Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | EMÉRICO SOARES | ||
| Nº do Documento: | SJ200301150026724 | ||
| Apenso: | | ||
| Data do Acordão: | 01/15/2003 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
| Processo no Tribunal Recurso: | 11308/01 | ||
| Data: | 03/13/2002 | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA. | ||
| Sumário : | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça : "A", com sede no Ed. Relvas Tours, Largo 2 de Março, ....., Ponta Delgada, propôs no Tribunal de Trabalho de Ponta Delgada, contra B, nos autos melhor identificado. acção com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, pedindo a condenação do R. a pagar-lhe a quantia de 5.435.000$00 a título de danos patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal, para tanto alegando, fundamentalmente, o seguinte: admitiu o R. ao seu serviço em 1/11/91, para desempenhar, sob as suas ordens e direcção, as funções inerentes à categoria de estagiário do 1º ano; nele investiu continuamente a nível de formação profissional, de tal modo que essa formação lhe permitiu obter a carteira profissional de Técnico Oficial de Contas e, em 30/1/98, ser admitido na Associação dos Técnicos Oficiais de Contas; tal investimento importou para a A. um custo médio mínimo anual de 300.000$ 00; de acordo com o Regulamento Interno da empresa, aprovado em Assembleia Geral de Trabalhadores em 17/2/95 e pela Inspecção Regional do Trabalho em 22/ 3/2000, o R. estava obrigado à prestação de serviço durante um mínimo de 3 anos, após a sua inscrição como TOC; por carta de 26/11/99 o R. rescindiu o contrato de trabalho, sem sequer respeitar o pré-aviso a que estava obrigado, causando-lhe danos que agora pretende ver reparados. O R. contestou, impugnando os fundamentos do pedido e defendendo a improcedência da acção e, bem assim, a condenação da A., em multa e indemnização, como litigante de má fé. Realizada audiência de julgamento, foi proferida decisão sobre a matéria de facto, conforme despacho de fls. 217 a 225, e prolatada foi, depois, a douta sentença de fls. 227 a 236, que julgou a acção improcedente, em função do que absolveu o R. do pedido. Inconformada, apelou a A. para o Tribunal da Relação de Lisboa que, pelo douto acórdão de fls.282 a 290, na improcedência do recurso, confirmou a sentença recorrida. Ainda inconformada, traz a A. recurso de revista desse acórdão para este Supremo Tribunal oferecendo, oportunamente a sua alegação que remata com as seguintes conclusões: 1 - O A. admitiu o R. ao seu serviço, em 1991, para desempenhar sob as suas ordens e direcção as funções inerentes à categoria de estagiário do 1.º ano. 2 - Devido à contínua, constante e progressiva formação ministrada pela A. durante 8 anos o R. passou de simples aprendiz a Técnico Oficial de Contas. 3 - Quando a A. esperava o retorno do investimento efectuado no R., em termos presentes e principalmente futuros, o R. defraudou as suas legítimas expectativas ao apresentar de forma categórica, abrupta, rancorosa e irredutível o seu pendido de demissão. 4 - As funções exercidas pelo R. ao serviço da A. eram funções de grande complexidade técnica, só estando ao alcance de trabalhadores com elevada formação profissional e de muito difícil substituição a curto prazo. 5 - O R. tinha à sua responsabilidade directa a contabilidade de 22 clientes de contabilidade organizada e 20 de contabilidade não organizada. 6 - Por isso, o pré-aviso jamais poderia ser inferior a 6 meses, pelo que tendo o R. dado um pré-aviso de 30 dias, terá que indemnizar a A. do valor correspondente à remuneração de base correspondente ao período de pré-aviso em falta, no caso 700.000$00, correspondente a 5 meses de vencimento 7 - E nem se diga que a A. renunciou ao período de pré-aviso do R., já que a tal se viu obrigada, apesar de precisar do seu trabalho como de pão para a boca, afim de evitar males maiores, porque sentiu, e disso tinha a certeza, que a presença do R. na empresa seria aproveitada, não para trabalhar em prol e no interesse da A., mas no seu próprio interesse, tirando partido do Know How desta (programas, computadores, clientes, fornecedores, conhecimentos pessoais e gerais e aliciamento de clientes para executar pessoal e independentemente as suas contabilidades, já que era seu desejo montar-se por conta própria vangloriando-se, inclusive, desse facto); 8 - O pedido de demissão do R. obrigou a toda uma reorganização e redistribuição interna dos serviços e das contabilidades, sobrecarregando os demais colaboradores da empresa, já de si nos limites das suas capacidades, obrigando-os a trabalho extraordinário, trabalho que implicou um custo para a A. nunca inferior a 500.000$00; 9 - O R. estava obrigado, de acordo com o Regulamento Interno da Empresa em que havia colaborado e aprovado em 17 de Fevereiro de 1995, à prestação de, pelo menos, 3 anos posteriores à sua inscrição como TOC de efectivos serviços à A. como retorno do investimento por esta efectuado. 10 - O Regulamento Interno, desde que aprovado pelos trabalhadores e que esteja em conformidade com o direito aplicável, é um instrumento de trabalho plenamente eficaz complementando o contrato individual de trabalho celebrado; 11 - Assim, não tendo o R. cumprido os 3 anos a que se encontrava vinculado pelo Regulamento Interno, constituiu-se na obrigação de indemnizar a A. dos custos por esta suportados, não só com a sua formação, mas também com a sua valorização profissional, no montante total de 1.120.000$00 correspondentes aos 8 anos da constante, contínua, adequada e persistente formação profissional do R.; 12 - Ao não entender assim, o douto Acórdão recorrido violou, entre outras, as disposições do n.º 3 do art. 36º da LCT, art. 39,º do DL. 64 - A/89 de 27 de Fevereiro e arts. 496º e 562.º do Código Civil pelo que deve o douto Acórdão Recorrido ser substituído por outro que condene o R. a pagar à A. as quantias supra referidas. O Recorrido não contra-alegou. A Dg.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu o douto parecer que se acha a fls. 339 a 344, manifestando o seu entendimento no sentido de que a revista deve ser negada. Mostram-se colhidos os legais vistos, pelo que cumpre apreciar e decidir. O Tribunal Recorrido considerou como estando apurada a seguinte matéria de facto, acolhendo a que foi fixada na 1ª Instância, apenas aditando no ponto 12º as expressões "dando um mês de pré-aviso", com o fundamento de que a mesma resultava da confissão do art.o 58º da contestação: 1 - O R. foi admitido ao serviço da A. em 1991, para desempenhar sob as respectivas ordens e direcção as funções inerentes à categoria de estagiário do 1º ano, mediante a remuneração de 41.000$00. 2 - No âmbito dessas funções o R. fazia a aprendizagem para exercer futuramente as funções de escriturário. 3 - Durante o ano de 1993, o R já só executava trabalhos específicos de contabilidade, recebendo os documentos dos clientes referentes às suas operações, classificando e contabilizando tais documentos, elaborando as correspondentes declarações de natureza fiscal e fechando as contabilidades dos clientes a seu cargo. 4 - O R. ocupava-se, sob a direcção e responsabilidade imediata da A., da escrituração de registos ou de livros de contabilidade gerais ou especiais, analíticos ou sintéticos, selados ou não selados, executando nomeadamente, trabalhos contabilísticos relativos ao balanço anual e apuramento de resultados da exploração e do exercício, podendo ainda colaborar nos inventários das existências, preparando ou mandando preparar extractos de contas simples ou com juros e executar outros trabalhos conexos. 5 - O R. frequentou em Lisboa, em Outubro de 1997, um curso ministrado pela APECA, subordinado ao tema "Documentos de Prestação de Contas", com todas despesas pagas pela A., com a duração de um dia. 6 - A frequência dessa acção de formação e a estadia correspondente em Lisboa foi-lhe atribuída pela A., como prémio pelo facto de ter sido o melhor trabalhador dos seus quadros no ano de 1996. 7 - O R. participou no exame de admissão para candidatos a Técnicos Oficiais de Contas, sem habilitação própria, em Dezembro de 1997. 8 - O R. não tem licenciatura e, por isso, teve de prestar provas para ser inscrito como TOC. 9 - No dia 30 de Janeiro de 1998, o R. foi admitido na Associação dos Técnicos Oficiais de Contas como Técnico Oficial de Contas, com o n.º 40014, porque prestou provas e demonstrou ser competente para tal. 10 - O R. era responsável, há vários anos, pela contabilidade de muitos clientes. 11 - No dia 1 de Janeiro de 1999 a A. subiu o vencimento do R. para 140.00$ 00. 12 - O R apresentou, por carta datada de 26 de Novembro de 1999, a sua demissão, dando um mês de pré-aviso. Porém, desde 28 de Outubro de 1999 a Gerência da A. fora informada pelo próprio R que este iria sair da empresa, pois se tinha candidatado a emprego em outra sociedade. 13 - E sobre tal assunto, o R. falou com a Gerência da A. novamente em 9 de Novembro seguinte. 14 - A A. dirigiu ao R., em 29/11/99, a carta que consta como doc. n.º 23 da p.i., na qual o Sócio-Gerente da A. lhe comunicou a aceitação do pedido de demissão e ainda a recusa desta em receber do R. a prestação do trabalho deste no período de aviso prévio dado. 15- Nessa mesma carta, o sócio-gerente da A calcula os custos suportados não só com a formação do R. mas também com a sua valorização profissional no montante total de 1.120 contos correspondente a 8 anos. 16 - A A investiu ao longo de 8 anos na formação e valorização dos seus recursos humanos, em ordem a fazer face à concorrência que se faz sentir no seu ramo de actividade, a contabilidade. 17 - Exige dos seus recursos humanos elevado profissionalismo, sentido de responsabilidade, espírito de sacrifício e dedicação, factores determinantes para uma prestação de serviços de qualidade aos seus clientes, só assim conseguindo suportar os encargos de exploração, onde as despesas com o pessoal representam 60% do total. 18 - A A. ao longo desses 8 anos, e até publicamente, reconheceu a capacidade de trabalho, o profissionalismo e dedicação do R., traduzindo este reconhecimento na atribuição ao R. de uma remuneração, não só acima das tabelas salariais vigentes, bem como acima da média, e na concessão de estímulos e incentivos financeiros, designadamente subsídios de refeição e o prémio pecuniário para o melhor trabalhador do ano, seguros de vida reembolsáveis, gratificações por aplicação de resultados e a oferta de viagens e deslocações. 19 - A A. despendeu em 1996, 1997 e 1998 em "custos de acção social" e "outros custos com pessoal" respectivamente os seguintes valores: 737.845$00 + 1.056.176$00; 1.925.754$00 + 1.060.861$00 e 2.968.192$00 + 1.024.469$00 (cfr. declarações de IRC de fls. 115, 117 e 119). 20 - No Regulamento Interno da Empresa, elaborado em Fevereiro de 1995 e aprovado pela IRT a 22 de Março de 2000, prevê-se o reembolso dos custos investidos com Formação Profissional quando os mesmos não sejam aplicados ao serviço da empresa no prazo mínimo de 3 anos da sua realização. 21 - Esperava a A. que, pelo menos durante os três anos seguintes à data de inscrição do R. como TOC, este prestasse os seus serviços aos clientes da A.. 22 - À data da sua demissão, o R. era responsável pela execução da contabilidade de 20 clientes de contabilidade organizada e 22 clientes de contabilidade não organizada, os quais permitem uma receita mensal à A. de 694.500$00 e anualmente de 9.028.500$00, representando mais de 30% dos clientes globais da A.. 23 - A demissão do R. obrigou a A. a reorganizar internamente os seus serviços, redistribuindo os clientes pelos outros colaboradores da empresa, vendo-se forçada a ter que recorrer à prestação de trabalho extraordinário. 24 - A A. dispunha, em 1997 de sete TOC's nos seus quadros efectivos, incluindo o R e os dois Sócios-Gerentes, e na data da demissão do R. ficou com seis. 25 - Os clientes da A. têm, na sua grande maioria, volume de negócios inferior ao limite do segundo escalão e distribuem-se entre o primeiro e o segundo escalões. 26 - Daí que só à responsabilidade do R estivessem 42 clientes, apesar de ele só poder contar com 30 pontos. 27 - Dois novos colaboradores já tinham sido contratados à data da saída do R.. 28 - A admissão de dois novos elementos para a empresa estava prevista desde, pelo menos, Março de 1999. 29 - Do contrato de trabalho celebrado entre a A. e o R não consta cláusula de teor semelhante ao da parte B-5 do Capítulo 11, pág. 6 do dito "Regulamento". 30 - O dito "Regulamento" só foi aprovado nos termos da lei depois da cessação do contrato de trabalho que ligava o R. à A.. Esta materialidade factícia não foi posta em causa pelas partes, pelo que, e uma vez que não se vislumbra que ocorra o caso excepcional (art.os. 729º n.º 2 e 722º, n.º 2, do Cód. Proc. Civ.) que permitiria a sua alteração por este Supremo Tribunal, é com base nela que terão de ser dirimidas as concretas questões que são colocadas no presente recurso de revista. É sabido, por decorrer do disposto nos art.os. 684º, n.º 3 e 690º n.º 1 do Cód. Proc. Civ., que, qualquer recurso é subjectiva e objectivamente delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, pelo que nessas conclusões se hão-de conter as questões a resolver, constatando-se, no caso em apreço, que nas conclusões com que a aqui Recorrente remata a sua alegação, suscita as seguintes questões que se pendem com saber:: 1ª - Se, tendo o Recorrido dado o pré-aviso de apenas 30 dias, em vez do pré-aviso de pelo menos seis meses, está obrigado a indemnizar a Recorrente no valor correspondente à remuneração de base correspondente ao período do pré-aviso em falta; 2ª - Se, não tendo o Recorrido, prestado efectivo serviço à Recorrente durante pelo menos três anos posteriores à sua inscrição como TOC, de acordo com o regulamento interno da Recorrente, constituiu-se o mesmo na obrigação de indemnizar a mesma Recorrente dos custos por esta suportados, não só com a sua formação, mas também com a sua valorização profissional. Estas duas questões foram já objecto de apreciação pelo Tribunal recorrido e em termos que nos merece inteira adesão. No que respeita à 1ª questão, vem efectivamente provado que o aqui Recorrente "ocupava-se, sob a direcção e responsabilidade imediata da A., da escrituração de registos ou de livros de contabilidade gerais ou especiais, analíticos ou sintéticos, selados ou não selados, executando nomeadamente, trabalhos contabilísticos relativos ao balanço anual e apuramento de resultados da exploração e do exercício, podendo colaborar nos inventários das existências, preparando e mandando preparar extractos de contas simples ou com juros e executar outros trabalhos conexos" (ponto 4 da matéria de facto) e "era responsável, desde há vários anos, pela contabilidade de muitos clientes" (ponto 10 da matéria de facto). Pode admitir-se, portanto, com base na experiência comum, que o Recorrido tinha na empresa Recorrente funções técnicas de elevada complexidade e responsabilidade. É, porém, inequívoco que dos termos do disposto no n.º 2 do art.o 38º do Dec.-Lei n.º 64-A/89, de 27-07 flui que o alargamento do prazo de aviso prévio até seis meses não se basta com o mero facto de o trabalhador exercer funções técnicas de elevada complexidade ou responsabilidade. Exige-se, ainda, para que tal alargamento possa ser imposto ao trabalhador, que o mesmo seja feito nos instrumentos de regulamentação colectiva ou, estipulado no contrato individual de trabalho. Ora, como muito bem se nota no acórdão recorrido, nem sequer foi alegado que os IRC ou o contrato individual tivessem estipulado, para a rescisão do contrato do aqui Recorrido um prazo superior ao previsto no n.º 1 daquele art.o 38º da LCCT. Por conseguinte, o prazo do pré-aviso a ter-se aqui em conta é o previsto no n.º 1 desse art.o 38º, que, atendendo a que o Recorrido foi admitido ao serviço da Recorrente em 1991, era de 60 dias. O Recorrido não respeitou esse prazo, pois, na carta que remeteu à Recorrente em 26 de Novembro de 1999, a apresentar a sua demissão, deu um pré-aviso de apenas um mês (ponto 12 da matéria de facto) Porém, este facto resulta de todo inconsequente, não determinando qualquer responsabilidade do Recorrido nos termos previstos no art.o 39º da LCCT, em virtude de a Recorrente, logo em 29/11/99 ter dirigido ao Recorrido a carta que se acha, por cópia, a fls. 120 a 122, que conclui nos seguintes termos: "Como consequência e sem prejuízo do direito que lhe assiste em reclamar todas as remunerações de trabalho a que tem direito, é aceite o seu pedido de demissão, mas, o último dia de V. Exa. como trabalhador da nossa Empresa será o dia 26 de Novembro de 1999 e não no dia 26 de Dezembro de 1999, como pretendia. Finalmente, não esqueça V Exa. do seguinte a) De devolver à nossa Empresa toda a documentação (sem excepção) que lhe foi facultada para uso exclusivamente interno; b) De mostrar à sua "futura entidade empregadora" a presente carta de recomendação, para que desta forma, os direitos e regalias que V.Exa usufruía na nossa Empresa possam ser melhor valorizados. c) Da possibilidade de intentarmos contra V Exa. um processo judicial cível para sermos indemnizados por possíveis "perdas e danos". É assim evidente que foi a própria Recorrente quem prescindiu do pré-aviso, dispensando, com efeitos imediatos, o Recorrido de continuar a prestação da sua actividade ao serviço da sua empregadora. Nestas circunstâncias, nem sequer será à Recorrente legítimo sustentar que sofreu quaisquer prejuízos em consequência de o Recorrido não ter cumprido, parcialmente, o prazo de aviso prévio. Se é certo que a Recorrente teve de reestruturar os seus serviços, com isso podendo ter sofrido prejuízos, menos certo não é que não pode estabelecer-se qualquer nexo de causalidade entre aquele incumprimento parcial do prazo do pré-aviso e esses prejuízos. Aliás, é a própria Recorrente quem imputa a necessidade da reorganização dos seus serviços internos à demissão do Recorrido e não ao facto de o mesmo não ter dado a pré-aviso de 60 dias.. Consequentemente, a facticidade apurada não permite que se reconheça à ora Recorrente qualquer dos direitos previstos no art.o 39º da LCCT. Passemos à 2ª questão. Nos termos do n.º 3 do art.o 36º do Dec.-Lei n.º 49.408, de 24-11-1969 (LCT), "é lícita (...) a cláusula pela qual as partes convencionem, sem diminuição, a obrigatoriedade de prestação de serviço durante certo prazo, não superior a três anos, como compensação de despesas extraordinárias feitas pela entidade patronal na preparação profissional do trabalhador, podendo este desobrigar-se restituindo a soma das importâncias despendidas". A violação pelo trabalhador das obrigações assim assumidas faz o mesmo incorrer, atento o disposto no citado art.o 39º do LCCT, em responsabilidade civil pelos danos que dessa violação advenham à entidade patronal. Como decorre do disposto no art.o 38º, n.º 1 da LCCT o trabalhador é livre de rescindir o contrato de trabalho independentemente de ter ou não justa causa para o fazer, tendo apenas de respeitar o prazo do aviso prévio ali referido. Porém, o n.º 3 do art.o 36º da LCT permite que o trabalhador assuma a obrigação de permanecer ao serviço da empresa durante certo lapso de tempo, não superior a três anos, renunciando, assim ao direito de rescindir o contrato por decisão unilateral, sob pena de se sujeitar a ter de reembolsar a entidade empregadora das despesas extraordinárias que a mesma tenha investido na sua formação profissional, funcionando o acordo ou pacto de permanência do trabalhador ao serviço da empregadora como compensação para esse investimento. Por conseguinte, não integra investimento reembolsável aquele que a empregadora haja realizado com vista à elevação do nível de produtividade do trabalhador ou a proporcionar-lhe meios de formação e aperfeiçoamento profissional, desde que tais iniciativas se inscrevem nos deveres genéricos da entidade patronal (art.os 19º, al. d) e 42º, n.º 1, da LCT), pois, não assumirão os respectivos custos a natureza de despesas extraordinárias. Ora, nos autos, com interesse a esta concreta questão, vem provado - entre parêntesis indicam-se os pontos do quadro factício apurado - que o Réu, ora Recorrido, tendo sido admitido ao serviço da Recorrente em 1991 como estagiário do 1º ano, em 1993 já executava trabalhos específicos de contabilidade, ocupando-se de escrituração de registos ou de livros gerais ou especiais, analíticos ou sintéticos, selados ou não selados, executando trabalhos contabilísticos relativos ao balanço anual e apuramento de resultados da exploração e do exercício, etc. (pontos 1 a 4). Em Outubro de 1997, o Recorrido frequentou em Lisboa um curso ministrado pela APECA, com a duração de 1 dia, subordinado ao tema "Documentos de Prestação de Contas", com todas as despesas pagas pela Recorrente (ponto 5). A recorrente investiu, ao longo de 8 anos, na formação na formação e valorização dos seus recursos humanos, em ordem a fazer face à concorrência que se faz sentir no seu ramo de concorrências( ponto 16), tendo, em 1996, 1997 e 1998 despendido em "custos de acção social" e outros custos com pessoal" respectivamente os seguintes valores: 737.845$00 + 1.056.176$00; 1.925.754$00 + 1.060.861$00 e 2.968.192$00 + 1.024.469$00 (ponto 19). No Regulamento Interno da Empresa, elaborado em Fevereiro de 1995 e aprovado pela IRT a 22 de Março de 2000, prevê-se o reembolso dos custos investidos com a Formação profissional quando os mesmos não sejam aplicados a serviço da Empresa no prazo mínimo de três anos da sua realização (ponto 20). A demissão do Recorrido obrigou a Recorrente a reorganizar internamente os seus serviços, redistribuindo os clientes pelos outros colaboradores da empresa, vendo-se forçada a recorrer à prestação de trabalho extraordinário (ponto 23). Do contrato trabalho individual celebrado entre o Recorrido e a Recorrente não consta cláusula de teor semelhante ao da parte B-5 do Capítulo II, pág. 6 do dito "Regulamento" (ponto 29) que só foi aprovado nos termos da lei depois da cessação do trabalho que ligava o Recorrido à Recorrente (ponto 30). É do seguinte teor a "parte B-5 do Capítulo II, pág. 6". do dito Regulamento Interno da Recorrente: "A Empresa exigirá aos seus Recursos Humanos (...) o reembolso dos custos investidos com a formação Profissional quando os mesmos não sejam aplicados ao serviço da Empresa no prazo mínimo de três anos da sua realização". Começa logo por se verificar que, no contrato individual de trabalho que passou a vincular o ora Recorrido à ora Recorrente, não houve qualquer convenção no sentido de obrigatoriedade de permanência daquele ao serviço desta, durante qualquer período de tempo. Mas prova-se que tal obrigação consta do Regulamento interno da Empresa da Recorrente, o qual, como resulta do disposto no art.o 7º n.º 1 da LCT, veicula a vontade contratual da entidade patronal, e também do trabalhador se este, de forma expressa ou tácita, a tal regulamento prestar a sua adesão, sendo que o n.º 2 do mesmo artigo faz presumir essa adesão "quando este ou o seu representante não se pronunciar contra ele por escrito dentro de trinta dias, a contar do início da execução do contrato ou da publicação do regulamento, se esta for posterior". Não foi alegado, nem se mostra provado que o aqui Recorrido aderiu expressamente ao referido regulamento interno da Recorrente E não alegou a Recorrente factos dos quais se possa deduzir que, com toda a probabilidade, houve, por parte do Recorrido, uma adesão tácita (Cfr. art.o 217º do Cód. Civ.). Resta, portanto, saber se não deverá aqui funcionar a aludida presunção de adesão, referida no n.º 2 do art.o 7º da LCT. Só que, considerando que o Recorrido iniciou a sua actividade ao serviço da Recorrente em 1991 e o dito regulamento só foi elaborado em 1995, cumpria à Recorrente alegar e provar a base factícia dessa presunção, nomeadamente, a data em que o regulamento foi publicado, pois que era a partir daí que havia de se contar o prazo referido no citado normativo. E certo que da cópia do "Regulamento" em causa consta que os seus capítulos I, II, III e IV "foram aprovados em Assembleia Geral de Trabalhadores realizada no dia 17 de Fevereiro de 1995", mas não se mostrando junta aos autos a acta dessa assembleia, nem sequer pode dar-se como apurado que o ora Recorrente nessa assembleia interveio. Acresce que esse regulamento, que não se sabe quando foi submetido à aprovação do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência (n.º 3 do art.o 39º da LCT na redacção anterior à Lei n.º 118/99, de 11-8), ou do organismo competente da administração do trabalho (citado n.º 3 do art.o 39º, na actual redacção), só foi aprovado pela Inspecção Regional do Trabalho em ’22 de Março de 2000 e portanto depois de o Recorrido ter feito cessar a sua relação de trabalho com a Recorrente, pelo que, como se refere no douto acórdão recorrido, nunca se poderia com base nele considerar-se que aquele "tivesse tacitamente aceite a introdução daquela cláusula no seu contrato. Consequentemente não logra suporte legal a pretensão da Recorrente de exigir responsabilidades ao Recorrido com base no disposto na parte final do art.o 39º da LCCT e 36º, n.º 3 da LCT. E, não se vislumbrando qualquer comportamento ilícito par parte do Recorrido não havia que se condenar o mesmo - como não se condenou - em qualquer indemnização a favor da Recorrente, seja por prejuízo de carácter patrimonial, seja por dano de natureza não patrimonial. Não fique, porém, sem reparo que, embora a Recorrente também impute ao acórdão recorrido violação do art.o 496º do Cód. Civ. o certo é que, na petição inicial não formulou qualquer pedido por danos não patrimoniais. Por tudo quanto se expôs, na improcedência do recurso, nega-se a revista. Custas pela Recorrente. Lisboa, 15 de Janeiro de 2002 Emérico Soares Ferreira Neto Manuel Pereira |