Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02B2864
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ARAÚJO BARROS
Nº do Documento: SJ200210240028647
Data do Acordão: 10/24/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 17752001
Data: 02/25/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Sumário :
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


A intentou, no 2º Juízo Cível do Tribunal da comarca do Porto, acção declarativa ordinária contra "B", peticionando a condenação desta a pagar-lhe: a) a quantia de 25.000.000$00, referente a prejuízos sofridos e já detectados em três imóveis de que é proprietário, sitos na rua José Monteiro Baltazar, Lordelo do Ouro, Porto; b) a quantia de 15.000.000$00, para o ressarcir da desvalorização sofrida por esses prédios; c) a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença para reparar os danos sofridos e ainda não detectados; d) a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença para o ressarcir dos incómodos que venha a sofrer com a reparação dos prédios.

Alegou, para tanto, e em síntese, que é dono dos aludidos imóveis e que a ré está a construir um hotel num prédio vizinho, tendo as escavações efectuadas com essa finalidade causado o abalo das terras onde aqueles assentam, facto que lhe causou danos de natureza patrimonial e não patrimonial.

Citada a ré, requereu o chamamento à autoria de "C - Sociedade de Construção Civil, SA", "Companhia de Seguros D", "Companhia de Seguros E", e "Companhia de Seguros F", alegando, para o efeito, que é apenas proprietária do imóvel objecto de construção e que, a existirem os danos que o autor invoca, os mesmos foram resultantes da actividade da primeira chamada (empreiteira), tendo as restantes chamadas celebrado contratos de seguro pelos quais assumiram a responsabilidade por danos causados a terceiros.

Admitido o chamamento, a "Companhia de Seguros F" apresentou contestação, impugnando a matéria alegada pelo autor.

Por seu turno a "Companhia de Seguros D", requereu o chamamento à autoria de "G - Transporte e Terraplanagem, L.da" e de "H", invocando que os eventuais danos alegados pelo autor terão resultado da actuação destas chamadas.

A "Companhia de Seguros E" declarou não aceitar a autoria.

Citada, veio a chamada "C", por sua vez, requerer o chamamento à autoria de "Companhia de Seguros D", "Companhia de Seguros E", "G - Transporte e Terraplanagem, L.da" e "H".

Admitidos todos estes chamamentos, com citação das chamadas, veio a "Companhia de Seguros E" declarar que não aceitava a autoria e requerer a sua constituição como assistente da "C" e da "D", o que foi atendido.

A chamada "G" contestou a acção, sustentando, em resumo, que não lhe são imputáveis os danos invocados pelo autor.

Contestou ainda a ré, alegando ser parte ilegítima e impugnando a matéria alegada pelo autor.

A chamada "H" contestou também, sustentando que se encontra prescrito qualquer direito que pudesse ser exercido contra ela, impugnando, por outro lado, os factos alegados pelo autor.

A "Companhia de Seguros D" declarando aceitar a autoria, apresentou contestação na qual sustentou que se encontra prescrito o eventual direito do autor, impugnando, paralelamente, a matéria articulada na petição inicial.

Apresentou, por último, a ré nova contestação, impugnando a matéria constante da petição.

Findos os articulados foi proferido despacho saneador julgando improcedente a excepção de ilegitimidade, prosseguindo os autos com organização de especificação e questionário.

Procedeu-se, mais tarde, a julgamento com decisão acerca da matéria de facto controvertida, vindo depois a ser exarada sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo a ré dos pedidos.

Apelou o autor, sem êxito embora, já que o Tribunal da Relação do Porto, em acórdão de 25 de Fevereiro de 2002, julgando improcedente o recurso, confirmou a decisão recorrida.

Interpôs, agora, o autor recurso de revista, formulando, nas alegações que produziu, as conclusões seguintes:

1. É ao lesante que compete o ressarcimento dos danos que a sua conduta provoque ao lesado, competindo-lhe escolher entre a reconstituição natural e a indemnização em dinheiro.

2. Não se opondo o lesante que a indemnização seja fixada pela última forma, de entender é que aceita essa forma de ressarcimento.

3. O lesado tem sempre o direito de optar pela forma de indemnização que julgue mais adequada, designadamente quando o lesante não se ofereça para proceder à reparação in natura.

4. O acórdão recorrido viola, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos arts. 483º e 566º do C.Civil, pelo que deve o recurso ser provido, condenando-se "B" a pagar ao recorrente a quantia de 19.600.000$00 (correspondente a 97.764,39 Euros), valor das reparações dos danos já detectados, acrescido do custo das que o vierem a ser quando for iniciada a reparação.

Contra-alegaram as recorridas "B" e "Companhia de Seguros D", pugnando pela confirmação do acórdão em crise.

Verificados os pressupostos de validade e de regularidade da instância, colhidos os vistos, cumpre decidir.

Encontra-se assente em definitivo, já que não impugnada, a seguinte matéria de facto:

a) - por escritura pública de compra e venda, outorgada em 15 de Março de 1969, no 5º Cartório Notarial do Porto, o autor adquiriu um terreno para construção, com a área de 746 m2, sito na Rua José Monteiro Baltazar, freguesia de Lordelo do Ouro, concelho do Porto, a destacar do prédio descrito sob o nº 5976 da 2ª Conservatória do Registo Predial do Porto;

b) - a ré está a construir, num prédio vizinho ao do autor, um hotel denominado "Hotel Ipanema Park", tendo, para o efeito, celebrado três contratos de empreitada, com "C, SA", a qual se obrigou a executar o edifício do hotel e todas as demais obras de infra-estrutura, de pedreiro, com "H", para efectuar a contenção dos terrenos vizinhos, planear, dirigir e executar nessa parte específica, o vulgarmente designado Muro de Berlim e com "G, L.da" a qual se obrigava a efectuar as escavações sob as suas ordens;

c) - por contrato de seguro titulado pelas apólices nº 91-02687107 e 45-5000176, a "C, SA" transferiu a sua responsabilidade civil emergente da construção empreendida e causa de eventuais danos a terceiros, até ao limite de 100.000.000$00 para cada seguradora, respectivamente para "D" e "E";

d) - através das apólices nºs 11417 e 12026, a ré transferiu para "F" toda a sua responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros com a execução da construção.

e) - no terreno referido em a) o autor construiu três prédios urbanos, sendo dois deles constituídos por cave, rés-do-chão, e dois andares, com a área de 78 m2, e duas garagens exteriores, destinados a habitação, e o terceiro composto por cave, rés-do-chão e dois andares, com a área coberta de 78 m2, destinado a habitação;

f) - há mais de vinte anos, por si e antepossuidores, o autor vem possuindo o terreno, nele construindo, cuidado da sua conservação, recebendo as rendas e pagando os impostos devidos, o que vem fazendo à vista e com exclusão de toda a gente, sem oposição de ninguém, ininterruptamente, convicto de que não lesou ou lesa direitos ou interesses de quem quer que seja;

g) - a construção que a ré mandou efectuar dista dos prédios do autor menos de 50 metros;

h) - a ré ordenou que se abrissem profundas escavações no terreno onde erigiu o hotel, escavações que têm a profundidade necessária, a contar da superfície do solo, de modo que, abaixo desse nível, se edificassem três pisos;

i) - ainda abaixo do nível do último piso, a contar abaixo do solo, foram feitas escavações a fim de aí assentarem as fundações do edifício;

j) - essas fundações têm a profundidade necessária para aguentarem aqueles três pisos e mais 15 pisos que se elevam acima da superfície do solo;

k) - tais escavações causaram o abalo das terras onde assentam os prédios do autor e provocaram inúmeras fendas no chão e nas paredes dos prédios do autor;

l) - o rés-do-chão dos prédios do autor tem fendas nas placas do piso e em todas as paredes; os muretes de vedação e os pavimentos dos logradouros desses prédios revelam fendas; os primeiros e segundos andares têm todas as paredes e placas do piso fendidas; as caixas das escadas existentes nos três prédios também abriram fendas; as duas garagens exteriores apresentam inúmeras fendas, mas nenhuma delas com 10 cm; várias tubagens de conduta de água dos prédios foram rebentadas;

m) - tais avarias foram provocadas pelos bruscos movimentos de terras ou solos necessários à construção do prédio da ré;

n) - os danos começaram a ser detectados pelo menos em Janeiro de 1991, tendo-se agravado e acentuado até um momento que não foi possível determinar;

o) - a reparação dos danos já detectados tem um custo não inferior a 19.600.000$00;

p) - a esse custo acresce o dos danos que se detectarem quando for iniciada a reparação dos já detectados, bem como incómodos;

q) - esses prédios foram construídos há mais de dez anos;

r) - a "C, SA", através do contrato de empreitada que celebrou com a ré, e como empreiteira geral, responsabilizou-se pelo acompanhamento técnico de toda a execução do movimento de terras e pela execução de todas as demais situações de sustentação dos terrenos confinantes, incumbindo-lhe a coordenação da actividade de todos os diversos empreiteiros;

s) - a ré apenas se obrigou a fiscalizar a obra realizada pela empreiteira geral de forma a verificar se a mesma correspondia, na sua execução técnica, à qualidade e especificações dos projectos, caderno de encargos e demais planos da obra;

t) - a empreiteira geral agiu autonomamente e sem quaisquer instruções da ré, ré que não ordenou ou por qualquer forma orientou os trabalhos dos empreiteiros;

u) - a cobertura dada pelo seguro celebrado entre a "C, SA" e a seguradora "E" é complementar dos primeiros 100.000.000$00 a cargo da "D";

v) - foi acordado entre a ré e a "C, SA" que a primeira, como dona da obra, se obrigava a entregar à empreiteira o terreno escavado e livre de obstáculos, tendo-se a ré responsabilizado pelo contrato com a empresa que faria o movimento de terras;

w) - para tanto a ré contratou com "G, L.da" e "H", às quais encarregou de executar os trabalhos de escavação e movimentação de terras na obra e de entivação para escoramento das terras adjacentes à obra;

x) - a "C, SA" assumiu a função de coordenação geral dos trabalhos desenvolvidos por aquelas firmas especializadas, e contratadas pela ré, responsabilizando-se pelo acompanhamento técnico de toda a execução do movimento de terras de modo a compatibilizar a execução com o prazo;

y) - a "G" executou os trabalhos de escavação e movimentação das terras na obra;

z) - e "H" executou os trabalhos de entivação, por ancoragem, para suporte das terras adjacentes às escavadas e movimentadas por "G";

aa) - a "G" limitou-se a executar o que lhe era determinado por técnicos da "C", que sempre dirigiram e orientaram a execução das obras por si efectuadas;

ab) - toda a fiscalização e acompanhamento das escavações foram exercidos pela ré e pela "C", através dos seus técnicos;

ac) - o trabalho da "G" esgotava-se na escavação e remoção das terras que estavam dentro da demarcação dos muros de contenção;

ad) - a "G" limitou-se a colocar na obra as máquinas de escavação apropriadas ao pretendido pela ré e "C", com os respectivos operadores e a "C" a dar orientações a estes para efectuarem o serviço que fosse determinado pelos técnicos da "C";

ae) - quando iniciou os seus trabalhos já haviam sido feitas as escavações;

af) - todos os trabalhos de escavações e fundações terminaram antes de Novembro de 1990;

ag) - o abalo da estrutura dos edifícios do autor e danos dele decorrentes foi motivado pela descompressão geral sofrida pelo maciço onde se apoiam as fundações daqueles;

ah) - e resultou da execução das obras da parede de contenção das zonas nascente e norte e das ancoragens, que ficaram a cargo de "H", que foi contratada pela dona da obra para executar esses trabalhos, sem qualquer orientação ou direcção da ré;

ai) - a seguradora "D", através do contrato de seguro que celebrou com a "C" apenas assumiu a cobertura da responsabilidade civil da segurada enquanto empreiteira da construção civil e obras públicas, abarcando todo o domínio geral da sua actividade;

aj) - pelo contrato de seguro celebrado entre a "C" e a "E" aquela transferiu para esta a sua responsabilidade civil emergente da construção do Hotel Ipanema Park.

Sendo, em princípio, pelo teor das conclusões apresentadas nas alegações de recurso que se delimitam as questões a apreciar no respectivo âmbito (arts. 690º, nº 1 e 684º, nº 3, do C.Proc.Civil), importa conhecer de uma única questão, relativamente à qual o recorrente diverge do entendimento do acórdão recorrido, que podemos equacionar do seguinte modo:

Invocando danos, em prédios seus, advindos de obras de escavação a que a ré procedeu em prédio vizinho (art. 1348º do C.Civil (1), peticionou o autor, para reparar os prédios ajuizados, relativamente aos danos já detectados, a indemnização de 25.000.000$00 (em causa está apenas, neste momento, o montante de 19.6000.000$00) e para reparar os mesmos prédios pelos danos ainda não detectados indemnização de montante a liquidar em execução de sentença (afastados estão já - uma vez que, nessa parte, não foi contrariado o acórdão em crise, dada a sua não inclusão nas conclusões - quer o ressarcimento da desvalorização sofrida por tais prédios, quer a indemnização por danos não patrimoniais).

O acórdão impugnado, partindo embora do pressuposto factual da ocorrência e causalidade dos danos alegados, seguiu o entendimento de que, vigorando como regra em matéria de indemnização o princípio da reconstituição natural (art. 562º do C.Civil), e não ocorrendo nenhuma das situações que justificam a atribuição de uma indemnização pecuniária (art. 566º, nº 1), não pode proceder o pedido de pagamento das quantias pretendidas.

Diverge o recorrente desta orientação, afirmando essencialmente que o lesado tem o direito de optar pela forma de indemnização mais adequada, designadamente quando o lesante se não ofereça para proceder à reparação in natura, e não se oponha a que a indemnização seja fixada em dinheiro.

Começaremos por referir que, ao contrário do sustentado pelo recorrente, a eventual responsabilidade civil da ré não assenta no nº 1 do art. 483º (norma que tão só alude à responsabilidade extracontratual por factos ilícitos), mas directamente no art. 1348º, nº 2, constituindo, assim, "mais uma das numerosas hipóteses típicas de acto lícito que obriga o agente a reparar os danos causados". (2)

Na verdade, dispõe aquele art. 1348º que "o proprietário tem a faculdade de abrir no seu prédio minas ou poços e fazer escavações, desde que não prive os prédios vizinhos do apoio necessário para evitar desmoronamentos ou deslocações de terra" (nº 1), assim como que "logo que venham a padecer danos com as obras (escavações) feitas, os proprietários vizinhos serão indemnizados pelo autor delas, mesmo que tenham sido tomadas todas as precauções julgadas necessárias" (nº 2).

Notar-se-á, porém, esta construção jurídica não acarreta qualquer atipicidade no que respeita ao regime da obrigação de indemnização inserto nos arts. 562º a 572º, comum a todas os tipos de responsabilidade civil, e de que, de imediato, ressalta a consagração do princípio da restauração ou reposição natural, traduzido no facto de que "quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação" (art. 562º). (3)

Realmente "o n. 2 do art. 1348 limita-se a determinar que se, e na medida em que, vierem a padecer danos com obras feitas, os proprietários vizinhos serão indemnizados pelos autores destas. Não subverte este normativo nem o princípio geral da prioridade da reconstituição natural instituído pelo art. 562 do C. Civil, nem o princípio geral da subsidiariedade da indemnização em dinheiro contemplado no n. 1 do art. 566 do mesmo Código. O que este preceito legal pretende postular é a salvaguarda da indemnização total dos danos, ao estatuir que, na parte em que a restituição natural os não repare, deve a indemnização ser fixada em dinheiro". (4)

É certo, no entanto, que a própria lei prevê o afastamento da regra geral, por inviabilização prática, da reparação do dano, através da restauração natural da coisa danificada, por razões de equidade. E, deste modo, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor, a indemnização é fixada em dinheiro - segundo determina o artigo 566º-1º. É esta a lição que se recolhe dos doutrinadores e comentaristas do artigo 566º-1, lição que se reforça - e eles também recolhem - por lógica e sentido jurídico semelhantes, quando aproximamos o aludido preceito do disposto no artigo 829º, em situações paralelas de desproporção de valores dos danos produzidos em comparação com os correspondentes valores indemnizáveis". (5)
Acresce, todavia, da conjugação das normas dos citados arts. 562º e 566º, nº 1, que nada impede, não obstante a redacção da primeiro, que o lesado - afinal a indemnização através da reposição natural visa, em última análise, favorecê-lo (6) - venha, à partida, a optar pela indemnização pecuniária substitutiva ou equivalente, cumprindo, neste caso, "se for possível a reconstituição natural, não devendo a indemnização ser fixada em dinheiro, ao réu alegá-lo na contestação, pois é nesse articulado que se deduz a defesa". (7)

Posto isto, subsumidos os preceitos indicados, de acordo com os considerandos expostos, à matéria de facto apurada, parece-nos inevitável a conclusão de que, não só porque o art. 5661º, nº 1, o permite, mas sobretudo pelo apelo à boa fé que deve presidir em todas as situações de interesses conflituantes e do recurso à equidade (8), o autor goza do direito a receber a indemnização peticionada (reduzida, é certo, aos limites resultantes da matéria fáctica provada).

Desde logo se não suscitam quaisquer dúvidas acerca da responsabilidade civil (por acto lícito embora) da ré, e da consequente obrigação de indemnizar o autor. É ela a proprietária do prédio vizinho onde foram realizadas as escavações. (9) Está claramente comprovada a existência de nexo de causalidade entre as obras efectuadas e os danos sofridos pelo autor. A indemnização é devida independentemente de culpa (art. 1348º, nº 2).

Doutro passo, a ré não deduziu qualquer oposição à natureza pecuniária, pelo equivalente, da indemnização peticionada pelo autor (não pugnou pela reposição natural dos prédios danificados).

O que, em boa verdade, se atentarmos no quadro factual subjacente à situação em apreço, nem faria sentido.

Com efeito, realizadas pela ré, no seu prédio as obras de escavação (a mesma ordenou que se abrissem profundas escavações no terreno onde erigiu o hotel) pelo menos em 1991, e apesar de intentada esta acção em 1994, permanecem os acima descritos danos (de evidente gravidade). Não se vislumbra, da banda dela, qualquer intenção de os reparar. É sabido que os danos causados tenderão a agravar-se com o decurso do tempo, tanto mais que nem todos estão detectados. É óbvio que, na necessidade de propor outra acção para obter a condenação da ré na reparação específica dos danos causados (com os inerentes recursos e provável posterior procedimento executivo) mais uns anos largos decorrerão, pelo menos comparativamente com o que in casu acontece. Encontra-se, desde 1991, o autor coarctado de utilizar em pleno o conteúdo do seu direito de propriedade sobre os imóveis danificados. Não se sabe ainda concretamente qual a amplitude dos danos sofridos pelo autor nos seus prédios, já que parte deles, naturalmente, só serão determinados quando se iniciarem as obras de reparação. Não é possível, por último, alhearmo-nos da situação económica em presença - enquanto a ré destinava as obras à construção de grande edifício (para instalação de um hotel de categoria), o autor é dono de prédios muito menos aparatosos.
Toda esta situação justifica, pela exigência de um processo equitativo, como pela boa fé por que se há-de pautar o comportamento das pessoas, que se opte pela condenação no pagamento de uma quantia em dinheiro, já que são tão grandes os inconvenientes advindos para o autor de outra solução (reparação in natura) que, verdadeiramente, se nos afigura estarmos perante um dos casos previstos pelo art. 566º, nº 1, em que a reconstituição natural não repara integralmente os danos sofridos pelo lesado.

Cremos, assim, demonstrada a razoabilidade do recurso interposto.

Termos em que se decide:
a) - julgar procedente o recurso de revista interposto pelo autor A;
b) - revogar o acórdão recorrido;
c) - condenar a ré "B" a pagar àquele autor a quantia de 19.6000.000$00 como indemnização pelos danos já concretamente causados, bem como a indemnização, de montante a liquidar em execução de sentença pelos danos ainda não apurados neste momento;
d) - condenar as recorridas nas custas da revista, determinando que as custas devidas nas instâncias sejam suportadas pelas partes, na proporção do vencido.

Lisboa, 24 de Outubro de 2002

Araújo Barros
Oliveira Barros
Diogo Fernandes

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(1) Diploma a que pertencem todos os preceitos adiante indicados sem outra referência.
(2) Pires de Lima e Antunes Varela, in "Código Civil Anotado", vol. III, 2ª edição, com a colaboração de M. Henrique Mesquita, Coimbra, 1987, pag. 183.
(3) Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in "Código Civil Anotado", vol. I, 4ª edição, com a colaboração de M. Henrique Mesquita, Coimbra, 1987, pag. 576; Ac. RP de 16/06/94, in BMJ nº 438, pag. 556 (relator Oliveira Barros). Em sentido diferente - o legislador não se quis referir no art. 562º à reconstituição natural - pronunciou-se Pessoa Jorge, no "Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil", in Cadernos de Ciência Técnica e Fiscal, nº 80, Lisboa, 1972, pags. 404 a 406.
(4) Ac. STJ de 28/10/99, no Proc. 854/99 da 2ª secção (relator Ferreira de Almeida)
(5) Ac. STJ de 27/06/2002, no Proc. 1801/02 da 7ª secção (relator Neves Ribeiro)
(6) Como se pode ver no Ac. STJ de 07/07/99, in CJSTJ Ano VII, 3, pag. 16, "este princípio (da reposição natural) não pode resultar em benefício do lesante para não restituir o lesado à situação que existiria se não se tivesse verificado a lesão".
(7) Ac. STJ de 27/10/81, no Proc. 69395 da 1ª secção (relator Roseira de Figueiredo)
(8) É patente a indicação constitucional de que a administração da justiça, através da aplicação do direito, não pode deixar de assegurar a defesa dos interesses legalmente protegidos, mediante um julgamento equitativo (art. 20º, nº s 1 e 4, da Constituição - redacção da Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro).
(9) É sempre ao proprietário do prédio, ainda que as obras sejam feitas através da celebração de contratos de empreitada, que incumbe a obrigação de indemnizar os donos dos prédios vizinhos pelos prejuízos causados pelas escavações (Ac. STJ de 28/05/96, in BMJ nº 457, pag. 317 - relator Metello de Nápoles).