parecem ponderosas e acertadas as considerações do acórdão recorrido, quando nele se observa que:

«E embora este projecto seja depois transposto para uma obra corpórea, as suas manifestações radicando em fórmulas, cálculos e modelos matemáticos intrincados e complexos (como resulta dos documentos de fls. 108 a 152 dos autos) que são incomensuravelmente menos detetáveis e cognoscíveis, não saltam à vista de um cidadão médio, ao contrário da generalidade dos defeitos exibidos pelas coisas corpórea (conforme bem exemplificado nos fatos provados nº 61 e 74).

Os erros/defeitos neles existentes são classificados como vícios ocultos ou seja de difícil constatação/identificação, por pessoa sem conhecimento da arte da construção, contrariamente aos vícios aparentes que são os defeitos resultantes dos contratos de empreitadas.

Prova disso temos este processo, do qual resulta que, apenas ao fim de 5 anos após a obra ser considerada finda é que peritos especializados (após um anterior processo com prova pericial e de dois pareceres técnicos) detectaram que os “ alegados defeitos da empreitada” eram mais que isso; tratavam-se de erros do projecto de estabilidade estrutural.

Temos pois como certo que, um erro neste tipo de projectos é muito mais subtil e insidioso nas suas manifestações.

Também os problemas estruturais são muito específicos e susceptíveis, sendo que podem manifestar-se de forma repentina mas podem também apenas se manifestarem quando a obra colapsa ou estar perto de colapsar.

Como resultou dos esclarecimentos dos Srs. Peritos na sessão da audiência de julgamento de 09.04.2013 os coeficientes de segurança dos projetos de estabilidade são dimensionados por excesso, tendo em conta a elevada duração que é suposto conferir às edificações e a exposição à ocorrência de fenómenos que provocam cargas e esforços adicionais (por ex vibrações, fenómenos sísmicos).

Acresce que um projecto de estabilidade é elaborado para ser indefinidamente duradouro. A exigência da sua conformidade com as regras técnicas e as normas legais obedece a razões de segurança de longo termo (atente-se na Especificação LNEC E 464 (Betões – norma que prescreve metodologia para uma vida útil de projeto de 50 e 100 anos face ás acções ambientais) das edificações relacionadas com a salvaguarda da integridade física e vida dos utilizadores da obra a que não são estranhas razões de interesse público.»


     Acresce que o instituto da caducidade se funda em razões objetivas de segurança jurídica, independentemente da possibilidade de exercício do direito por parte do seu titular, como decorre, além do mais, do disposto no artigo 329.º do CC, pautando-se por prazos perentórios tendencialmente de curta duração[35]. Já a prescrição tem por fundamento o interesse social da certeza jurídica, mas enquanto posta em crise pela inércia do credor, razão pela qual o respetivo prazo começa a correr, em regra, quando o direito puder ser exercido, nos termos do artigo 306.º, n.º 1, do mesmo Código, traduzindo-se, em princípio, em prazos de mais longa duração[36]. É nesta base que se molda, de certo modo, a caducidade dos direitos emergentes da empreitada, nomeadamente quando toma como referência a entrega da obra.

     Porém, no caso presente, por se tratar de erros imateriais dificilmente identificáveis pelo devedor, mesmo após a entrega da obra projetada e construída, por isso, também de difícil objetivação para efeitos de denúncia e de determinação dos respetivos danos, não se tem por ajustado aplicar-lhe os prazos de caducidade previstos no artigo 1225.º do CC.

    Contra este entendimento, argumentam os Recorrentes, de forma impressiva, que o prazo ordinário da prescrição de 20 anos, previsto no artigo 309.º do CC, aplicável ao contrato de mandato e, por via subsidiária, ao contrato de prestação de serviço atípico, será bem mais desajustado.

     Todavia, salvo o devido respeito, não se afigura que seja necessariamente assim.

     Com efeito, mostra-se também pouco razoável que o beneficiário da prestação de facto de coisa incorpórea e imaterial não contemplada no âmbito do contrato de empreitada, nos termos acima expostos, seja mais tarde surpreendido com o curto prazo de caducidade prescrito no artigo 1225.º do CC, quando o n.º 2 do artigo 298.º deste diploma restringe a aplicação das regras de caducidade aos casos em que, por força de lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo. Bem mais curial seria que as partes, nos contratos de prestação de serviço que têm vindo a ser considerados atípicos, se precavessem através de prévia estipulação de prazos de caducidade, ao abrigo do disposto no artigo 330.º do CC.

      De qualquer modo, nas situações em que o longo prazo ordinário de prescrição se mostre flagrantemente injusto, sempre se poderia lançar mão do instituto do abuso de direito, em conformidade com o disposto no artigo 334.º do CC.

    Seja como for, no caso presente, tendo a deteção dos erros em causa, por parte dos A.A., ocorrido em finais de 2008, não se afigura que o exercício dos direitos daí decorrentes mediante a instauração da ação em 10/ 05/2010 se traduza num modo ilegítimo desse exercício derivado da dilação com que foi judicialmente desencadeado. Nem da factualidade alegada e provada se colhe qualquer comportamento imputável aos A.A. suscetível de ser qualificado em qualquer das variantes do abuso de direito à luz do disposto do citado artigo 334.º.    

      Em suma, não resta senão considerar o contrato sub judice como um contrato de prestação de serviço atípico, cujos direitos dele emergentes estão sujeitos ao prazo de prescrição ordinária, não se mostrando que o exercício dos direitos peticionados pelos A.A. nesta ação seja abusivo em função do tempo decorrido entre a deteção dos erros invocados e a data da ins-tauração da ação, face ao disposto no artigo 334.º do CC.


      Termos em que improcedem as razões dos Recorrentes, nesta parte, sendo de manter o decidido pelo acórdão recorrido no respeitante à invocada exceção de caducidade.

 

3.3. Quanto à pretendida não imputação do dano ao 1.º R.


No acórdão recorrido, depois de ponderada, em tese, a distribuição de responsabilidades técnicas entre arquiteto e engenheiro, na elaboração de projetos de construção, considerou-se o seguinte:

«Não é assim realista e correcto reduzir a responsabilidade da concepção do sistema estrutural da estrutura unicamente ao autor de projecto de estrutura, porque o autor do projecto de arquitectura é quem comanda a disponibilização e alocação dos espaços disponíveis em planta.

Há em nosso entender uma real e efectiva partilha do acto de conceber o sistema estrutural de um edifício, entre arquitecto e engenheiro de estruturas.

Aplicando este entendimento ao caso em apreço, verifica-se que a primeira fase não foi da responsabilidade da autora do projecto de estrutura; foi o 1.º réu na qualidade de desenhador que fez o projecto da casa a adoptar para o edifício em causa. A 2.ª ré engenheira procedeu à realização da segunda e terceira fases do projecto de licenciamento da estabilidade (cálculo e dimensionamento, nos ter-mos afirmados pela mesma em sede de depoimento de parte).

     Esta argumentação foi ainda reforçada com o facto de ter sido estabelecido um preço único para a elaboração de todos os projetos em referência.

Ao invés, sustentam os Recorrentes, aliás na linha do entendimento também perfilhado pela 1.ª instância, a autonomização do trabalho realizado pelo 1.º R., como desenhador, relativamente ao trabalho desenvolvido pela 2.ª R., na qualidade de engenheira, no âmbito específico do projeto de estabilidade em relação ao qual se verificam os erros de conceção aqui em causa, concluindo, nessa base, pela não imputação ao 1.º R. da responsabilidade decorrentes de tais erros.

     Dos factos provados colhe-se que os A.A. contrataram com o 1.º R. e, por via deste, também com a 2.ª R. para, de forma conjunta e articulada, elaborarem projetos de desenho e especialidades com vista ao licenciamento camarário da moradia que pretendiam construir, tendo os A.A. indicado a forma da casa e a exata distribuição interior, tudo isso mediante o pagamento de um preço único (pontos 1.1 a 1.3 dos factos provados).

    Por sua vez, aqueles R.R., ele desenhador e ela engenheira, exercendo as respetivas atividades em conjunto, mediante comparticipação de bens e serviços e partilha dos proveitos, aceitaram realizar tais projetos, que concluíram e entregaram aos A.A. (pontos 1.4, 1.9 e 1.13).

      Nestas circunstâncias, a obrigação de resultado assumida pelos 1.º R. e 2.ª R. perante os A.A. apresenta-se, no plano externo, tendo por objeto prestação funcionalmente indivisível – uma parte correspondente aos desenhos e outra respeitante aos projetos de especialidade -, o que decorre da própria estipulação das partes, muito embora, no plano interno, implicassem a distribuição de tarefas consoante a especialidade de cada um dos projetista (desenhador e engenheira).

     Segundo o ensinamento de Antunes Varela[37], «a indivisibilidade nasce da estipulação das partes quando, sendo a prestação perfeitamente fraccionável, sem prejuízo da sua substância ou do seu valor, os interessados convencionam que ela se não divida (individualidade solutione tantum)». É o que se designa por indivisibilidade convencional.

Noutros casos, e afora a chamada indivisibilidade imposta por lei, pode também a prestação ser indivisível por natureza (indivisibilidade natural), quando não possa ser fracionada ou repartida sem prejuízo da sua substância ou valor, segundo um critério económico[38].

Embora se pudesse discutir se, no caso dos projetos como os aqui em análise, estaríamos ante uma indivisibilidade natural, dada a estreita conexão entre o projeto de desenhos e os de especialidades, o que parece não sofrer dúvida é que a obrigação foi aqui contratualizada configurando uma prestação indivisível consistente no ato único de entrega dos respetivos projetos com vista ao licenciamento de construção da moradia, correspondendo-lhe, portanto, uma obrigação de prestação de facto convencionalmente indivisível.        

       Assim sendo, nos termos do artigo 535.º, n.º 1, do CC:

   Se a prestação for indivisível e vários os devedores, só de todos os obrigados pode o credor exigir o cumprimento da prestação, salvo se tiver sido estipulada a solidariedade ou esta resultar da lei.  

     Significa isto que, na relação externa entre credor e devedores, na falta de tais ressalvas, não existe um vínculo de solidariedade passiva, não podendo assim a obrigação ser exigida, por inteiro, a qualquer dos condevedores, mas a todos eles. Já no plano das relações internas, vigorará, nas palavras de Antunes Varela[39], “o princípio de que cada um dos obrigados responde apenas pela quota parte que lhe pertence no débito comum, sendo essa quota em proporção do seu número, na falta de disposição legal ou estipulação em contrário”.    


      Não obstante isso, o artigo 537.º do CC prescreve que:

   Se a prestação indivisível se tornar impossível por facto imputável a algum ou alguns dos devedores, ficam os outros exonerados.

    No âmbito desta matéria, aquando dos trabalhos preparatórios do CC de 1966, Vaz Serra escreve o seguinte[40]:

«Quando a prestação indivisível se tornar impossível por facto imputável a um dos devedores, responderia este por não cumprimento e os outros apenas pela prestação, se se aplicasse a solução proposta em matéria de obrigações solidárias.

               (…)

Se o facto, que determina a impossibilidade da prestação, é imputável a vários devedores, estes parece deverem responder pelo todo, como no caso de obrigação solidária. É que, tendo sido cada um desses devedores de todo o dano, cada um deles é obrigado in totum.

Pode mesmo acontecer que os devedores sem culpa devam responder também, quando isso resulte de acordo, expresso ou tácito, nesse sentido ou de outras regras, tal como na hipótese de solidariedade entre os devedores.

(…)

Parece que, se a prestação é ainda objectivamente possível, mas o devedor não pode fazê-la (porque, por exemplo, lhe falta a cooperação indispensável dos outros), esse devedor não deve responder por um facto que lhe não é imputável. Sendo devida indemnização, só os outros, a quem o não cumprimento é imputável, respondem por ela.

A solução é portanto, a precedentemente indicada para o caso de impossibilidade da prestação por facto imputável a um ou a alguns dos devedores»

    A este propósito, aquele Autor cita Gangi[41], segundo o qual:

  «Nas obrigações indivisíveis falta uma razão suficiente que pudesse servir para explicar a responsabilidade dos devedores não culpados, embora limitada ao valor da prestação tornada possível.»

E ainda quando entende que “cada um dos devedores só responde na sua parte porque a obrigação de reparação do dano é divisível.»[42]  

Também, Antunes Varela[43] escreve que:

«No caso de a prestação se tornar impossível por facto imputável a um ou a alguns dos devedores, o carácter independente das várias obrigações dá como resultado que todos os outros devedores ficam exonerados, enquanto o culpado ou culpados respondem pelo valor integral da coisa e pelos danos restantes que hajam de ser indemnizados. A diferença acentuada entre este regime e a solução aplicável à hipótese paralela do caso de solidariedade passiva compreende-se visto a solidariedade constituir uma espécie de garantia do cumprimento, ao passo que nenhuma finalidade semelhante existe no caso da indivisibilidade.»   


No caso presente, da matéria de facto provada extrai-se, claramente, que os danos aqui em causa decorrem exclusivamente de diversos erros de conceção do projeto de estabilidade, nas componentes estrutura, fundações e betão armado, que originaram as anomalias descritas no ponto 1.78.

   E como já ficou dito no ponto precedente, tais erros de conceção consistem em erros de cálculo sobre as armaduras dos elementos estruturais afetados e respetivas resistências circunscritos, portanto, ao referido projeto de engenharia de estabilidade e betão armado, em nada se mostrando, nesse particular, condicionados pelo projeto de desenhos. Do mesmo modo se mostra claro que o referido projeto de especialidade foi elaborado pela 2.ª R., na qualidade de engenheira civil, não se divisando o mínimo indício de que o fizesse sob a orientação do 1.º R., desenhador profissional.

     Com efeito, da factualidade provada respiga-se que:

- Pretendendo construir aquela moradia, os A.A., em meados de 2000, dirigiram-se ao 1.º R. marido, desenhador de profissão, a quem solicitaram que este lhes desenhasse o projeto da casa por eles pretendido, bem como solicitaram ao 1.º R. que pedisse à 2.ª R. mulher – que consigo trabalhava no mesmo gabinete de projetos, de forma conjunta e articulada, com intuito lucrativo – que realizasse os projetos de especialidades dessa mesma habitação – ponto 1.3;

- A 2.ª R. advertiu que, se a qualidade do solo não garantisse a tensão considerada no cálculo, deveria esse mesmo cálculo ser refeito – ponto 1.16

- O projeto de estabilidade e betão armado deveria ter considerado o RSA (Regulamento de Segurança e Ações para Estruturas de Edifícios e Pontes) e o REBAP (Regulamento de Estruturas de Betão Armado e Pré-Esforçados), sendo obrigatório para quem o elabora o conhecimento de todas as normas, regulamentos e especificações que impõem regras relativas à conceção e dimensionamento de estruturas – ponto 1.72;

- A 2.ª R., enquanto engenheira civil, conhecia ou devia conhecer as normas referidas em 1.72 – ponto 1.73;

- A 2.ª R., na qualidade de autora dos projetos da especialidade e diretora técnica do processo, devia ter verificado, por si, a homogeneidade e demais características do solo onde foi implantada a moradia dos AA. imediatamente antes da betonagem das fundações, de modo a corrigir eventuais falhas nessa homogeneidade por existência de pontos menos densos ou outras desconformidades nos pressupostos assumidos em projeto – ponto 1.107.  

A par disso, não se provou que:

- O 1.º R. tenha sido autor do projeto de estabilidade – ponto 2.2 dos factos não provados;

- O 1.º R. tivesse obrigação de conhecer as normas referidas em 1.72 (ponto 2.49.  

     Assim, não obstante, em muitos casos, ocorrer uma estreita conexão entre o projeto de arquitetura e os projetos de especialidade, tal como se refere no acórdão recorrido, o certo é que, no caso presente, os erros em referência não se inscrevem na esfera de uma tal conexão.

Além disso, o acórdão recorrido não refere qualquer outro dado de facto em que se possa fundar a condenação solidária daqueles R.R.. Nem tal solidariedade encontra suporte nas estipulações das partes, nem delas decorre tacitamente, não se revelando para tal suficiente o simples facto de o 1.º R. e a 2.ª R. contribuírem entre si com bens e serviços para o exercício em comum da sua atividade económica, cujos custos e proveitos dividiam entre si, com vista à obtenção de lucro (ponto 1.4), desconhecendo-se em que condições e proporção o fariam, sendo que essa atividade não pode ser tida sequer como prática empresarial de natureza comercial, à luz do artigo 230.º do Código Comercial.   

O que sucede é que estamos perante uma situação de cumprimento defeituoso no tocante à realização do sobredito projeto de estabilidade elaborado pela 2.ª R., mas em que já não se mostra possível a realização perfeita daquela prestação, restando somente a correção dos elementos estruturais afetados, com prévia elaboração de um novo projeto para tal efeito.

Nessa medida, verifica-se uma impossibilidade superveniente da realização perfeita da prestação defeituosa imputável apenas à 2.ª R., com a consequente obrigação de indemnizar os A.A. pelos danos daí decorrentes, nos termos dos artigos 798.º e 801.º, n.º 1, do CC, em relação ao que o 1.º R. se tem por exonerado por força do art.º 537.º do mesmo diploma.

Termos em que procede a revista, nesta parte, impondo-se a alteração da decisão recorrida quanto à condenação solidária dos 1.º RR., que serão, por isso, absolvidos dos pedidos contra eles formulados.


3.4. Quanto à imputação do dano à 2.ª R. como diretora técnica da obra


Neste capítulo, afirma-se no acórdão recorrido que:

   «Mas a 2ª ré não violou apenas as suas obrigações enquanto autora dos projectos de especialidade. Também as violou na qualidade de diretora técnica da obra, como referem os recorrentes.

   Está - também e paralelamente em causa o facto de a 2a Ré mulher ter assumido o cargo de "diretor técnico da obra" - facto provado DO) - fonte cumulativa de responsabilidade, a par daquela que decorria naturalmente dos demais serviços contratados.

   Esta figura - diretor técnico da obra - era nos termos do Dec. Lei n.º 555/99 de 16 de Dezembro e subsequentes revisões - o técnico a quem a Administração confiava o poder de fiscalização da coisa em construção e pedia que no final, atestasse que o projecto e as condições de licenciamento tinham sido cumpridas.

   A fiscalização exercida pelo director técnico da obra, no que respeita o projecto de estabilidade, visa não só garantir a conformidade da obra executada com o projecto, mas também, necessariamente, garantir condições de segurança para os que trabalham na obra, para os que poderão vir a ocupar a obra, nomeadamente o seu dono e para todos aqueles que possam vir a achar-se em contacto com o edifício construído. O cumprimento do projecto de estabilidade dá garantias de que a construção não virá pôr em perigo todos aqueles que podem vir a ter contacto com a obra ou a estar nas suas proximidades.

   A matéria de facto provada permite imputar a responsabilidade civil à 2a Ré, à luz, designadamente, dos artigos 76°, nº 1, do Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, na redação que lhe foi dada pelo decreto-lei nº 177/2001, de 4 de Junho, os artigos 3°, nº 1, alínea c) e Anexo IV da Portaria 1115-A/94, de 15/02 (à qual sucedeu a Portaria nº 1105/2001, de 18 de Setembro, donde releva o art. 8°) o artigo 15° do Regulamento Geral das Edificações Urbanas e os artigos 86°, nº 5 e 87°, nº 2, do Estatuto da Ordem dos Engenheiros, aprovado pelo decreto-lei nº 119/92, de 30 de Junho.

  Tal responsabilidade é corroborada pelo regime emergente da posterior Lei nº 31/2009, de 3 de Julho.»

         Por seu turno, os Recorrentes contrapõem que: 

«Atentos os factos provados em dd), mm), nn) e oo), conclui-se que todas as normas legais citadas no acórdão recorrido para imputar a responsabilidade civil à 2.ª R. ou nada têm a ver com o caso concreto ou não estavam sequer em vigor, não sendo constitutivas de qualquer responsabilidade civil dos RR: o art.º 76.º, n.º 1, do DL n.º 555/99, na redação dada pelo DL n.º 177/2001, é dirigido ao dono da obra; a referência ao art.º 3.º, n.º 1, al. c), da Portaria n.º 1115-A/9 deverá ter constituído lapso, pois tal normativo não existe; o anexo IV da Portaria n.º 1115-A/94 (à qual sucedeu a Portaria n.º 1105/2001, de 18/09, “donde releva o art.º 8.º), trata-se apenas um anexo onde se estabelece o modelo de formulário para os autores de projeto, sendo que o modelo de formulário para os diretores técnicos é o anexo V, sendo que desse formulário se extrai que o que aí deve ser atestado e constitui obrigação do diretor técnico é verificar que a obra está concluída em conformidade com o projeto, já que, ao tempo em que a obra foi construída, não havia a obrigação de fiscalização de execução de obra; Para o art.º 8.º da Portaria n.º 1105/ 2001, de 18/09, vale o que se disse para o normativo anterior; o art.º 15.º do RGEU estabelece uma norma geral, a ser observada pelo dono da obra e empreiteiros, de que “todas as edificações ... deverão ser construídas com perfeita observância da arte de construir...”; o art.º 86.º, n.º 5, e 87.º, n.º 2, do Estatuto da Ordem dos Engenheiros estabelece normas deontológicas a observar pelos engenheiros, que não têm que ver com o caso dos autos; a Lei n.º 31/2009, de 03/07, além de não se saber a que disposição dessa lei se referem, a verdade é que, claramente, não estava em vigor ao tempo em que os RR estabeleceram contrato com os AA e estes construíram a sua casa...;

Se o defeito da “prestação de serviço” está no erro cometido no cálculo, temos de concluir que não há sequer dano causado pela atividade prestada pela 2.ª R., ao aceitar constituir-se como diretora técnica da obra (o acórdão recorrido confunde a fiscalização da execução de obra com a função de direção técnica) e as obrigações que, na data dos factos, lhe eram inerentes, pois à direção técnica da obra - como ficou provado no facto 38 - cabe assegurar que o que está construído é aquilo que foi projetado, sendo que, sem dano, não pode haver pretensões indemnizatórias, já que, dos factos 75 e 76 resulta o cumprimento das obrigações que lhe eram impostas: elaborar o livro de obra e estar nos momentos mais relevantes da obra;

A fiscalização da obra, ao tempo dos factos, era da competência do Presidente da Câmara e seus auxiliares (cfr. artigos 93.º, 94.º, 95,º e 96.º do DL n.º 555/99, de 16/12).


     Na verdade, impõe-se distinguir o tipo de contrato de elaboração de projetos de arquitetura e especialidade para construção, por um lado, dos contratos de direção técnica, também designado por contrato de assistência técnica, e do contrato de fiscalização de obra, por outro lado[44].

Enquanto que aquele tem por objeto a elaboração coordenada dos elementos que definem e caracterizam, de forma integrada, a conceção funcional, estética e construtiva da obra projetada, o contrato de direção técnica visa incumbir um técnico habilitado de assegurar a conformidade da execução da obra com os respetivos projetos. Por sua vez, o contrato de fiscalização da obra é aquele mediante o qual o dono da obra comete ao exer-cício da faculdade que lhe é conferida pelo artigo 1209.º do CC a determinado técnico. Hoje, tais qualificações e respetivos âmbitos de responsabilidade civil encontram-se perfeitamente definidos e sistematizados na Lei n.º 31/2009, de 03-07, em vigor desde 01/11/2009, posteriormente alterado pela Lei n.º 40/2015, de 01-06, mas que não é aplicável ao presente caso.


Ora, da factualidade provada, no que aqui releva, colhe-se que:

- Da memória descritiva e justificativa do projeto de estruturas consta que a tensão de segurança do solo das fundações deveria “ser confirmada por ensaio de solo, aquando da abertura dos caboucos” – ponto 1.14;

- Da mesma memória descritiva e justificativa consta que “nenhuma peça da estrutura será betonada sem a prévia vistoria, e autorização do técnico responsável” – ponto 1.15;

- A 2.ª R. advertiu que, se a qualidade do solo não garantisse a tensão considerada no cálculo, deveria esse mesmo cálculo ser refeito – ponto 1.16

- Por pedido dos AA., a 2.ª R. mulher aceitou constituir-se como responsável pela direção técnica da obra – ponto 1.22;

- Compete ao diretor técnico da obra assegurar a conformidade dos projetos licenciados com a obra executada – ponto 1.23;    

- Os AA. contrataram com o empreiteiro e aplicaram em obra um betão B15, com classe de resistência inferior ao que a 2.ª R. tinha previsto – ponto 1.25;   

- A aplicação do betão da classe B15 pode pôr em causa a durabilidade máxima das estruturas – ponto 1.26;

- Os AA. aumentaram o pé-direito da entrada do portão da garagem, ignorando o projeto – ponto 1.27;

- Os AA., por sua iniciativa e sem conhecimento dos RR., procederam a alterações em obra que não estavam no projeto – ponto 1.28;

- Há um ligeiro aumento, em relação ao projeto, no alinhamento do alçado poente da cave – ponto 1.29;

- O projeto de estabilidade considera na cobertura umas lajes com vigotas simples e outras duplas, tendo na obra sido utilizadas todas as lajes com vigotas simples – ponto 1.30; 

- Não executaram as vigas-cinta sobre os muros de apoio à laje de cobertura, que estavam previstas no projeto, facto que determina que ha-ja uma maior concentração da carga nesses mesmos muros – ponto 1.31;

- Executaram de forma deficiente o recobrimento nalguns pilares embutidos no muro de betão periférico da cave – ponto 1.31;

- Ao longo da execução da obra, a 2.ª R. deslocou-se à mesma pelo menos duas vezes – ponto 1.33;

- A 2.ª R. presenciou, pelo menos, a betonagem dos muros da cave, vendo nessa altura o subsolo – ponto 1.34;

- Não foram efetuadas sondagens ao terreno, prévias à elaboração do projeto de estabilidade – ponto 1.76;

- Salvo alterações de pormenor, sem relevância para as patologias de causa estrutural, os projetos de estabilidade e demais projetos de especialidade foram transpostos para a obra executada – ponto 1.77;

- O livro de obra tem como data de abertura o dia 29 de dezembro de 2000 – ponto 1.35

- A 2.ª R. exarou no livro de obra, pelo seu punho, a execução das fundações, das sapatas e da colocação de placas e lajes – ponto 1.36.

       Porém, ainda neste domínio, não se provou que:

- Os AA mandaram desaterrar e terraplenar o terreno e executaram as fundações e betonagens sem terem informado os RR. de tais factos – ponto 2.5;

- Nem os AA. nem o empreiteiro tenham querido fazer ensaios de solo – ponto 2.6;

- Os AA. tenham mandado cortar uma viga de betão que havia já sido construída – ponto 2.7;

- Os AA. tenham mandado colocar cantaria em granito maciço, em todas as portas e janelas da habitação, não prevista no projeto – ponto 2.8;

- No final da obra, os AA. tenham posto uma máquina escavadora, junto à casa a regularizar o terreno – ponto 2.9;

- A intervenção da 2.ª R. na direção técnica da obra tenha ocorrido por mero favor – ponto 2.10;

- Os AA. nunca tenham avisado a 2.ª R. do andamento da obra – ponto 2.11;

- Os AA. nunca tenham comunicado aos RR. qualquer problema em relação ao projeto – ponto 2.12;

- A 2.ª R. tenha presenciado todas as fases referidas no livro de obra – ponto 2.14;

- A 2.ª R. tenha tido conhecimento de todas as alterações ocorridas em obra, não se lhes tendo oposto – ponto 2.15;

- As vigas V21, V26 e V27 (VE1 e L) do teto da cave possuam armadura insuficiente, ao nível longitudinal e ao nível transversal – ponto 2.18;

- As paredes nas quais se encontram apoiadas as vigas V1, V2, V3, V6, V7, V8, V13, V14, V15, V20, V22, V24 e V26 (VC, L e V4), do teto do rés-do-chão, não tenham, em projeto, sido dimensionadas com a resistência suficiente – ponto 2.19;

- As vigas V5, V16 e V17 (V3 e V4), do teto do rés-do-chão, apresentem uma armadura insuficiente ao nível transversal, e que a viga V4 (V3) tenha uma armadura insuficiente ao nível longitudinal superior sobre o apoio esquerdo, com reflexos na estabilidade da obra – ponto 2.20;

- As vigas V10 e V12 (VC), do teto do rés-do-chão, apresentem as armaduras com uma área/espessura insuficiente tanto ao nível longitudinal como transversal, com reflexos na estabilidade da obra – ponto 2.21;

- As vigas V32, V33 e V35 (L), do teto do rés-do-chão, tenham armaduras insuficientes ao nível longitudinal e ao nível transversal, e secção insuficiente, que tenha reflexos na estabilidade da obra e que corram risco de colapso – ponto 2.22;

- Os pilares P2, P3, P5, P7, P10 e P12 (P) tenham a armadura longitudinal insuficiente, com reflexos na estabilidade da obra – ponto 2.23;

- Os pilares P19 (P1), P20 (P2) e P21 (P1) tenham, no rés-do-chão, uma espessura inferior à prevista no REBAP em 0,15 m – ponto 2.24;

- O pilar P21 (P1) apresente uma quantidade excessiva de armadura relativamente à secção de betão – ponto 2.25;

- Ao nível das fundações, as sapatas dos pilares P2 e P6 (P) apresentem uma armadura insuficiente, com reflexo na estabilidade da obra – ponto 2.26;

- A sapata do pilar P10 (P) apresente uma armadura insuficiente e exceda a tensão de segurança do solo admitida em projeto – ponto 2.27;

- A tensão dos pilares P19 (P1), P20 (P2) e P21 (P1) seja, respetivamente, de 245,8 kPa, 271,4 kPa e 402,1 kPa – ponto 2.28;

- A tensão das fundações, em várias zonas da implantação, designadamente na zona de confluência entre o alçado poente e o alçado norte, seja inferior a 200 kPa, aí provocando assentamento diferencial da estrutura – ponto 2.29;

   - A viga L esteja fissurada – ponto 2.30;

  - O projeto de estabilidade e betão armado da moradia dos AA. devesse respeitar o REAE (Regulamento de Estruturas de Aço para Edifícios), a Norma NP EN 206-1 2007 (Betão Parte 1 – especificação, desempenho, produção e conformidade), a Norma NP ENV 13670-01 2007 (Execução de estruturas em Betão Parte 1 – Regras gerais) e a Especificação LNEC E464 (Betões – Metodologia prescritiva para uma vida útil de projeto de 50 e 100 anos face às ações ambientais) – ponto 2.31;

- Foi a falta de verificação das características do solo, mormente a sua densidade, consistência e tensão, que determinou a inadequação das fundações previstas, com o consequente assentamento estrutural – ponto 2.32;

- O descrito em 1.29 leve a que os vãos e cargas estruturais sejam maiores do que o inicialmente previsto e projetado – ponto 2.35;

- O descrito em 1.30 determine a diminuição da resistência das lajes, origine a sua deformação, afete os seus apoios e seja causa de fissuras no teto da laje do rés-do-chão – ponto 2.36;

   - O referido em 1.31 seja causa fissuras na laje do teto – ponto 2.37;

   - O referido em 1.32 determine a perda de resistência dos elementos estruturais e constitua causa de fissuras – ponto 2.38;

   - As alterações da obra referidas de 1.36 a 1.39 constituam causa das deficiências aludidas em 1.52 a 1.54, 1.69, 1.70, 1.79 e 1.80 - ponto 2.39;

- A laje LP1 esteja bem dimensionada em relação ao projeto, respeitando o REBAP quanto à sua deformação – ponto 2.44;

- O problema das paredes não esteja relacionado com o cálculo projetado para a laje LP1 – ponto 2.45;

- O cálculo dos vários elementos resistentes seja adequado e de acordo com o legalmente estabelecido – ponto 2.46;

- O cálculo das fundações tenha sido devidamente feito, considerando uma tensão de segurança de 0,02 KN/cm2 – correspondente ao ponto 2.45;

- As fissuras referidas em 1.79 e 180 (ponto 41 e 42 dos factos provados na \       sentença) se devam somente à execução da obra e às alterações nelas introduzidas pelos AA. – ponto 2.48.


De todo o factualismo em presença decorre que à 2.ª R., na qualidade de diretora técnica da obra, incumbia-lhe assegurar a conformidade da obra em execução com os projetos licenciados (ponto 1.23), que não exercer as funções de fiscalização em nome do dono da obra.


Constata-se também, no âmbito da execução da obra, que:

   - foi aplicada em obra um betão B15, com classe de resistência inferior ao que a 2.ª R. tinha previsto (ponto 1.25), podendo pôr em causa a durabilidade máxima das estruturas (ponto 1.26);

- Os AA. aumentaram o pé-direito da entrada do portão da garagem, ignorando o projeto – ponto 1.27;

- Os AA., por sua iniciativa e sem conhecimento dos RR., procederam a alterações em obra que não estavam no projeto – ponto 1.28;

- Há um ligeiro aumento, em relação ao projeto, no alinhamento do alçado poente da cave – ponto 1.29;

- O projeto de estabilidade considera na cobertura umas lajes com vigotas simples e outras duplas, tendo na obra sido utilizadas todas as lajes com vigotas simples – ponto 1.30; 

- Não executaram as vigas-cinta sobre os muros de apoio à laje de cobertura, que estavam previstas no projeto, facto que determina que haja uma maior concentração da carga nesses mesmos muros – ponto 1.31;

- Executaram de forma deficiente o recobrimento nalguns pilares embutidos no muro de betão periférico da cave – ponto 1.31.

       Tais desconformidades entre a execução da obra e o estabelecido nos projetos elaborados pelo 1.º R e 2.ª R. não foram objeto de reparo por parte da 2.ª R., na qualidade de diretora técnica.

       Todavia, face à matéria dada como não provada, não é lícito concluir que tais anomalias interfiram com as patologias descritas no ponto 1.78, aqui em causa, as quais se mostram proceder apenas dos erros de conceção do projeto de estabilidade identificadas no ponto precedente.

       Nestas circunstâncias, mesmo a verificar-se incumprimento por parte da 2.ª R., no exercício das suas funções de diretora técnica da obra, não ocorre nexo de causalidade entre esse incumprimento e as patologias decorrentes dos sobreditos erros de conceção.

       Assim sendo, assiste razão aos Recorrentes neste particular, embora sem repercussão prática em sede de responsabilização da 2.ª R. pelos mencionados erros de conceção.

3.5. Quanto à pretendida concorrência de culpas entre os AA. e a 2.ª R.


Pretendem os Recorrentes imputar aos A.A. uma quota de responsabilidade nas patologias verificadas, ao abrigo da concorrência de culpas prevista no artigo 570.º do CC.

Todavia, da conjugação dos factos provados e não provados decorre, como já foi referido, que os incrementos por iniciativa deles introduzidos na execução da obra, em desconformidade com os projetos elaborados pelo 1.º R. e 2.ª R., não se mostram relevantes para a ocorrências das patologias descritas no ponto 1.78 e que são as aqui em causa.

Acresce que nem tão pouco se provou que:

- Os AA mandaram desaterrar e terraplenar o terreno e executaram as fundações e betonagens sem terem informado os RR. de tais factos – ao ponto 2.5;

- Nem os AA. nem o empreiteiro tenham querido fazer ensaios de solo – ponto 2.6;

- Os AA. tenham mandado cortar uma viga de betão que havia já sido construída – ponto 2.7;

- Os AA. tenham mandado colocar cantaria em granito maciço, em todas as portas e janelas da habitação, não prevista no projeto – ponto 2.8;

- No final da obra, os AA. tenham posto uma máquina escavadora, junto à casa a regularizar o terreno – ponto 2.9.         

Com também não se afigura que a indicação dada pelos AA. ao 1.º R. e à 2.ª R. sobre a pretendida forma da casa e a exata distribuição interior, a serem desenhadas e projetadas (ponto 1.7 da factualidade provada), tenha tido qualquer relevo para a ocorrências dos erros de conceção em foco. 


Argumentam ainda os Recorrentes que os AA, embora sabedores dos defeitos em 2007, fizeram questão de transacionar na ação contra o empreiteiro no ano de 2008, alheando dessa transação os RR e que depois de terem obtido o resultado que entenderam justo do empreiteiro é que viraram o objeto dos seus problemas para os RR, o que gerou que se pudesse estar agora a discutir um ressarcimento parcialmente duplicado de danos.

Porém, da factualidade provada, com relevo sobre este ponto, colhe-se que:

- A obra apresenta vários defeitos e vícios de construção, que nada têm a ver com problemas estruturais – ponto 1.41;

- As patologias, que não as descritas em 1.78, têm origens diversas, nomeadamente má execução e/ou qualidade dos materiais – ponto 1.83.  

Além disso, consta como não provado que os A.A. reclamem nestes autos danos já ressarcidos no processo movida por aqueles contra a empreiteira (ponto 2.16 dos factos não provados).

Daí se conclui que os erros em causa nestes autos nada tem a ver com os defeitos e vícios de construção imputados à sociedade empreiteira no processo contra ela instaurado nem com a indemnização ali acordada.

  

Em suma, da factualidade provada nada se extrai que permita imputar aos A.A. qualquer comportamento, muito menos culposo, que se afigure causal dos referidos erros.

Termos em que improcedem as razões dos Recorrentes sobre este ponto.     


3.6. Quanto à responsabilidade pelos danos relativos à correção e reforço estrutural da moradia


Os Recorrentes parecem questionar também o acórdão recorrido, quando afirma que, numa situação como a dos autos em que se veio a demonstrar a existência de um erro de cálculo numa casa já construída, é impossível “eliminar o defeito” com a casa pronta e pergunta se “obra nova” significa realizar novo projeto, para assim tentar demonstrar o afastamento do regime da empreitada, nos termos do art.º 1221.º do CC. E consideram curiosa a parte do dispositivo em que se condenou os RR a pagar aos recorrentes os honorários do projeto de reforço e despesas relativas à substituição do projetista de estabilidade, a liquidar em execução de sentença, estando a casa pronta.

Ora, como já acima foi referido, salvo alterações de pormenor sem relevância para as patologias de causa estrutural, o projeto de estabilidade aqui em foco foi transposto para a obra construída (ponto 1.77 da factualidade provada), o que significa já não se mostrar viável a sua correção. O que agora se impõe é corrigir anomalias existentes na obra assim construída para o que se torna necessária a elaboração de um novo projeto.

Assim, recai sobre a 2.ª R. a responsabilidade pelo custo com a elaboração desse novo projeto, como dano futuro previsível que é, atendível nos termos do artigo 564.º, n.º 2, do CC.


3.7. Quanto ao dano pela privação do uso


O acórdão recorrido condenou, solidariamente, os R.R. a pagar aos AA. a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, a título de indemnização pelo dano da privação de uso do imóvel, considerando o período que decorreu entre 2003 (ano seguinte à conclusão da obra) até à efetuação do escoramento provisório relatado no artigo 46.º dos factos provados - correspondente ao ponto 1.85 da factualidade provada acima consignada -, atendendo ao valor mensal de uso e fruição de uma moradia com as características da dos AA., fixado no ponto 60 dos factos provados – correspondente ao ponto 1.102 da factualidade acima consignada - e ainda os que a este título se vencerem, aquando dos trabalhos de execução do reforço estrutural do imóvel.

No entanto, os Recorrentes contrapõem que:

  - Se o tribunal tem todos os elementos de facto para poder liquidar, no momento da sentença certos danos, não deve relegá-los para execução de sentença;

   - Face aos factos provados em oo), 6, 7, 39, 60, S e LL), existiam elementos para liquidar imediatamente o período de “privação” entre 2003 e novembro de 2008;

   - Atenta a prova referida em 30, nomeadamente que: a partir do momento da sua conclusão até ao ano de 2009, nunca habitaram naquela casa; desde novembro de 2008, tendo sabido da necessidade de escoramento, passaram a poder habitá-la, não o tendo feito;

   - Desconsiderando o Tribunal que, desde o momento em que passaram a poder habitá-la e não quiseram, o facto de não a habitarem não poderia onerar os RR.;

   - Não há uma privação, deveriam considerar também que desde 2003 até novembro de 2008, nunca os AA tiveram qualquer prejuízo ou tiveram sequer privados da sua habitação;

   - Isto porque, estando provado que, desde 2002 até novembro de 2008, os AA nem sequer puseram a hipótese de haver qualquer perigo na utilização daquela casa; desconheciam em absoluto que a mesma oferecesse perigo à sua utilização e que tal utilização era desaconselhável, e que, mesmo com esse total desconhecimento, por vontade própria, nunca quiseram ir para lá morar, podendo fazê-lo, não pode considerar-se que, nesse período houve privação do imóvel;

   - Poderiam os AA, muito tempo depois, ter ficado conscientes do risco que haviam corrido no passado se acaso tivesse utilizado a casa, mas privação, não tiveram, pois, tendo-a à sua disposição e julgando-a estruturalmente segura, nunca a quiseram usar...;

   - Num caso em que o titular do direito não o usa porque não quer e nem sequer tem conhecimento ou consciência de que não poderia dispor do seu direito, não pode considerar-se ter existido privação e muito menos direito indemnizatório, até por falta de dano e causalidade adequada;

   - É incongruente atribuir-se um valor indemnizatório equivalente à fruição do imóvel e, simultaneamente, condenar-se os RR numa indemnização por danos não patrimoniais decorrentes do facto dos AA não poderem tirar partido da casa ... ainda que pudesse pensar-se que não exista de forma total, há, em grande parte, uma clara duplicação indemnizatória pelo mesmo dano.

           

No quadro desta argumentação, não se depreende que os Recorrentes ponham propriamente em causa a caracterização da privação de uso como dano indemnizável perfilhada pelo acórdão recorrido, nem os fatores ali referidos para o cálculo da respetiva indemnização.

O que questionam é que os A.A. tivessem deixado de habitar a casa, desde 2003 até 2008, por causa dos erros de conceção aqui em referência, que desconheciam, sustentando também que tal indemnização se mostra incompatível com a compensação pelos danos não patrimoniais. Subsidiariamente, entendem que existem elementos para a fixação quantitativa da pretendida indemnização.     

  

Vejamos.

        

       Da factualidade provada extrai-se, com relevo para a análise desta questão, que:

i) – A obra referida em 1.21 foi iniciada em 2001 e terminada em janeiro de 2002 – ponto 1.24;

ii) - Os defeitos decorrentes dos erros de conceção aqui em referência tornaram a obra inapta para o fim a que se destina, impedindo a sua utilização habitacional, até ao seu escoramento – ponto 1.85 correspondente ao ponto 46 da factualidade provada constante da sentença;

iii) - Entre 2000 e a entrega aos AA. do estudo referido em 1.49, de novembro de 2008, a obra nunca esteve escorada, não tendo colapsado – ponto 1.86 correspondente ao ponto 71 da factualidade provada constante da sentença;

iv) - Ao tomar conhecimento do risco aludido em 1.49, e para evitar o colapso da estrutura, os AA. imediatamente realizaram trabalhos de escoramento provisório com recurso a tubos metálicos, ao nível da cave, nas vigas V19, V20, V22 e V23, pontos recomendados pela empresa especialista em estruturas – ponto 1.87;

v) - Os AA., desde a conclusão da casa, em 2002 até 2009, nunca habitaram a casa em questão – ponto 1.88;

vi) - O agregado familiar dos AA. é composto pelos próprios e por uma filha, estudante – ponto 1.98;

vii) - Tal agregado vive de favor em casa da avó paterna da A. conjuntamente com uma tia desta, sita no Lugar de Oliveira, Fornelos, Ponte de Lima – ponto 1.99;

viii) - Essa casa tem dois pisos, de rés-do-chão e andar, sendo este último o piso habitável, com uma área de 68,40 m2, composto por três quartos, uma sala, uma cozinha e uma casa de banho – ponto 1.100;

ix) - Os AA. e o seu agregado vivem constrangidos no espaço disponível, sem qualquer privacidade, o que prejudica o seu bem-estar, a sua mobilidade, o espaço livre para guardarem os seus haveres e pertences e a fruição de momentos de lazer e repouso em casa – ponto 1.101;

x) - O valor locativo mensal de uso e fruição de uma moradia com as características da dos AA. é não inferior a € 150,00 – ponto 1.102 correspondente ao ponto 60 da factualidade provada constante da sentença. 


      Destes factos resulta, em primeiro lugar, que as patologias decorrentes dos erros de conceção descritos no ponto 1.78 dos facto provados tornaram a obra inapta para o fim habitacional a que se destinava, impedindo assim a sua utilização, por parte dos A.A, até ao seu escoramento.

      Decorre também que os A.A., desde a conclusão da casa, em janeiro de 2002 até 2009, nunca habitaram aquela casa e que, ao tomar conhecimento do estudo referido em 1.49, em novembro de 2008, logo procederam ao ali recomendado escoramento provisório.

      Perante este contexto factual, o argumento dos Recorrentes no sentido de que os A.A., desconhecendo, como desconheciam, aqueles erros, só não habitaram a casa por não quiseram, salvo o devido respeito, afigura-se meramente retórico e artificioso.

      Com efeito, desde a entrega da obra concluída pelo empreiteiro em janeiro de 2002, foram logo detetados vários defeitos e vícios de construção (ponto 1.37), face ao que os A.A. não habitaram a casa, embora só, em 2008, tomassem conhecimento dos erros de conceção do projeto de estabilidade que tornavam a obra inapta para o fim a que se destinava.

      Assim sendo, não se pode afirmar que os A.A. tenham deixado de habitar a casa simplesmente porque quisessem ou por mero capricho; fizeram-no sim perante a evidência que então se lhe deparava, não se mostrando aqui relevante o desconhecimento das respetivas causas nem lhes sendo exigível que as conhecessem. O que é certo é que aquela moradia estava inapta para habitação e que tal inaptidão resultava dos referidos erros de conceção. É, pois, nesta base, que se mostra perfeitamente justificado o comportamento dos A.A. em não habitar a casa.

       Tal impedimento verificou-se, portanto, entre princípios de 2002 e finais de 2008, altura em que os A.A. procederam ao escoramento provisório da obra. Além disso, afigura-se previsível que a não possam habitar no decurso das obras de correção que importa realizar.

       Nesta conformidade, não merece censura o período temporal considerado no acórdão recorrido para o cálculo da respetiva indemnização.


       No que respeita ao cálculo daquela indemnização, o mesmo baseou-se em dois fatores: o período temporal durante o qual perdurou a privação; o valor locativo mensal de uso e fruição de uma moradia com as características da dos AA., fixado em montante não inferior a € 150,00.

Ora, constituindo a privação do uso da casa um dano de natureza patrimonial respeitante à utilidade económica de fruição do imóvel que os A.A. deixaram de beneficiar é evidente que a respetiva indemnização não é incompatível com a atribuição de uma compensação a título de danos não patrimoniais pelos incómodos e desgostos sofridos com tal situação. Quanto ao valor locativo considerado, uma vez que os próprios Recorrentes não o questionam, não cabe ocuparmo-nos dele.

Relativamente, à relegação do quantitativo indemnizatório para ulterior liquidação, verifica-se que, quanto à privação de uso já ocorrida (de 2002 a 2008), o cálculo de tal quantitativo é puramente aritmético; já o quantitativo respeitante à futura privação de uso depende da prova do período de tempo por que tal privação tiver de perdurar.

Assim, enquanto que a indemnização pela privação de uso já ocorrida poderá ser fixada, por simples cálculo aritmético, logo no requerimento executivo, nos termos dos artigos 704.º, n.º 6, a contrario sensu, e 716.º, n.º 1, do CPC, a determinação da indemnização pela futura privação de uso só poderá ser feita em ulterior incidente de liquidação, nos termos conjugados dos artigos 358.º, n.º 2, e 704.º, n.º 6, do mesmo diploma.

Sendo, pois, este o sentido inequívoco da sobredita condenação ilíquida, nada mais há a determinar.  

           

3.8. Quanto aos danos não patrimoniais


Neste capítulo, o acórdão recorrido condenou, solidariamente os R.R. a pagar aos A.A. a quantia de € 10.000,00, a título de danos não patrimoniais.

E fundamentou tal condenação nos seguintes termos:

   «No que se refere aos peticionados danos não patrimoniais, ficou provado o que consta sob a alínea LL) e nos nº 57º, 58, 59 e 62 dos fatos provados. Não deixam de ser relevantes os anos de espera que se tornam muito longos para quem viveu nas condições descritos supra nos nº 57 e ss, a tristeza e desgosto decorrentes da verificação dos defeitos e da sua difícil detecção e resolução.

   E a gravidade destes sentimentos, que afectam a saúde de quem os sofre, torna-os merecedores da tutela do direito.

   Na fixação do quantum da indemnização entra o critério da equidade devendo ter-se em consideração o que dispõe o art.º 494.º do C.C..

   Ora, tendo em consideração a factualidade apurada, considera-se adequada a ressarci-los a importância de € 10 000,00 (dez mil euros).

   Na fixação do valor desta importância entraram critérios comparativos com os valores indemnizatórios actualmente praticados pela jurisprudência de acordo com o disposto no art.º 566º., nº. 2 do Cód. Civil.»

Nesta ponderação, o acórdão recorrido estribou-se no aresto do STJ de 24/04/2013, segundo o qual, em termos sumários:

«I - A indemnização por danos não patrimoniais, sem embargo da função punitiva que outrossim reveste, tem por fim facultar ao lesado meios económicos que, de alguma sorte, o compensem da lesão sofrida, por tal via reparando, indirectamente, os preditos danos, por serem hábeis a proporcionar-lhe alegrias e satisfações, porventura de ordem puramente espiritual, que consubstanciam um lenitivo com a virtualidade de o fazer esquecer ou, pelo menos, mitigar o havido sofrimento moral.

II - Tal indemnização deve, ainda, englobar, nomeadamente, os prejuízos estéticos, os sociais, os derivados da não possibilidade de desenvolvimento de actividades agradáveis e outros.

III - A sua fixação não deve ser simbólica, miserabilista, ou arbitrária, mas nortear-se por critérios de equidade, tendo em atenção as circunstâncias referidas no art. 494.º do CC.»

Todavia, os Recorrentes contrapõem que:

«A quantia atribuída por danos não patrimoniais - pela falta de prova que o estribasse - existe somente o facto 62; pelo valor locativo que a casa tem (avaliado que está o uso em 150 euros/mês, vê-se que não será propriamente um lugar de grande valia), acrescido dos padrões jurisprudenciais que são usados para quem é agredido; para quem fica incapacitado para toda a vida em certo grau; para quem perde a vida de um familiar direto (a jurisprudência tem quantificado a perda de um cônjuge em cerca de € 25.000,00), atribuir € 10.000,00 por alguém que demonstrou ter ficado triste e nervoso, será, no mínimo, desajustada a quantia atribuída, nomeadamente quando se percebe que a correção do defeito poderá custar € 18.000,00 e se constata que a tristeza, não quantificada pela existência do defeito, foi avaliada em € 10.000,00»


Além de toda a situação acima retratada, em particular os incómodos, preocupações e frustrações inerentes a quem se vê privado de, pelo menos ao longo de 6 anos, fruir da nova habitação projetada, é de realçar a matéria provada no ponto 1.104, nos termos da qual:    

A situação descrita provocou nos AA. tristeza, nervosismo, angústia e revolta por não poderem tirar partido da casa, tornando-se tema de conversas e zangas, o que deteriora o convívio familiar.

Como já foi dito, a indemnização aqui em referência nada tem a ver com o valor económico da frustração pela privação do uso do imóvel que os A.A. deixaram de fruir. Visa tão só proporcionar uma compensação monetária pelos incómodos e desgostos sofridos com a situação verificada.

Tratando-se de uma compensação a fixar equitativamente, nos ter-mos do artigo 494.º por via do artigo 496.º, n.º 1, do CC, subsidiariamente aplicáveis no domínio da responsabilidade contratual, tendo em conta o contexto factual provado em que se funda - muito embora não se possa estabelecer um paralelo exato da situação em foco com as situações inerentes a desgostos sofridos por perda de familiares em decorrência de acidentes de viação, como pretendem os Recorrentes -, ainda assim se afigura mais ajustado aos padrões jurisprudenciais correntes, situar a referida indemnização no montante de € 7.000,00 (sete mil euros).

Termos em que se alterará, nesta parte, a decisão recorrida.


3.9. Quanto ao cálculo dos juros

          

      O acórdão recorrido condenou, por fim, os R.R. no pagamento aos A.A. dos juros de mora sobre quantias em que foram também condenados, à taxa legal aplicável, contados da data da citação até integral pagamento.

Neste ponto, sustentam os Recorrentes que, ao ter-se quantificado, de forma atualizada, o valor dos danos não patrimoniais, viola o acórdão recorrido jurisprudência uniformizada, quando, sobre essa quantia, manda acrescer juros a contar da citação até integral pagamento.

Na verdade, na linha do doutrinado no acórdão de uniformização do STJ n.º 4/2002, de 09-05, publicado no Diário da República, 1.ª Série, n.º 146, de 27/06/2002, assiste-lhe razão, na medida em que a referida indemnização se mostra ter sido ponderada, atento o momento em que foi fixada.

Assim, os respetivos juros moratórios serão devidos apenas a contar da data da prolação do acórdão recorrido.

        

IV - Decisão


Pelo exposto, concede-se parcialmente a revista, alterando a decisão recorrida no sentido de julgar a ação:

a) – improcedente quanto aos 1.º R.R, absolvendo-os dos pedidos contra eles formulados;

  b) – parcialmente procedente quantos aos 2.º R.R., mantendo-se, nesta parte, a decisão recorrida, salvo quanto à indemnização a título de danos não patrimoniais e respetivos juros de mora, em relação à qual vão aqueles 2.º R.R. condenados a pagar aos A.A. a quantia de € 7.000,00 (sete mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal anual de 4%, desde a data do acórdão recorrido até efetivo pagamento.     

As custas da ação e do recurso ficam a cargo das partes na proporção dos respetivos decaimentos.

Lisboa, 14 de dezembro de 2016

Manuel Tomé Soares Gomes (Relator)

Maria da Graça Trigo

                                      

Carlos Alberto Andrade Bettencourt de Faria 

______________________
[1] De notar que o método de numeração dos factos seguido na sentença, sem qualquer referência aos artigos da base instrutória, aliás pouco recomendável, a par de uma desarrumação sequencial da factualidade provada - de resto, em desarmonia com a diretriz do art.º 607.º, n.º 4, parte final do CPC, quando se refere à compatibilização de toda a matéria de facto -, além de dificultar a sua compreensão sincronizada, não permitiu sequer indexar alguns dos pontos aos artigos da base instrutória. De qualquer modo, optou-se por uma renumeração geral de toda a factualidade provada com a indicação dos correspondentes pontos da sentença.  
[2] Conforme o adotado na sentença da 1.ª instância, face à diferente designação dada a vigas e pilares no projeto de estabilidade e no estudo encomendado pelos A.A., estudo este que serviu de instrumento de trabalho à peritagem realizada nos autos, as siglas das vigas e pilares usadas neste estudo apresentam-se em itálico, seguidas, entre parêntesis, das siglas em letra normal usada no projeto de estabilidade.
[3] Sobre a referida designação de “contrato de prestação de serviço”, vide Vaz Serra, no estudo legislativo intitulado Empreitada, em BMJ, n.º 145, p. 44; Inocêncio Galvão Telles, Contratos Civis (Projecto Completo de um Título do Futuro Código Civil Português e Respectiva Exposição de Motivos), em BMJ n.º 83, 1959, pp. 171--172.
[4] Neste sentido, vide, entre outros, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. II, Coimbra Editora, 4.ª Edição, pp. 864-865, Antunes Varela, Parecer sobre a prestação de obra intelectual, separata da ROA Ano 45, de 1985, pp. 159-197; João Calvão da Silva, Anotação ao acórdão do STJ, de 3/11/1983, sob o título Direitos de Autor, Cláusula Penal e Sanção Pecuniária Compulsória, in ROA, Ano 47, 1987, pp. 129-156; Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações, Contratos em Especial … Empreitada, Vol. 3.º, AAFDL, 1991, pp. 462-467; João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, Almedina, 2004, pp. 43-46; Bianca C. de Sousa Teixeira, Dissertação de Mestrado em Direito, na Universidade Portucalense, sob o título Noção de “Obra” no Contrato de Empreitada: Controvérsia? Dezembro de 2014, disponível na Internet, consultado em novembro de 2016.  
[5] Neste sentido, vide Ferrer Correia e Henrique Mesquita, em Anotação ao acórdão do STJ, de 3/11/1983, sob o título Objecto – Produção de Filmes Resolução do contrato e seus Efeitos, in ROA Ano 45, 1985, pp. 113 158; Jorge de Brito Pereira, Do Conceito de Obra no Contrato de Empreitada, ROA, Ano 54, 1994, pp. 569 e segs.; Almeida Costa, Noções Fundamentais do Direito Civil, p. 380. 
[6] Vide, por todos, Baptista Machado, anotação ao acórdão do STJ, de 8/11/1983, in RLJ Ano 118.º, pp. 271 e segs., mais precisamente p. 278. 
[7] Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, Almedina, 2004, pp 44-45. Para mais desenvolvimentos, sobre os métodos de qualificação dos contratos, veja-se Rui Pinto Duarte, Tipicidade e Atipicidade dos Contratos, Almedina, 2000, p. 61 e seguintes.
[8] In Tipicidade e Atipicidade dos Contratos, Almedina, 2000, p. 127.
[9] In Tratado de Direito Civil em Comentário ao Código Civil Português, Volume VII, Coimbra Editora, 1934, pp. 612-613.
[10] Vide Vaz Serra, em estudo legislativo intitulado Empreitada, in BMJ, n.º 145, p. 38-43. 
[11] Ob. cit. p. 43-44. 
[12] Ob. cit. p. 45.
[13] Em Aspectos Comuns aos Vários Contratos, 1951, pp. 76-77.
[14] Em RLJ Ano 121.º, p. 188.
[15] Anotação ao acórdão do STJ, de 5/11/1983, in RLJ Ano 121.º, pp. 173 e segs., mais precisamente (pp. 184-185.
[16] Em Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª Edição actualizada, Coimbra Editora, 1999, p. 340.
[17] Excluem-se as prestações.
[18] Vide Menezes Cordeiro, em Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo II, Coisas, Almedina, 2.ª Edição, 2009, p. 106.
[19] Por exemplo, determinadas formas de energia, como a electricidade, são coisas corpóreas, juridicamente, ainda que imateriais, por serem desprovidas de uma forma física. 
[20] Vide Menezes Cordeiro, Direitos Reais, LEX, 1979, p. 191.
[21] Em Direito Civil Teoria Geral, Volume I, Introdução – As Pessoas e os Bens, Coimbra Editora, 1997, p. 324.
[22] Vide, por todos, Carvalho Fernandes, in Teoria Geral do Direito Civil, Vol. 1, LEX, 2.ª Edição, 1995, pp. 550-551.
[23] Vide, entre outros, Carvalho Fernandes, ob. cit., p. 551.
[24] Neste sentido, vide Antunes Varela, em RLJ Ano 121.º, p. 189.
[25] Em Do Conceito de Obra no Contrato de Empreitada, ROA, Ano 54, 1994, pp. 595-599.
[26] Neste sentido, vide Baptista Machado, em anotação ao acórdão do STJ de 8/11/1983, in RLJ Ano 118.º, pp. 277-278; Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, Almedina, 2004, pp. 45-46
[27] Em RLJ Ano 121, p. 191.
[28] Ob. cit., pp. 43-44, nota 73, p. 44.
[29] Em Dissertação de Mestrado em Direito, na Universidade Portucalense, sob o título Noção de “Obra” no Contrato de Empreitada: Controvérsia?, Dezembro de 2014, disponível na Internet, consultado em novembro de 2016, pp. 68-75.  
[30] Do mesmo relator.
[31] Relatado pelo Juiz Cons. Moreira Alves.
[32] Relatado pelo Juiz Cons. Garcia Calejo.
[33] Relatado pelo Juiz Cons. Azevedo Ramos.
[34] Relatado pelo Juiz Cons. Gregório Silva Jesus.
[35] A este propósito, vide Vaz Serra, em Prescrição Extintiva e Caducidade (Estudo de Direito Civil Português, de Direito Comparado e de Política Legislativa), Lisboa, 1961, pp. 501 e seguintes.
[36] Vide Vaz Serra, ob. cit. pp. 32 e 53; Dias Marques, in Prescrição Extintiva, Coimbra Editora, 1953, pp. 11-19.
[37] Em Das Obrigações em Geral, Vol. I, Almedina, 10.ª Edição, 2006, pp. 807-808.  
[38] Vide Antunes Varela, ob. cit. p. 809.
[39] Ob. cit. p. 818.
[40] Em BMJ n.º 70, p. 158-162.
[41] Ob. cit. p. 158, nota 975-a.
[42] Ob. cit. p. 159, nota 976.
[43] Em Das Obrigações em Geral, Vol. I, Almedina, 10.ª Edição, 2006, pp. 813-814.
[44] Sobre tais espécies contratuais, vide Baptista Machado, em Anotação ao acórdão do STJ de 8/11/1983, in RLJ Ano 118.º, pp. 277-278