Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ00035631 | ||
| Relator: | VIRGILIO DE OLIVEIRA | ||
| Descritores: | COACÇÃO EVASÃO EVASÃO COM VIOLÊNCIA PRESO VIOLÊNCIA | ||
| Nº do Documento: | SJ199901270009293 | ||
| Data do Acordão: | 01/27/1999 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Referência de Publicação: | BMJ N483 ANO1999 PAG68 | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REC PENAL. | ||
| Decisão: | PROVIDO PARCIAL. | ||
| Área Temática: | DIR CRIM - CRIM C/ESTADO. | ||
| Legislação Nacional: | CP95 ARTIGO 347 ARTIGO 352 N1. CP82 ARTIGO 384 N2 ARTIGO 392. | ||
| Sumário : | I - Como se alcança do contexto do artigo 347, do C. Penal, traduz-se o crime nele previsto no emprego de violência contra membro das forças de segurança para se opôr a que ele pratique qualquer acto relativo ao exercício das suas funções; e do que textua o artigo 352 do mesmo diploma, decorre que a definição típica do crime de evasão se contém na própria evasão por quem legalmente se encontre privado de liberdade. II - Definindo cada uma das normas em causa um tipo penal diverso, visando-se num (artigo 347), a protecção directa da autoridade pública como titular de um conjunto de poderes funcionais a serem exercidos, seja qual for o acto funcional que estiver em apreço no seu exercício e tutelando-se noutro, (artigo 352, n. 1) apenas a própria evasão, não há que falar em consunção daquele por este. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. No 1. Juízo do Tribunal Judicial de Loulé, perante o tribunal colectivo e mediante acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento o arguido A, solteiro, desempregado, nascido a 13 de Fevereiro de 1972, em Angola, residente na Quarteira. 2. Haviam-lhe sido imputados os seguintes crimes: 2.1. Dois crimes de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203, n. 1 e 204, n. 2, alínea e); 2.2. Um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203, n. 1 e 204, n. 1, alínea f); 2.3. Um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203, n. 1 e 204, n. 2, alíneas a) e e); 2.4. Um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203, n. 1 e 204, n. 2, alínea a); 2.5. Um crime de resistência e coacção sobre funcionário previsto e punido pelo artigo 347; 2.6. Um crime de evasão previsto e punido pelo artigo 352, n. 1, todos do Código Penal; 2.7. Um crime de consumo de estupefacientes, previsto e punido no artigo 40, n. 1, do Decreto-Lei n. 15/93, de 22 de Janeiro. 3. B, deduziu contra o arguido pedido de indemnização civil para haver dele a quantia de 268000 escudos, com juros a contar da notificação para contestar. 4. Após julgamento, o tribunal colectivo condenou o arguido, como autor material de: 4.1. Um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203, n. 1 e 204, n. 2, alínea e), com referência ao artigo 202, alínea f), todos do Código Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão (factos descritos em A); 4.2. Um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203, n. 1 e 204, n. 1, alínea f), todos do Código Penal, na pena de um ano e seis meses de prisão (factos descritos em B); 4.3. Um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203, n. 1 e 204, n. 2, alínea e), com referência ao artigo 202, alínea e), todos do Código Penal, na pena de três anos e seis meses de prisão (factos descritos em C); 4.4. Um crime de furto, previsto e punido pelos artigos 203, n. 1 e 204, n. 2, alínea e), todos do Código Penal, na pena de dois anos e três meses de prisão (factos descritos em D); 4.5. Um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 203, n. 1 e 204, n. 2, alínea a) com referência ao artigo 202, alínea b), todos do Código Penal, na pena de quatro anos de prisão (factos descritos em E); 4.6. Um crime de consumo de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 40, n. 1 do Decreto-Lei n. 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de um mês e quinze dias de prisão (factos descritos em G); 4.7. Um crime de resistência e coacção sobre funcionário previsto e punido no artigo 347 do Código Penal, na pena de um ano e seis meses de prisão (factos descritos em H); 4.8. Um crime de evasão, previsto e punido pelo artigo 352, n. 1, do Código Penal, na pena de um ano de prisão (factos descritos em H); 4.9. Em cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena única de sete anos de prisão. 5. Foi ainda condenado a pagar ao demandante B a indemnização de 268000 escudos, acrescida de juros legais desde a data da notificação para contestar. 6. Inconformado, recorreu o arguido para este Supremo Tribunal, concluindo na motivação: 6.1. Os factos praticados pelo arguido constituem a prática de um só crime continuado por serem executados de forma essencialmente homogénea e no quadro da mesma solicitação externa, violando o mesmo bem jurídico (artigo 30 do Código Penal); 6.2. Os empurrões e puxões de que a soldado da G.N.R. foi vítima destinaram-se a viabilizar a fuga do arguido pelo que o eventual crime de coacção se deve considerar consumido pelo crime de evasão; 6.3. O crime de evasão não se consumou por o arguido ter sido detido antes de abandonar o local (Tribunal) pelo que apenas se verificou na forma tentada (artigo 22, n. 1 do Código Penal); 6.4. Nos termos do artigo 23, n. 1 do Código Penal a tentativa do crime de evasão não é punível; 6.5. O arguido consumia cannabis e heroína à data da prática dos factos e já tomava droga à cerca de 3 anos; 6.6. O arguido, ao praticar os furtos descritos, fê-lo sob forte pressão motivada pela premente necessidade de obter meios para adquirir droga, o que diminui sensivelmente a culpa do agente; 6.7. O arguido mostra-se arrependido e pretende regenerar-se ingressando na Associação "Le Patriarche"; 6.8. A pena adequada à situação, não deveria ultrapassar dois anos e seis meses quanto ao crime de furto e um mês quanto ao crime de consumo de estupefacientes, fixando-se em cúmulo jurídico a pena única de dois anos e seis meses de prisão; 6.9. Foram violadas as disposições dos artigos 22, 23 e 30 do Código Penal e os artigos 71 e 77 do mesmo Código. 7. O Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público na 1. instância concluiu na sua resposta: 7.1. Não existem circunstâncias externas ao agente que diminuam sensivelmente a sua culpa. O arguido não cometeu um único crime de furto qualificado, sob a forma continuada, mas sim, cinco crimes de furto qualificado, autónomos, pelo que existe um concurso real e efectivo de infracções; 7.2. O arguido cometia os crimes de furto sempre em residências situadas fora do local onde residia (antes de estar preso) para facilitar o seu cometimento e não ser reconhecido pelos ofendidos; 7.3. Apenas o móbil dos crimes é o mesmo - obter bens e dinheiro para, mediante venda ou simples troca, conseguir heroína, que injectava há cerca de três anos; 7.4. Assim sendo, o arguido cometeu cinco crimes de furto qualificado, sob a forma continuada, conforme decidiu o Tribunal Colectivo no acórdão recorrido; 7.5. O arguido evadiu-se da cela do Tribunal e, para o efeito, utilizou força física, pois segurou pelo peito e braços, empurrou-a para a parede, puxou-a para fora da cela e atirou ao chão a soldada da G.N.R. que o detinha e, acto contínuo, pôs-se em fuga. Logo evadiu-se e coagiu a soldada da G.N.R., que não conseguiu detê-lo; 7.6. Os crimes de resistência ou coacção sobre funcionário e o de evasão defendem diferentes bens jurídicos e inserem-se em diferentes Secções do Título V - Crimes contra o Estado do Código Penal actual; 7.7. O crime de evasão é de consumação instantânea, isto é, consuma-se logo que o preso tenha conseguido readquirir a liberdade - Luís Osório, "Notas ao Código Penal Português", volume II, 2. edição, Coimbra 1923. 7.8. O arguido cometeu o crime de evasão, sob a forma consumada e, como tal, tem de ser condenado, como o foi no acórdão recorrido. 7.9. Não existe qualquer relação de especialidade, consunção, subsidariedade ou alternatividade entre os crimes de coacção sobre funcionário e o de evasão, o que afasta a existência de concurso aparente de normas, sendo certo que o crime de coacção sobre funcionário é punido, em abstracto, com pena mais grave; 7.10. Assim, deve ser negado provimento ao recurso e mantido o acórdão recorrido, nos seus precisos termos, ou seja, a condenação do arguido, em cúmulo jurídico, na pena de 7 (sete) anos de prisão. 8. No Supremo Tribunal, o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto, em visto prévio, pronunciou-se no sentido de ser designado dia para a audiência oral. Com os vistos legais, realizada que foi a audiência, cumpre decidir. 9. O Tribunal Colectivo julgou provados os seguintes factos: A) 1. No dia 2 de Maio de 1997, entre as 12.00 horas e as 20.00 horas, o arguido abriu com uma gazua a porta da moradia n. 32 da Aldeia dos Navegantes, em Vilamoura, e entrou. 2. Do seu interior retirou: dois leitores de CD, um da marca "Sony" e outro de marca desconhecida no valor global de 70000 escudos; dois relógios, um de marca "CAMEL" e outro de marca "FARHNIT", no valor global de 50000 escudos; uma camisola de malha no valor de 12000 escudos; uma camisa de malha, digo, camisa de marca "LEVI'S", no valor de 10000 escudos; um blusão de ganga no valor de 12000 escudos; perfumes e diversos cosméticos no valor de 80000 escudos; nove CD's no valor de 30000 escudos; uma camisa de marca "CHEVALTER", no valor de 8000 escudos e uma bolsa no valor de 5000 escudos; 3. Seguidamente veio-se embora, trazendo consigo todos esses objectos. 4. O apartamento estava ocupado por B. B) 1. No dia 8 de Junho de 1997, por volta das 13 horas, o arguido aproveitou-se do facto da porta de entrada da Casa Chelsea, sita na Volta do Esquilo, em Vilamoura, se encontrar aberta e introduziu-se nela. 2. Do interior retirou: 61000 escudos em dinheiro; uma máquina de filmar; um relógio; um saco de viagem; um par de óculos, diversos pares de sapatos, diversas carteiras, produtos cosméticos e diversas peças de roupa, tudo no valor global de 318000 escudos. 3. Seguidamente o arguido embora trazendo consigo o dinheiro e os objectos, tudo pertencente a C que na altura habitava a moradia. 4. O relógio viria a ser recuperado alguns dias mais tarde na posse do arguido. C) 1. No dia 8 de Junho de 1997, por volta das 13,30 horas, o arguido forçou a grade da janela da casa de banho de Villa Massimo, sita na Volta do Lince, Vilamoura e, pulando através dela entrou na mesma. 2. Do interior retirou: 220000 escudos em notas do Banco de Portugal; cinco relógios, uma pulseira em ouro, dois anéis em ouro, vários frascos de perfumes, vários CD's, uma garrafa de bolso, vários jogos, um credifone, um transformador, vários apetrechos de jogos e fios de ligação, três carteiras, duas bolsas, uma máquina fotográfica, uma carta de condução, um par de óculos, um par de sapatilhas, um par de sapatos e diversas peças de roupa, tudo no valor global de 5824000 escudos. 3. Seguidamente veio-se embora trazendo consigo tais objectos e dinheiro, tudo pertencente a familiares de D que na altura residiam na vivenda. 4. Posteriormente e porque se encontravam na posse do arguido quando foi detido, foram recuperados todos os objectos, com excepção de dois relógios, um CD, óculos, um par de sapatos, o par de sapatilhas, um perfume, duas carteiras, toda a roupa e a totalidade do dinheiro. D) 1. No dia 10 de Junho de 1997, entre as 17 horas e as 18.20 horas, o arguido penetrou na moradia 026A de Vale do Lobo, saltando através da janela da casa de banho que se encontrava aberta. 2. Do interior retirou: 10000 escudos em notas do Banco de Portugal, 125 libras inglesas, uma máquina fotográfica, um "Walkman", um relógio, uma mala, um anel, pelo menos um par de sapatos e diversas peças de roupa, tudo no valor global de 269000 escudos. 3. Seguidamente veio-se embora trazendo consigo tais objectos e dinheiro, tudo pertencente a E que na altura habitava a vivenda, 4. Posteriormente e porque se encontrava na posse do arguido quando foi detido, foi recuperado o relógio. E) 1. No dia 10 de Junho de 1997, entre as 18.30 horas e as 18.45 horas, o arguido penetrou na Vila 023 de Vale do Lobo passando através de uma porta que se encontrava aberta. 2. Do interior retirou: uma bolsa de viagem fechada com cadeado, contendo três anéis em ouro com pedras, um relógio "Bulgaú", duas pulseiras em ouro com brilhantes, uma pulseira em ouro, um colar de pérolas, quatro pares de brincos com pérolas e brilhantes, três fios em ouro, uma esferográfica e uma caneta em ouro, várias medalhas de ouro, um elefante em ouro, uma corrente em ouro, cinco bolsas, uma caixa guarda-jóias e uma tampa de caixa, tudo no valor global de 12270000 escudos. 3. Seguidamente veio-se embora trazendo consigo tais objectos, sendo que os mesmos pertenciam a F e familiares que residiam naquela vivenda. 4. Posteriormente e porque se encontrava na posse do arguido quando foi detido, foram recuperados todos os objectos com excepção da bolsa (que foi encontrada com o cadeado rebentado), do colar de pérolas, de um par de brincos e de várias medalhas. F) 1. Ao assaltar as casas acima referidas, o arguido sabia que as mesmas eram habitações alheias, tal como eram alheios os bens que fez seus, sabendo ainda que as jóias eram muito valiosas. 2. Agiu voluntária e conscientemente, sabendo que actuava contra a vontade dos legítimos donos e que os seus actos eram proibidos por lei. G) 1. No dia 11 de Julho de 1997, na sua residência em Quarteira, o arguido guardava 16,783 gramas de Cannabis Sativa L. e 0,025 gramas de heroína, produtos destinados ao seu próprio consumo. 2. Desde há alguns meses que o arguido fumava cannabis e injectava heroína, tendo agido voluntária e conscientemente, conhecendo perfeitamente as características estupefacientes destes produtos e sabendo que o seu consumo era punido por lei. H) 1. No dia 12 de Julho de 1997, nas instalações do Tribunal Judicial de Loulé, o arguido foi conduzido a uma cela pela soldado da G.N.R. G; o arguido fora detido no dia anterior na sequência do cumprimento de um mandado de detenção do Ministério Público e aguardava que fosse chamado ao gabinete do Juiz de Instrução Criminal para ser submetido a 1. interrogatório judicial de arguido detido. 2. A soldado da G.N.R. introduziu o arguido na cela e tirou-lhe as algemas. 3. De imediato e antes que ela conseguisse fechar a porta, o arguido, usando a força, segurou-lhe pelo peito e pelos braços, empurrou-a contra a parede e seguidamente puxou-a para fora da cela e atirou-a ao chão. 4. Acto continuo pôs-se em fuga, sendo de imediato perseguido pela referida soldado, que entretanto se levantara e por um outro soldado da G.N.R.. 5. Veio a ser apanhado dentro de um elevador do tribunal, depois de ter conseguido escapar a um outro soldado da G.N.R. que se encontrava no local e que o tentou também agarrar. 6. O arguido quis libertar-se pela força da detenção a que estava sujeito, sabendo que se encontrava nessa situação e que a soldado G estava no desempenho da sua função, conduzindo-o, guardando-o e evitando a sua fuga. 7. Agiu voluntária e conscientemente, sabendo que os seus actos eram punidos por lei. I) 1. O arguido confessou integralmente os factos, à data vivia com os pais, não trabalhava, já consumidor de drogas durante cerca de três anos e está arrependido. 2. No processo comum colectivo n. 289/94, do 3. Juízo do Tribunal Judicial de Loulé, foi o arguido condenado pela prática de um crime de receptação dolosa previsto e punido no artigo 329, n. 1 e de um crime de detenção de arma proibida previsto e punido no artigo 260 do Código Penal, na pena de dois anos de prisão e trinta dias de multa à taxa diária de 500 escudos, cuja execução ficou suspensa por três anos (acórdão de 12 de Dezembro de 1997, já transitado). 3. No processo comum singular n. 1310 da 1. Secção do 6. Juízo do Tribunal Criminal de Lisboa foi o arguido condenado como autor material de um crime de consumo de estupefacientes previsto e punido no artigo 40, n. 1 do Decreto-Lei n. 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de quinze dias de multa à taxa diária de 400 escudos e na prisão subsidiária de dez dias (factos de Outubro de 1995 e sentença de 8 de Abril de 1997, já transitada). 10. Não se provou: Que o arguido tenha aberto com uma chave a porta da moradia n. ... da Aldeia dos Navegantes e que aquela fosse pertença de B. 11. Pretende o recorrente unificar os diversos crimes de furto em um só crime continuado de furto, por aplicação do disposto no artigo 30 do Código Penal. Para tanto argumenta na sua motivação: "(...) Porém dúvidas não subsistem que todos esses furtos foram praticados no quadro da mesma solicitação externa ou seja obter meios para adquirir droga para o seu consumo. Tal facto diminui sensivelmente a culpa do agente, sendo como é do conhecimento generalizado que a falta de droga, muito especialmente heroína, afecta gravemente as pessoas a que a ela estão habituadas, levando-as a praticar quaisquer actos, mesmo criminosos (...). Assim, apesar de o arguido ter no período em causa furtado diversos objectos em diferentes moradias, praticou os furtos de forma essencialmente homogénea (sempre sem violência e introduzindo-se em moradias) e no quadro da mesma solicitação externa (obtenção de meios para aquisição de droga), o que manifestamente diminui consideravelmente a culpa do agente (...)". Não tem razão o recorrente. Dois dos pressupostos do crime continuado, para além da realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, são, como decorre do n. 2 do artigo 30 do Código Penal, a execução por forma essencialmente homogénea e a solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente. No caso presente, contra o que sustenta o recorrente há, desde logo, que negar a homogeneidade na execução dos crimes pois que, dos factos provados, ressalta uma "poliformia de capacidade de actuação criminosa" revelada nos diversos procedimentos delituosos utilizados. Na verdade, para além de serem os furtos praticados em distintas moradias, também o arguido aí se introduziu de distintas maneiras, abrindo com uma gazua a porta de entrada, aproveitando-se da circunstância da porta de entrada se encontrar aberta, forçando a grade da janela da casa de banho da moradia e pulando através dela, saltando através da janela que se encontrava aberta ou passando por uma porta aberta. Dessas actuações não homogéneas pode desde logo por-se em causa a existência de uma "disposição exterior das coisas para o facto". Contudo, manifesta é a ausência da "solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente" (artigo 30, n. 2 do Código Penal). Não há aí, nos factos provados, um elemento objectivo de conexão entre eles, uma "disposição exterior das coisas", uma situação exterior que, facilitando consideravelmente a actuação plúrima do agente, conduza a um juízo de censura de toda a actuação também consideravelmente diminuída. O que os factos demonstram, e o recorrente a afirma, nela se fundando, é a existência de uma disposição interior para o facto, uma capacidade de vontade criminosa que se situa na própria personalidade do agente, muito embora negativamente afectada pela sua toxicodependência, e não relevantemente em qualquer situação exterior que arraste para o crime. É, como se disse, o próprio recorrente que nega essa situação exterior ao afirmar a motivação da "obtenção de meios para aquisição de droga". 12. Sustenta depois o recorrente que não existe crime de coacção ou que o mesmo é consumido, na sua materialidade, pelo de evasão e ainda que este último foi apenas tentado, forma criminosa não punível. A este propósito, escreve, nomeadamente, na sua motivação: "(...) Pelos factos apurados quanto a esta questão verifica-se que o arguido pretendeu efectivamente evadir-se furtando-se à acção da soldado da G.N.R. que o detinha. Porém não quis mais do que isso, não pretendeu coagir a agente a praticar qualquer acto contrário aos seus deveres. Os empurrões dados à agente inseriram-se no processo de fuga que estava a encetar e não em outro desígnio criminoso. O desígnio do arguido era apenas um e só um - evadir-se. Assim o comportamento do arguido constituído pelos empurrões dados à soldado da G.N.R. é consumido pelo crime de evasão ou tentativa de evasão pois que a não logrou concretizar (...)". A argumentação do recorrente não pode proceder. É manifesto que o arguido com a sua actuação tinha por finalidade a evasão. Para a conseguir, porém, teve que dominar pela força a Senhora agente, estando, consequentemente, implicados dois tipos legais de crime: o do artigo 347 do Código Penal (resistência e coacção sobre funcionário) e o do artigo 352, n. 1 (evasão). Como decorre do artigo 347 citado, o crime de resistência e coacção sobre funcionário traduz-se, tendo presente o nosso caso, no emprego de violência contra membro das forças de segurança para se opor a que ele pratique acto relativo ao exercício das suas funções. A definição típica do crime de evasão do artigo 352, n. 1, contém apenas a própria evasão por quem legalmente se encontre privado da liberdade. Com a revisão de 1995, desapareceu o conteúdo do n. 2 do artigo 384 do Código Penal de 1982, no qual se previa a hipótese de "a violência ou ameaça grave produzir o efeito querido", caso em que haveria uma agravação da pena do crime de "coacção de funcionários". Também pela mesma revisão o tipo de crime de evasão previsto no artigo 392 do Código Penal de 1982 passou para o artigo 352 apenas na sua regulamentação nuclear, desaparecendo a distinção entre as diversas situações de privação da liberdade, bem como o modo como a evasão fora conseguida (com violência, ameaças, arrombamento, armas, grupo de pessoas), tudo com reflexos na penalidade. Consequentemente, os problemas da duplicação de tutela dos mesmos bens jurídicos não podem agora, com a revisão de 1995, chegar a colocar-se, por não haver qualquer sobreposição de reacção penal para situações comuns aos dois tipos legais de crime. Assim, cada uma das normas em causa - artigos 347 e 352 - define um tipo penal diverso, sem pontos de contacto entre si. No artigo 347 visa-se a protecção directa da autoridade pública como titular de um feixe de poderes funcionais a serem exercidos sem coacção, seja qual for o acto funcional que estiver em causa no seu exercício, enquanto que no artigo 352, n. 1 se tutela apenas a própria evasão, sem qualquer referência à violação pelo agente da liberdade de exercício dos poderes funcionais dos titulares da autoridade pública mencionados no artigo 347. Vistos os factos do presente caso, ressalta que o arguido se encontrava detido legalmente e que empregou violência contra agente da G.N.R. (segurou-a pelo peito e braços, empurrou-a para a parede, puxou-a, atirou-a ao chão), visando eliminar a possibilidade de a Senhora guarda exercer a sua função, que se traduzia precisamente em obstar à evasão, pelo que, tendo agido com dolo, realizou todos os elementos do tipo objectivo e subjectivo do artigo 347 do Código Penal, sendo certo que a evasão em si já não faz parte dos elementos típicos de tal crime, mas sim do previsto no artigo 352, n. 1. Não pode duvidar-se de que o arguido conseguiu evadir-se pois que, encontrando-se privado da liberdade, em detenção legal, fugiu, subtraindo-se ao poder da autoridade sobre ele exercida, sendo apanhado já dentro de um elevador do tribunal, portanto fora do local da detenção, em liberdade, assim consumando o crime previsto no artigo 352, n. 1 do Código Penal. Por injustificada e até abusiva se tem, pois, a pretensão do recorrente mormente pelo resultado a que conduz, ou seja a absolvição pura e simples do arguido por não ser punível a tentativa de evasão, afastando mesmo, contra as regras do concurso de crimes aparente, a tutela mais intensa dos bens jurídicos que, em todo o caso, derivaria da aplicação do artigo 347, nele integrando o bem jurídico ínsito na evasão criminosa. 13. Resta para analisar a questão da medida da pena que o recorrente limita aos crimes de furto e de consumo de estupefacientes, com reflexo na pena única que não devia ultrapassar os dois anos e seis meses de prisão. Na discussão da medida da pena o recorrente entra com factores que não mereceram o apoio deste Supremo Tribunal: considera como existente apenas um crime continuado de furto na moldura penal de dois a oito anos (204, n. 2 do Código Penal) e afasta os crimes de evasão e de coacção sobre funcionário. Ficou já dito que não tem o arguido razão quanto às qualificações pretendidas, pelo que as penas e pena única serão as correspondentes aos crimes que no acórdão recorrido se consideravam existir. Apesar disso, tem-se como implícito um desacordo em relação às penas aplicadas aos furtos e ao consumo de estupefacientes, bem como à pena única. Quanto à medida da pena relativa ao consumo de estupefacientes não se acompanha o recorrente por a pena ter sido devidamente ponderada, face às circunstâncias, mormente à que decorre de já antes haver sido condenado por idêntico crime. O tipo de crime do artigo 40, n. 1 do Decreto-Lei n. 15/93 tem uma punição com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 30 dias, não sendo, por isso, no caso, desajustada a pena aplicada de um mês e quinze dias de prisão. Também as penas parcelares de cada um dos crimes de furto, atendendo às molduras penais respectivas, gravidade dos ilícitos e da culpa, tudo devidamente ponderado no acórdão, não merecem censura, salvo quanto à pena aplicada ao crime da alínea E), por mais justa se tendo uma punição idêntica à do crime da alínea C), ou seja a de três anos e seis meses de prisão. Comparando as circunstâncias dos dois crimes, seja quanto ao modo de execução, seja quanto aos valores subtraídos, seja quanto aos objectos recuperados, será mais razoável concluir-se que, na soma dos seus elementos acidentais, eles se equivalem em gravidade. Relativamente à pena única, que o tribunal fixou em sete anos de prisão, a base para a sua aplicação encontra-se no artigo 77 do Código Penal: na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. A pena aplicável - artigo 77, n. 2 - tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo, tratando-se de prisão, ultrapassar 25 anos, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, que no caso é de três anos e seis meses de prisão. De destacar, na globalidade dos factos e da personalidade do arguido, a seguinte: O certo espaço de tempo em que ocorreram os furtos e a recuperação da maior parte dos objectos furtados; a estreita conexão entre a evasão e a coacção do funcionário; a relevante confissão; o arrependimento; a sua situação económica e social, bem como a sua idade; a toxicodependência prolongada; a intensidade da ilicitude correspondente aos factos na sua globalidade. Substanciada assim a conduta global do arguido, tem-se como ajustada a pena única de seis (6) anos de prisão. 14. Pelo exposto, julgando parcialmente procedente o recurso, condena-se o arguido pelo crime qualificado de furto previsto e punido pelos artigos 203, n. 1 e 204, n. 2, alínea a), com referência ao artigo 202, alínea b) do Código Penal (factos descritos em E)), na pena de três anos e seis meses de prisão e, em cúmulo jurídico de todas as penas aplicadas, na pena única de seis (6) anos de prisão. Custas pelo recorrente com taxa de justiça de cinco unidades de conta. Fixa-se a remuneração ao Excelentíssimo defensor oficiosos nomeado para presente audiência em quinze mil escudos a suportar pelo recorrente e a adiantar pelos Cofres. Lisboa, 27 de Janeiro de 1999. Virgílio Oliveira, Mariano Pereira, Flores Ribeiro, Brito Câmara. 1. Juízo Tribunal Judicial de Loulé - Processo n. 295/97 de 11 de Maio de 1998. |