Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
483/16.7YRLSB-E.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: MANUEL BRAZ
Descritores: EFEITO DO RECURSO
EXTRADIÇÃO
CONDENAÇÃO
REJEIÇÃO DO RECURSO
Data do Acordão: 04/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE REVISÃO
Decisão: NEGADA A REVISÃO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – RECURSOS / RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS / REVISÃO / INFORMAÇÃO E REMESSA DO PROCESSO.
Doutrina:
-Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Volume V, reimpressão, 1981, p. 158;
-Baptista Machado, Introdução ao Direito …, 1999, p. 185 e 186.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 454.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

-PROCESSO N.º 106/2018;
-DE 12-12-2001;
-DE 06-11-2017;
-DE 09-01-2018;
Sumário :
1. O recurso extraordinário de revisão não tem efeito suspensivo.
2. A informação a que se refere o artigo 454º do CPP não enferma de qualquer vício que implique a sua desconsideração, em função dos termos em que é prestada.
3. A decisão que defere um pedido de extradição não admite recurso de revisão.
Decisão Texto Integral:

                    Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:

           AA interpôs recurso extraordinário de revisão do acórdão da Relação de Lisboa de 07/12/2016, que, tendo determinado a sua extradição para o Brasil, foi confirmado por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/09/2017.

            Concluiu e pediu nos termos que se transcrevem:

            «A) É objecto do presente recurso extraordinário de revisão o Acórdão, datado de 7 de Dezembro de 2016, proferido pela 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa que determinou a extradição do Recorrente.

B) Ao presente recurso deverá, nos termos que resultam da respectiva motivação, ser atribuído efeito suspensivo, em especial considerando as normas invocadas e analisadas. Só assim é possível evitar, em tempo útil e com a eficácia exigida, a decisão injusta em que se traduz o Acórdão objecto de revisão e, nos mesmos termos, evitar a lesão irreparável dos Direitos, Liberdades e Garantias pessoais do Recorrente.

C) Tendo a decisão de extradição transitado em julgado, o facto novo – atribuição de nacionalidade originária ao Recorrente, com efeitos desde o nascimento – e seus efeitos não foram nunca considerados no processo de extradição. Pelo que a efectiva entrega do Recorrente ao Brasil é iminente. De nada servirá ao Recorrente que essa matéria seja analisada por este Supremo Tribunal de Justiça, rectius, de nada servirá que lhe venha a ser dada razão no presente processo se, entretanto, sem qualquer possibilidade real e fáctica de retorno, seja o mesmo, por cumprimento da decisão recorrida, entregue ao Brasil.

D) Existe norma específica no âmbito do recurso especial de revisão que assegura o efeito suspensivo do recurso – o n.º 2 do artigo 457.º do CPP – acrescendo tratar-se aí de uma situação ainda menos maligna quando comparada com a que resulta do presente caso concreto, ou seja: se os efeitos da decisão recorrida que determina a execução da extradição não forem suspensos, e esta entretanto executada, e o Recorrente entregue ao Brasil, então de nada servirá o presente recurso. Entregue o Recorrente ao Brasil, será impossível reverter de facto essa injustiça e fazer regressar o mesmo a Portugal.

E) Em adaptação, permitida, da norma em questão – cfr., n.º 2 do artigo 449.º do CPP –, até porque in favor reo, torna-se imperativo garantir o efeito suspensivo da presente Revisão, o que deve, desde logo, ser, naturalmente, também considerado, desde logo, pelo Tribunal da Relação de Lisboa no qual é apresentado o requerimento de revisão. Mais se deverá atender ao facto – atento o n.º 3 do artigo 457º do CPP – que o Recorrente encontra-se actualmente sujeito a prisão preventiva.

F) Por fim, acresce que a conjugação do n.º 3 do artigo 408.º e do n.º 1 do artigo 407.º do CPP permite concluir que o legislador pretendeu assegurar o efeito útil dos recursos, nos termos que também se explicaram. Em suma, a não atribuição, in casu, do efeito suspensivo traduz-se, inclusive, em uma total e inaceitável subversão de toda a racionalidade subjacente à própria existência do recurso extraordinário de revisão.

G) Se a protecção da Justiça e a descoberta da verdade material constituem finalidade do sistema jurídico-processual penal que se sobrepõe aos valores formais da segurança e do caso julgado, então, em respeito de tal princípio, terá de ser necessariamente atribuído efeito suspensivo ao presente recurso. Como analisado, o Supremo Tribunal de Justiça, já em 1978, vinha decidindo nos termos expostos.

H) Suscitou o Recorrente questão prévia relativa à natureza subsidiária do recurso interposto. O recurso de revisão pressupõe, enquanto seu objecto, decisão transitada em julgado (n.º 1 do artigo 449.º do CPP). Pelas razões aduzidas em sede de motivação, o Recorrente argumentou no sentido de não se ter verificado esse trânsito em julgado, o que não determina a rejeição do recurso. Na verdade, o presente recurso é interposto em uma perspectiva subsidiária, no seguinte sentido: os últimos despachos do Juiz Relator da 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa têm insistentemente mencionado ter-se verificado o trânsito em julgado da decisão que determina a extradição – e desconsiderando tudo o que a defesa alega. Contudo esta perspectiva resulta de um claro erro jurídico de análise, nos termos que se expuseram, em especial atentas as quatro razões fundamentais analisadas. Com a consequência de que, a ser assim, por razões óbvias, a extradição do Recorrente não pode efectivar-se, pelo que não pode ser entregue ao Brasil.

I) Pelo contrário, caso venha a ser entendido que a decisão recorrida já transitou em julgado, então o presente recurso de revisão terá que ser aceite, com efeito suspensivo assim assegurando um efeito mínimo útil ao presente recurso, como forma de evitar uma flagrante injustiça: se o Recorrente for efectivamente extraditado para o Brasil – e porque se atribuiu apenas efeito meramente devolutivo ao presente recurso – e, posteriormente, entender este Supremo Tribunal de Justiça que, como parece imposto, a revisão tem de ser autorizada – artigo 457.º do CPP – então este recurso torna-se inútil e, principalmente, não assegura eficazmente a referida protecção dos DLG do Recorrente, abandonando-o em situação gritantemente injusta.

J) O Recorrente é cidadão português originário, ou seja, desde o nascimento, estando iminente a sua extradição para o Brasil, país que, porque não permite a extradição de cidadãos brasileiros originários, qualquer que seja a natureza e o tipo de crime – cláusula pétrea que conforma o princípio geral da inextrabilidade do brasileiro –, não garante, por essa razão, o respeito do princípio da reciprocidade em matéria de extradição.

K) No dia 9 de Janeiro de 2018 foi averbado no Assento de Nascimento do Requerente ter o mesmo “nacionalidade portuguesa nos termos do artigo 1.º, n.º 1, alínea d) da Lei n.º 37/81 de 3 Outubro”, ou seja, o Requerente é cidadão português originário, desde o nascimento. Facto que ocorre no dia 9 de Janeiro de 2018 – após decisão final proferida no processo de extradição e que não foi nunca considerado por nenhuma entidade, administrativa ou judicial, em qualquer decisão proferida.

L) Nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 29.º da CRP, os “Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença”. Considerando aquele facto novo e seus efeitos, é flagrantemente injusta a decisão de extradição do Requerente, objecto do presente recurso. Em termos tais que tornam o Recorrente merecedor da protecção constitucional, directa e imediatamente aplicável, materializada naquele Direito, Liberdade e Garantia - Pessoal.

M) O caso sub judice subsume-se na alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP norma: após trânsito em julgado da decisão que determinou a extradição do Requerente
ocorreu, in hoc sensu, foi descoberto, um facto novo que torna a decisão de extradição injusta.

N) Em bom rigor, não está apenas em causa uma dúvida qualificada (“grave”) sobre tal justiça mas também um facto novo que transforma a decisão recorrida em decisão verdadeiramente ilegal e violadora da Constituição.

O) O caso concreto configura exemplo paradigmático de todas as situações que legitimam que o valor da segurança, corporizado no caso julgado, tenha obrigatoriamente de ceder perante as exigências concretas de realização da justiça material, predomínio próprio de um Estado de direito democrático que assenta sob o princípio da radical defesa da dignidade da pessoa humana. Como assim defendido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Julho de 2006 e por Figueiredo Dias, visando-se evitar a “força da tirania” em homenagem às exigências de justiça material.

P) Assim, o Recorrente procedeu a uma aturada análise de todos os requisitos legais de que depende a interposição do recurso de revisão e sua autorização. Todos eles encontram-se, em concreto, claramente preenchidos: i) Existe, nos termos da subsidiariedade exposta, uma decisão transitada em julgado; ii) Descobriram-se novos factos; iii) Tais factos, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitam dúvidas sobre a justiça da condenação; e iv) Essa dúvida é grave.

Q) Não só a decisão de extradição, recorrida, transitou em julgado (como amplamente demonstrado) como, além disso, após tal trânsito, ocorreu facto novo – no dia 9 de Janeiro de 2018 – nunca considerado em todo o processo judicial que culminou naquele trânsito.

R) Acresce que, como resulta manifestamente claro, até porque está em causa a efectiva liberdade do Recorrente, enquanto Direito Fundamental, rectius, enquanto Direito, Liberdade e Garantia, pessoal, e o autónomo DLG de não ser extraditado fora das condições previstas no n.º 3 do artigo 33.º da CRP, esse facto novo – ou seja, o averbamento no assento de nascimento do Recorrente da nacionalidade originária portuguesa e que, por isso, produz efeitos, ex tunc, desde o nascimento – mesmo que autonomamente considerado, suscita uma gravíssima dúvida sobre a justiça de tal decisão aqui recorrida.

S) Está, pois, plenamente legitimada a quebra da ideia da decisão transitada em julgado como res judicata pro veritate habetur. E, reflexamente, a elevação da justiça e verdade materiais que resultam do caso concreto em detrimento do valor da segurança jurídica, ou seja, fundamentando o abandono da “segurança do injusto”.

T) Em um outro prisma, na medida em que o Supremo Tribunal de Justiça tem sido amplamente convocado no sentido de deliberar sobre a negação (artigo 456.º do CPP) ou antes a autorização (artigo 457.º) da revisão, o Recorrente procedeu a uma análise desenvolvida e rigorosa de mais de vinte Acórdãos proferidos por este Tribunal. Tendo concluído que os requisitos legais têm sido, ao longo dos tempos, densificados por esta jurisprudência.

U) Após essa análise aturada o Recorrente procedeu à seguinte divisão:

            i) Acórdãos que abordam a fundamentação do instituto, ou seja, por um lado, evitar decisões injustas e, por outro lado, concomitantemente, atribuir prevalência à justiça material em prejuízo da justiça formal, estando, pois em causa ocorrências posteriores ao trânsito em julgado “que justificam a postergação daquele valor jurídico” e ligação directa à protecção de DLG fundamentais (atenta a ordem da motivação: Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Abril de 2012, 14 de Maio de 2008, 4 de Julho de 2007 e de 29 de Abril de 2009, de 17 de Março de 2010, 5 de Janeiro de 2011, 14 de Julho de 2011 e 5 de Janeiro de 2012).

            No sentido de se concluir: dúvidas não subsistem quanto ao facto de ter de admitir-se a presente revisão, em geral porque, tendo, após trânsito em julgado da decisão de extradição, ao Recorrente ter sido atribuída nacionalidade originária, com efeitos desde o nascimento, não poderá ser o mesmo extraditado para o Brasil porque tal facto tornou impossível a existência de reciprocidade com esse país.

            O n.º 3 do artigo 33.º da CRP, isto é, o direito do Recorrente cidadão português originário de não ser extraditado e, reflexamente, o seu direito fundamental à liberdade, cujas restrições deixaram de ser possíveis atento o facto novo em questão, seriam violados de forma injustificada se se mantivesse a decisão recorrida. Pelo que a autorização da revisão da decisão recorrida no caso concreto: a) Exige que seja dada prevalência, nesse sentido, aos valores da verdade e justiça materiais, em detrimento das razões formais de protecção do caso julgado; b) É exigida por estarem em causa direitos fundamentais do Recorrente, rectius, Direitos, Liberdades e Garantias pessoais; c) É exigida como forma de evitar solução injusta; d) Configurará, em concreto, um “remédio” pois seria chocante e intolerável a manutenção da decisão de extradição atenta a nova qualidade do Recorrente após verificação do facto novo, manutenção que seria, ela mesma, contrária à paz jurídica.

            -ii) Acórdãos que desenvolvem os requisitos descoberta e factos novos (atenta a ordem da motivação: Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Dezembro de 2009 e 18 de Abril de 2012 e 26 de Abril de 2012, de 26 de Abril de 2012, de 18 de Abril de 2012, assim como os Acórdãos de 14 de Maio de 2008, 9 de Abril de 2008, 29 de Abril de 2009 e 18 de Abril de 2012, Acórdão de 30 de Junho de 2010, 26 de Outubro Julho de 2011, 19 de Janeiro de 2012 e29 de Março de 2012, de 5 de Janeiro de 2011).

            -No sentido de se concluir, atento o caso concreto, que não há dúvidas que: a) O facto novo, averbamento no assento de nascimento do Recorrente da atribuição da nacionalidade originária, que ocorre no dia 9 de Janeiro de 2018, é um facto que não poderia ter sido invocado pelo Recorrente em momento anterior ao trânsito em julgado da decisão de extradição, nem, claro está, no âmbito desse processo, na medida em que tal ocorre, precisamente, no dia 9 de Janeiro de 2018; b) Existe, pois, efectivo um “desconhecimento anterior”, de um facto que não foi tido em conta na decisão de extradição; c) A explicação suficiente para a omissão de tal invocação resulta da própria natureza lógica e cronológica das coisas. Ainda assim, relevou-se que logo no dia seguinte, ou seja, no dia 10 de Janeiro de 2018, o Recorrente tudo fez para que a nova realidade pudesse ter sido considerada por todas as entidades, administrativas e judiciais, o que não obteve qualquer sucesso; d) A exigida justificação da omissão – ónus do Recorrente – foi, pois, devidamente efectuada, sendo claro que ao Recorrente não se pode, sob qualquer forma, apontar nem um prejuízo para a ideia de razoabilidade, nem “faltas à lealdade processual”, assim como não está em causa qualquer “mera estratégia de defesa, nem dar cobertura a inépcias ou desleixos dos sujeitos processuais”; e) Pelo contrário, foi por absoluta inércia do Governo português, que tal averbamento não foi feito em momento anterior ao trânsito em julgado da decisão de extradição; f) Neste sentido, as alterações do Regulamento da nacionalidade portuguesa deveriam ter sido emanadas, no prazo de 30 dias após a publicação da Lei Orgânica n.º 9/2015, de 29 de Julho. Essas alterações apenas foram efectuadas dois anos depois, por absoluta e indesculpável inércia e laxismo do Estado português, maxime do seu Governo, comportamento inaceitável num Estado de Direito Democrático; Repete-se, dois anos depois (?!); g) O artigo 1.º, n.º 1, alínea d), da Lei da Nacionalidade entrou em vigor no dia 1 de Julho de 2017, primeiro dia útil do mês seguinte à publicação do Decreto-Lei n.º 71/2017, de 21 de Junho. Logo após tal entrada em vigor, no dia 11 Julho de 2017, o Recorrente pediu à Conservatória dos Registos Centrais o reconhecimento e inscrição no registo civil da nacionalidade originária que resultava “ex lege” do artigo 1.º, n.º 1, alínea d), da Lei da Nacionalidade; h) Apenas após requerimentos suscitando urgência na análise de tal pedido, só no passado dia 9 de Janeiro de 2018 a Conservatória dos Registos Centrais efectuou um averbamento ao registo, em que reconhece que o Recorrente tem “nacionalidade portuguesa nos termos do artigo 1º, nº 1, alínea d) da Lei nº 37/81 de 3 Outubro”; i) Em suma, a parte interessa na invocação deste facto muito relevante desconhecia a sua existência anterior pelo que não poderia tê-lo apresentado na decorrência do processo de extradição.

            -iii) Por fim, Acórdãos que densificam o conceito de “graves dúvidas sobre a justiça da condenação” (atenta a ordem da motivação: Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Janeiro de 2007, 14 de Maio de 2008 e 22 de Janeiro de 2013, de 29 de Abril de 2009, de 26 de Abril de 2012, 14 de Julho de 2011 e 27 de Outubro de 2011, de 14 de Maio de 2008 e de Justiça de 20 de Fevereiro de 2013).

            -No sentido de se concluir, atento o caso concreto, que: a) O facto novo, averbamento no assento de nascimento do Recorrente da atribuição da nacionalidade originária, gera uma inquestionável dúvida, qualificada, sobre a justiça da decisão de extradição do Recorrente para o Brasil; b) Mais do que isso, gera violação legal e das normas constitucionais aplicáveis; c) Tal grave dúvida coloca fundadamente o problema de o arguido dever ter sido considerado insusceptível de ser extraditado; d) Porque cidadão português desde o nascimento, inexiste, em absoluto, qualquer real possibilidade de reciprocidade com o Brasil nesta matéria, pois vigora aí a já referida cláusula pétrea constitucional nos termos da qual, sob qualquer forma, em relação a qualquer crime, o cidadão brasileiro nato estar sempre a coberto da protecção conferida pelo princípio da inextrabilidade do brasileiro; e) Nestes termos, o facto novo tem a força jurídica e a “virtualidade para abalar a estabilidade razoavelmente reclamada por uma decisão judicial transitada”, pelo que põe em causa, “de forma séria” a decisão de extradição do Recorrente.

V) Exactamente as mesmas conclusões são retiradas quando, como sucedeu no corpo da motivação, se analisa a cronologia de todo o processo de extradição, havendo que concluir no sentido da imperatividade da revisão da decisão recorrida.

W) Assim, o Brasil, no ano de 2016, requereu a Portugal a extradição do Recorrente, e em tal pedido conclui-se que “a ordem constitucional brasileira é induvidosamente contrária à extradição de brasileiros natos”. No dia 26 de Abril de 2016, a Ministra da Justiça, cumprindo a cláusula constitucional de reciprocidade (artigo 33º da CRP) considerou “admissível o pedido de extradição”, limitado apenas aos factos praticados até 14 de Dezembro de 2011, isto é, até ao momento em que o Recorrente adquiriu a cidadania portuguesa por naturalização.

X) Com igual raciocínio, então, hoje, atento o facto novo em questão, aquela mesma exigência constitucional impede que o Recorrente possa agora ser extraditado, visto que é nacional português de origem e o Brasil não admite a extradição de nacionais de origem.

Y) E o Recorrente é, para todos os efeitos relevantes, originário português desde o nascimento, pelo que os efeitos da atribuição dessa nacionalidade operam retroactivamente, repete-se, nas matérias que relevam para análise da matéria da extradição.

Z) Regressando à cronologia do processo, após oposição à extradição apresentada pelo ora Recorrente, veio o Tribunal da Relação, no dia 7 de Dezembro de 2016, confirmar a decisão da sua extradição, decisão esta que, transitada em julgado, constitui o objecto do presente recurso de revisão. Após recursos vários foi proferida decisão sumária pelo Tribunal Constitucional, no dia 6 de Novembro de 2017, que rejeitou o recurso de constitucionalidade que havia sido interposto, não conhecendo do objecto do mesmo, assim como foram rejeitadas as reclamações apresentadas em tal Tribunal, o que ocorreu nos dias 12 de Dezembro de 2017 e 9 de Janeiro de 2018.

AA) Perante este enquadramento cronológico, torna-se óbvio que nem a decisão da Ministra nem os Acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça e Tribunal Constitucional apreciaram, em momento algum, a matéria da extradição à luz da nacionalidade originária do Recorrente, dado que, como já descrito, tal nacionalidade apenas foi atribuída no dia 9 de Janeiro de 2018.

BB) Ainda assim, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28 de Setembro de 2017, foi reconhecido expressamente que a nacionalidade de origem é uma questão relevante para a extradição do Recorrente para o Brasil e que deveria ser apreciada, posteriormente, com as devidas consequências: “A questão da nacionalidade originária não deixa de ser uma questão nova, conforme foi entendido no despacho reclamado, que não fez parte do thema decidendum e porque o recurso não é uma nova instância para discussão da causa, o processo não poderia ser suspenso até à decisão que eventualmente concedesse essa forma de nacionalidade (…) Se a mesma lhe vier a ser concedida, tal constituirá uma questão nova e autónoma que não deixará de ser prontamente suscitada e apreciada nos autos, com as consequências que então houver que retirar”.

CC) Atento o ali determinado por este Supremo Tribunal, dúvidas não subsistem que a atribuição da nacionalidade originária ao Recorrente configura, à luz do recurso extraordinário de revisão, um facto novo, e que tal facto novo nunca foi analisado em todo o procedimento e processo de extradição antes do trânsito em julgado da decisão recorrida que determina a extradição do Recorrente.

DD) Relevam-se três notas: Em primeiro lugar, o facto novo, mesmo separado de qualquer outro facto, ou seja, de per si, tem a força jurídica necessária para pôr em causa a justiça da decisão recorrida. Em segundo lugar, tal também sucede quando esse mesmo facto é conjugado com outros que foram analisados no processo, em especial se se considerar que a extradição foi rejeitada quanto aos factos posteriores à naturalização do Recorrente, nos termos indicados. Por fim, em terceiro lugar, não só a dúvida em questão é qualificada, grave, como, acresce, os efeitos do facto novo não se limitam à criação desta dúvida mas tornam, inclusive, ilegal e contrária à CRP a decisão de extradição proferida e transitada em julgado.

EE) Em um outro prisma, é incontroverso que um cidadão português originário não pode ser entregue ao Brasil. Tendo sido atribuída ao Recorrente a nacionalidade portuguesa de origem, o Recorrente é nacional português desde a data do nascimento, nos termos do artigo 11.º da Lei da Nacionalidade (Lei n.º 37/81: “a atribuição da nacionalidade portuguesa produz efeitos desde o nascimento”).

FF) Como nacional português de origem, por nascimento, o Recorrente é titular de um direito fundamental a não ser extraditado para um Estado que não admita (reciprocamente) a extradição de nacionais de origem (obviamente pacificamente aceite pela doutrina – Gomes CANOTILHO, Jorge MIRANDA e Rui MEDEIROS. É o que resulta claramente da cláusula constitucional de reciprocidade prevista no artigo 33.º, n.º 3, da C.R.P: “A extradição de cidadãos portugueses do território nacional só é admitida, em condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional (...)”. Direito fundamental que, no caso concreto do Recorrente, é ainda amparado pelo seu direito fundamental como cidadão português a não ser discriminado em função do território de origem (artigo 13.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa). O artigo 5.º, LI, da Constituição da República Federativa do Brasil dispõe o seguinte: “nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei”.

GG) Tal é inclusivamente aceite, sob pena de violação do direito fundamental consagrado no artigo 33.º, n.º 3, da C.R.P., pela própria Ministra da Justiça que afirmou que: i) “o facto resultante da atribuição de nacionalidade portuguesa originária” ao Recorrente teria de ser valorado; ii) cabe aos Tribunais fazer essa valoração; iii) mesmo que a decisão de extradição já tivesse transitado em julgado, caberia aos Tribunais revogar essa decisão, nos termos do artigo 86º da Lei nº 144/99.

HH) A questão é que, em concreto, até hoje, a Administração e os Tribunais nunca apreciaram a extradição do Recorrente, à luz da sua nacionalidade de origem: nunca apreciaram o direito fundamental do Recorrente, enquanto nacional de origem, a não ser extraditado, nem (noutra perspectiva) apreciaram a proibição constitucional de extraditar o Recorrente, por este ser nacional de origem (artigo 33.º, n.º 3, da C.R.P.).

II) Por isso é que o presente recurso de revisão, preenchidos que estão, de forma clara, todos os requisitos exigidos para procedência do mesmo, se torna tão premente e ao qual terá de ser atribuído efeito suspensivo.

JJ) Mais relevando a substância do facto novo na medida em que o Recorrente tem sempre de considerar-se sujeito e destinatário in action dos Direitos, Liberdades e Garantias reforçadamente previstos na Constituição da República Portuguesa.

KK) Não autorizar a revisão peticionada equivale aceitar colocar este cidadão português num avião em viagem sem regresso para o Brasil, esquecendo e passando por cima de um facto incontornável: trata-se de um cidadão português originário, por nascimento.

LL) É o que é também exigido pelo princípio da prevalência da substância sobre a forma, na veste de princípio da descoberta da verdade material atento o contexto processual penal e também na veste de princípio da consideração da realidade material, atendendo a que a actividade administrativa (maxime através de actos de entrega do Recorrente às autoridades brasileiras) poderá violar irreversivelmente direitos fundamentais do Recorrente.

MM) Essa lesão não pode justificar-se por formais que (ainda que errados) pudessem ser avançados para a desconsideração de tal estado e qualidade, tais como: “A fase processual já não o admite”; “a decisão é definitiva”; “o caso julgado formou-se”; “não há meio processual próprio para essa consideração dessa concreta matéria” (?!). Se esta argumentação formal, oca e totalmente desrespeitadora da substância da matéria em análise e da verdade material pudesse proceder, então os Direitos, Liberdades e Garantias dos sujeitos e destinatários do Direito transformar-se-iam em meras abstracções genéricas e proclamações vazias sem adesão ao mundo real.

NN) Daí, uma vez mais, a impostergável necessidade de consideração do facto novo e todas as consequências legais de tal aceitação.

OO) Mais: caso o Estado português tivesse cumprido a sua obrigação, então ao Recorrente teria sido atribuída cidadania originária portuguesa, ex lege, desde o nascimento, em meados de Junho de 2016. Isto é, antes da primeira decisão judicial do Tribunal da Relação. E, muito provavelmente, também antes sequer do pedido inicial efectuado pelo Brasil a Portugal e da decisão da Ministra da Justiça, que só ocorreu em 2016!!

PP) Ora, no caso do Recorrente, e relembrando-se o que ficou já referido, não há uma simples dúvida séria, antes há a prática certeza de que, sendo ele nacional português de origem, tem o direito fundamental a não ser extraditado para o Brasil, em face das exigências constitucionais de reciprocidade, que são pacificamente aceites, no processo de extradição, pelas autoridades portuguesas e brasileiras.

QQ) Daqui decorre, precisamente, a injustiça da decisão recorrida que o facto novo vem revelar.

RR) Visando a decisão recorrida proceder à entrega do Recorrente ao Brasil, é inequívoco que, atento o facto novo revelado, aquela surge motivada por facto que a lei não a admite, dado que a rejeição da extradição do Recorrente não é “apenas” exigida por respeito pela Lei, pela Constituição e pelas Convenções Internacionais, é também exigida pelo respeito que os Tribunais portugueses devem a si próprios, não podendo proceder à entrega às autoridades brasileiras de um nacional português de origem que é apenas suspeito de crimes patrimoniais, no Brasil, quando as autoridades brasileiras se recusam a entregar a Portugal os nacionais brasileiros condenados por crimes como o homicídio ou o abuso sexual de menores (caso “Padre Frederico”).

SS) E, neste preciso sentido, o presente recurso de revisão não releva apenas na esfera jurídica do Recorrente mas respeita também a questão com inquestionável relevo para toda a Comunidade (cfr., Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Novembro de 2011).

TT) Caso nada seja feito, e caso o presente recurso não proceda, então tal significará a violação, de forma evidente e inapelável, de um direito fundamental do Recorrente, com a entrega deste às autoridades brasileiras, assim como a cristalização no Ordenamento Jurídico Português de uma decisão claramente injusta.

UU) Por isso mesmo, de forma cristalina entendeu o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 11 de Junho de 2003, que: “A aquisição, posterior, da nacionalidade portuguesa torna a decisão de expulsão injusta e contrária à imposição constitucional de proibição de expulsão de cidadãos nacionais. Existem reais fundamentos para determinar a concessão da revisão do acórdão”.

VV) É evidente que não há qualquer argumento formal ou processual, que possa pôr em causa aquele direito. Muito menos, como ficou amplamente demonstrado – quase ad nauseam, admite-se – atento o argumento do momento da decisão. Sendo este argumento contrário a toda a grande arquitectura do instituto do recurso extraordinário de revisão, e, por isso, não assume relevo, assim como desrespeita a aplicação directa e imediata dos DLG e esquece que os efeitos da atribuição da originária retroagem nos termos explicitados.

WW) Também os vários despachos identificados do Juiz Relator da 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa demonstram, de forma clara, a persistência em não apreciar o facto novo e suas consequências na decisão de extradição, aniquilando o direito fundamental resultante da nacionalidade originária do Recorrente (processualmente “congelado” no apenso), escudando-se mais uma vez em razões puramente processuais, mais concretamente que “a decisão de extraditar o arguido AA transitou em julgado e por consequência impõe-se a execução da mesma” e ainda que “o poder jurisdicional deste Tribunal no processo se encontra esgotado”.

XX) Este Juiz inclusive “ordena a emissão de mandados de detenção (para prisão preventiva)” do Recorrente “com vista à sua entrega às autoridades do país Req.te, Brasil”, assim confirmando a iminência da lesão do direito Recorrente a não ser extraditado, na sua qualidade de nacional de origem, direito que a administração e os tribunais portugueses ainda não apreciaram, no processo de extradição.

YY) Daí, repete-se, ser imperativa revisão e que ao presente recurso seja atribuído desde já efeito suspensivo.

ZZ) Em termos simples: o Estado português, pelo seu Governo, pela própria Ministra da Justiça, e pela mais alta instância judicial, o Supremo Tribunal de Justiça, reconhece expressamente que a questão da possibilidade de extradição do Recorrente à luz da sua nacionalidade de origem é uma questão relevante e que deve ser apreciada pelos Tribunais; mas, até hoje, nenhuma entidade judicial ou administrativa analisou esta questão absolutamente nuclear no processo de extradição do Recorrente.

AAA) Ao Recorrente resta, pois, que este Supremo Tribunal de Justiça, autorizando a revisão da decisão recorrida, reconheça a relevância do facto novo em questão, assim como o facto de o mesmo suscitar graves dúvidas sobre a justiça da decisão de extradição.

BBB) Negar a peticionada revisão: i) Traduzir-se-ia em um inaceitável e definitivo apagar dos direitos fundamentais do Recorrente; ii) Aceitando remeter o facto novo para análise posterior, após efectivação da extradição, significaria também abandonar um português à mercê incompreensível de um país que, ele próprio, recusa extraditar cidadãos originários seus! iii) Equivaleria a abandonar o Recorrente, cidadão originário português.

CCC) Negar a revisão em causa traduzir-se-ia, em suma, em reduzir o núcleo do direito fundamental do Recorrente a zero, em crassa violação do regime reforçado previsto no n.º 3 do artigo 18.º do C.R.P. Estaríamos perante uma decisão irreparável e em absoluta violação da tutela jurisdicional efectiva consagrada no n.º 5 do artigo 20.º também da C.R.P.

TERMOS EM QUE, RESPEITOSAMENTE, ATENTAS AS RAZÕES DE FACTO E DE DIREITO INVOCADAS, REQUER, SEJA O PRESENTE RECURSO ADMITIDO E, NOS TERMOS DO DISPOSTO NO ARTIGO 457.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, SEJA AUTORIZADA A REVISÃO REQUERIDA.

MAIS REQUER, ATENTO O QUE FICOU EXPOSTO, SEJA, DESDE LOGO, ATRIBUÍDO EFEITO SUSPENSIVO AO PRESENTE RECURSO, COMO FORMA DE ASSEGURAR A JUSTIÇA DO CASO CONCRETO, O EFEITO ÚTIL PRETENDIDO E O RESPEITO PELAS NORMAS LEGAIS E CONSTITUCIONAIS INVOCADAS».

Respondendo, o MP na Relação defendeu a inadmissibilidade da revisão.

O relator do processo na Relação, ao abrigo do artº 454º do CPP, pronunciou-se no sentido de o recurso de revisão ser rejeitado, com fundamento na sua inadmissibilidade.

No Supremo Tribunal de Justiça, o senhor Procurador-Geral-Adjunto foi de parecer que a revisão deve ser autorizada, fazendo-se uma interpretação extensiva da alínea d) do nº 1 do artº 449º do CPP.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação:

1. Não é de fácil compreensão a perspectiva em que o requerente se coloca ao apresentar o pedido de revisão. Por um lado, parece que, não obstante considerar que a decisão que decretou a sua extradição ainda não transitou em julgado, ao contrário do que vem afirmando a Relação, apresenta o pedido de revisão, para ser apreciado, se este Supremo Tribunal entender que a decisão que determinou a extradição já transitou em julgado. Mas, por outro lado, defende que a ausência de trânsito em julgado não constitui obstáculo à admissibilidade da revisão, sob pena de violação dos artºs 20º, 29º, nº 6, e 32º, nºs 1 e 2, da Constituição, “por violação do direito de acesso ao direito e aos Tribunais, do processo equitativo e da presunção de inocência que impõe a máxima celeridade processual compatível com as garantias da defesa do princípio processual da proibição de prática de actos inúteis”.

Sobre o ponto relevam os seguintes dados constantes do processo:

-Do acórdão da Relação que deferiu a extradição do recorrente foi interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que, por acórdão de 07/09/2017, o julgou improcedente.

-O ora requerente reclamou dessa decisão, tendo a reclamação sido indeferida por acórdão de 28/09/2017.

-O requerente recorreu então para o Tribunal Constitucional, que, por decisão sumária de 06/11/2017, não conheceu do recurso.

-O requerente reclamou para a conferência, tendo a reclamação sido indeferida por acórdão de 12/12/2017.

-Na sequência desse acórdão, o requerente apresentou dois novos requerimentos.

-Apreciando-os, o Tribunal Constitucional, em acórdão de 09/01/2018, considerou que o teor de ambos apontava claramente no sentido de se estar perante “incidentes pré-decisórios manifestamente infundados” e ordenou que o “processo prosseguisse os seus termos no tribunal recorrido”, sem aguardar a decisão sobre aqueles requerimentos, sobre os quais seria proferida decisão no traslado a extrair, nos termos dos artºs 670º do CPC e 84º, nº 8, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.

-Apreciando mais um requerimento do ora requerente, o Tribunal Constitucional, em novo acórdão, com o nº 106/2018, esclareceu que a aplicação do artº 670º do CPC no acórdão de 09/01/2018 abrange o seu nº 5, o que implica, para todos os efeitos, o trânsito em julgado, nessa data, do acórdão do mesmo tribunal de 12/12/2017.

Devendo, assim, considerar-se transitado em julgado, para todos os efeitos, o acórdão do Tribunal Constitucional de 12/12/2017, que indeferiu a reclamação da decisão sumária de 06/11/2017 do mesmo tribunal, que não conheceu do recurso interposto do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/09/2017, que julgou improcedente o recurso interposto pelo ora requerente da decisão da Relação que determinou a sua extradição, não pode aqui deixar de entender-se que esta última decisão transitou em julgado, atenta a definição do artº 628º do CPC [«A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação»], aplicável pela via do artº 4º do CPP.

Essa conclusão torna inútil a apreciação da pretensão do requerente de que é admissível a revisão de sentença não transitada em julgado.

 

2. O requerente da revisão pretende, em primeiro lugar, que ao recurso seja atribuído efeito suspensivo. Trata-se, porém, de pretensão sem cabimento neste tipo de recurso.

Nos recursos extraordinários de revisão, ao contrário do que acontece nos recursos ordinários, não há lugar no tribunal recorrido à fixação do efeito do recurso nem sequer a despacho de admissão ou não admissão, não tendo aí o juiz outros poderes além dos previstos nos artºs 453º, nº 1 [decidir sobre a realização de diligências de prova] e 454º [remessa do processo ao Supremo Tribunal de Justiça acompanhado de informação sobre o mérito do pedido]. Nem no Supremo, onde o processo, como decorre do artº 455º, depois da vista do MP, é apresentado ao relator, que, não havendo necessidade de realização de diligências de prova, elabora logo projecto de decisão sobre o pedido de revisão, seguindo-se a deliberação.

Nem teria sentido fixar efeito ao recurso, designadamente suspensivo, quando ele é necessariamente interposto de decisão transitada em julgado e, logo, exequível.

O que há neste âmbito de mais aproximado ao efeito suspensivo do recurso é o mecanismo processual previsto no artº 457º, nº 2, como os anteriores do CPP [«Se o condenado se encontrar a cumprir pena de prisão ou medida de segurança de internamento, o Supremo Tribunal de Justiça decide, em função da gravidade da dúvida sobre a condenação, se a execução deve ser suspensa»], mas esta disposição, só tendo aplicação depois de estar decidida a autorização da revisão e se ocorrer a situação de cumprimento de pena de prisão ou de medida de segurança de internamento, é alheia ao caso sob julgamento.

Não é assim fundado o pedido de atribuição ao recurso de efeito suspensivo. Nem é caso de aplicação do nº 2 daquele artº 457º, por ausência dos requisitos aí exigidos.

 

3. Respondendo à informação prestada ao abrigo do artº 454º do CPP pelo relator do processo na Relação, o recorrente alega que

-o relator do processo na Relação estava impedido de prestar a informação, que, de qualquer modo, nunca poderia ser prestada nos moldes incontidos em que o foi, devendo por isso considerar-se não prestada;

-o recurso de revisão deve ser admitido, não sendo obstáculo o facto de a decisão visada ser proferida em processo de extradição.

Não é esta a sede própria para tratar da questão do impedimento. Se, como diz o requerente, o relator na Relação não reconheceu estar impedido, como lhe foi requerido, o meio para decidir sobre o assunto, designadamente sobre a validade ou invalidade de actos por ele praticados, é o recurso que se interponha do despacho que não tenha reconhecido o impedimento, nos termos dos artºs 42º, nº 1, e 41º, nº 3, do mesmo código.

Sobre a informação, o artº 454º limita-se a referir que ela incide «sobre o mérito do pedido», não lhe fixando quaisquer requisitos, e muito menos lhe associando qualquer vício, por ser ou não prestada de determinada forma. Aliás, a utilização da expressão «mérito do pedido» não é rigorosa, pois a decisão sobre o pedido de revisão pode não ser de mérito, mas de forma, como no caso de falta de legitimidade do requerente, hipótese em que o juiz, não estando dispensado de prestar informação, pronunciar-se-á ou poderá pronunciar-se apenas sobre a ausência desse pressuposto processual.

Não há, assim, razão para desconsiderar a informação prestada, que, de todo o modo, não merece a classificação de “incontida”, pois no essencial faz o relato do que foi ocorrendo ao longo do processo, alude, muito de passagem, à gravidade dos crimes imputados ao requerente pelas autoridades judiciárias do Brasil e ao carácter dilatório de expedientes de que vem lançando mão, alusão que neste último ponto nada tem de excessivo e mais não é que a repetição do juízo expressado pelo Tribunal Constitucional no já referido acórdão de 09/01/2018, e conclui pela inadmissibilidade do recurso de revisão neste tipo de processo, apoiando-se em decisões nesse sentido do Supremo Tribunal de Justiça.

4. O recurso de revisão é um meio extraordinário de reagir contra sentenças e despachos equiparados transitados em julgado nos casos em que, como ensinava Alberto dos Reis, “o caso julgado se formou em circunstâncias patológicas susceptíveis de produzir injustiça clamorosa”; “visa eliminar o escândalo dessa injustiça” [Código de Processo Civil anotado, Vol. V, reimpressão, 1981, página 158].

O caso julgado confere estabilidade à decisão, servindo por isso o valor da segurança na afirmação do direito, segurança que é um dos fins do processo penal. Mas fim do processo é também a realização da justiça. Por isso se não confere valor absoluto ao caso julgado, que deve ceder em casos de gravíssima injustiça. O recurso de revisão representa a procura do adequado equilíbrio entre esses dois valores.

Os casos de gravíssima injustiça que justificam a quebra do caso julgado são os taxativamente elencados nas alíneas a) a g) do nº 1 do artº 449º do CPP, que, além do mais, dá concretização à norma do artº 29º, nº 6, da Constituição: «Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença…».

O requerente faz apelo ao fundamento de revisão da alínea d): «A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando: Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação».

Nesse sentido alega que, após a decisão sobre a sua extradição, se descobriu um facto novo, um facto que, não se verificando então, não pôde ali ser tido em conta. Esse facto foi a aquisição, em 09/01/2018, da nacionalidade portuguesa originária, isto é, desde o nascimento, o que torna a sua extradição para o Brasil inadmissível, à luz do artº 33º, nº 3, da Constituição, por ausência de reciprocidade, visto esse país não extraditar os seus nacionais.

A decisão cuja revisão se pretende é o acórdão da Relação que deferiu o pedido de extradição do recorrente para o Brasil. Essa decisão é uma sentença, com a forma de acórdão, na definição do artº 97º, nºs 1, alínea a), e 2, do CPP, na medida em que conheceu a final do objecto do processo de extradição e foi proferida por tribunal colegial.

Mas não é a sentença desse tipo que se refere o artº 449º, nº 1. É antes à sentença proferida no âmbito do processo regulado no CPP, cujo objecto é constituído pela acusação ou, havendo-a, pela pronúncia. A sentença que admite recurso de revisão é, assim, o acto decisório proferido por tribunal singular ou colectivo que, a final, conhecendo de uma acusação ou de uma pronúncia, condena ou absolve.

De qualquer modo, do que não pode haver dúvida é de que o fundamento invocado pelo requerente e para o qual unicamente remete a sua alegação – o da alínea d) do nº 1 do artº 449º – não se verifica no caso, visto ser privativo das decisões condenatórias [«… justiça da condenação»], categoria a que não pertence a decisão que defere um pedido de extradição, que não impõe nem equaciona a imposição de qualquer pena ou medida de segurança, tendo, em casos como o presente, apenas o alcance de colocar a pessoa visada na disponibilidade de outro Estado para aí ser sujeito de um processo, onde poderá ou não ser condenado. Só no âmbito desse outro processo, do qual o de extradição é meramente instrumental, poderá haver decisão de condenação.

Aplicar a disposição da alínea d) à decisão de extradição traduzir-se-ia na aplicação analógica de uma norma excepcional, em violação da proibição do artº 11º do C. Civil: «As normas excepcionais não comportam aplicação analógica …».

Não numa simples interpretação extensiva, como pretende o MP neste tribunal.

Nos termos do artº 9º, nºs 1 e 2, do C. Civil, «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo …», não podendo, porém, o intérprete chegar a um resultado que não tenha no texto legal «um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso».

A interpretação extensiva tem, pois, de ter algum apoio, ao menos indirecto, na letra da lei. Chegando-se à conclusão” de que o texto da lei “diz menos do que aquilo que se pretendia dizer”, deve estender-se o texto de modo a abarcar os casos que, embora não directamente abrangidos pela letra da lei, “são indubitavelmente abrangidos” pelo seu espírito. “A interpretação extensiva assume normalmente a forma de extensão teleológica: a própria razão de ser da lei postula a aplicação a casos que não são directamente abrangidos pela letra da lei mas são abrangidos pela finalidade da mesma. Os argumentos usados pelo jurista para fundamentar a interpretação extensiva são o argumento de identidade de razão (…) e o argumento de maioria de razão” (cf. Baptista Machado, Introdução ao Direito …, 1999, páginas 185 e 186).   

O artº 449º restringe a admissibilidade da revisão às sentenças condenatórias ou absolutórias e a despachos com alcance idêntico transitados em julgado. Admite-se a quebra do caso julgado, em circunstâncias excepcionais, para evitar que se mantenha uma condenação criminal clamorosamente injusta ou o agente de um crime fique sem punição, por motivos verdadeiramente anormais. São estas as razões que justificam a revisão: A clamorosa injustiça da punição ou não punição pela prática de um crime. E essas razões não são aplicáveis à decisão final sobre a extradição, que se situa num plano diverso, não lidando com valores equiparáveis, como se referiu já.

Sendo assim, se a razão de ser da figura da revisão é privativa das sentenças que condenam pela prática de um crime ou absolvem e dos despachos com alcance equiparado, não se pode dizer que a decisão final sobre um pedido de extradição é “indubitavelmente abrangida pelo espírito da lei”, no caso a alínea d) do nº 1 do artº 449º.    

A decisão da Relação que determinou a extradição não admite, pois, revisão, como, aliás, o Supremo Tribunal de Justiça já por mais de uma vez decidiu em casos comparáveis [cf., por exemplo, acórdãos de 06/10/2016, proc. nº 1642/15.5YRLSB-A.S1, 5ª secção, com esta mesma formação de juízes; e de 16/11/2016, proc. nº 1240/15.3YRLSB, 3ª secção].

Decidida a inadmissibilidade do recurso de revisão, não cabe a este Supremo Tribunal apreciar a alegação do recorrente de que a sua extradição para o Brasil se tornou proibida, à luz do nº 3 do artº 33º da Constituição, em função da posterior aquisição da nacionalidade portuguesa originária.

O requerente, embora afirme que negar a revisão se traduziria em violação de normas constitucionais que identifica, não alega a inconstitucionalidade de qualquer norma de direito ordinário que tenha sido aqui aplicada com o sentido de a decisão que defere o pedido de extradição não ser susceptível de revisão, designadamente a alínea d) do nº 1 do artº 449º do CPP.

Decisão:

Em face do exposto, os juízes do Supremo Tribunal de Justiça negam a revisão.

E condenam o requerente no pagamento das custas, fixando em 4 UC a taxa de justiça.

                                   Lisboa, 12/04/2018

Manuel Braz (Relator)

Isabel São Marcos