Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
025656
Nº Convencional: JSTJ00008195
Relator: MIRANDA MONTEIRO
Descritores: FALSAS DECLARAÇÕES
CONSERVADOR DO REGISTO CIVIL
AUTORIDADE
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ194403140256563
Data do Acordão: 03/14/1944
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DG IªS 20-03-1944; BOMJ ANO4,198
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO.
Decisão: UNIFORMIZADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 1/1944
Área Temática: DIR CRIM - CRIM C/ESTADO.
Legislação Nacional: CP886 ARTIGO 181 PAR1 ARTIGO 186 ARTIGO 242 ARTIGO 341.
CRC32 ARTIGO 107 PARUNICO ARTIGO 210 PAR2 ARTIGO 224 ARTIGO 225 ARTIGO 228 ARTIGO 278 ARTIGO 282 ARTIGO 283 ARTIGO 284 ARTIGO 285 ARTIGO 293 ARTIGO 298 ARTIGO 339 ARTIGO 437.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1943/02/26 IN BOL OF N15 PAG60.
ACÓRDÃO STJ DE 1932/03/29 IN COL OF ANO31 PAG84.
ACÓRDÃO STJ DE 1902/06/14 IN COL OF ANO3 PAG40.
Sumário :
O conservador do registo civil e autoridade publica para os efeitos do artigo 242 do Codigo Penal, quando perante eles sejam feitas falsamente as declarações exigidas pelos ns. 7 e 8 do artigo 339 do Codigo do Registo Civil.
Decisão Texto Integral:
Acordam em sessão do tribunal pleno:

Por haver manifesta oposição entre os acordãos do Supremo proferidos nestes autos e o de 26 de Fevereiro de 1943, publicado no Boletim Oficial n. 15, ano 3, pagina 60, requereu o Ministerio Publico e foi admitido o competente recurso para o tribunal pleno, pois o acordão recorrido decidiu que não constituem crime punido pelo artigo 242 do Codigo Penal as falsas declarações relativas a existencia de bens, prestadas perante o conservador do registo civil, quando da declaração de obito; e, pelo contrario, o acordão acima indicado decidiu que a falsidade dessas declarações constitui o crime desse artigo 242.


Na sua douta alegação o digno representante do Ministerio Publico junto da 2 secção do Supremo, em completo desacordo com a do seu ilustre colega da 1 secção, onde foi proferido o acordão recorrido, doutamente exposta no seu parecer de folhas 49 e seguintes, manifesta-se pela opinião de que as referidas falsas declarações são puniveis pelo artigo 242 citado, apresentando as seguintes conclusões: a) O artigo 341 do Codigo Penal considera os conservadores do registo civil como autoridade publica; b) O Codigo do Registo Civil atribue a esses funcionarios poderes que são proprios das autoridades publicas; c) Os conservadores do registo civil devem tambem ser considerados com autoridade publica para os efeitos do artigo 242 do Codigo Penal; e, assim, d) Deve ser lavrado um assento pelo qual se estabeleça que as falsas declarações respeitantes a existencia de bens, prestadas pelas entidades a quem compete fazer as declarações dos obitos, são puniveis pelo artigo 242 do Codigo Penal.


Tudo visto:


Os que não aceitam a aplicabilidade do artigo 242, como julgou o acordão recorrido, argumentam assim:


O artigo 242 pune as falsas declarações feitas a autoridade publica sobre algum facto relativo a outras pessoas ou ao Estado; mas, como a lei não indica as entidades que devam ser consideradas autoridade publica, o acordão do Supremo de 29 de Março de 1932 (Colecção Oficial, ano 31, pagina 84), entendeu que tal designação so compete aos agentes ou orgãos da Administração que tiverem legalmente "poder autonomo de ordenar e decidir", e as funções de conservador do registo civil, embora importantes, não se integram neste conceito doutrinal de autoridade publica.
Por isso o Codigo do Registo Civil, quando entendeu dever punir os casos de falsidade de que falam o paragrafo 2 do artigo 210 e os artigos 278 e 437 com a pena do artigo 242 do Codigo Penal, o declarou expressamente.
Ha quem pretenda, no louvavel esforço de não deixar sem igual repressão a falsidade cometida nas declarações feitas sobre os elementos constitutivos do registo, ver o investimento dos conservadores do registo civil em funções de autoridade publica, nos actos que lhes competem, pelo paragrafo unico do artigo 107 e pelos artigos 224, 225, 228, 282 a 285, 293 e 298 do citado Codigo, mas em nenhuma destas disposições se lhes confere aquele "poder continuo de ordenar e decidir".


Quanto ao argumento que se pretende tirar do artigo 341 do Codigo Penal, e de ponderar que esse artigo e a reprodução de igual artigo do codigo de 1852, quando as funções do registo estavam a cargo dos parocos, que nunca foram considerados autoridades publicas.


Os que seguem a doutrina oposta fundamentam-na, como o acordão de 26 de Fevereiro de 1943, da seguinte maneira:


Não definindo a lei o que seja autoridade publica, deve conferir-se aquela expressão não o significado de "poder autonomo de ordenar e decidir", mas um conceito menos restrito e rigido, que melhor se harmonize com o espirito e letra da lei.


A lei agrupa sob a designação generica de autoridades publicas (epigrafes das secções 1 e 2 do Capitulo II, titulo III, do Codigo Penal) pessoas e entidades que, no sentido restrito dessa expressão, o não são, mas que em maior ou menor grau detem uma parcela de autoridade publica, chegando a ser igualmente punida a ofensa a autoridade ou a seus agentes (artigo 186); e ate o paragrafo 1 do artigo 181 considera como autoridade todos os funcionarios publicos superiores hierarquicos em relação a seus subordinados. E, assim, ate o acordão do Supremo de 14 de Junho de 1902 (Colecção Oficial, ano 3, pagina 40) chegou a decidir que todos os funcionarios publicos são agentes de autoridade; e o Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, volume 1, pagina 300, e volume IV, pagina 555, não hesitou em atribuir a qualidade de autoridade publica aos chefes das estações dos caminhos de ferro.


O paragrafo unico do artigo 107 do Codigo do Registo Civil confere aos conservadores poderes para autuar e prender quem perturbe a ordem na sua repartição; por esta razão concluindo o Sr. Dr. Beleza dos Santos na Revista de Legislação e Jurisprudencia, ano 68, pagina 377, que eles são autoridades publicas. E tambem lhes compete colher os depoimentos de testemunhas na instrução de varios processos destinados a ser decididos pelo juiz de direito (artigos 224, 225, 228, 282 a 285, 293 e 298 do mesmo Codigo).
Ja o artigo 72 do regulamento do registo civil de 15 de Junho de 1887 expressamente sujeitava as penas da lei penal quem dolosamente fizesse declarações falsas que prejudicassem a exactidão do registo.
E, finalmente, o artigo 341 do Codigo Penal chama autoridade competente ao conservador do registo civil, assim o interpretando o Sr. Conselheiro Luiz Osorio no seu Comentario ao Codigo de Processo Penal, volume III, pagina 34.


Quanto ao argumento deduzido do facto de o Codigo do Registo Civil, quando quis punir os casos de falsidade do paragrafo 2 do artigo 210 e os dos artigos 278 e 437, o declarar expressamente, para se concluir que se a lei entendesse que os conservadores eram autoridade publica; não precisava de sujeitar aquelas falsidades a sanção do artigo 242, opõe-se que:
Quanto ao paragrafo 2 do artigo 210, as testemunhas que intervem nos registos nenhuma declaração tem a prestar, conforme se ve dos modelos oficiais dos mesmos, mas consideram-se sempre como abonatorias da entidade e estado das pessoas e, se o legislador não as responsabilizasse pela falsidade da abonação, não poderiam incriminar-se no artigo 242 do Codigo Penal, por, nada declarando, faltar o requisito da falsa declaração.
Quanto aos artigos 278 e 437, as declarações a que se refere o primeiro são não so das testemunhas mas tambem do contraente do casamento, e as declarações a que se refere o segundo artigo, como as daquele contraente, não são sobre factos relativos a outras pessoas ou ao Estado, requisito exigido pelo artigo 242, mas relativos ao proprio contraente e ao proprio declarante, e por isso, a falta daquele requisito, não podia a falsidade das declarações ter a sanção daquele artigo, se a lei o não dissesse expressamente.


Eis sumariamente expostos os principais argumentos aduzidos a favor e contra a aplicação do artigo 242 ao facto de que se trata.


Apreciando em conjunto uns e outros, e que podemos concluir qual seja a doutrina que deva merecer a nossa aprovação.


Mas nesta controversia um ponto ha em que todos estão de acordo, qual e o da grande conveniencia de que falsas declarações como as de que tratam estes autos não fiquem impunes, pois não tem menor gravidade do que outras que a lei expressamente pune.


A questão esta em saber se esse desideratum se pode alcançar por meio de um assento, sem exceder a competencia deste tribunal pleno, invadindo o campo da acção legislativa que lhe não compete, mas apenas o da uniformização da jurisprudencia.


Não parece que haja esse perigo.


Os argumentos produzidos em defesa da aplicabilidade da sanção do artigo 242 do Codigo Penal ao caso dos autos convencem de que e essa a jurisprudencia a seguir, por melhor interpretação dos textos legais.
Desde que a lei confere aos conservadores do registo civil, entre outros, o poder de colher declarações e depoimentos necessarios para actos de incontestavel interesse publico, a propria importancia desses actos exige que os elementos necessarios para a sua constituição se revistam da maior garantia de veracidade, impondo a quem presta as declarações a coerção que resulta da sanção penal no caso de falsidade.


E por isso que bem se justifica a disposição do artigo 341 do Codigo Penal, investindo de autoridade publica os parocos, que, embora, como se diz no acordão recorrido, nunca ninguem considerou autoridade publica, o certo e que foram pelo artigo assim considerados para o efeito do registo de que estavam encarregados, enquanto se não criou o registo civil e, criado este, e hoje a cargo dos conservadores, não pode duvidar-se de que não detenham a parcela de autoridade que o artigo, primeiro, conferiu aos parocos.
E não se diga que o foi para o caso especial do artigo 341 exclusivamente; este artigo deu-lhes a designação de autoridade publica, sem restrição alguma; isto e, a entidade oficial a quem e feita a declaração a que se refere o artigo e considerada autoridade publica.


Se havia uma disposição de lei que assim a denominava e sendo essa entidade oficial hoje o conservador do registo civil, o legislador do respectivo Codigo não precisava de punir expressamente as falsas declarações, como a dos autos, que lhe fossem prestadas, pois a incriminação ja estava feita no artigo 242 do Codigo Penal. O que precisava era declarar puniveis as falsas declarações de que tratam os artigos 210, 278 e 437, que sem isso escapavam a sanção daquele artigo 242.
Por todas as considerações expostas, e atendendo a que a obrigatoriedade da declaração sobre a existencia de bens, negada pela 1 instancia, foi afirmada pelos tribunais superiores, e de concluir que, para o efeito de colher declarações e depoimentos necessarios aos actos do registo civil, os conservadores estão investidos de autoridade publica e as pessoas que por lei estão obrigadas e podem prestar aquelas e produzir estes o fizeram falsamente incorrem na sanção do artigo 242 do Codigo Penal.
Pelo exposto, dão provimento ao recurso, revogam o acordão recorrido e mandam que o processo baixe a 1 instancia para seguir ate julgamento final, estabelecendo o assento seguinte:

O conservador do registo e autoridade publica para os efeitos do artigo 242 do Codigo Penal quando perante ele sejam feitas falsamente as declarações exigidas pelos ns. 7 e 8 do artigo 339 do Codigo do Registo Civil.

Supremo Tribunal de Justiça, 14 de Março de 1944

- Miranda Monteiro - Magalhães Barros - Pereira e Sousa -
- Heitor Martins - Luiz Osorio - F. Mendonça - Bernardo Polonio - Miguel Crespo - Teixeira Direito - Jose Coimbra - Baptista Rodrigues - Rocha Ferreira.