Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | SEBASTIÃO PÓVOAS | ||
Descritores: | INDEMNIZAÇÃO DANO PREJUÍZO RESTAURAÇÃO "IN NATURA" COMPENSATIO LUCRI CUM DAMNO DANO NÃO PATRIMONIAL JUROS RESPONSABILIDADE CIVIL | ||
Data do Acordão: | 05/31/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES | ||
Doutrina: | - Almeida Costa in “Direito das Obrigações”, 6.ª ed., 662, 663, 668, 873. - A. Varela – “Das Obrigações em Geral”, I, 10.ª ed., 533, 904, 905, 938; “Das Obrigações em Geral”, II,7ª ed., 16. - Castro Mendes, “Do Conceito Jurídico de Prejuízo”, in Jornal do Foro, Ano 16, 1952, 44 ss.. - Dário Martins de Almeida, in “Manual de Acidentes de Viação”, 373. - Enneccerus – Lehmann in “Derecho de Obligationes”, I, 1933, 61. - Galvão Telles, in “Obrigações”, 32. - Gomes da Silva, in “O Dever de Prestar e o Dever de Indemnizar”, 1944, p. 100, 120. - Jaime de Gouveia, in “Da Responsabilidade Contratual”, 91. - José Gualberto Sá Carneiro, “Revista dos Tribunais”, 86.º-214. - Júlio Gomes, in Cadernos de Direito Privado”, 3, 56 e ss.. - J. Santos Briz, “La reparación de daños”. “Tratado de Responsabilidad Civil”.I.2008, 609 ss.. - Manuel de Andrade, in “Teoria Geral das Obrigações”, 3.ª ed., 1966, 341. - Mario Pogliani, “Responsabilità e resarcimentoda illecito civile”, 2” ed., 1969, 465 ss.. - Menezes Cordeiro, in “Direito das Obrigações”, 2001, 2.ª, 307, 399, 401. - Paulo Cunha, in “Direito das Obrigações”, II, 1938/1939, 246. - Pereira Coelho, in “O Nexo de Causalidade na Responsabilidade Civil”, 53; “O Problema da Causa Virtual na Responsabilidade Civil”, 10 ss., 250; “Obrigações”, 174. - Pessoa Jorge, “Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, 1972 – Reedição – 340, 416, 421 e ss.. - Pires de Lima e A. Varela, “Código Civil Anotado”, I, 3.ª ed., 496, 546, 550; “Código Civil Anotado”, II, 3ªed., 5/7. - Vaz Serra, in BMJ 84- 8, 124, 132, 221; “Dação em cumprimento, consignação em depósito, confusão e figuras afins”, 1954, nº29; RLJ, 94.º, 245. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 334.º, 483.º, 487.º, 488.º, 491.º A 493.º, 494.º, 496.º, 509.º, 564.º, N.º1, 566.º, 569.º, 570.º, N.º1, 763.º, 799.º, N.º1, 805.º, N.º3. | ||
Legislação Estrangeira: | - CÓDIGOS CIVIS DA ALEMANHA (§S 249, 250 E 251), DA AUSTRIA (§S1.323), DA ITALIA (ART.2058),DO BRASIL (ART.1534). - CÓDIGO DAS OBRIGAÇÕES DA SUIÇA (ART. 43). | ||
Referências Internacionais: | - CODE CIVIL , DALLOZ. 493 SS.. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 8-6-2006, PROCESSO N.º 06 A1464; -DE 7-11-2006, PROCESSO N.º 06 A3349; -DE 11-01-2007, PROCESSO N.º 06B4430; -DE 5-7-2007, PROCESSO N.º 07B1849; -DE 4-12-2007, PROCESSO N.º 06B4219; -DE 19-03-2009, PROCESSO N.º 09B0520. | ||
Sumário : | 1) No âmbito da responsabilidade civil, a culpa – como nexo de imputação subjectiva do facto ao agente – traduz-se numa conduta deste que, quando não intencional (dolosa), é omissiva de um comportamento que integre uma actuação cuidada. 2) Há, em suma, comportamento errado por incompetência, imperícia ou falta de observância de regras técnicas. 3) Mas o nexo de imputação deve ser apreciado em concreto (casuisticamente) tomando como referência/padrão a postura do “bonus pater famílias”colocado perante o mesmo circunstancialismo factico. 4) O mesmo nexo psicológico é de presumir, “ex vi” do artigo 488.º do Código Civil, não tendo o lesado de provar a voluntariedade do acto ou a imputabilidade do agente. 5) O dano é um requisito da responsabilidade civil conectado com o ilícito sendo o “genus” (dano em sentido lato) constituído pela “species” (prejuízos ou danos em sentido estrito) caracterizado pela deterioração ou perda de bens jurídicos (patrimoniais ou não) da esfera jurídica do lesado. 6) Os danos patrimoniais desdobram-se em positivos (ou emergentes) e frustrados (ou lucros cessantes). 7) O fim do dever de indemnizar, a cargo do lesante, é, no dano patrimonial, criar uma situação que se aproxime o mais possível da que o lesado provavelmente teria se não ocorresse o facto danoso. 8) No dano não patrimonial a dogmática é diferente, buscando-se não uma indemnização estribada na teoria da diferença mas uma compensação que permita ao lesado “esquecer” a ofensa sofrida através do aceno a actividades lúdicas ou de lazer. 9) A teoria da diferença que aponta para o conceito abstracto (objectivo) de dano considera que a reparação perfeita é em espécie (“in natura”) ou de reintegração, tendo a indemnização em dinheiro carácter subsidiário, por haver conversão da obrigação de reparar em obrigação pecuniária. 10) Tal conversão só é permitida – na ausência de acordo das partes – quando a restauração natural é impossível (impossibilidade material, que não económica ou jurídica) ou excessivamente onerosa (o que seria atentatório da boa fé) para o lesante. 11) Neste caso, é o lesante que terá de alegar a excessiva onerosidade, sendo que a primeira situação deve ser alegada pelo lesado,pelo lesante, ou conhecida “ex officio” se o facto for patente. 12) Se a “reconstitutio in integrum” oferecida pelo lesante ao lesado não cobre todos os prejuízos patrimoniais em que o dano se desdobra, ou o faz deficientemente, este pode recusar a reparação operando-se a conversão em obrigação pecuniaria. 14) O instituto da “compensatio lucri cum damno” não está, clara e expressamente, consagrado no Código Civil, antes resultando do nº 2 “in fine”do artigo 566º,como fundamento adjuvante para se dar por assente a aceitação da teoria da diferença, em sede de indemnização. 15) Tem como requisitos a unidade do dano e os prejuízos e a vantagem serem o resultado do mesmo evento. 16) Não representa um limite à indemnização mas um critério do cálculo informador desta. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça AA e BBo intentaram acção, com processo ordinário, contra CC, sua mulher DD e “... – Companhia de Seguros, S.A”. Pediram que sejam declaradas habilitadas como únicas e universais herdeiras da herança ilíquida e indivisa de seus pais EE e FF, com legitimidade para exercerem em Tribunal todos os direitos relativos à herança, ainda indivisa e ilíquida, daqueles; a condenação solidária dos Réus a pagarem-lhes a quantia de 341.680,00 euros, acrescida de juros legais desde a citação. Nuclearmente, alegaram que seus pais faleceram intestados, sendo que do acervo da herança faz parte um edifício (n.ºs 21/31 da Rua dos Combatentes da Grande Guerra) em Bragança; que, em 11 de Abril de 2003, ocorreu um incêndio no edifício contíguo pertença dos Réus CC e DD; que o Réu mantinha aí um depósito de dezenas de botijas de gás de consumo doméstico, para revenda, actividade ilegal por exercida em bairro residencial e em zona histórica; que o incidente resultou de anomalia numa botija que o Réu substituía e cujo aquecedor acendeu, não obstante a fuga revelada pelo intenso cheiro a gás; seguiram-se, pelo menos, cinco explosões que provocaram a ruína da parede divisória dos edifícios e incêndio no pertencente às Autoras; que este ficou totalmente destruído ao nível dos 1.º e 2.º andares e das águas furtadas, não só pelas chamas como pela água utilizada pelos bombeiros no combate ao incêndio; que, de igual modo, ficou destruído o recheio; a reconstrução do prédio importa em, pelo menos, 25.000,00 euros; que as Autoras despenderam 2.500,00 euros por terem de se hospedar numa residencial durante um (1) mês; que deixaram de auferir rendas dos seus inquilinos, no valor anual de 4.968,00 euros; despenderam 10.000,00 euros em obras noutra casa para habitarem e 2000,00 euros em deslocações e telefones; que tiveram profundo desgosto acentuado pelas suas idades avançadas; que têm dois seguros na 3.ª Ré, um relativo ao edifício e outro ao recheio. A seguradora contestou alegando, em síntese, que os seguros são pessoais, que não de responsabilidade civil extra-contratual, sendo os capitais, respectivamente, de 24.938,89 e 8.045,11 euros; que o que exceder o capital seguro é suportado pelas seguradas; os danos foram, por si, avaliados em 2.011,27, quanto ao recheio, e 9.975,55 euros, quanto ao imóvel, quantias já postas à disposição das Autoras; que, de todo o modo, o seguro não cobriria a perda de rendas. Os Réus CC e DD contestaram dizendo, além do mais, que o prédio das Autoras, antes do incêndio e por estar onerado com arrendamentos, não valia mais de 75.000,00 euros e, porque ficou devoluto, passou a valer 150.000,00 euros; que, logo em Outubro de 2003, comunicaram às Autoras a disponibilidade para levantarem o telhado e repararem as paredes de suporte (águas furtadas), removerem os escombros e reconstruírem a ligação do 2.º andar ao sótão, o que estas recusaram; que, por isso, o prédio ficou sem cobertura o que agravou os danos; que a conduta das Autoras traduz-se em abuso de direito. Requereram a intervenção principal da “... – Companhia de Seguros, SA”, com quem celebraram um contrato de seguro, pelo recheio e sua casa, incluindo a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros até ao limite de 16.728,64 (habitação) e de 5522,86 euros (recheio). Na réplica, e alterando a causa de pedir, as Autoras requereram a intervenção principal provocada da “Shell Portuguesa, SA” juntando nova petição onde alegam, além do mais, que as botijas comercializadas pelo Réu eram “Shell Butagaz” e que a chamada permitiu o seu armazenamento no local. Na nova conclusão pedem, para além do 1.º pedido antes formulado, a condenação dos Réus CC, DD e Shell a, solidariamente, pagarem-lhes a quantia de 341.680,00 euros, com juros, e a seguradora todo o capital e juros relativos aos dois contratos de seguro. Oportunamente, os Réus CC e mulher desistiram do pedido de intervenção da seguradora por já ser parte no processo. A chamada “Shell Portuguesa, SA”, alegando ter a designação de “Repsol Combustíveis, SA”, requereu a intervenção principal provocada de “Shell Gás, SA”, que foi admitida e que, dizendo ser agora designada “Repsol Butano Portugal RB, SA”, fez sua contestação da “Repsol Combustíveis, SA”. As Autoras e a Ré “... – Companhia de Seguros, SA” vieram (fls. 663) transigir parcialmente a transacção homologada a fls. 799/800 tendo a instância sido julgada extinta nessa parte. Depois, as Autoras, deduziram o incidente de intervenção principal provocada de “R...e P..., Limitada” que foi indeferido (despacho de fls. 1358/9) do qual foi interposto recurso de agravo. A final foi proferida sentença nos seguintes termos: “a) Declaro que as Autoras são as únicas e universais herdeiras de seus pais EE e FF e como tal têm legitimidade para exercerem todos os direitos relativos às heranças, ilíquidas e indivisas, abertas por óbito dos mesmos. b) Condeno o Réu CC a pagar às Autoras, nessa qualidade, a quantia, cujo montante será apurado em liquidação ulterior, correspondente aos danos patrimoniais referidos nos pontos 6.3.2, 6.3.3 (neste, com a redução de 1/5 aí referida), 6.4, supra; e, c) Condeno a Ré “... — Companhia de Seguros, SA” a pagar às Autoras, solidariamente com esse Réu CC, a quantia acabada de referir em b), até ao limite de 16.728,64 € (dezasseis mil setecentos e vinte e dois euros e sessenta e quatro cêntimos). d) Condeno o Réu CC a pagar às Autoras, nessa mesma qualidade, a quantia de 10.000,00 € (dez mil euros) por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa de 4% desde a citação e até integral pagamento. e) No mais, absolvo todos os Réus (chamadas incluídas).” Apelaram as Autoras e, subordinadamente, os Réus CC e mulher. Entretanto, as Autoras e a Ré “...” vieram juntar transacção em que acordaram fixar a quantia relegada para liquidação, referida nas als. b) e c) da precedente decisão, em 16.728,64 euros, referente ao contrato de seguro referido em AA) dos factos assentes, que a Ré se obrigou a pagar no prazo de 30 dias, considerando-se as autoras integramente ressarcidas, nada mais tendo a exigir da Ré a esse título. A Relação do Porto julgou o agravo improcedente, negando-lhe provimento. Homologou a transacção (de fls. 1809 – Autoras e Ré – Seguradora) condenando as partes “nos seus precisos termos”. Quanto ao mais, assim deliberou: “- Julgar parcialmente procedente a apelação das autoras e improcedente o recurso subordinado e, em consequência: 1) Revoga-se em parte a sentença recorrida, no que respeita à al. b) da decisão, condenando-se o réu CC a pagar às autoras as quantias: a) de € 80.000,00, relativa aos danos no prédio; b) de € 28.350,00, de rendas vencidas até esta data, referentes aos contratos de fis. 11, 13 e 15, acrescida das rendas vincendas até à data do pagamento da indemnização fixada para reparação do prédio das autoras, no máximo até Abril de 2013; c) Relativa a rendas dos contratos de arrendamento celebrados com GG e com a arrendatária “G...”, vencidas desde Maio de 2003 e vincendas até ao momento referido na alínea anterior, a apurar em posterior liquidação; d) Relativa aos danos patrimoniais referidos em 6.3.2, 6.3.3 (sem qualquer redução) e 6.3.4 da sentença, a apurar em liquidação ulterior; e) A estas quantias referidas nas precedentes alíneas deve ser deduzido o montante de € 16.728,64 já pago pela ré Seguradora; f) Acrescem às quantias das als. a) a c) juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a dada da citação e vincendos até efectivo pagamento; porém, em relação às rendas vencidas posteriormente a essa data e vincendas, os juros de mora apenas são devidos a partir das datas dos respectivos vencimentos. 2) Mantém-se a sentença, quanto ao decidido em a) (reconhecimento da qualidade das autoras), em d) (condenação por danos não patrimoniais e respectivos juros de mora) e quanto a custas.” Por inconformado, o Réu CC pede revista, assim concluindo, no essencial – o que lográmos sintetizar, atenta a extensão da súmula –a sua alegação: As recorridas contra alegaram em defesa do julgado. As instâncias deram por provados os seguintes factos: Foram colhidos os vistos. Conhecendo,
Isto porque nos movemos no âmbito da responsabilidade civil (extra- contratual ou aquiliana) cujos pressupostos – acto ilícito, culpa, nexo causal (entre aquele evento e este nexo de imputação subjectivo) e o dano que, por ser indemnizável, terá de ser cotejado no âmbito do respectivo ressarcimento, tudo como, claramente, resulta do disposto nos artigos 483.º, 487.º e seguintes do Código Civil. Na situação em apreço, é inquestionável a culpa do recorrente que, ao proceder à substituição de uma botija de gás para abastecer um aquecedor catalítico já antigo e por ter colocado o “redutor” de forma deficiente, provocou uma fuga de gás. Quando premiu o isqueiro, o gás inflamou-se originando o incêndio que se propagou, e potenciou, com a explosão de outras botijas por simpatia. Tal conduta revela menor diligência no sentido de omissão de um comportamento a traduzir uma actuação descuidada (cfr. os Profs. Paulo Cunha, in “Direito das Obrigações”, II, 1938/1939, 246 e Manuel de Andrade, in “Teoria Geral das Obrigações”, 3.ª ed., 1966, 341). Trata-se, em suma, de um erro de conduta resultado de incompetência, imperícia, falta da observância de regras técnicas que, geralmente, são modalidades de culpa “stricto sensu”. Mas tal nexo é de apreciação em concreto já que quando se apela para o conceito de diligência toma-se como padrão a postura psicológica do “bonus pater famílias” sendo, outrossim, de averiguar se o acto ilícito foi doloso ou culposo, ou seja se, de todo o modo, resultou da vontade do agente, desde que não ocorra qualquer presunção de culpa (como, v.g., na responsabilidade contratual – artigo 799.º, n.º 1 do Código Civil – e nas hipóteses previstas nos artigos 491.º a 493.º do diploma substantivo). Ora, e como acentua o Prof. Pessoa Jorge, é de presumir o nexo psicológico da culpa sempre que haja imputabilidade, sendo que tal presunção decorre do artigo 488.º do Código Civil. E explica: “Deste modo se o agente é imputável como em regra sucede, o lesado não tem de provar a voluntariedade do acto, cabendo àquele ou aos seus representantes demonstrar que, quando o praticou, não se encontrava no uso das suas faculdades espirituais.” (apud “Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, 1972 – Reedição – 340). É nesta linha que o Prof. Menezes Cordeiro (in “Direito das Obrigações”, 2001, 2.ª, 307) expõe: “Todos estão de acordo em que, no delito, há uma manifestação de vontade humana. Por isso se diz que o delito é um facto ilícito voluntário. O dizer-se que algo é voluntário equivale a afirmar que existe, nele, a peculiaridade de poder ser imputado à vontade do agente, isto é, que compreende um nexo entre as potencialidades de livre arbítrio da pessoa considerada e comportamento assumido. Um comportamento é voluntário porque – e na medida em que – tendo o agente a possibilidade de proceder de outra forma, ou, simplesmente, de nada fazer – acabou, no entanto, por optar por aquela via.” Ora, o recorrente foi inábil, e pouco diligente, na substituição de uma botija de gás, deixando escapar o conteúdo – altamente volátil e inflamável – e, não obstante ter acendido um isqueiro provocando o incêndio (ainda que, “in casu”, não seja aplicável o regime da responsabilidade objectiva do artigo 509.º do Código Civil que não se reporta “aos danos causados por utensílios de uso de energia como por um fogão, sem motor eléctrico, ou por qualquer outro utensílio caseiro” – apud “Código Civil anotado”, I, 3.ª ed., 496, dos Profs. Pires de Lima e A. Varela), conduta que sendo negligente para qualquer pessoa, é-o por maioria de razão para quem também exerce uma actividade profissional conectada com a venda/distribuição de botijas de gás. Este profissional tem o dever acrescido de conhecer os riscos associados à manipulação de contentores de gás, as elementares cautelas exigíveis no seu manuseamento, desempenhando, perante os seus clientes, um papel didactico para prevenção de acidentes. Como se deixou dito, é um requisito da responsabilidade civil conectado por um nexo causal com o ilícito que, por sua vez, é resultado de conduta culposa (cfr. a expressão “danos resultantes da violação” do n.º 1, “in fine” do artigo 483.º do Código Civil). Na definição do Prof. Vaz Serra (BMJ 84-8) trata-se de “todo o prejuízo, desvantagem ou perda que é causado nos bens jurídicos de carácter patrimonial ou não”, sendo que o Prof. Pereira Coelho o conceptualiza como “o prejuízo real que o lesado sofreu «in natura», em forma de destruição, subtracção ou deterioração de um certo bem corpóreo ou ideal.” (in “O Problema da Causa Virtual na Responsabilidade Civil”, 250). Note-se que os danos patrimoniais (e que são os que relevam nesta lide) se desdobram em duas categorias, constantes do n.º 1 do artigo 564.º do Código Civil: o dano positivo (ou emergente) que se caracteriza por uma “perda ou desfalque de valores que já constituíam o património” do lesado e o lucro cessante (ou lucro frustrado) consistente num direito a ganho que se gorou ou, melhor, quando a lesão impediu um ganho que só pela sua verificação o lesado não auferiu. Verifica-se que na conceptualização de dano parte-se da expressão “prejuízo” sendo certo que a doutrina vem utilizando indiferentemente as duas (cfr. Prof. Jaime de Gouveia, in “Da Responsabilidade Contratual”, 91) enquanto se vulgarizou a expressão “perdas e danos” (agora abrangendo os, acima referidos, conceitos de dano emergente e lucro cessante) para no direito francês se apodar de “dommage” e também de “préjudice”, enquanto a “common law” refere “damages” (distinguindo entre “actual damages” e “compensatory damages”, “consequential damages” e “incidental damages”, apesar da utilização do termo “injury” (“damage that comes from the violation of a legal right”). Se bem que actualmente o “nomem iuris” mais frequente seja dano, assim se tendo acolhido o que já defendia o Prof. Gomes da Silva (in “O Dever de Prestar e o Dever de Indemnizar”, 1944, p. 100), o certo é que antes do actual Código Civil o Prof. Castro Mendes preferia o termo prejuízo (apud “Do Conceito Jurídico de Prejuízo”, in Jornal do Foro, Ano 16, 1952, 44 ss.), embora se reportasse ao prejuízo jurídico distinguindo-o do conceito genérico de prejuízo (“ (…) a relevância jurídica do prejuízo provém da especialidade do seu objecto. O prejuízo jurídico é um mal causado a algo que a lei protege. Este «algo» tão discutido – a que chamamos «objecto do dano» - é a diferença específica do prejuízo jurídico.” ob. cit. 45). Mas, no rigor não será, exactamente, assim. Veja-se que no direito norte-americano, a acima referida “injury” contrapõe-se à “personal injury”, quando feita “to someone’ s body or personal rights as opposed to reputation or property” sendo hoje ainda válido o aforismo latino “damnum absque injuria” (dano sem prejuízo) ou seja, a situação em que uma perda ou dano não dá lugar a indemnização para a ressarcir, por não ter origem num acto ilegal ou ilícito mas ter sido causado por evento da natureza. Consideramos, então, a ofensa como sinónimo do dano ( em setido lato) causado a outrem, na sua pessoa, direitos, reputação ou propriedade, sendo que o mesmo se desdobra em prejuízos(danos em sentido restrito) directos (actuais e imediatos) mediatos (ou sequenciais) e expectáveis (ou lucros cessantes), cujo ressarcimento pode ter natureza de compensação pura ou de compensação sancionatória. Fiquemo-nos por estes conceitos que serão os que aqui relevam. 1.3. Como ensina o Prof. Pereira Coelho, “o fim do dever de indemnizar é pôr, portanto, a cargo do lesante a prática de certos actos cuja finalidade comum é criar uma situação (…) que se aproxime o mais possível daquela outra situação (…) em que o lesado provavelmente estaria, daquela situação que provavelmente seria e existente, de acordo com a sucessão normal dos factos, no momento em que é julgada a acção de responsabilidade, se não tivesse tido lugar o facto que lhe deu causa.” (in “O Nexo de Causalidade na Responsabilidade Civil”, 53). Nesta linha, e retomando, para sintetizar, o acima acenado, recorda-se que a obrigação de indemnizar basta-se com o evento, a ilicitude, o nexo de imputação ao lesante, o dano e o nexo causal entre o evento e o dano e que: - para a prova da culpa é suficiente o apelo aos princípios da experiência geral que a tornem verosímil, nos termos do artigo 487.º, n.º 2 do Código Civil (note-se que nesta norma o conceito de bom “pai de família” significa o homem diligente, normal, o homem padrão – Prof. Galvão Telles, in “Obrigações”, 32) não sendo exigível o dolo antes bastando a culpa em sentido estrito (mera culpa). - o dano, em sentido lato integra o conceito de prejuízo (podendo mesmo desdobrar-se em vários prejuízos ou danos em sentido estrito) ou seja a diferença entre a situação que existia antes do evento lesivo e a que o lesado tem de suportar para repor essa situação, ou melhor ainda – e como prescindimos aqui da análise do dano não patrimonial, já que o “pretium doloris” assenta numa filosofia completamente distinta – permitir-lhe o gozo ou a fruição da coisa que foi deteriorada nos precisos termos em que o faria não fosse a ocorrência do acto ilícito gerador da deterioração, ruína ou, até, perda. Adere-se, assim, ao conceito objectivo (ou abstracto) de dano, a apontar para a teoria da diferença, por nos parecer o mais consentâneo com a dogmática do dano patrimonial (cfr., e v.g., Enneccerus – Lehmann in “Derecho de Obligationes”, I, 1933, 61) embora se compreendam as reticências do Prof. Gomes da Silva (ob. cit., 120) para quem esse entendimento desconsidera a reparação perfeita que é a em espécie, “in natura”, ou de reintegração, além de entender que mal se conjuga com os lucros cessantes, o desaproveitamento das despesas, sugerindo, outrossim, incorrecta identificação da prestação e da indemnização. De todo o modo, o objecto do dano não sendo apenas a coisa em si, por ter ínsito um interesse ou bem jurídico do lesante, não pode deixar de reportar-se ao próprio bem já que ambos os conceitos surgem ligados. Alinhadas que ficam estas considerações passemos a abordar, “pari passu”, o acervo conclusivo – que delimitou o objecto do recurso – que o recorrente seriou.
O impetrante insurge-se contra o Acórdão recorrido por o ter condenado numa indemnização em dinheiro, que as Autoras se teriam limitado a pedir para a“reconstrução da casa”quando tal não resulta da petição.Na sua optica, apenas resulta que avaliaram na quantia pedida o custo da reconstrução mas não afirmaram pretender fazê-la. De outra banda, tendo-lhes oferecido tal reparação e, não a tendo aceite, contribuíram para o agravamento dos danos. Vamos deixar o segundo ponto para outra rubrica. Vejamos o primeiro. 2.1. Numa mera insinuação, procedemos ao “distinguo” entre indemnização em dinheiro e reconstituição “in natura”ou de modo especifico. Se o lesante causou um dano na esfera juridica de outrém, é lógico que a reparação devida consista em repor essa esfera juridica lesada no estado anterior ao dano (“restitutio in integrum”)- Mario Pogliani, “Responsabilità e resarcimentoda illecito civile”, 2” ed.,1969, p 465ss. O artigo 566.º, n.º 1 do Código Civil privilegia a reparação em espécie consagrando, no n.º 2, a teoria da diferença. Tal como entendem os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, a indemnização em dinheiro tem carácter subsidiário, embora seja a forma mais frequente de indemnizar, “por impossibilidade de reconstituir o estado anterior à lesão.” (“Código Civil Anotado”, 3.ª ed., I, 546 e 550; cit. ainda, o Prof. Vaz Serra, “Obrigação de Indemnização”, BMJ, 84), impossibilidade essa que pode resultar da própria natureza das coisas e da extensão (ou irreparabilidade do dano) ou da excessiva onerosidade para o lesante. (cfr., ainda, no sentido de considerar que a reconstituição natural está na primeira linha os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Março de 2009 – 09B0520 – de 11 de Janeiro de 2007 – 06B4430 – e de 4 de Dezembro de 2007 – 06B4219). De facto, a regra na maioria das legislações, é a reparação específica sendo supletiva a indemnização em dinheiro, princípio consagrado nos Códigos Civis da Alemanha (§s 249, 250 e 251), da Austria (§s1.323), da Italia (art.2058),do Brasil (art.1534). O Código das Obrigações da Suiça (art. 43) deixa ao critério do Juiz a forma de ressarcimento, sendo que a jurisprudencia francesa, na ausencia de preceito expresso, se inclina no mesmo sentido. (cfr.Code Civil , Dalloz. 493 ss). No direito espanhol, e como o artigo 1902 não refere o modo de indemnizar, este fica ao critério do julgador, embora o Tribunal Supremo venha priveligeando, como regra, a restituição “en forma específica”. (J. Santos Briz,”La reparación de daños”.apud “Tratado de Responsabilidad Civil”.I.2008, 609ss): Quando a reconstituição é impossivel, nos termos do nº1 do artigo 566º CC, por ocorrer qualquer das situações acima referidas, há conversão da obrigação de reparar em obrigação pecuniária. Mas tem de adoptar-se o conceito de impossibilidade material, que não económica ou jurídica Assim é, tanto mais que o Prof. Vaz Serra (última cit. 132) já advertia que “a reposição natural não supõe necessariamente que as coisas são repostas com exactidão na situação anterior: é suficiente que se dê a reposição de um estado que tenha para um credor valor igual e natureza igual aos do que existia antes do acontecimento que causou o dano. Com isto, fica satisfeito o seu interesse. É assim que se o devedor deve coisas fungíveis, nada obsta a que preste outras de igual espécie e valor.” De outra banda, essa impossibilidade deve ser apreciada casuisticamente podendo sê-lo “ex officio”. (cfr., v.g., o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Julho de 2007 – 07B1849). Mas a onerosidade excessiva geradora da conversão da restauração em obrigação pecuniária deve ser alegada pelo lesante uma vez apurado o valor exacto dos danos, ponto de partida para o cálculo da indemnização. (veja-se, sobre o instituto, o Dr. Júlio Gomes, in Cadernos de Direito Privado”, 3, 56 e ss.) Em suma, há que fazer o seguinte percurso: - Apurar a existência e extensão do dano (e consequentes prejuízos), através da causalidade adequada; - Proceder à determinação do seu “quantum”, preferivelmente lançando mão da teoria da diferença; - Verificar da possibilidade de indemnização específica, consistente quer na entrega ao lesado de um bem igual ao prejudicado (Prof. Menezes Cordeiro, ob. cit., 2.ª, 399) quer procedendo, em primeira linha, ele mesmo (lesante) à reparação/reconstituição do bem; - A reparação especifica só não é viável se tal for alegado por qualquer das partes, o Tribunal verificar que é materialmente impossível ou se o lesante alegar que a mesma lhe é excessivamente onerosa e, portanto, gravemente atentatória dos princípios da boa fé; - Segue-se, então (ou oficiosamente, ou a requerimento do lesado ou, no caso de excessiva onerosidade, a requerimento do devedor) a conversão da reparação em obrigação pecuniária. Quanto à onerosidade para o devedor, e para além da manifesta desproporção, a ferir a boa fé, alinhamos nos considerandos do Prof. Almeida Costa ao afirmar que tal deve apreciar-se “em termos amplos, considerando-se, inclusive, legítimos interesses de ordem moral ou sentimental.” (in “Direito das Obrigações”, 6.ª ed., 662). 2.2. Vejamos, então, se o Acórdão recorrido condenou em objecto diferente do pedido, como refere o recorrente por o ter feito em indemnização em dinheiro quando as Autoras se teriam limitado a pedir a reconstrução da casa. A tal ter ocorrido estar-se-ia perante a nulidade da alínea e) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil. Mas tal não se verificou. As Autoras referiram na petição inicial que “a reconstrução da casa, em idêntica situação à que estava antes do acidente/incêndio, orça em valor não inferior a €250.000,00, uma vez que tem uma área de implantação de cerca de 300 m2 por andar. A saber (…)” E formularam um pedido de indemnização em dinheiro para reconstruírem o edifício. Pode, contudo, suscitar-se a questão de saber se tal era, desde logo, possível. Deixàmos algumas considerações sobre o instituto da reconstituição natural e, tendo a indemnização em dinheiro natureza subsidiária, há a tentação de se perguntar se é possível que o lesado venha, desde logo, pedir a indemnização em dinheiro. O Prof. Almeida Costa (ob. cit., 6.ª ed., 663) entende que não com o argumento de ser “no interesse de ambas as partes e como modo normal de indemnização que a restauração natural se encontra estabelecida. Portanto: se o credor reclama a restauração natural, o devedor só pode contrapor-lhe a indemnização pecuniária se aquela for impossível ou resultar excessivamente onerosa para ele, devedor; e da mesma sorte, se o devedor pretende efectuar a restauração natural, também o credor apenas poderá opor-se com o fundamento na referida impossibilidade fáctica ou na circunstância da reconstituição ‘in natura’ não reparar todos os danos.” Do exposto concluiu que, sem prejuízo de acordo em contrário, o credor pode, contra a vontade do devedor, exigir a reparação natural e este pode prestá-la à revelia da vontade daquele, pois que a reconstituição é precípua do direito do lesado. (cfr., essencialmente no mesmo sentido, os Profs. A. Varela – “Das Obrigações em Geral”, I, 10.ª ed., 904 – Pereira Coelho – “Obrigações”, 174 – e Pessoa Jorge, ob. cit. 421 e ss.). Não se olvide, porém, que, como se disse, o dano tem de poder ressarcível “in natura”, sem excessiva onerosidade para o lesante, e que tal ressarcimento deve ser feito no cotejo entre os prejuízos patrimoniais sofridos pelo credor no seu todo, não se afigurando duvidoso, no espírito da lei, reparti-los deixando uns para reconstituição e convertendo outros em obrigação pecuniária. É que, embora o dano patrimonial resulte na globalidade do mesmo acto ilícito conectado com a mesma culpa e tenha de ser tratado como unitário independentemente da sua repartição interna em vários prejuízos (danos “stricto sensu” ou na expressão do Prof. A. Varela “aspectos em que o dano se desdobra”)pode ser ressarcido de acordo com a natureza de cada prejuizo. Por isso, se a reconstituição natural não é possível para todos os prejuízos que integram o dano patrimonial, haverá que converter,quanto aos não reconstituiveis, a obrigação de indemnizar em obrigação pecuniária. Parece-nos ser este o entendimento do Prof. A. Varela (in “ Das Obrigações em Geral”, I, cit. 905) quando refere que a reconstituição peca por insuficiência quando “não cobre todos os danos (a reparação da viatura não compensa o utente quanto à privação do seu uso durante o período de concerto) ou não abrange todos os aspectos em que o dano se desdobra (o tratamento clínico do atropelado ou agredido não compensa as dores físicas que ele teve)”, para concluir que nos casos de insuficiência por impossibilidade natural, o segmento do prejuízo do dano será equiparado a dano não patrimonial e, portanto, não indemnizado mas compensado. (cfr., com interesse, o Dr. José Gualberto Sá Carneiro, “Revista dos Tribunais”, 86.º-214). E muito embora este Mestre se limite a citar como exemplos alguns prejuízos inseríveis no “genus” do dano não patrimonial, é possível transpor o raciocínio para os casos em que ocorreu destruição de bem patrimonial que, contudo, pela sua antiguidade, raridade, valor artístico ou ligação afectiva ao ofendido, é impossível ser recuperado como tal. Do que fica dito, resulta a valia da opinião do Prof. Menezes Cordeiro: “Nenhuma razão encontramos para que, nessa hipótese, não possa haver lugar a indemnização especifica e, nos danos remanescentes, a uma entrega pecuniária compensatória”., ob. cit., 2.º, 401 ). Mas não deve olvidar-se que os danos devem, como regra , ser indemnizados globalmente e em conjunto,sob pena de se impor ao credor/lesado a percepção da indemnização em parcelas (equiparadas a prestações) quando o principio da integralidade do cumprimento, constante do nº1 do artigo 763ºdo Codigo Civil manda que a prestação seja efectuada por inteiro, e não parcialmente,excepto se a convenção das partes, a lei ou os usos o admitirem. Mas é questão, eventualmente, a tratar no âmbito da responsabilidade contratual mas que não se coloca, tão rigidamente, na responsabilidade aquiliana ( cfr. Prof. Almeida Costa , ob. cit., 6ªed. 873; e ainda, v. g. Prof. A. Varela apud “Das Obrigações em Geral”,II,7ª ed., 16, ao enfatizar que “a prestação debitóriadeve ser realizada integralmente e não por partes não podendo o credor ser forçado a aceitar o pagamento parcial”(…) ressalvando “ o regime convencionado ou imposto pela lei ou pelos usos.”; Prof, Vaz Serra, in “Dação em cumprimento, consignação em depósito,confusão e figuras afins”, 1954,nº29; ProfsP. Lima e A. Varela ,in “Código Civil Anotado”,II, 3ªed. ,5/7). Finalmente, surge a questão de saber se pode considerar-se restituição natural quando o lesado reclama um “quantum” para ele próprio reparar a coisa danificada ou se tal só o é quando a reparação é feita directamente pelo lesante. Entende-se que o “primado da restauração natural”, como lhe chamam o Prof. A. Varela e a jurisprudência e doutrina acima citadas, apontariam para que, no rigor, seja o lesante a proceder, por si, à reparação/substituição não podendo o lesado – salvo demonstrando ponderosas razões como, “exempli gratia”, falta de confiança na idoneidade técnica ou cuidado para efectuar a reparação, ou impossibilidade física de recomposição “in natura” – substituir-se-lhe, impondo-lhe a assunção de uma obrigação pecuniária. Mas não é, exactamente, assim. Essa conversão só será possível, de imediato, nos casos antes referidos, por acordo das partes,ou,como aqui se demonstrou, quando o lesante ofereceu às lesadas uma reconstituição que, por parcial e imperfeita, estas podiam recusar.(cfr Dr. Júlio Gomes ,ob. cit. 56). Mas vejamos o que aconteceu “in casu”. O Recorrente causou danos no imóvel das Autoras. Numa perspectiva de reconstituição natural, ofereceu-lhes a reparação da cobertura e a remoção dos escombros o que aquelas recusaram, e podiam fazê-lo por se tratar de reparação parcial e não restitutiva “in natura” . E só então é que a obrigação se converteu em pecuniária passando a indemnização a ser em dinheiro,então exigivel pelas lesadas.. A assim não serem entendidos os conceitos de reconstituição e de indemnização seriam sobreponíveis e não ( como pretendeu o legislador e a doutrina consagrou) sucedâneos,só se lançando mão do segundo quando o primeiro se gorou. Far-se-ia tábua rasa da expressão do nº 1º daquele artigo 566º “sempre que a reconstituição natural não seja possível…” (Cons. Dario Martins de Almeida, in “Manual de Acidentes de Viação” 373 “a indemnização em dinheiro só repara o dano “ a título excepcional”). 2.3. Aqui chegados, será licito concluir que, ou por verificado o perecimento de mobiliário antigo, por pertença da família, de vestuário e de jóias e adereços, também antigos que são, notoriamente, insubstituíveis e não reparáveis, o dano só parcialmente pode ser ressarcido “in natura” já que aquele prejuízos o não são, sendo de dividir-se o prejuízo reconstituível e o prejuízo indemnizável e a condenação assim repartida. Porém logo na 1.ª Instância, o dano foi considerado insusceptível de ser reconstituído “in natura”, sendo que daí apelaram as Autoras e os Réus – estes subordinadamente. Ora, no recurso então subordinado, o aqui Recorrente não suscitou esta questão antes, e como resulta a sua síntese conclusiva, o tendo circunscrito “à parte da sentença que o condenou a pagar (…) a quantia de 10.000,00 euros, por danos não patrimoniais” acrescida de juros de mora, por ter entendido que não só tal pedido não foi formulado, como não existem tais danos, como o montante é exagerado. A final invocou a violação dos artigos 661.º, n.º 1, “in fine” e 668.º, n.º 1, e) do Código de Processo Civil e 805.º, n.º 2, b) e n.º 3, 804.º, n.º 1 e 806.º, n.º 1 do Código Civil. A questão do pedido de reconstituição natural só não é nova por da sua apreciação depender o conhecimentodo recurso na parte em que o recorrente foi condenado “ex novo” pela Relação que a abordou (fls. 1971)além do mais transcrevendo um passo da sentença então apelada apenas com o objectivo de buscar o “quantum” indemnizatório ora posto em crise.
O Recorrente não se conforma com o montante da indemnização referente ao valor do prédio. Na sua óptica as Autoras/recorridas eram proprietárias de um edifício velho, degradado e arrendado com rendas irrisórias. Como consequência da sua destruição, caducaram os contratos de arrendamento pelo que o edifício, uma vez reconstruído, terá um valor muito superior por devoluto. Ademais, o recorrente, logo em 2003, ofereceu às Autoras a reparação do prédio e estas recusaram o que contribuiu para a respectiva degradação e o não poderem dispor do edifício para o arrendarem. Não são devidos juros desde a data da oferta referida. 3.1. Da matéria de facto acima seriada resulta que o prédio das Autoras tinha, aquando do evento, o valor de 90.000,00 euros, estando onerado com vários arrendamentos. A respectiva reconstrução importará em cerca de 100.000,00 euros (quesito 76). Depois do incêndio e devoluto de inquilinos vale 140.000,00 euros mas, se não tivesse sofrido o incêndio valeria 150.000,00 euros (quesito 147). Veja-se, para melhor compreensão, o valor do prédio das recorridas. - Antes do incêndio e arrendado – 90.000,00 euros; - Antes do incêndio se não arrendado – 150.000,00 euros; - Depois do incêndio e devoluto – 140.000,00 euros; - Custo da reconstrução – 100.000,00 euros. Independentemente do mais, e como julgou o Acórdão recorrido, as Autoras tem o direito de ver o seu prédio reparado/reconstruído e é de 100.000,00 euros o custo desses trabalhos. Certo que o Recorrente alega que ficando o edifício desonerado de arrendamentos a sua situação de devoluto valoriza-o (para 140.000,00 euros) o que traduziria num aumento de valor (de 90.000,00 euros arrendado aquando de evento lesivo) para aquela quantia (aumento de 50.000,00 euros). Assim, e na sua óptica, o incêndio e consequente derrocada traduziu-se num beneficio para as lesadas, beneficio que terá de ser considerado no computo indemnizatório final. 3.1.1. É a questão da “compensatio lucri cum damno”. A também apodada compensação de vantagens, foi sugerida pelo Prof. Vaz Serra – BMJ 84-221 – mas não teve aceitação no texto do Código Civil. (cfr., ainda, o mesmo Prof. RLJ, 94.º, 245). Acompanhando – como já aderimos – a teoria da diferença (n.º 2 do artigo 566.º da lei substantiva) vem sendo entendido ser de justiça operar a compensação com os danos das vantagens eventualmente resultantes do facto danoso. Porém o instituto tem por requisitos a unidade do dano que terá de resultar do mesmo evento, sendo que deve perfilar-se um nexo causal entre o evento danoso e a vantagem. Reportamo-nos ao n.º 2 do artigo 566.º da lei civil, onde releva a expressão “se não existissem danos”, tónica, que é, da teoria da diferença, mas, e como refere o Prof. Pessoa Jorge (ob. cit. 416), “na determinação da diferença entre a situação hipotética e a real, devem tomar-se em conta as vantagens resultantes da lesão cujo resultado será deduzido ao dos prejuízos: é a “compensatio lucri cum damno”, chamando a atenção (nota 379) para o n.º 2 do artigo 803.º do Código Civil, como aplicação desta ideia. Certo, contudo, que o instituto não representa, na pureza dos princípios, um limite à indemnização mas apenas um critério a atender no respectivo cálculo, ou seja, no apuramento da diferença entre a situação real e a situação hipotética actuais (na data mais recente) do património do lesado. (cfr. Prof. Almeida Costa, ob. cit., 6.ª ed., 668 e Prof. A. Varela, “Das Obrigações em Geral”, I, 10.ª ed., 938). Mas para que haja dedução do lucro ao dano é, como se disse, essencial a verificação de um nexo de causalidade e não uma simples coincidência, fortuita ou acidental. 3.2. Chegados a estas conclusões teremos de assumir que se o prédio tinha um valor à data do sinistro, o prejuízo real obtido pelo dano é o custo da sua reconstrução. Se tal originou a caducidade dos arrendamentos e o mesmo devoluto ficou com valor acrescido não se trata de submeter ao instituto da “compensatio” pois, por um lado não resulta dos autos que fosse propósito sério e real da Autoras procederem à alienação do imóvel assim beneficiando da sua valorização; por outro lado a diferença de valores do prédio, se não arrendado, antes e depois do evento danoso era de apenas 10.000,00 euros o que inculca a ideia de que (sendo maior arrendado) os danos não o valorizaram tão significativamente, como pretende o recorrente. Finalmente, ao não aceitarem a oferta do recorrente para proceder à cobertura do prédio e remover os destroços – e embora tal não lhes fosse imposto por não serem obrigados a aceitar uma prestação parcial – contribuíram naturalisticamente para o agravamento dos danos sendo que, considerando o tempo decorrido (desde Outubro de 2003) e o disposto no n.º 1 do artigo 570.º do Código Civil,a Relação considerou afigura-se equilibrada e equitativa a redução, fixando em 80.000,00 euros esse valor. Entendeu tratar-se, claramente, de concausalidade que terá de importar(cfr. Prof. Vaz Serra, BMJ, 84-124, e Prof. Pereira Coelho, “O Problema da Causa Virtual na Responsabilidade Civil”, 10 ss.). Mas se, e como antes se disse, não estavam obrigadaà aceitação parcial, não seria de aplicar o citado nº1 do artigo 570. Porém, como não recorreram, ainda que subordinadamente, a proibição da “reformatio in pejus”impede o agravamento da condenação do recorrente. Outrossim, inexistem elementos que permitam inserir a conduta das recorridas – ao não aceitarem a reconstrução e pedirem agora o custo das obras – na dogmática do artigo 334.º do Código Civil. Não há, outrossim, enriquecimento sem causa, tudo nos precisos termos e com os fundamentos do aresto sob revista,que ora se acolhem. 3.2.1. Quanto aos danos no recheio é claro que a transacção homologada (fls. 1990) foi efectuada tão somente com a seguradora ... e só vincula esta Ré que foi condenada a pagar 16.728,64 euros, quantia limite por responsabilidade civil por danos causados a terceiros no âmbito do contrato de seguro celebrado entre a ... e o Recorrente. Com o Recorrente não foi efectuada qualquer transacção, não estando este dispensado do pagamento a título de indemnização dos valores, para além desta quantia, que forem apurados a título de danos pelo recheio, devendo assumir a diferença. Quanto ao acondicionamento dos bens pelas AA., acompanha-se a argumentação do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto (pág. 58), no sentido de que estas fizeram o que lhes era exigível para evitar o agravamento do dano, colocando os bens num espaço provisório. Assim, não deverá ser reduzido o “quantum indemnizatório” atribuído ao recheio da casa pela forma como foi acondicionado, dado que não existiu qualquer negligência por parte das recorridas. (aqui não tem aplicação o artigo 570.º do Código Civil). Nestes pontos,na perda das rendas, e relevando no eventualmente omisso, o mais explanado no Acórdão recorrido, improcedem as conclusões do Recorrente. 4- Danos não patrimoniais e juros. É incensurável o aresto recorrido na parte em que compensa as demandantes pelos danos não patrimoniais sofridos. 4.1. Por um lado não houve julgamento “ultra petitum” já que as lesadas alegaram factos integradores daquele tipo de dano tendo resultado provados incómodos e preocupações inseríveis no n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil e, em consequência, merecedores da tutela do direito. O senso comum e a evidência são a pedra de toque para aferir da gravidade desses sentimentos, ou dessas sensações, cotejando a situação em concreto com o que o cidadão normal sofre se colocado perante a mesma factualidade. Ver a casa onde sempre se viveu ser destruída por um incêndio, perder todo o recheio eivado de recordações, e memórias tantas vezes gratificantes, ter de passar a habitar num estabelecimento hoteleiro, sempre impessoal, incaracterístico, noutra cidade, e sem fruir a intimidade e conveniência do “lar”, é notoriamente propiciador de desconforto muito acrescido gerando sofrimento compensável. (cfr., v.g., os Acórdãos desta Conferência de 8 de Junho de 2006 – 06 A1464 – e de 7 de Novembro de 2006 – 06 A3349) não surgindo exagerado, mas antes equilibrado e equitativo, o “quantum” fixado pelo Acórdão em crise. Diga-se, aliás, que foram respeitados os critérios dos artigos 496.º e 494.º da lei substantiva (cfr. Prof. A. Varela, ob. cit. I, 533). 4.2. Finalmente, também não é de censurar a condenação em juros, ao abrigo do n.º 3 do artigo 805.º do Código Civil, sendo que os argumentos do recorrente para discordar desse segmento são, nuclearmente, o não ter sido formulado, e quantificado, o pedido de indemnização dos danos não patrimoniais. Como acima se disse, assim não foi (e acrescenta-se o que foi referido no Acórdão recorrido: “ É certo que as autoras não formularam um pedido específico por danos não patrimoniais, mas, em rigor, a tanto não estavam obrigadas (art. 569° do Código Civil). Por outro lado, não sofre a mínima dúvida que a existência daqueles danos foi alegada pelas autoras: entre outros e de forma expressa no artigo 46° da p.i., ao invocarem o profundo desgosto sofrido, por se tratar da casa de família há muitos anos. Saliente-se que, logo no artigo seguinte, as autoras concluíram: ‘o que tudo perfaz a quantia de €341.680,00’. O ‘tudo’ engloba naturalmente os danos não patrimoniais, referidos no artigo imediatamente anterior. Reconhece-se que, somando as parcelas relativas aos danos, estas totalizam esse montante, daí resultando, como se afirmou, que nenhum montante específico corresponde a danos não patrimoniais. Apesar disso, tendo em conta a referida alegação das autoras e a desnecessidade de indicação exacta dos danos, devem considerar-se incluídos - no referido montante global os danos não patrimoniais, que apenas não seriam atendidos se fosse reconhecido às autoras o direito a indemnização pelo montante integral peticionado pelos demais danos; aí sim, haveria condenação extra petitum.”. Razões porque os argumentos do Recorrente não poderiam proceder,também quanto aos juros, tanto mais que o montante do dano não patrimonial não foi actualizado. 5- Conclusões É tempo de concluir para afirmar que: a) No âmbito da responsabilidade civil, a culpa – como nexo de imputação subjectiva do facto ao agente – traduz-se numa conduta deste que, quando não intencional (dolosa), é omissiva de um comportamento que integre uma actuação cuidada. b) Há, em suma,um comportamento errado por incompetência, imperícia ou falta de observância de regras técnicas. c) Mas o nexo de imputação deve ser apreciado em concreto (casuisticamente) tomando como referência/padrão a postura do “bonus pater famílias”se colocado perante o mesmo circunstancionalismo factico. d) O mesmo nexo psicológico é de presumir, “ex vi” do artigo 488.º do Código Civil, não tendo o lesado de provar a voluntariedade do acto ou a imputabilidade do agente. e) O dano é um requisito da responsabilidade civil conectado com o ilícito sendo o “genus” (dano em sentido lato) constituído pela “species” (prejuízos ou danos em sentido estrito) caracterizado pela deterioração ou perda de bens jurídicos (patrimoniais ou não) da esfera jurídica do lesado. f) Os danos patrimoniais desdobram-se em positivos (ou emergentes) e frustrados (ou lucros cessantes). g) O fim do dever de indemnizar, a cargo do lesante, é, no dano patrimonial, criar uma situação que se aproxime o mais possível da que o lesado provavelmente teria se não ocorresse o facto danoso. h) No dano não patrimonial a dogmática é diferente, buscando-se não uma indemnização estribada na teoria da diferença mas uma compensação que permita ao lesado “esquecer” a ofensa sofrida através do aceno a actividades lúdicas ou de lazer. i) A teoria da diferença que aponta para o conceito abstracto (objectivo) de dano considera que a reparação perfeita é em espécie (“in natura”) ou de reintegração, tendo a indemnização em dinheiro carácter subsidiário, por haver conversão da obrigação de reparar em obrigação pecuniária. j) Tal conversão só é permitida – na ausência de acordo das partes – quando a restauração natural é impossível (impossibilidade material, que não económica ou jurídica) ou excessivamente onerosa (o que seria atentatório da boa fé) para o lesante. k) Neste caso, é o lesante que terá de alegar a excessiva onerosidade, sendo que a primeira situação deve ser alegada pelo lesado,pelo lesante, ou conhecida “ex officio” se o facto for patente. l) Se a “reconstitutio in integrum” oferecida pelo lesante ao lesado não cobre todos os prejuízos patrimoniais em que o dano se desdobra, ou o faz deficientemente, este pode recusar a reparação operando-se a conversão em obrigação pecuniaria. m) O instituto da “compensatio lucri cum damno” não está, clara e expressamente consagrado no Código Civil, antes resultando do nº 2 “in fine”do artigo 566º,como fundamento adjuvante para se dar por assente a aceitação da teoria da diferença ,em sede de indemnização. n) Tem como requisitos a unidade do dano e os prejuízos e a vantagem serem o resultado do mesmo evento. o) Não representa um limite à indemnização mas um critério do cálculo informador desta. Nos termos expostos acordam negar a revista. Custas pelo recorrente. Supremo Tribunal de Justiça, 31 de Maio de 2011 |