Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4ª SECÇÃO | ||
Relator: | SOUSA GRANDÃO | ||
Descritores: | MATÉRIA DE FACTO PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA ARGUIÇÃO DE NULIDADES ACIDENTE DE TRABALHO CONTRATO DE TRABALHO CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DEPENDÊNCIA ECONÓMICA | ||
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Nº do Documento: | SJ | ||
Data do Acordão: | 09/15/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
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Sumário : | I - A aplicação do direito pressupõe o apuramento de todos os factos pertinentes e resultantes do desenvolvimento adjectivo do pleito, em cujo acervo se incluem não apenas aqueles que hajam sido firmados na decisão de facto propriamente dita, mas também os factos cuja prova resulta da lei, isto é, da assunção dum meio de prova com força probatória pleníssima, plena ou bastante, independentemente de terem sido ou não dados como assentes na fase da condensação. II - Nada impedia, pois, a Relação de, usando os poderes constantes do art. 659.º, n.º 2, do Código de Processo Civil – aplicável ao recurso de apelação pelo sequente artigo 713.º, n.º 2 – tomar em consideração um facto, sob a motivação – que é bastante – de o que o mesmo relevava para a decisão da causa e não se mostrava controvertido. III - De todo o modo, sempre o Supremo Tribunal de Justiça estaria, por força do disposto no art. 712.º, n.º 6, impedido de sindicar a bondade do veredicto que, a propósito do sobredito facto, foi o alcançado pela Relação. IV - Tal como decorre do art. 77.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, a arguição de nulidades da sentença, em contencioso laboral, deve ser feita expressa e separadamente, no requerimento de interposição de recurso – assim se permitindo que o Tribunal recorrido se pronuncie e, eventualmente, supra os vícios invocados – sendo entendimento jurisprudencial pacífico que a mencionada norma é também aplicável à arguição de nulidades assacadas ao Acórdão da Relação – arts. 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho, e 716.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. V - Não curando o recorrente de arguir a nulidade que aponta ao Acórdão da Relação – nulidade por excesso de pronúncia – no requerimento de interposição de recurso – limitando-se à sua arguição em sede de texto alegatório – é a mesma insusceptível de ser apreciada por este Supremo Tribunal, por intempestividade. VI - A equiparação consagrada na LAT – art. 2.º, n.º 2 – e no Código do Trabalho de 2003 – art. 10.º – reporta-se a situações em que existe uma prestação de trabalho, sem subordinação jurídica, mas em que o trabalhador se encontra economicamente dependente daquele que recebe o produto da sua actividade. VII - A referida equiparação tem uma função meramente residual, destinando-se a prevenir que situações que não se encontrem juridicamente bem definidas como contrato de trabalho ou contrato de prestação de serviço possam igualmente ser enquadradas no regime indemnizatório previsto na LAT. VIII - Assim, um contrato assumidamente tido como prestação de serviço jamais confere ao prestador a protecção consagrada no domínio da sinistralidade laboral: estamos, nesse caso, perante trabalhadores independentes, que exercem uma actividade por conta própria e que devem efectuar um seguro que garanta as prestações previstas na LAT. IX - Estando definitivamente assente e qualificado como sendo de prestação de serviço o vínculo que unia Autor e Réu, não cabe a este a reparação do acidente que aquele foi vítima. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1- RELATÓRIO 1.1. Patrocinado pelo M.º P.º, AA intentou, no Tribunal do Trabalho de Portalegre, acção com processo especial, emergente de acidente de trabalho, contra BB, de quem reclama, nos termos constantes da P.I., a reparação do sinistro laboral de que foi vítima ao serviço do demandado. Em desabono dos direitos accionados pelo Autor, o Réu caracteriza a vinculação entre as partes como um contrato de prestação de serviço e, subsidiariamente, questiona as sequelas do acidente, tal como as mesmas se mostram coligidas no petitório inicial. 1.2. Instruída e discutida a causa, veio a 1.ª instância a proferir sentença absolutória do Réu, sob o fundamento de que “... a actividade prestada pelo autor tinha como substrato jurídico um contrato de prestação de serviços e que este era trabalhador independente ...”. Irresignado com tal decisão, dela apelou o Autor, com o que veio a obter inteiro sucesso, pois o Tribunal da Relação de Évora revogou a sentença apelada, condenando o Réu a pagar ao sinistrado: “a) a quantia de € 22.386,50, de indemnização por incapacidades temporárias; b) a pensão anual e vitalícia de € 5.929,00, devida desde 8/8/2006, e a pagar nos termos do art. 51.º, ns.º 1 e 2, do Dec.-Lei n.º 143/99, de 30/4; c) a quantia de € 4.387,20, a título de subsídio por elevada incapacidade permanente”. Para confortar esse dissidente juízo decisório, considerou a Relação que “... mesmo não questionando o entendimento da 1.ª instância, quando considerou não estar configurada uma relação laboral subordinada ...”, havia de se ter como assente a necessária dependência económica do Autor para com o Réu, sendo que este índice é “... bastante para integrar o conceito de “trabalhador por conta de outrem” em matéria de acidentes de trabalho”. 1.3. Desta feita a discordância provém do Réu, que pede a presente revista, onde colige o seguinte núcleo conclusivo: 1- ao acórdão sob crítica foi aditada à matéria de facto considerada provada, alegadamente ao abrigo dos arts. 664.º e 712.º n.º 1 al. b) do C.P.C., o facto n.º 1-A, com a seguinte redacção: “A construção desse prédio era executada pelo R.”; 2- e dele foram retiradas consequências jurídicas que, na opinião do recorrente, não podiam ser subsumidas; 3- na verdade, o acórdão reconhece que o facto aditado sob o n.º 1-A é um “aspecto fáctico que não é sequer controvertido”, isto é, tal facto não foi alegado pelas partes, não foi alvo de apreciação, nem resulta de qualquer meio de prova plena junto aos autos, consequentemente, não foi alvo do exercício do direito ao contraditório por parte do aqui Recorrente; 4- assim, tal facto foi aditado em manifesto desrespeito de tal princípio processual; 5- além de que o regime decorrente dos mencionados arts. 664.º e 712.º n.º 1 al. b) não permitiam o aditamento “tout court” pela Relação do facto n.º 1-A, tendo a 2.ª instância extravasado as poderes que lhe são conferidos no que concerne à modificabilidade da decisão de facto; 6- consequentemente, por referência ao mencionado art. 712.º n.º 1 al. b), e ao princípio do contraditório, violou o acórdão a lei adjectiva; 7- sem prejuízo do exposto o Tribunal da Relação, funcionando como tribunal de cassação, para exprimir a formação, lógica, racional e razoável, da sua livre convicção acerca da matéria de facto controvertida e da prova produzida, tinha que especificar no acórdão, de forma clara e objectiva, os fundamentos de facto e as concretas provas que justificaram a sua decisão – arts. 205.º n.º 1 da C.R.P. e 158.º, 659.º e 713.º do C.P.C.; 8- no entanto, no acórdão recorrido não foi observada tal exigência de fundamentação, em virtude do que violou os referidos artigos, mostrando-se ferido de nulidade por inconstitucionalidade e ilegalidade – art. 668.º n.º 1 al b) ex vi art. 716.º do C.P.C.; 9- mais: com todo o respeito, não tendo sido impugnada a matéria de facto fixada pela 1.ª instância, não podia aquele tribunal, em princípio, alterá-la oficiosamente. Porém, fê-lo, no entendimento do Recorrente, usando indevidamente os poderes conferidos pelo art. 712.º, o que legitima a intervenção deste Tribunal Superior no sentido de revogar o que não foi correctamente alterado; Sem prescindir; 10- daquele facto n.º 1-A extrai a Relação que o A. trabalhava com carácter de regularidade em obras executadas pelo R. e conclui que está demonstrada a necessária dependência económica que ... “o art. 2.º n.º 2 da L.A.T. “erige como índice bastante para integrar o conceito de “trabalhador por conta de outrem” em matéria de acidentes de trabalho”, em consequência do que defende que “o recorrente não pode ser qualificado como trabalhador independente”; 11- no entanto, o A. fez um pedido certo e determinado, ao qual o acórdão censurado havia de se ter cingido – art. 664.º do C.P.C.; 12- sendo que a dependência económica do A. relativamente ao R. nunca foi o objecto dos autos, outrossim o foi a existência de um contrato de trabalho, a qual o A. não conseguiu provar, conforme lhe incumbia, tendo a mesma sido derrogada atenta a prova cabal, efectuada pelo R., de que o contrato efectivamente celebrado entre as partes foi um contrato de prestação de serviços; 13- acresce que “A equiparação entre o contrato de trabalho e as situações de prestação de serviços em dependência económica, para os efeitos previstos ... na LAT tem uma função meramente residual, destinando-se a presumir que a situação que não se encontre juridicamente bem definida possa igualmente ser enquadrada no regime indemnizatório previsto na lei” – Ac. do S.T.J. de 9/5/2007 – art. 2.º n.º 2 da L.A.T. e 12.º n.º 3 do D.L. n.º 143/99; 14- sendo que, para que tal presunção possa operar, será necessário que os seguintes requisitos que a indiciam cumulativamente tenham um mínimo de correspondência nos autos: a) a existência de dúvida no enquadramento de dada actividade como trabalho por conta de outrem ou por conta própria – art. 12.º n.º 3 do D.L. n.º 143/99; b) a integração do prestador da actividade no processo empresarial de outrem, e c) que a actividade desenvolvida por quem a presta só aproveite ao seu beneficiário, de molde a não conferir quaisquer vantagens a terceiros; 15- e, ainda assim, tal presunção, revestindo carácter juris tantum, é passível de ser afastada mediante prova em contrário – art. 350.º do C.C.; 16- ora, os autos não dão conta de nenhuma dúvida quanto ao enquadramento da actividade prestada pelo A.; pelo contrário, face à matéria de facto considerada provada, o A. somente pode ser qualificado como trabalhador independente, e isto porque, para além de ter tomado providências no sentido de se legalizar como tal, tudo fez no sentido de exteriorizar essa mesma intenção – als. M), N) e T) da matéria de facto provada; 17- tãopouco está demonstrada a integração daquele no processo empresarial do aqui Recorrente, porquanto ficou claramente demonstrado que o A., ao contrário dos empregados que trabalhavam por conta do Recorrente, que auferiam uma remuneração fixa mensal, era remunerado à razão de € 35/dia, sendo certo que apenas recebia em função dos dias em que efectivamente havia prestado serviço – als. I), L), O), P), Q), R) e N) da matéria de facto provada; 18- e, no que concerne ao carácter de regularidade com que o A. prestava serviços para o R., no qual o acórdão faz assentar a efectivação da mencionada demonstração de dependência económica, da instrução e discussão da causa somente resultou provado que o A. começou a prestar serviços para o R. em meados de 2003, que trabalhou na construção de prédios por determinação do R. em Castelo de Vide e Monforte, e que a 5/2/2004, na construção de um prédio sito em …, caiu de um andaime com cerca de 1 m de altura – als. a), b) e i) da matéria de facto provada; 19- também não se invoque que a actividade desenvolvida pelo A. só aproveitava ao aqui Recorrente, de molde a não conferir quaisquer vantagens a terceiros, pois, in casu, ainda que o Recorrente rejeitasse a actividade prestada pelo A., aquela sempre poderia ser aceite e, consequentemente, aproveitava pelo dono (titular) da obra; 20- ou seja, o Recorrente fez prova cabal de que o contrato efectivamente celebrado entre as partes foi um contrato de prestação de serviços e não um contrato de trabalho e, consequentemente, que o sinistrado, à data do acidente, revestia a qualificação jurídico-laboral de trabalhador independente; 21- factos provados que excluem a referida presunção de dependência económica e, consequentemente, a sua demonstração; 22- ou, dito de outro modo, como muito bem refere a sentença da 1.ª instância, “de facto, os trabalhadores por conta de outrem não se encontram inscritos na segurança social como trabalhadores independentes, não mandam fazer facturas onde indicam a actividade que exercem; também no âmbito da organização da actividade do Réu, nenhuma justificação se encontra para o autor ter um tratamento diferenciado dos mais trabalhadores, quer quanto ao montante da retribuição que recebia, quer quanto ao método do seu cálculo ou periodicidade do seu pagamento”; 23- sendo que “o autor que se comporta perante a administração fiscal e a segurança social como trabalhador independente (já que se encontra colectado como prestador de serviços e suportava os encargos juntos da S.S.) deveria igualmente ter cumprido o previsto no n.º 3 daquele artigo (...), efectuar um seguro que garantisse as prestações por acidente de trabalho” – citado acórdão do S.T.J. de 9/5/2007; 24- e, sendo o A. tido como trabalhador independente, nos termos do art. 3.º da L.A.T., era a este que cabia a responsabilidade de realizar um seguro de acidentes de trabalho, pelo que não há que fazer qualquer apelo ao segmento final do citado artigo 2.º n.º 2 do mesmo diploma; 25- pelo que o entendimento sufragado no acórdão recorrido padece de manifesto erro de interpretação e de aplicação da L.A.T., nomeadamente dos seus arts. 2.º, 3.º e 37.º, sendo que retira consequências do facto que aditou que, do ponto de vista do Recorrente, não pode retirar; 26- mais: por mera cautela de patrocínio, refira-se ainda que no acórdão recorrido é exarada a total procedência dos pedidos indemnizatórios formulados pelo sinistrado, tendo, inclusive, sido estabelecido valor superior ao peticionado, no que respeita ao subsídio por elevada incapacidade permanente; 27- acontece que, pese embora tenha sido fixada uma IPP de 15%, desde 7/8/2006, incompatível com o exercício da profissão de servente de pedreiro, a verdade é que ficou provado que o A., após o acidente, exerceu diversas profissões sem qualquer incapacidade – als. u), v), x), z), aa), ab), ac), al), ad), ae), af), ag), ai), aj) e am) da matéria de facto provada; 28- bem como diversos factores alheios ao sinistro contribuíram para o estado de saúde do A. e prejuízos por este sofridos – als. ad), ae), af), ag) ah), ai) e aj) da matéria de facto provada; 29- ou seja dessa factualidade resulta inequívoco que os acidentes pessoais que o A. sofreu tiveram repercussões no cotovelo, levando ao seu internamento em ortopedia, em virtude do que padeceu de infecção em consequência do surto infeccioso hospitalar que ali existiu; 30- ora, nos termos do artigo 290.º n.º 2 do CT, “o trabalhador deve evitar o agravamento do dano, colaborando na recuperação da incapacidade, sob pena de redução ou exclusão do direito à indemnização nos termos do n.º 1 do artigo 570.º do Código Civil”; 31- além de que qualquer direito à indemnização cingir-se-á aos concretos prejuízos resultantes do evento que lhe deu causa, no caso em crise nos autos o acidente que atingiu o A. – artigos 120.º n.º 1 al. g), 284.º e 286.º do C.T., 17.º e 23.º da L.A.T. e 572.º e 563.º do C.C.; 32- pelo que, in casu, ainda que ao Recorrente pudesse ser assacada qualquer responsabilidade pelo acidente ocorrido e, consequentemente, se sobre ele recaísse o dever de indemnizar, então, haveria tal indemnização, por referência aos elementos constantes dos autos e tendo em conta os montantes peticionados pelo A., que ser reduzida em consequência do A. não ter procedido de acordo com o estatuído no artigo 290.º n.º 2 do C.T., e ainda em virtude de para os prejuízos invocados terem contribuído ocorrências extrínsecas ao acidente em crise nos autos; 33- assim, se ao Recorrente pudesse ser assacada qualquer responsabilidade pelo acidente, não tendo a decisão quanto à responsabilidade indemnizatória do Recorrente, conforme exarada no acórdão recorrido, tido em conta a factualidade devidamente consubstanciada nos autos, sempre seria aquela manifestamente desproporcional, injusta, ilegal e abusiva, porque proferida em violação dos supra enunciados preceitos legais; 34- consequentemente, deve ser revogado o acórdão recorrido e mantida a decisão proferida pela 1.ª instância, absolvendo-se o aqui Recorrente. 1.4 O Autor, através do M.º P.º, contra-alegou, sustentando a justeza da decisão impugnada e a consequente improcedência do recurso. 1.5. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.2- FACTOS 2.1. A 1.ª instância considerou provada a seguinte factualidade: 1- no dia 5/2/2004, cerca das 16h30, na construção de um prédio sito em Monte …, quando dava serventia ao pedreiro CC, levando-lhe massa, o A. caiu de um andaime com cerca de 1 metro de altura; 2- em consequência da queda, sofreu fractura-luxação do cotovelo direito, com concomitante fractura da tacícula radical; 3- à data do acidente, o A. auferia a quantia de € 35,00 diários; 4- em 7/10/2005, o A. foi submetido a exame médico no Gabinete Médico-Legal, emitindo o Ex.mo perito médico-legal o seguinte parecer: - “Deverá ser marcado novo exame, num período não inferior a noventa dias, dado que nesta data as lesões ainda não se encontram consolidadas, pelo que não nos é possível atribuir uma incapacidade permanente; - o examinado encontra-se com Incapacidade Temporária Absoluta desde o dia seguinte ao do acidente (6 de Fevereiro de 2004) até à data”; 5- em 6/10/2006, foi submetido a novo exame médico no G.M.L., por decurso do prazo de 30 meses sobre a data do acidente; 6- no reconhecimento de que a data da cura/consolidação médico-legal das lesões ainda não era fixável, uma vez que as lesões não se encontravam consolidadas, o perito médico procedeu à conversão da ITA atribuída ao sinistrado em IPP de 35%, a partir de 8/8/2006 e fixou em 913 dias o período de ITA; 7- submetido a exame por junta médica, no dia 8/5/2008, os Ex.mos peritos médicos concluíram, por unanimidade, que em consequência do acidente o A. apresenta “... pseudartrose dos ossos do cotovelo direito ... não compatível com o exercício da profissão de servente de pedreiro” e fixaram-lhe uma IPP de 25%, desde 7/8/2006, com incapacidade permanente para o trabalho habitual; 8- em meados de Maio de 2003, o A. começou a prestar serviços ao R., que se dedica à actividade da construção civil, como aprendiz de pedreiro; 9- o A. trabalhou na construção de prédios, por determinação do R., em Castelo de Vide e Monforte; 10- A. e R. acordaram que aquele executaria trabalhos de construção civil em obras que o R. executava, mediante o pagamento da quantia líquida de € 35/dia; 11- o R. pagava ao A. os dias que este trabalhava, multiplicando estes por € 35; 12- o A. mandou fazer facturas, onde constavam os seguintes dizeres: “AA – Actividade: Construção Civil – … – Compradores – Caixa Postal n.º … – Portalegre”. 13- o A. executava trabalhos em obras com colher, martelo, fita, talocha, maleta e ponteiro próprios; 14- o R. tinha, ao tempo do acidente, alguns trabalhadores do seu serviço; 15- pagava-lhes salários inferiores ao do A.; 16- pagava-lhes ao mês; 17- efectuava os descontos para a Segurança Social; 18- o A., em Dezembro de 2003, estava inscrito no NISS, enquanto trabalhador independente; 19- e, desde Dezembro de 2003 até 31/11/2004, esteve inscrito no NISS (outro Segurança Social) como trabalhador independente; 20- o A., após o acidente, voltou a trabalhar; 21- o A., após o acidente, trabalhou na indústria, como operário e como tirador de cortiça; 22- tendo prestado serviços e/ou laborado para DD, na tiragem de cortiça, auferindo em 24 dias de Junho de 2005 € 1.800,00; 23- e em Maio do mesmo ano, em 13 dias, € 975,00; 24- e prestou serviços e/ou trabalhou para EE e Irmão Ld.ª em Julho de 2006; 25- e para “FF Trabalho Temporário, Ld.ª”, pelo menos, de Setembro a Dezembro de 2006; 26- o A. trabalhou para “GG Empresa Trabalho Temporário, S.A” em Janeiro e Fevereiro do ano de 2007; 27- o A., em consequência do acidente ocorrido em 5/2/2004 foi hospitalizado no Hospital Doutor …, onde esteve internado, tratado e onde foi submetido a intervenção cirúrgica; 28- a 26/3/2004 o A. sofreu acidente pessoal e esteve no Hospital Doutor …; 29- ao tempo, no referido Hospital, havia surto infeccioso que afectou o A.; 30- a 5/4/2004, o A. sofreu outro acidente pessoal e esteve internado no mesmo hospital, em ortopedia, até 24/4/2004; 31- em 5/5/2004, o A. foi de novo internado em ortopedia, donde teve alta a 12/5/2004, e foi reinternado de 29/5/2004 a 23/6/2004; 32- alguns dos internamentos ficaram a dever-se a infecção do cotovelo, em consequência dum surto infeccioso ocorrido no hospital; 33- o A. foi admitido nos serviços de urgência do Hospital Doutor ... a 1/8/2004, 14/9/2004, 20/11/2004, 26/1/2005, 4/4/2005, 22/7/2005 e 25/1/2006; 34- o A. trabalhou desde 14/8/2006, na fábrica da borracha HH, como autoclavista; 35- sem qualquer incapacidade. 2.2. A 2.ª instância acolheu integralmente a factualidade descrita mas aditou-lhe um outro facto, sob o n.º 1-A, com o seguinte teor: “A construção desse prédio era executada pelo R.”.3- DIREITO 3.1. Examinando o núcleo conclusivo recursório, verifica-se que o Recorrente coloca a este Supremo Tribunal as questões de saber: 1.ª- se a Relação poderia ter ampliado a matéria de facto fixada pela 1.ª instância; 2.ª- se a Relação poderia ter ajuizado, para efeitos de reparabilidade do sinistro, que o Autor se encontrava na “dependência económica” do Réu; 3.ª- em caso afirmativo, se o contexto dos autos permite dar como verificada essa suposta “dependência económica”; 4.ª- se a reparação imposta ao Réu é desproporcionada e excessiva, por virtude de patologias sofridas pelo Autor, extrínsecas e posteriores ao acidente. 3.2. Pretende o Recorrente que estava vedado à Relação proceder ao aditamento factual operado: facto n.º 1-A. Em abono desse entendimento, convoca três fundamentos: - omissão alegatória das partes sobre o facto aditado, com a consequente preterição do princípio do contraditório; - falta de fundamentação da decisão; - ilegalidade da alteração oficiosa da matéria de facto. Comecemos pelo último argumento. A alteração produzida acobertou-se na previsão constante do artigo 712.º n.º 1 al. b) do Código de Processo Civil. Ficou claro, pois, que o entendimento acolhido, conducente à sobredita alteração, teve como pressuposto a existência, no processo, de elementos probatórios que a impunham e que eram insusceptíveis de ser destruídos por quaisquer outras provas. E, na verdade, quando se diz no acórdão em crise que o facto em apreço “... não é sequer convertido”, pretende-se significar que o mesmo foi aceite pelas partes, e não – como interpreta o Recorrente – que não se mostra sequer alegado por elas. Ora, segundo o artigo 659.º n.º 2 do diploma adjectivo geral – aplicável ao recurso de apelação pelo sequente artigo 713.º n.º 2 – “Na fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal colectivo deu como provados ...”. Daqui resulta que a aplicação do direito pressupõe o apuramento de todos os factos pertinentes e resultantes do desenvolvimento adjectivo do pleito, em cujo acervo se incluem não apenas aqueles que hajam sido firmados na decisão de facto propriamente dita, mas também “... os factos cuja prova resulta da lei, isto é, da assunção dum meio de prova com força probatória pleníssima, plena ou bastante ... independentemente de terem sido ou não dados como assentes na fase da condensação ...” (Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes in “Código de Processo Civil Anotado”, volume 3.º, 2003, página 643) – sublinhado nosso. Como se vê, nada impedia a Relação de proceder oficiosamente ao sobredito aditamento, sob a motivação – que é bastante – de que o facto em causa releva para a decisão da causa e não se mostra “controvertido”. No que concerne, por seu turno, à bondade desse veredicto, importa recordar que o n.º 6 do citado artigo 712.º impede o Supremo de emitir qualquer juízo sindicante sobre a matéria. Ainda assim, sempre se dirá que o Acórdão se limitou a individualizar, relativamente à obra onde o Autor se acidentou, a factualidade, mais abrangente, que já decorria do ponto n.º 9. Improcede, pois, a censura em análise. 3.3. Já sabemos que a Relação revogou o julgado da 1.ª instância por entender que o sinistrado, à data do acidente, desenvolvia a sua actividade na “dependência económica” do Réu. Rebela-se o Recorrente contra a incursão jurídica que consequenciou tal entendimento, alegando que a causa de pedir convocada pelo Autor radica, tão somente, na existência de um contrato de trabalho celebrado entre as partes, sendo que a sobredita “dependência económica” nunca foi objecto de discussão nos autos. Ao discorrer deste jeito, está o Recorrente a significar que a Relação excedeu a sua pronúncia, apreciando uma questão que estava impedida de enfrentar. Na sua óptica – e ainda que o não diga expressamente – o Acórdão padece, pois, da nulidade decisória prevista no artigo 668.º n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil. Sucede que o Recorrente reservou tal arguição para o seu texto alegatório, não cuidando que a mesma constasse do seu requerimento de interposição do recurso – fls. 446. Ora, como decorre do artigo 77.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, a arguição de nulidades da sentença, em contencioso laboral, deve ser feita, expressa e separadamente, no requerimento de interposição do recurso – assim se permitindo que o Tribunal recorrido se pronuncie e, eventualmente, supra os vícios invocados – sendo entendimento jurisprudencial pacífico que a mencionada norma é também aplicável à arguição de nulidades assacadas aos Acórdãos da Relação – cfr. artigos 1.º n.º 2 alínea a) do citado Compêndio e 716.º n.º 1 do Código de Processo Civil. Assim, visto que a arguição de nulidades, circunscrita ao texto alegatório, é inatendível por intempestividade, não se apreciará o equacionado vício. 3.4.1. A solução dada à questão anterior obriga-nos a enfrentar a questão subsequente que, de resto, constitui a problemática nuclear da acção: saber se o Réu deve ser obrigado a reparar o acidente que atingiu o Autor. Como o sinistro ocorreu em 5 de Fevereiro de 2004, o quadro legal atendível é o que decorre da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro (“Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais” – L.A.T.) e do D.L. n.º 143/99, de 30 de Abril (“Regulamento da Lei dos Acidentes de Trabalho” – R.L.A.T.) – artigos 41.º n.º 1 e 71.º n.º 1, respectivamente daquele e deste diplomas. O artigo 1.º da referida Lei, que cuida do seu objecto, estatui, no seu n.º 1, que “os trabalhadores e seus familiares têm direito à reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho e doenças profissionais nos termos previstos na presente lei e demais legislação regulamentar”. Sob a epígrafe “Âmbito da Lei”, estabelece, por seu turno, o seu artigo 2.º: “1- Têm direito à reparação os trabalhadores por conta de outrem de qualquer actividade, seja ou não explorada com fins lucrativos. 2- Consideram-se trabalhadores por conta de outrem para efeitos do presente diploma os que estejam vinculados por contrato de trabalho ou contrato legalmente equiparado e os praticantes, aprendizes, estagiários e demais situações que devam considerar-se de formação prática e, ainda, os que, considerando-se na dependência económica da pessoa servida, prestem, em conjunto ou isoladamente, determinado serviço”. Entretanto, o artigo 12.º n.º 3 do R.L.A.T. estabelece a seguinte presunção: “quando a lei ou esta regulamentação não impuserem entendimento diferente, presumir-se-á que os trabalhadores estão na dependência económica da pessoa em proveito da qual prestam serviços”. Trata-se de uma presunção “juris tantum”, cabendo à parte afectada pelo seu funcionamento a prova em contrário do facto presumido – artigo 344.º do Código Civil. Também o Código do Trabalho de 2003 – após expressar, no artigo 10.º, a noção de “contrato de trabalho”, fazendo-o em termos idênticos ao artigo 1152.º do Código Civil – equipara, no seu artigo 13.º, àquele vínculo aqueles que “... tenham por objecto a prestação de trabalho, sem subordinação jurídica, sempre que o trabalhador deva considerar-se na dependência económica do beneficiário da actividade”. A “equiparação” consagrada na L.A.T. – artigo 2.º n.º 2 – e no referido C.T. – artigo 13.º – reporta-se a situações em que existe uma prestação de trabalho, sem subordinação jurídica, mas em que o trabalhador se encontra economicamente dependente daquele que recebe o produto da sua actividade. 3.4.2. Este Supremo Tribunal já decidiu que as sobreditas “equiparações” – designadamente a da L.A.T. para os efeitos previstos nesse diploma – não visaram alterar a conceptualização típica do contrato de trabalho ou do contrato de prestação de serviço, por forma a que um vínculo desta última natureza possa beneficiar, sem mais, da protecção legalmente conferida ao primeiro. Conforme se anota no Acórdão de 19/11/2005 (Recurso n.º 2334/05) – e se reforçou no Acórdão de 9/5/2007, em que o ora relator interveio como adjunto – a falada “equiparação” “... tem uma função meramente residual, destinando-se a prevenir que situações que não se encontrem juridicamente bem definidas como contrato de trabalho ou contrato de prestação de serviço possam igualmente ser enquadradas no regime indemnizatório previsto nessa Lei”. [L.A.T.) – sublinhado nosso. É dizer que um contrato assumidamente tido como prestação de serviço jamais confere ao prestador a protecção consagrada no domínio da sinistralidade laboral: estamos, nesse caso, perante trabalhadores independentes, que exercem uma actividade por conta própria e que “... devem efectuar um seguro que garanta as prestações previstas na presente lei” (artigo 3.º da L.A.T.). O esforço que a doutrina e a jurisprudência têm produzido no sentido de fixar o âmbito das mencionadas “equiparações” ilustra, a nosso ver, essa apontada função residual. Vejamos, a título de exemplo, a delimitação traçada pelo Prof. Pedro Romano Martinez: “No art. 2.º n.º 2, da L.A.T alarga-se o conceito de acidente de trabalho aos infortúnios que ocorram com quem não seja trabalhador por conta de outrem, de modo a abranger aqueles que tenham contratos equiparados (como o caso do trabalho no domicílio), os praticantes, aprendizes e demais formandos, bem como outros trabalhadores, sem contrato de trabalho, mas que prestem uma actividade na dependência económica da pessoa servida. A situação não se altera substancialmente atendendo ao disposto no art. 18.º da Lei n.º 99/2003, que aprovou o Código do Trabalho. O problema reside em saber quando se deve considerar que existe dependência económica nos termos do art. 2.º, n.º 2, da L.A.T.. Por um lado, a dependência económica pressupõe a integração do prestador da actividade no processo empresarial de outrem e, por outro, o facto de a actividade desenvolvida não poder ser aproveitada por terceiro. Já não parece de aceitar que se enquadre na noção de dependência económica o facto de o prestador da actividade carecer da importância auferida para o seu sustento ou o da sua família. A integração no processo produtivo da empresa beneficiária, que será talvez o factor relevante para a existência de dependência económica, pode ser coadjuvada com a continuidade no exercício da actividade, pois, por via de regra, não haverá integração num processo produtivo empresarial se a actividade é desenvolvida de forma esporádica. Não sendo o empregador uma empresa, dificilmente quem prestar serviços com autonomia poderá considerar-se na dependência económica da pessoa servida, até porque o legislador pretendeu, de algum modo, excluir do âmbito da Lei dos Acidentes de trabalho os acidentes ocorridos na execução de trabalhos de curta duração fora do seio empresarial (art. 8.º, n.º 1, alínea b), da LAT e art. 292.º n.º 1 do CT). Por outro lado, a dependência económica pressupõe que a actividade desenvolvida por quem presta o serviço só aproveite ao seu beneficiário, de molde a não poder conferir quaisquer vantagens a terceiros. Será o que ocorre no caso de o trabalhador autónomo realizar certa actividade, cujo resultado, sendo rejeitado pelo beneficiário, não poderá ser aproveitado por outrem. Na dúvida em relação a dada actividade, presume-se que o trabalhador se encontra na dependência económica da pessoa em proveito da qual o serviço é prestado (art. 12.º n.º 3, do Decreto-Lei n.º 143/99) (in “Direito do Trabalho”, 3.ª edição, Junho de 2006, páginas 819 a 821 – sublinhados nossos). A delimitação assim operada demonstra, à saciedade, que um contrato, definitivamente qualificado como prestação de serviço, está fora do âmbito proteccionista da sinistralidade laboral. 3.4.3. Conforme já se anotou na rubrica “Relatório”, a 1.ª instância decidiu que “... a actividade prestada pelo autor tinha como substracto jurídico um contrato de prestação de serviços e que este era trabalhador independente ...; por isso, se conclui que o autor, enquanto trabalhador independente, deveria ter providenciado pela existência de um seguro que garantisse a reparação do acidente”. Naturalmente, o Autor questionou esta qualificação no seu recurso de apelação, sendo que o Acórdão em crise, a tal propósito, discorreu como segue: “Mas ainda que possamos concordar com a sentença recorrida na parte em que a mesma procedeu à qualificação jurídica, como prestação de serviços, do vínculo contratual em que as partes acordaram, consideramos também que nela não foi feita uma abordagem suficientemente aprofundada daquela que é a sede normativa em termos de definição do âmbito pessoal da protecção conferida pela lei em matéria de acidentes de trabalho: o art. 2.º da LAT (Lei n.º 100/97, de 13/9)”. Seguiu-se, na sequência de tal anúncio, a incursão jurídica sobre o conceito de “dependência económica”, vindo a concluir-se que o Autor se encontrava em tal situação perante o Réu: daí a sentenciada reparação do acidente. Sem cuidar já de saber se a causa de pedir invocada pelo Autor consentia uma tal incursão jurídica, temos para nós, à luz da tese perfilhada, que a Relação já não poderia fazê-lo a partir do momento em que confirmou – ou, pelo menos, anuiu – à qualificação do vínculo como contrato de prestação de serviço. Por outro lado, também essa qualificação não pode ser já sindicada, visto que o Autor, podendo fazê-lo nas suas contra-alegações (artigo 684.º-A do Código do Processo Civil), se absteve de censurar esse juízo qualificativo. Assumida, pois, em definitivo a descrita natureza do contrato em apreço, não cabe ao Réu reparar o acidente dos autos. 3.5. A solução ora alcançada prejudica, sem mais, o conhecimento da última questão elencada. 4- DECISÃO Em face do exposto, decide-se: a) não tomar conhecimento da nulidade decisória apontada ao Acórdão da Relação; b) considerar prejudicado o conhecimento da última questão colocada pelo Recorrente; c) conceder a revista, nos termos e com os fundamentos expostos, revogando-se o sobredito Acórdão e repristinando-se na íntegra a sentença da 1.ª instância. Sem custas, nas instâncias e no Supremo, dada a isenção subjectiva de que goza o Autor – artigo 2º n.º 1 alínea e) do C.C.J., na versão atendível. Lisboa, 15 de Setembro de 2010 Sousa Grandão (Relator) Pinto Hespanhol Vasques Dinis |