Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
055310
Nº Convencional: JSTJ00002683
Relator: ABREU COUTINHO
Descritores: FALENCIA
FALENCIA DOLOSA
FALENCIA POR NEGLIGENCIA
RECURSO
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
COMPETENCIA
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ19530313055310
Data do Acordão: 03/13/1953
Votação: MAIORIA COM 1 DEC VOT E 3 VOT VENC
Referência de Publicação: DG IªS DE 15-04-1953 ; BMJ 36, 207
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: UNIFORMIZADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 2/1953
Área Temática: DIR PROC CIV.
Legislação Nacional: CP886 ARTIGO 1 ARTIGO 447.
CPC39 ARTIGO 1304 ARTIGO 1305 ARTIGO 1310 ARTIGO 1316.
CCOM888 ARTIGO 1151.
CPP29 ARTIGO 625 ARTIGO 638 ARTIGO 644.
DL 35044 DE 1945/10/20 ARTIGO 2 N1.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ PROC26940 DE 1948/07/28.
Sumário :
Compete as secções civeis do Supremo Tribunal de Justiça o julgamento dos recursos interpostos no processo de classificação de falencia, salvo na hipotese da segunda parte do artigo 1310 do Codigo de Processo Civil.
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferencia, neste Supremo Tribunal de Justiça:

Nuns autos de falencia contra A, pronunciado este pelos crimes de falencia fraudulenta e culposa, interpos a Sociedade B Lda., recurso do despacho que julgou prestada, a favor daquele, caução por meio de fiança.
Apresentadas as respectivas alegações, proferiu o meritissimo juiz despacho e nele mandou riscar varias palavras na do recorrido A.
Dessa decisão recorreu ele.
Na Relação foi proferido, a folhas 135, acordão interlocutorio, que decidiu tomar conhecimento do recurso interposto pela referida Sociedade, e, a folhas 156, acordão final, que negou provimento aqueles dois recursos.
Para este Supremo Tribunal recorreram então: do primeiro o A e do ultimo a Sociedade.
Subiram os autos e foram distribuidos na secção criminal, mas esta, pelo acordão de folhas 239, declarou-se incompetente para conhecer dos recursos, anulou a distribuição e mandou que o processo fosse apresentado para distribuição as secções civeis.
Distribuido então a segunda dessas secções, foi proferido o acordão de folhas 255, em que a mesma se julgou tambem incompetente para conhecer da materia a apreciar.
Recorreu o excelentissimo representante do Ministerio Publico junto das secções civeis, para o tribunal pleno, desse acordão, alegando que ele se encontra em oposição com o acordão, tambem deste Supremo Tribunal, de 28 de Julho de 1948, proferido no processo n. 26940 e registado a folhas 66 do livro 84.
Reconhecida a existencia da invocada oposição pelo acordão de folhas 266, continuou o processo nos seus regulares termos, apresentando o recorrente a sua douta alegação de folhas 272, na qual entende que os recursos emergentes de decisões relativas a crimes de falencia fraudulenta e de falencia culposa são da competencia das secções civeis deste Supremo Tribunal. Seguiram-se os vistos legais.
O que tudo examinado e considerado:
A falencia fraudulenta e a falencia culposa são dois crimes que o Codigo Penal punia no artigo 447.
Com a publicação, porem, do Codigo de Falencias passaram a ser puniveis pelo seu artigo 198 e depois, publicado o Codigo de Processo Civil actualmente em vigor, pelo seu artigo 1304.
Mas esta deslocação de tal materia, como doutamenta observa o excelentissimo representante do Ministerio Publico recorrente, não alterou a natureza criminal dessas falencias, pois o artigo 1 do Codigo Penal, ao definir como crime o facto voluntario declarado punivel pela lei penal, nenhuma alusão faz ao diploma em que essa lei tenha de estar inserta.
O Codigo de Processo Civil estabeleceu a respectiva sanção penal, como ficou ja dito.
E não se limitou a isso.
Formulou, nos seus artigos 1305 a 1316, um conjunto de regras a observar, em apenso ao processo civel de falencia, para a descoberta do crime, sua classificação, pronuncia do arguido, organização da acusação e da defesa e para o respectivo julgamento, prescrevendo para este as formalidades do processo de querela.
Estabeleceu, portanto, por forma bem clara, a competencia do juizo civel da falencia para o procedimento criminal.
Assim sendo, tal competencia ha-de manter-se em todas as fases do processo.
Não haveria explicação razoavel para que na primeira instancia coubesse a jurisdição civel e nos tribunais de recurso a jurisdição criminal.
O que fica dito e a natural, a logica consequencia das citadas disposições do Codigo de Processo Civil.
E não contraria o que dispõe o Decreto n. 35044, porque os processos por crimes de falencia sobem ja da primeira instancia afectos a jurisdição civel.
Ressalva-se a hipotese de ter o arguido de responder por crime mais grave, caso em que se tera de observar o disposto na segunda parte do artigo 1310 daquele Codigo.
De harmonia com o que fica exposto, revogam o acordão recorrido e estabelecem o assento seguinte:
"Compete as secções civeis do Supremo Tribunal de Justiça o julgamento dos recursos interpostos no processo de classificação de falencia, salvo na hipotese da segunda parte do artigo 1310 do Codigo de Processo Civil".
Sem custas, por não serem devidas.


Lisboa, 13 de Março de 1953

Jose de Abreu Coutinho (Relator) - Campelo de Andrade - Julio M. de Lemos - Bordalo e Sa - A. Cruz Alvura - Roberto Martins - Lencastre da Veiga - Jaime de Almeida Ribeiro - Rocha Ferreira - A. Bartolo - Beça de Aragão - Piedade Rebelo (Vencido. O Decreto-Lei n. 35044, criando neste Supremo Tribunal uma secção criminal, confiou-lhe o julgamento de todas as questões de natureza criminal submetidas em recurso a sua apreciação, isto e, como se diz no n. 1 do seu artigo 2, a sua jurisdição criminal. A circunstancia de esta ser exercida na primeira instancia pelos tribunais civeis e irrelevante, porquanto não deixa por isso de ser criminal, e tanto assim que, segundo o Codigo Comercial de 1833, os falidos culposos e os fraudulentos eram julgados pelos juizos criminais, servindo a sentença do tribunal de comercio de base e corpo de delito a acusação (artigo 1151). Pela nossa organização judiciaria, os tribunais civeis tem, excepcionalmente, competencia para julgamento de causas crimes, abrangendo não so o crime de quebra, mas tambem quaisquer outros, de igual ou menor gravidade, cometidos pelos agentes daquele crime (Codigo de Processo Civil, artigos 1305 e seguintes), como os tribunais criminais tem, excepcionalmente, para julgamento de causas civeis, abrangendo execuções por indemnizações, multas, imposto de justiça, etc (Codigo de Processo Penal, artigos 625, 638 e 644), e, portanto, ate mesmo meios possessorios, como os embargos de terceiro. Salvo o devido respeito, não e no exercicio de jurisdição civel que os tribunais civeis julgam causas criminais, mas de jurisdição criminal, como não e no exercicio de jurisdição criminal que os tribunais criminais julgam certas causas civeis, dependendo, como depende, a qualificação de civel ou criminal não da denominação do tribunal, mas da natureza da causa sujeita a sua apreciação. Qualquer que seja o tribunal em que a causa tenha sido iniciada, ingressada no Supremo, deve ser julgada pela secção criminal ou pelas secções civeis, segundo unicamente a sua natureza, sob pena de não se respeitar o fim tido em vista com o desdobramento do tribunal pelo citado decreto-lei. Votei, pelo exposto, a confirmação da doutrina do acordão recorrido) - Raul Duque (Vencido, pelas mesmas razões da douta declaração de vencido do Excelentissimo Conselheiro Piedade Rebelo e pelos fundamentos do acordão recorrido) - Jaime Tome (Vencido, pelas mesmas razões da douta declaração que antecede).