Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
025196
Nº Convencional: JSTJ00008501
Relator: MENERES PIMENTEL
Descritores: COMPETENCIA
GENEROS AVARIADOS
GENEROS CORRUPTOS
FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ194107110251962
Data do Acordão: 07/11/1941
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DG IªS DE 1941/07/23; BOMJ ANO1 PAG186; RLJ 74,108
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO.
Decisão: FIXADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 2/1941
Área Temática: DIR CRIM - CRIM C/SOCIEDADE.
DIR PROC PENAL.
Legislação Nacional: CP886 ARTIGO 251.
D 17721 DE 1929/12/06 ARTIGO 5.
D 18640 DE 1930/07/17 ARTIGO 13.
D 20282 DE 1931/09/05 ARTIGO 32 ARTIGO 55 ARTIGO 56.
D 23828 DE 1934/03/07 ARTIGO 21 ARTIGO 23.
D 25509 DE 1935/06/15 ARTIGO 4.
D 27207 DE 1936/09/16 ARTIGO 157.
D 27485 DE 1937/01/15 ARTIGO 2.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1940/04/23 IN COL OF ANO39 PAG176.
Sumário :
E da exclusiva competencia do Tribunal Especial dos Generos Alimenticios a aplicação das penas de prisão e multa do artigo 251 do Codigo Penal e do artigo 56 do Decreto n. 20282 aos infractores dos preceitos deste Decreto.
Decisão Texto Integral:
Acordão do Supremo Tribunal de Justiça em sessão plena:

Acusado de haver vendido reses doentes com destino a alimentação publica, incorrendo assim nas disposições dos artigos 32 e 56 do decreto n. 20282 e 251 do Codigo Penal, foi A submetido a julgamento no Tribunal Especial dos Generos Alimenticios e condenado na pena de 15000 escudos de multa, dois meses de prisão correccional, substituidos por igual tempo de multa a razão de 10 escudos por dia, e ainda em dois meses de multa a razão de 5 escudos por dia.


Recorreu do acordão condenatorio para este Supremo Tribunal e, minutando o recurso, formulou as seguintes conclusões:
1- O juiz a quo e incompetente para conhecer das infracções do artigo 56 de decreto n. 20282, atento o disposto no artigo 3 do decreto n. 21306;
2- Mesmo que competente fosse, o acordão recorrido seria nulo, por não especificar os fundamentos de facto necessarios para fundamentar a decisão;
3- Os factos declarados provados so autorizam quando muito a aplicação do artigo 55 do citado decreto n. 20282.


O acordão deste Supremo Tribunal a folhas.... negou provimento ao recurso e, apreciando o primeiro fundamento, desatendeu-o, afirmando que e da exclusiva competencia do Tribunal Especial dos Generos Alimenticios a aplicação das penas dos artigos 32 e 56 do citado decreto n. 20282, sem excluir a de prisão decretada no artigo 251 do Codigo Penal, a que estes preceitos de lei fazem referencia.


Não se conformou o acusado com essa decisão e dela interpos o presente recurso para o tribunal pleno, fundando-se em que a sua doutrina esta em oposição com a adoptada pelo acordão deste mesmo Tribunal de 23 de Abril de 1940, publicado na Colecção Oficial, 39 ano, paginas 176.
O recurso foi admitido pelo acordão de folhas..., com o fundamento de existir a alegada, oposição. E de facto existe, pois que o segundo daqueles acordãos decidiu, conforme foi sumariado, que o aproveitamento para a alimentação publica da carne de um vitelo que morreu de doença constitue crime punido pelos artigos 32 e 56 do decreto n. 20282, referido ao artigo 251 do Codigo Penal, a ser julgado pelos tribunais comuns.
Ambos os acordãos foram proferidos no dominio da mesma legislação.
Cumpre, pois, conhecer do recurso e proferir assento, fixando a melhor doutrina, e determinar, em caso de provimento, as consequencias que dela derivam em relação ao delito que motivou o presente processo.
Os tribunais judiciais comuns são em regra competentes para instruir e julgar todas as causas, tanto civeis como criminais, e dela so são excluidas as que forem, por lei, atribuidas a outros tribunais.


As infracções relativas ao fabrico, expedição e vendas de generos alimenticios foram pela primeira vez exceptuadas dessa competencia pelo decreto n. 17721, de 6 de Dezembro de 1929, que passou a atribui-la ao intendente geral de segurança publica . A extensão dessa competencia estabeleceu-a o artigo 5 desse diploma, o qual dispõe que aos infractores seria aplicada pena de multa, cuja importancia variaria entre seis e dez vezes o valores dos produtos falsificados, avariados ou corruptos,
"independentemente de qualquer penalidade que pelo Codigo Penal ou por qualquer outro diploma especial pudesse competir".


O decreto n. 18640, de 17 de Julho de 1930, legislando sobre a mesma materia, manteve no seu artigo 13 a competencia do intendente geral de segurança publica para julgar as infracções referidas, e com a mesma extensão.
Cumpria, pois, a este funcionario e ao tribunal que junto dele ficou funcionando punir os infractores e aplicar-lhes as penalidades do Codigo Penal ou de qualquer outro diploma especial, quando devessem ser aplicadas.
O decreto n. 20282, de 5 de Setembro de 1931, regulamentou novamente a materia, criando o Tribunal Especial dos Generos Alimenticios, e sobre materia de competencia nenhuma alteração fez sobre o que ja estava estabelecido, a não ser a constante do seu artigo 32, textualmente concebida nestes termos: "Os que abaterem reses doentes e os que aproveitarem as carnes das que morrerem por doença para alimentação publica serão condenados como falsificadores e enviados aos tribunais comuns nos termos do Codigo Penal".


A pena aplicavel aos falsificadores foi estabelecida nos artigos 55 e 56 e varia conforme a falsificação for ou não feita com substancias nocivas a saude.
No primeiro caso a infracção e punida com pena de multa ate quarenta vezes o valor do produto normal, mas não inferior a 15000 escudos, sem prejuizo da pena cominado no artigo 251 do Codigo Penal; e no segundo tem lugar a punição apenas com pena de multa ate dez vezes o valor do produto normal, mas não inferior a 5000 escudos.


Por virtude do disposto no citado artigo 32 sofreu limitação a extensão da competencia anteriormente estabelecida, deixando o Tribunal Especial de ser competente para aplicar a pena de prisão do artigo 251 do Codigo Penal aos individuos que abatessem reses doentes ou aproveitassem a sua carne para o consumo publico. Como, porem, o artigo 56 manda aplicar, na generalidade, essa pena a todos os falsificadores, a jurisprudencia começou a duvidar se o referido tribunal carecia de competencia para aplicar a pena de prisão em todos os casos de falsificação abrangidos por este ultimo artigo.
O artigo 3 do decreto n. 21306 pos termo a essas duvidas, fixando a competencia exclusiva dos tribunais comuns para a aplicação das penas do citado artigo 251 aos infractores dos tambem ja citados artigos 32 e 56 do decreto n. 20282.


Como porem esse decreto n. 21306 não fez referencia a pena de multa que o artigo 56 manda aplicar cumulativamente com as do artigo 251, surgiu a duvida sobre se a pena de multa do artigo 56 devia ou não ser tambem aplicada pelos tribunais comuns.


O acordão deste Supremo Tribunal de 14 de Junho de 1935, proferido num conflito de jurisdição, decidiu afirmativamente, e a mesma doutrina perfilhou o acordão deste Supremo Tribunal invocado para fundamentar o presente recurso.


Mas este ultimo acordão apreciou tambem os preceitos contidos no artigo 157 do decreto-lei n. 27207, de 16 de Novembro de 1936, e no artigo 2 do decreto-lei n. 27485, de 15 de Janeiro de 1937, decidindo, em face deles, que não foram revogados os preceitos do artigo 32 do decreto n. 20282 e do artigo 3 do decreto n. 21306, na parte em que estabeleceram a competencia exclusiva do Tribunal Especial dos Generos Alimenticios, alias dos tribunais comuns, para aplicar as penas do artigo 251 do Codigo Penal aos infractores dos citados artigos 32 e 56 do decreto n. 20282.
O artigo 157 do decreto-lei n. 27207 dispõe textualmente:


" Os delitos e trangressões sobre generos alimenticios e designadamente os previstos no decreto n. 20282, de 31 de Agosto de 1931, são julgados pelo tribunal especial a que se refere o mesmo decreto, e pela forma nele prevista".
E por sua vez o artigo 2 do decreto-lei n. 27485 preceitua: "Compete ao tribunal referido no artigo anterior (o Tribunal Especial dos Generos Alimenticios) preparar e julgar em 1 instancia os processos relativos a delitos e transgressões mencionados no artigo 157 do DL n. 27207 (todos os do D n. 20282 e outras leis especiais), e ainda aqueles que por legislação especial sigam a forma de processo estabelecida pelo D n. 20282, com as alterações posteriores".


Ambos esses preceitos dos DL ns. 27207 e 27485 traduzem a mesma ideia e ambos se exprimem com tal clareza que não e permitido ter duvidas acerca do que ficou estabelecido.


O Tribunal Especial dos Generos Alimenticios ficou tendo competencia exclusiva para instruir e julgar em 1 instancia todos os processos por delitos e transgressões previstos pelo decreto n. 20282, e, portanto, sem exclusão das infracções previstas e puniveis pelos artigos 32 e 56 deste decreto.
Sempre que a lei e clara e expressa, cumpre aos tribunais executa-la, sem procurarem averiguar se a sua letra atraiçoa ou não o pensamento do legislador. E se apesar de suficientemente clara e expressa, traduz um pensamento diferente daquele que se quis expressar, e ao legislador que cumpre remediar o mal, quer interpretando-a em forma legal, quer modificando-a.
Os citados decretos-leis ns. 27207 e 27485 não ressalvam a competencia atribuida pelos artigos 32 do decreto n. 20282 e 3 do decreto n. 21306 aos tribunais comuns para aplicarem as penas do artigo 251 do Codigo Penal.
Consequentemente devem considerar-se revogados esses dois artigos na parte em que se limitaram a competencia do Tribunal Especial dos Generos Alimenticios a aplicação das penas cominadas nos demais artigos do primeiro desses decretos.


Objecta-se porem contra esta interpretação que por nos e dada aos citados artigos dos decretos-leis ns. 27207 e 27485, dizendo-se que esses preceitos não tiveram em vista fixar os limites da competencia do Tribunal Especial dos Generos Alimenticios, mas tão somente definir de um modo geral a natureza das suas funções.


E destituido de valor este argumento, que, na essencia, equivale a afirmar que tais preceitos são inuteis e que foram inseridos na lei sem qualquer finalidade apreciavel.


E e destituido de valor porque não se pode admitir, por absurdo, que a lei contenha palavras ou frases que não passam de meras divagações do espirito e não tendem, portanto, a estabelecer normas reguladoras da actividade dos cidadãos ou dos diferentes organismos da administração publica.
E definir mais uma vez essa competencia sem a intenção de a ampliar, mas usando de termos que, entendidos a letra, traduzem ampliação, constituiria um procedimento senão insensato, pelo menos inconveniente.


Por ultimo cumpre ponderar que o facto de esse orgão judiciario ser um tribunal de excepção não e razão plausivel para se lhe negar competencia para aplicar a pena do artigo 251 do Codigo Penal aos infractores do artigo 32 do decreto n. 20282, pois que a competencia para aplicar a pena de prisão noutros casos lhe e expressamente conferida pelos artigos 21 e 23 do decreto lei n. 23828, de 7 de Março de 1934 (tentativa de exportação de vinhos falsificados com substancias nocivas a saude) e pelo artigo 4 do decreto-lei n. 25509, de 15 de Junho de 1935 (falsa designação de origem de vinhos e aguardentes).

Em vista do que negamos provimento ao recurso e proferimos o seguinte assento:
E da exclusiva competencia do Tribunal Especial dos Generos Alimenticios a aplicação das penas de prisão e multa do artigo 251 do Codigo Penal e do artigo 56 do decreto n. 20282 aos infractores dos preceitos deste decreto.


Lisboa, 11 de Julho de 1941


M. Pimentel - Heitor Martins - Luiz Osorio - Ribeiro Castanho - Magalhães Barros - Adolfo Coutinho - Miranda Monteiro - Miguel Crespo - F. Mendonça - Avelino Leite - Flores - Mourisca - Teixeira Direito - Vasco Borges.