Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
851/04. 7BBGC.P1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS
Descritores: INDEMNIZAÇÃO
DANO
PREJUÍZO
RESTAURAÇÃO "IN NATURA"
COMPENSATIO LUCRI CUM DAMNO
DANO NÃO PATRIMONIAL
JUROS
RESPONSABILIDADE CIVIL
Data do Acordão: 05/31/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
Doutrina: - Almeida Costa in “Direito das Obrigações”, 6.ª ed., 662, 663, 668, 873.
- A. Varela – “Das Obrigações em Geral”, I, 10.ª ed., 533, 904, 905, 938; “Das Obrigações em Geral”, II,7ª ed., 16.
- Castro Mendes, “Do Conceito Jurídico de Prejuízo”, in Jornal do Foro, Ano 16, 1952, 44 ss..
- Dário Martins de Almeida, in “Manual de Acidentes de Viação”, 373.
- Enneccerus – Lehmann in “Derecho de Obligationes”, I, 1933, 61.
- Galvão Telles, in “Obrigações”, 32.
- Gomes da Silva, in “O Dever de Prestar e o Dever de Indemnizar”, 1944, p. 100, 120.
- Jaime de Gouveia, in “Da Responsabilidade Contratual”, 91.
- José Gualberto Sá Carneiro, “Revista dos Tribunais”, 86.º-214.
- Júlio Gomes, in Cadernos de Direito Privado”, 3, 56 e ss..
- J. Santos Briz, “La reparación de daños”. “Tratado de Responsabilidad Civil”.I.2008, 609 ss..
- Manuel de Andrade, in “Teoria Geral das Obrigações”, 3.ª ed., 1966, 341.
- Mario Pogliani, “Responsabilità e resarcimentoda illecito civile”, 2” ed., 1969, 465 ss..
- Menezes Cordeiro, in “Direito das Obrigações”, 2001, 2.ª, 307, 399, 401.
- Paulo Cunha, in “Direito das Obrigações”, II, 1938/1939, 246.
- Pereira Coelho, in “O Nexo de Causalidade na Responsabilidade Civil”, 53; “O Problema da Causa Virtual na Responsabilidade Civil”, 10 ss., 250; “Obrigações”, 174.
- Pessoa Jorge, “Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, 1972 – Reedição – 340, 416, 421 e ss..
- Pires de Lima e A. Varela, “Código Civil Anotado”, I, 3.ª ed., 496, 546, 550;
“Código Civil Anotado”, II, 3ªed., 5/7.
- Vaz Serra, in BMJ 84- 8, 124, 132, 221; “Dação em cumprimento, consignação em depósito, confusão e figuras afins”, 1954, nº29; RLJ, 94.º, 245.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 334.º, 483.º, 487.º, 488.º, 491.º A 493.º, 494.º, 496.º, 509.º, 564.º, N.º1, 566.º, 569.º, 570.º, N.º1, 763.º, 799.º, N.º1, 805.º, N.º3.
Legislação Estrangeira: - CÓDIGOS CIVIS DA ALEMANHA (§S 249, 250 E 251), DA AUSTRIA (§S1.323), DA ITALIA (ART.2058),DO BRASIL (ART.1534).
- CÓDIGO DAS OBRIGAÇÕES DA SUIÇA (ART. 43).
Referências Internacionais: - CODE CIVIL , DALLOZ. 493 SS..
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 8-6-2006, PROCESSO N.º 06 A1464;
-DE 7-11-2006, PROCESSO N.º 06 A3349;
-DE 11-01-2007, PROCESSO N.º 06B4430;
-DE 5-7-2007, PROCESSO N.º 07B1849;
-DE 4-12-2007, PROCESSO N.º 06B4219;
-DE 19-03-2009, PROCESSO N.º 09B0520.
Sumário :
1) No âmbito da responsabilidade civil, a culpa – como nexo de imputação subjectiva do facto ao agente – traduz-se numa conduta deste que, quando não intencional (dolosa), é omissiva de um comportamento que integre uma actuação cuidada.

2) Há, em suma, comportamento errado por incompetência, imperícia ou falta de observância de regras técnicas.

3) Mas o nexo de imputação deve ser apreciado em concreto (casuisticamente) tomando como referência/padrão a postura do “bonus pater famílias”colocado perante o mesmo circunstancialismo factico.

4) O mesmo nexo psicológico é de presumir, “ex vi” do artigo 488.º do Código Civil, não tendo o lesado de provar a voluntariedade do acto ou a imputabilidade do agente.

5) O dano é um requisito da responsabilidade civil conectado com o ilícito sendo o “genus” (dano em sentido lato) constituído pela “species” (prejuízos ou danos em sentido estrito) caracterizado pela deterioração ou perda de bens jurídicos (patrimoniais ou não) da esfera jurídica do lesado.

6) Os danos patrimoniais desdobram-se em positivos (ou emergentes) e frustrados (ou lucros cessantes).

7) O fim do dever de indemnizar, a cargo do lesante, é, no dano patrimonial, criar uma situação que se aproxime o mais possível da que o lesado provavelmente teria se não ocorresse o facto danoso.

8) No dano não patrimonial a dogmática é diferente, buscando-se não uma indemnização estribada na teoria da diferença mas uma compensação que permita ao lesado “esquecer” a ofensa sofrida através do aceno a actividades lúdicas ou de lazer.

9) A teoria da diferença que aponta para o conceito abstracto (objectivo) de dano considera que a reparação perfeita é em espécie (“in natura”) ou de reintegração, tendo a indemnização em dinheiro carácter subsidiário, por haver conversão da obrigação de reparar em obrigação pecuniária.

10) Tal conversão só é permitida – na ausência de acordo das partes – quando a restauração natural é impossível (impossibilidade material, que não económica ou jurídica) ou excessivamente onerosa (o que seria atentatório da boa fé) para o lesante.

11) Neste caso, é o lesante que terá de alegar a excessiva onerosidade, sendo que a primeira situação deve ser alegada pelo lesado,pelo lesante, ou conhecida “ex officio” se o facto for patente.

12) Se a “reconstitutio in integrum” oferecida pelo lesante ao lesado não cobre todos os prejuízos patrimoniais em que o dano se desdobra, ou o faz deficientemente, este pode recusar a reparação operando-se a conversão em obrigação pecuniaria.

14) O instituto da “compensatio lucri cum damno” não está, clara e expressamente, consagrado no Código Civil, antes resultando do nº 2 “in fine”do artigo 566º,como fundamento adjuvante para se dar por assente a aceitação da teoria da diferença, em sede de indemnização.

15) Tem como requisitos a unidade do dano e os prejuízos e a vantagem serem o resultado do mesmo evento.

16) Não representa um limite à indemnização mas um critério do cálculo informador desta.

Decisão Texto Integral:

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça

AA e BBo intentaram acção, com processo ordinário, contra CC, sua mulher DD e “... – Companhia de Seguros, S.A”.

Pediram que sejam declaradas habilitadas como únicas e universais herdeiras da herança ilíquida e indivisa de seus pais EE e FF, com legitimidade para exercerem em Tribunal todos os direitos relativos à herança, ainda indivisa e ilíquida, daqueles; a condenação solidária dos Réus a pagarem-lhes a quantia de 341.680,00 euros, acrescida de juros legais desde a citação.

Nuclearmente, alegaram que seus pais faleceram intestados, sendo que do acervo da herança faz parte um edifício (n.ºs 21/31 da Rua dos Combatentes da Grande Guerra) em Bragança; que, em 11 de Abril de 2003, ocorreu um incêndio no edifício contíguo pertença dos Réus CC e DD; que o Réu mantinha aí um depósito de dezenas de botijas de gás de consumo doméstico, para revenda, actividade ilegal por exercida em bairro residencial e em zona histórica; que o incidente resultou de anomalia numa botija que o Réu substituía e cujo aquecedor acendeu, não obstante a fuga revelada pelo intenso cheiro a gás; seguiram-se, pelo menos, cinco explosões que provocaram a ruína da parede divisória dos edifícios e incêndio no pertencente às Autoras; que este ficou totalmente destruído ao nível dos 1.º e 2.º andares e das águas furtadas, não só pelas chamas como pela água utilizada pelos bombeiros no combate ao incêndio; que, de igual modo, ficou destruído o recheio; a reconstrução do prédio importa em, pelo menos, 25.000,00 euros; que as Autoras despenderam 2.500,00 euros por terem de se hospedar numa residencial durante um (1) mês; que deixaram de auferir rendas dos seus inquilinos, no valor anual de 4.968,00 euros; despenderam 10.000,00 euros em obras noutra casa para habitarem e 2000,00 euros em deslocações e telefones; que tiveram profundo desgosto acentuado pelas suas idades avançadas; que têm dois seguros na 3.ª Ré, um relativo ao edifício e outro ao recheio.

A seguradora contestou alegando, em síntese, que os seguros são pessoais, que não de responsabilidade civil extra-contratual, sendo os capitais, respectivamente, de 24.938,89 e 8.045,11 euros; que o que exceder o capital seguro é suportado pelas seguradas; os danos foram, por si, avaliados em 2.011,27, quanto ao recheio, e 9.975,55 euros, quanto ao imóvel, quantias já postas à disposição das Autoras; que, de todo o modo, o seguro não cobriria a perda de rendas.

Os Réus CC e DD contestaram dizendo, além do mais, que o prédio das Autoras, antes do incêndio e por estar onerado com arrendamentos, não valia mais de 75.000,00 euros e, porque ficou devoluto, passou a valer 150.000,00 euros; que, logo em Outubro de 2003, comunicaram às Autoras a disponibilidade para levantarem o telhado e repararem as paredes de suporte (águas furtadas), removerem os escombros e reconstruírem a ligação do 2.º andar ao sótão, o que estas recusaram; que, por isso, o prédio ficou sem cobertura o que agravou os danos; que a conduta das Autoras traduz-se em abuso de direito.

Requereram a intervenção principal da “... – Companhia de Seguros, SA”, com quem celebraram um contrato de seguro, pelo recheio e sua casa, incluindo a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros até ao limite de 16.728,64 (habitação) e de 5522,86 euros (recheio).

Na réplica, e alterando a causa de pedir, as Autoras requereram a intervenção principal provocada da “Shell Portuguesa, SA” juntando nova petição onde alegam, além do mais, que as botijas comercializadas pelo Réu eram “Shell Butagaz” e que a chamada permitiu o seu armazenamento no local.

Na nova conclusão pedem, para além do 1.º pedido antes formulado, a condenação dos Réus CC, DD e Shell a, solidariamente, pagarem-lhes a quantia de 341.680,00 euros, com juros, e a seguradora todo o capital e juros relativos aos dois contratos de seguro.

Oportunamente, os Réus CC e mulher desistiram do pedido de intervenção da seguradora por já ser parte no processo.

A chamada “Shell Portuguesa, SA”, alegando ter a designação de “Repsol Combustíveis, SA”, requereu a intervenção principal provocada de “Shell Gás, SA”, que foi admitida e que, dizendo ser agora designada “Repsol Butano Portugal RB, SA”, fez sua contestação da “Repsol Combustíveis, SA”.

As Autoras e a Ré “... – Companhia de Seguros, SA” vieram (fls. 663) transigir parcialmente a transacção homologada a fls. 799/800 tendo a instância sido julgada extinta nessa parte.

Depois, as Autoras, deduziram o incidente de intervenção principal provocada de “R...e P..., Limitada” que foi indeferido (despacho de fls. 1358/9) do qual foi interposto recurso de agravo.

A final foi proferida sentença nos seguintes termos:

“a) Declaro que as Autoras são as únicas e universais herdeiras de seus pais EE e FF e como tal têm legitimidade para exercerem todos os direitos relativos às heranças, ilíquidas e indivisas, abertas por óbito dos mesmos.

b) Condeno o Réu CC a pagar às Autoras, nessa qualidade, a quantia, cujo montante será apurado em liquidação ulterior, correspondente aos danos patrimoniais referidos nos pontos 6.3.2, 6.3.3 (neste, com a redução de 1/5 aí referida), 6.4, supra; e,

c) Condeno a Ré “... — Companhia de Seguros, SA” a pagar às Autoras, solidariamente com esse Réu CC, a quantia acabada de referir em b), até ao limite de 16.728,64 € (dezasseis mil setecentos e vinte e dois euros e sessenta e quatro cêntimos).

d) Condeno o Réu CC a pagar às Autoras, nessa mesma qualidade, a quantia de 10.000,00 € (dez mil euros) por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa de 4% desde a citação e até integral pagamento.

e) No mais, absolvo todos os Réus (chamadas incluídas).”

Apelaram as Autoras e, subordinadamente, os Réus CC e mulher.

Entretanto, as Autoras e a Ré “...” vieram juntar transacção em que acordaram fixar a quantia relegada para liquidação, referida nas als. b) e c) da precedente decisão, em 16.728,64 euros, referente ao contrato de seguro referido em AA) dos factos assentes, que a Ré se obrigou a pagar no prazo de 30 dias, considerando-se as autoras integramente ressarcidas, nada mais tendo a exigir da Ré a esse título.

A Relação do Porto julgou o agravo improcedente, negando-lhe provimento.

Homologou a transacção (de fls. 1809 – Autoras e Ré – Seguradora) condenando as partes “nos seus precisos termos”.

Quanto ao mais, assim deliberou:

“- Julgar parcialmente procedente a apelação das autoras e improcedente o recurso subordinado e, em consequência:

1) Revoga-se em parte a sentença recorrida, no que respeita à al. b) da decisão, condenando-se o réu CC a pagar às autoras as quantias:

a) de € 80.000,00, relativa aos danos no prédio;

b) de € 28.350,00, de rendas vencidas até esta data, referentes aos contratos de fis. 11, 13 e 15, acrescida das rendas vincendas até à data do pagamento da indemnização fixada para reparação do prédio das autoras, no máximo até Abril de 2013;

c) Relativa a rendas dos contratos de arrendamento celebrados com GG e com a arrendatária “G...”, vencidas desde Maio de 2003 e vincendas até ao momento referido na alínea anterior, a apurar em posterior liquidação;

d) Relativa aos danos patrimoniais referidos em 6.3.2, 6.3.3 (sem qualquer redução) e 6.3.4 da sentença, a apurar em liquidação ulterior;

e) A estas quantias referidas nas precedentes alíneas deve ser deduzido o montante de € 16.728,64 já pago pela ré Seguradora;

f) Acrescem às quantias das als. a) a c) juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a dada da citação e vincendos até efectivo pagamento; porém, em relação às rendas vencidas posteriormente a essa data e vincendas, os juros de mora apenas são devidos a partir das datas dos respectivos vencimentos.

2) Mantém-se a sentença, quanto ao decidido em a) (reconhecimento da qualidade das autoras), em d) (condenação por danos não patrimoniais e respectivos juros de mora) e quanto a custas.”

Por inconformado, o Réu CC pede revista, assim concluindo, no essencial – o que lográmos sintetizar, atenta a extensão da súmula –a sua alegação:


“- O acórdão recorrido assenta em premissa falsa ou, pelo menos, não verificada: De que as autoras formularam «pedido de indemnização, em dinheiro sim, mas para satisfazerem aquele objectivo, de reconstrução da casa.
- Em lugar algum da petição (na sua versão Inicial ou na sua versão reformulada) apresentada pelas autoras em juízo, se expressa a pretensão, ou sequer a vontade ou o desejo, de reparação do imóvel, ou seja, que as autoras pretenderam a reparação natural.
- Tal conclusão extraída do constante no artigo 36.° da petição inicial/artigo 39.° da petição reformulada (‘a reconstrução da casa, em idêntica situação à que estava antes do acidente/incêndio orça em valor não inferior a €250.000, uma vez que tem uma área de implantação de cerca de 300m2 por andar.’) é uma mera ficção (suposição) ou criação imaginária, num domínio de relevância que a não comporta, ou seja, em que não há margem para a subjectividade (a discricionariedade).
- As autoras não referem que para reconstruir a casa em idêntica situação à que estava antes do acidente/incêndio terão de des pender valor não inferior a €250.000.
- As autoras dizem coisa bem distinta, designadamente que «a reconstrução da casa, em idêntica situação à que estava antes do acidente/incêndio orça em valor não inferior a €250.000 (...)».
- A referência ínsita no artigo 36.° da petição inicial (artigo 39.° da petição reformulada) visou tão só servir de esteio à quantificação da indemnização ambicionada, pela qual, deliberadamente, as autoras optaram e não como pretensão de reconstrução, constituindo mais uma parcela de adição destinada a «engordar» o valor Indemnizatório a peticionar a final.
- Informando ainda que já havia sido «(...) diligenciado empreiteiro que visitou o local e se disponibilizou para iniciar a sua execução (em estrutura de madeira e telha de boa qualidade) ainda no decurso do mês de Novembro de 2003».
- Aliás, conclusão inversa à do acórdão recorrido, ou seja, que as autoras não tinham (nem nunca tiveram) em mente a reconstrução da casa (reconstituição natural, ainda que através da percepção de uma indemnização) se impõe se compulsarmos os autos e em particular os «factos provados», por três ordens de razões, que aleatoriamente e de forma individualizada se afirmam:
- Resulta dos documentos de folhas 100 e 101 (documentos juntos com a contestação sob os números 12 e 13), que o ora recorrente propôs às ora recorridas, em 30/10/2003, a «execução da cobertura do prédio (...) e a remoção dos escombros originados pelo incêndio», solicitando «com a maior brevidade possível e por escrito a necessária autorização para (...) iniciar os respectivos trabalhos».
- Ao não aceitarem tal «oferta» do recorrente, as autoras não poderiam ignorar que estavam a agravar os custos de reparação ou a comprometer definitivamente as possibilidades de reconstrução do seu prédio.
- Agravamento da reparação que a ser esta (a reparação) realizada sempre os custos daquele (do seu agravamento) se teria que repercutir na esfera patrimonial das autoras.
- E não é curial pensar, ou sequer equacionar, que as autoras pretendiam a reconstrução do seu prédio não só porque a não aceitaram quando oferecida pelo lesante/recorrente mas também e por tal facto (por a não terem aceite), porque doravante a reconstrução, a realizar-se, também teria que ser por elas (autoras financeiramente comparticipada já que o óbvio e provado agravamento dos seus custos não poderia deixar de lhe ser imputado.
- Agravamento dos custos de reconstrução (construção de novo) a cargo das autoras que (se ainda possível — é sempre temporalmente possível reconstruir ainda que, em última análise, tal implique demolir e edificar de novo), naturalmente, se tem acentuado de forma exponencial com o decorrer do tempo, volvidos que são já quase oito anos sobre a data do incêndio.
- Não aceitação e necessidade de esforço financeiro (cada vez maior) a impender sobre a esfera patrimonial das autoras (no caso de realização da reconstrução com custos agravados por não terem aceite a oferta do recorrente) para as quais no plano da vontade não se encontra (nem comporta) qualquer outra Interpretação que não seja a de que as autoras a não pretendiam, alguma vez a tivessem pretendido e seguramente, extrajudicial ou judicialmente, nunca a declararam ou reclamaram.
- O seu prédio era uma estrutura velha sem condições de habitabilidade que não justificava reconstrução ou recuperação – que a fazer-se, teria que se ater às condicionantes de habitabilidade pré-existentes.
- Pelo que a sua reconstrução, a fazer-se, teria que se ater às condicionantes de habitabilidade pré-existentes (as autoras não poderiam exigir mais do que a colocação do imóvel no estado em que se encontrava à data do incêndio), que é a finalidade da reconstituição natural (colocação do lesado na situação em que estaria se não fosse a lesão), ou seja, à reposição do depauperado estado de habitabilidade em que se encontrava aquando do incêndio objecto dos autos, o que, manifestamente, não interessava às autoras como não interessaria a quem quer que fosse.
- As autoras, desde cedo, tomaram consciência que o incêndio gerara um incremento patrimonial inesperado e uma desmesurada expectativa quanto ao seu limite, já que o incêndio:
Fez disparar o valor venal do imóvel (porque devoluto).
• Permitia accionar o seguro que recaía sobre o imóvel e que haviam celebrado com a «... - Companhia de Seguros S.A».
• Possibilitava ainda a responsabilização dos réus e deles almejar a obtenção de uma indemnização.
- O que o acórdão recorrido lhe vem conferir, resultando da sua aplicação que, no que exclusivamente tem conexão com o imóvel, as autoras:
- Tem a sua esfera jurídica integrada por um activo patrimonial avaliado em 140.000€ (valor de mercado do imóvel, como se encontra).
- Arrecadariam do recorrente um valor indemnizatório referente ao imóvel numa ordem de grandeza que ultrapassa os 150.000€, apurado com base nas seguintes parcelas condenatórias:
- 80.000€ (valor dos danos do prédio). Ponto 1), alínea a) do acórdão condenatório.
• 25.600€ (valor aproximado dos juros calculados sobre o antecedente valor e à razão de 3.200€ anuais desde a data da citação). Ponto 1) alínea f), primeira parte do acórdão condenatório.
• 28.350€ de rendas vencidas até à data do acórdão a que acrescem as que se vencerem até à data da indemnização fixada para a reparação do prédio, no máximo até Abril de 2013. Ponto 1), alínea b) do acórdão condenatório.
• Valor das rendas a apurar em execução de sentença relativas aos contratos de arrendamento celebrados com GG e com a arrendatária «G...», vencidas desde Maio de 2003 até ao momento referido no ponto anterior. Ponto 1), alínea c) do acórdão condenatório.
• Valor dos juros de mora vencidos sobre todas as rendas antecedentes, computados a partir das datas dos respectivos vencimentos. Ponto 1.), alínea f), segunda parte do acórdão condenatório.
- E em especial, no artigo 124.° que é a «reintegração in natura o princípio geral consagrado no artigo 562.° do Código Civil, que só deverá ser preterida pela indemnização em dinheiro em situações excepcionais (...)» e no seu artigo 127.° que «qualquer indemnização a arbitrar só o deve ser com carácter subsidiário (..)».
- Ou seja, contestou o recorrente (e os demais réus) arquitectando e desenvolvendo a «contestação» com base no pedido de indemnização por equivalente literalmente (e sistematicamente) constante da petição inicial, acentuando:
• O facto de as autoras não terem peticionado a «reintegração in natura».
• Que a indemnização tem carácter subsidiário ou alternativo (embora assista o direito de as autoras, como fizeram, em vez de peticionar a reintegração optarem pela indemnização por equivalente).
• Que, quantos aos danos no imóvel teriam que se apurar aqueles que efectivamente foram causados pelo incêndio e não levar em linha de conta aqueles que resultaram do facto de as autoras não terem autorizado a reparação oferecida pelo recorrente.
• Que teria que ser considerada a valorização de mercado do imóvel resultante do facto de ficar devoluto em consequência do incêndio.
- Autoras que em sede de «Réplica», para a qual remetemos, nem uma palavra disseram sobre a matéria.
- E era a «Réplica» o momento processualmente oportuno para as autoras clarificar a sua pretensão quanto à «reintegração in natura», se esta fosse a sua intenção com a indemnização peticionada, ou, então, alterar o seu pedido se não o sendo, daí em diante passasse a ser. Insistiram, porém, nessa peça na referência «Se requerer uma indemnização compatível e justa por uma tragédia(...)».
- As autoras pediram uma indemnização correspondente (equivalente) ao custo da reconstrução do prédio ... não um valor indemnizatório para o reconstruir. É isso e tão só isso Que se constata da peça processual através da qual introduziram em juízo a lide e que, no seu decurso (podendo fazê-lo), não alteraram ou modificaram, tendo sido perante essa factualidade que os demais sujeitos processuais se moveram.
- Mas poderá acontecer que o facto lesivo (…) ocasione ao titular do direito ou do interesse ofendido não só consequências nocivas como consequências benéficas. Os prejuízos serão atenuados ou contrabalançados por ganhos ou lucros, também provenientes do facto gerador daqueles».

- E, neste caso, «tem de se fazer a compensação entre uns e outros («compensatio lucri cum damno»).
- Sendo «a indemnização fixada na diferença que o património do lesado acusar - diferença igual ao valor dos danos deduzido do valor dos ganhos.»
- «E nem haverá lugar a indemnização se, como pode conceber-se, os ganhos igualarem ou superarem os prejuízos.»
- E só provado que seja que existem prejuízos, não compensados pelas vantagens geradas pelo facto lesivo (para além dos outros pressupostos da responsabilidade civil), demonstrada estará a existência do crédito da indemnização.
- Aplicada esta interpretação jurídica à matéria de facto sub judice tida por pertinente, facilmente se constatará a inexistência de qualquer crédito indemnizatório das autoras no que concerne à relação entre os prejuízos conexos com o imóvel originados pelo facto determinante da responsabilidade (danos no imóvel e rendas que deixaram de receber na sequência da extinção dos contratos de arrendamento.
- Assim, o acórdão recorrido, revogando a sentença de 1.ª instância, ao condenar o ora recorrente CC no pagamento de 80.000€, correspondente ao valor apurado da reconstrução do prédio, no erróneo (não verificado, demonstrado ou declarado) pressuposto de que as autoras peticionaram indemnização para realizar essa reconstrução e como tal se poderia (a Indemnização) inscrever ou reconduzir ao âmbito da restauração natural, não só fez uma incorrecta aplicação do disposto nos artigos 562.° e 566.° do Código Civil, como violou o limite qualitativo imposto pelo segmento final do artigo 661.°. n° 1 do Código de Processo Civil que determina a sua nulidade em conformidade com o disposto no artigo 668.° n.° 1. alínea e), parte final, do mesmo diploma legal.”

Mas mais,

“- tendo o recorrente oferecido às autoras a reparação e não a tendo estas aceite, não tinham o direito de se lhe substituir nessa reparação (fazendo por si mesmas a reconstrução — que não fizeram - ou peticionando o valor de reconstrução — que não declararam desejar fazer), a não ser que alegassem e, sobretudo, provassem as razões pelas quais a não aceitaram e estas fossem tidas por atendíveis, o que, in casu, se não verificou.
- Assim, visando as autoras prosseguir com o seu pedido indemnizatório um objectivo (reconstrução do prédio) - o que obviamente se não aceita - que lhe havia sido oferecido pelo recorrente, a sua pretensão para obter o mesmo efeito jurídico representaria um venire contra factum proprium, ou seja, uma conduta contraditória que, em combinação com o princípio da tutela da confiança, integra o instituto do ABUSO DO DIREITO consagrado no artigo 334.° do Código Civil e, como tal, ilegítima e indigna de tutela jurídica.”

E ainda,

“- Assim, tendo o recorrente oferecido a reconstrução no ano do incêndio (2003) e não a tendo as autoras aceite, a fixação do quantum indemnizatório deveria reportar-se à data de tal «oferta», ou seja, ao ano do 2003 e não ao tempo actual, decorridos que foram entre tal data e a data da prolação da sentença de 1.ª instância mais de seis anos, não sendo razoável impor a cargo do recorrente o pagamento de um valor indemnizatório actualizado quando o mesmo pretendeu suportar os custos da reparação no ano de ocorrência do facto lesivo.
- A mora de reparação sempre se deveria a exclusiva culpa das autoras — artigos 813.° e 814.°, n.° 1 do Código Civil.
- Mas mesmo que não se partilhe tal opinião, sendo o valor fixado para a reconstrução um valor actual, não teria cabimento a condenação do recorrente no pagamento de juros moratórios a partir da sua citação.
- Juros de mora através dos quais se estaria a actualizar um valor já por si actualizado, representando, assim, o seu pagamento às autoras um Injustificado enriquecimento à custa do recorrente, reprovado pelo disposto no artigo 473.° do Código Civil, que, assim, o acórdão valorizou.
- Quanto às rendas e correspondentes juros:
. Se as autoras aceitassem a reparação, as potencialidades do litígio ficariam reduzidas a questões pontuais (indemnizações relacionadas com danos no recheio, despesas, hipotéticos danos morais), mas teria permitido:
• Que as autoras pudessem, desde cedo, dispor, novamente, do imóvel para efeitos de arrendamento.
- Não se pode, também, concordar com o decidido pelo Tribunal da Relação do Porto já que, mediante a homologada transacção a que chegaram com a seguradora, as autoras acordaram e, como tal, aceitaram que tal indemnização, referente aos danos no recheio (e não outros), fosse liquidada (fixada no valor Que especificam, como resulta da sua cláusula l.ª: «Autoras e Ré acordam em fixar a quantia relegada para execução de sentença referida nas alíneas b) e c) na decisão da douta sentença de fls ..., na quantia 16.728,64 euros, referente ao contrato de seguro identificado na alínea AA) dos factos assentes».
- Não podendo, assim, por fora da homologada transacção, o recorrente ser condenado ao pagamento de qualquer indemnização relacionada com os danos provocados pelo incêndio no recheio do prédio das autoras.
- Erro de interpretação que inquinou o sentido da decisão inserta no acórdão recorrido e que impõe a sua revogação.
- Mas mesmo que assim não se interprete, sempre sobre o valor a liquidar teria que incidir redução (que a sentença de 1.ª instância fixou em 1/5), já que a autoras pelo seu acondicionamento em condições que agravaram o dano não poderiam sonegar-se à correlativa responsabilização, assente na culpa sob a forma de negligência e que tem enquadramento legal no artigo 570.°, n. 1 do Código Civil, pois que, provado ficou, que tal recheio foi colocado pelas autoras numa garagem, em condições propícias à sua progressiva deterioração - «Factos Provados» números 181, 182 e 183.
- Pelo que, no primeiro caso, por não se terem extraído os devidos efeitos legais da mencionada transacção e, no segundo caso, por erro de interpretação do disposto no artigo 570.° do Código Civil, que inquinou o sentido da decisão inserta no acórdão recorrido, se impõe a sua revogação.”

De todo o modo,

“- O acórdão recorrido (tal como a sentença de 1.ª instância) ao condenar o ora recorrente CC no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais não peticionada pelas autoras violou o limite qualitativo imposto pelo segmento final do mencionado preceito - art. 661.°, n.º 1. do Código de Processo Civil.
- E se é certo que as autoras alegaram (e provaram) factos que em tese permitem discutir a existência de danos patrimoniais (o desgosto aliado às suas idades e ao facto de o prédio ter sido a residência da família), a verdade é que não pediram e muito menos quantificaram qualquer importância destinada ao seu ressarcimento, aparecendo a referência ao «desgosto» no discorrer da pena.
- Quantificação que também se impunha, entendida a mesma não como a exacta quantificação de tais danos, mas pelo menos a sua quantificação, como se extrai do artigo 569.° do Código Civil que não isenta o lesado da obrigatoriedade de quantificar mas sim de indicar a importância exacta em que os avalia.
- Mas mesmo que assim se não entenda, isto é, de que as autoras não precisavam sequer de indicar (e isso seguramente não indicaram) qualquer importância, então estaríamos no domínio de um pedido (se é que podemos vislumbrar no seu articulado qualquer pedido de danos não patrimoniais) genérico que recairia no âmbito de previsão e aplicação do artigo 471.°, n.° 1, alínea b) e n.° 2 do Código de Processo Civil, isto é, pedido cuja formulação apenas poderia ser consentida se não fosse ainda possível determinar, de modo definitivo, as consequências do facto ilícito ou se as autoras, pretensas lesadas, pretendessem usar da faculdade que lhe confere o mencionado artigo 569.° do Código Civil.
- Às autoras competia alegar e provar os factos integradores do dano não patrimonial (artigo 342.°, n° 1 do Código Civil), dispondo o artigo 496.°, n° 1. do Código Civil que «na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito».
- Gravidade que deve ser sopesada por um padrão objectivo tendo em conta o circunstancialismo de cada caso e por, por outro lado, em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo trave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem patrimonial ao lesado.
- De todo o modo sempre o valor arbitrado, neste segmento, é excessivo e desproporcionado.”

As recorridas contra alegaram em defesa do julgado.

As instâncias deram por provados os seguintes factos:
1. Nos dias 30/05/1967 e 26/01/1993 faleceram em Bragança, respectivamente, EE e FF, conforme documentos juntos aos autos a fls. 5 e 6, que aqui se dão como integrados e reproduzidos para todos os efeitos legais (A).
2. A Autora BB nasceu no dia 17 de Janeiro de 1931, sendo filha de EE e de HH, conforme certidão de nascimento junta aos autos a fls. 7, que aqui se dá por integrada e reproduzida para todos os efeitos legais (B).
3. A Autora AA nasceu no dia 04 de Setembro de 1926, sendo filha de EE e de HH, conforme certidão de nascimento junta aos autos a fls. 8, que aqui se dá por integrada e reproduzida para todos os efeitos legais (C).
4. Em 04 de Outubro de 1968, foi apresentado na Repartição de Finanças de Bragança o documento constante a fls. 10, denominado “Título de Arrendamento”, outorgado entre HH e GG , relativo ao 2.° andar esquerdo do prédio sito na Rua ...com o n.° 31, inscrito na matriz predial urbana da Freguesia de Santa Maria — Bragança sob o Art.° 785.°, cujo teor aqui se dá por integrado e reproduzido para todos os efeitos legais (D).
5. Em 01 de Março de 2002, foi apresentado na Repartição de Finanças de Bragança o documento constante a fls. 11 e 12, denominado “Contrato de Arrendamento”, outorgado entre AA, como cabeça de casal da Herança de HH, e II, JJ e LL, relativo ao prédio urbano, sito na Rua ..., inscrito na matriz predial urbana da Freguesia de Santa Maria, Bragança sob o Art.° 787.°, onde consta a renda mensal de € 100,00, cujo teor aqui se dá por integrado e reproduzido para todos os efeitos legais (E).
6. Em 19 de Novembro de 2002, foi apresentado na Repartição de Finanças de Bragança o documento constante a fls. 13 e 14, denominado “Contrato de Arrendamento”, outorgado entre AA e MM, relativo às “Águas Furtadas — Nascente” do prédio urbano, sito na Rua ..., inscrito na matriz predial urbana da Freguesia de Santa Maria — Bragança sob o Art.° 787.°, onde consta a renda mensal de € 100,00, cujo teor aqui se dá por integrado e reproduzido para todos os efeitos legais (F).
7. Em 24 de Abril de 2002, foi apresentado na Repartição de Finanças de Bragança o documento constante a fis. 15 e 16, denominado “Contrato de Arrendamento”, outorgado entre AA e NN, relativo ao prédio urbano, sito na Rua ..., inscrito na matriz predial urbana da Freguesia de Santa Maria — Bragança, sob o Art° 787.°, onde consta a renda mensal de € 115,00, cujo teor aqui se dá por integrado e reproduzido para todos os efeitos legais (G).
8. No dia 05 de Maio de 2003, OO, como Comandante do Corpo de Bombeiros Voluntários de Bragança, emitiu a Declaração que consta de fls. 9, que aqui se dá por integrada e reproduzida para todos os efeitos legais (H).
9. As Autoras são donas e exclusivas proprietárias e possuidoras do prédio urbano sito na Rua ..., da cidade de Bragança, que tem duas frentes — uma para a dita Rua ..., por onde tem rés-do-chão, 1.º, 2.°, 3° andar/águas furtadas; e para a Rua ...ª com um andar ao nível da cave (adegas e divisões várias adaptadas para habitação), inscrito nas matrizes urbanas sob os Art.°s 785.° e 787.° da freguesia de Santa Maria – Bragança (1).
10. No dia 11/04/2003, pelas 14:00 horas, no edifício da Rua ... da cidade de Bragança, contíguo ao prédio das Autoras, propriedade dos Réus CC e esposa, deu-se um incêndio (J).
11. O prédio dos Réus, identificado na alínea J) dos Factos Assentes situa-se numa zona habitacional na zona histórica da cidade de Bragança (L).
12. As botijas de gás GPL-Shell Butagás, nos termos contratados pelo Réu CC com a Ré Repsol Butano Portugal R. B., S. A. são propriedade desta (M).
13. Foi celebrado o contrato de seguro pelo risco de incêndio relativo ao imóvel ou edifício sito na Rua ..., composto de 3 pisos, destinado a habitação, comércio (lãs e peles) e consultórios médico-dentário, pelo valor de 5.000.00$00 ou 24.938,89 euros, com o n.° ou apólice 5019181, conforme documento junto aos autos de fls. 52 a 57, que aqui se dá por integrado e reproduzido para todos os efeitos legais (N).
14. Foi celebrado o contrato de seguro pelo risco de incêndio relativo ao conteúdo o recheio identificado no contrato pelo valor de 1.000.000$00, posteriormente alterado para o valor global de 1.612,900$00 ou 8.045,11 euros, com o n.° ou apólice 5019181, conforme documento junto aos autos de fls. 47 a 51, que aqui se dá por integrado e reproduzido para todos os efeitos legais (O).
15. A ... – C. Seguros, S.A. apresentou aos Herdeiros do EE os documentos que constam dos autos a lis. 58 e 59, que aqui se integram e se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais, nos quais se propõe emitir recibo de indemnização no valor de 2.011,27 € e 9.975,55 E, respectivamente, relativamente ao sinistro «Incêndio ocorrido em 11/04/2003” (P).
16. Entre CC, como revendedor e a empresa R...e P..., Lda., como concessionária da SHELL, foi outorgado o acordo constante de fls. 86 dos autos, que aqui se dá por integrado e reproduzido para todos os efeitos legais, relativo à revenda de gás do tipo «Butagaz” e «Propagaz”, com data de início de actividade em 01/11/1992 (Q).
17. O CC emitiu a declaração constante a fls. 87 dos autos, cujo teor aqui se integra e reproduz para todos os efeitos legais (R).
18. Datado de 01 de Agosto de 2003, foi outorgado o contrato de arrendamento constante de fls. 95 e 96, cujo teor aqui se dá por integrado e reproduzido para todos os efeitos legais, entre PP e DD, relativo a uma casa, sita na Rua ..., inscrito na matriz predial urbana da Freguesia de Santa Maria – Bragança (S).
19. O Dr. QQ, na qualidade de Advogado das Autoras enviou, com data de 30/05/2003, ao Réu CC a carta que consta de fis. 97, cujo teor aqui se dá por integrado e reproduzido para todos os efeitos legais (T).
20. O Dr. RR, na qualidade de Advogado dos Réus CC e mulher, enviou ao Mandatário dos Autores a carta que consta de fls. 90, recebida em 31/10/2003, que aqui se dá por integrada e reproduzida para todos os efeitos legais, à qual as Autoras não responderam (U).
21. A Sociedade SS – Construções, Sociedade Unipessoal, Lda enviou ao Sr. Dr. RR a proposta constante de fls. 101 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida e integrada para todos os efeitos legais (V).
22. A Segurança Social enviou, com data de 02/01/2004, ao Réu CC a Declaração constante de fls. 103 dos autos, que aqui se dá por integrada e reproduzida para todos os efeitos legais (X).
23. Foi emitido o recibo cuja cópia consta de fis. 104, cujo teor aqui se dá por reproduzido e integrado para todos os efeito legais, relativo à renda do contrato de arrendamento referido em S) dos factos assentes (Z).
24. O Réu CC e a ..., Cª de Seguros S.A., celebraram um contrato de seguro relativo ao prédio dos Réus CC e mulher, sito na Rua ... com os n.°s 33, 35 e 37, tendo como objecto o imóvel e o mobiliário comum, com as coberturas e o capital seguro referido nos documentos de fls. 105 a 109, cujos teores aqui se integram e se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais (AA).
25. Por escritura datada de 3 1/05/2004, exarada de fis. 85 a 88 do L° 296-M do 5° Cartório Notarial de Lisboa, a Sociedade “Shell Portuguesa, Lda” foi transformada em Sociedade Anónima com a firma “Shell Portuguesa, S.A.”, conforme documento junto aos autos de fls. 221 a 237, que aqui se dá por integrado e reproduzido para todos os efeitos 1egais (AB).
26. Por escritura datada de 01/10/2004, exarada a fls. 145 e 146 do L.° 566-H do 13.° Cartório Notarial de Lisboa, a Sociedade “Shell Portuguesa, S.A.” alterou a sua firma para “Repsol Combustíveis, S.A.”, mantendo-se inalterados o capital, sede, objecto, matrícula e número fiscal, conforme documento junto aos autos de fls. 238 a 241, que aqui se dá por integrado e reproduzido para todos os efeitos legais (AC).
27. Por escritura outorgada em 02/08/2004, no 5.° Cartório Notarial de Lisboa, exarada de fls. 87 a 94 do L.º 694-1, que veio a ser rectificada pela escritura de 30 de Setembro de 2004, outorgada no mesmo Cartório Notarial e exarada de fls. 12 a 15-v do L° 704-L, conforme documentos juntos aos autos de fls. 242 a 361, que aqui se dão por integrados e reproduzidos para todos os efeitos legais, foi concretizada a cisão simples da Sociedade “Shell Portuguesa, S.A.” e autonomizadas diversas actividades correspondentes a áreas de negócios que por si e até aí eram exercidos (AD).
28. Uma das áreas de actividade que foram autonomizadas foi a respeitante ao negócio de importação, comercialização e distribuição de gás (AE).
29. O projecto de cisão simples da “Shell Portuguesa, S.A.” foi registado — cf. cota 58 e, posteriormente, registada a cisão simples que consistiu no destaque do património da sociedade cindida para com ele esse constituírem cinco novas sociedade — cf. cota 59 — com se observa da certidão da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa reportada à matrícula da Ré contestante «Repsol Combustíveis, S. A.’ tudo conforme fotocópia legalizada que consta dos autos de fis. 362 a 381, cujo conteúdo aqui se dá por integrado e reproduzido para todos os efeitos legais (AF).
30. Na sequência da cisão referida na alínea anterior da Matéria Assente, foi constituída a “Shell Gás (IPG), S. A” (AG).
31. A “Shell Gás (IPG), S. A.” sucedeu nos direitos e obrigações, posições contratuais, litígios e acções judiciais ou contra-ordenacionais em curso que recaíam sobre a actividade do negócio de importação, comercialização e distribuição de gás e que pertenciam à “Shell Portuguesa, S.A”(AH).
32. Por escritura datada de 3 1/03/2005, exarada a fls. 53 e 54 do L.° 340-M do 5.° Cartório Notarial de Lisboa, a Sociedade “Shell Gás (LPG), S.A.” alterou a sua firma para “Repsol Butano Portugal, R. B., S.A.’ mantendo-se inalterados o capital, sede, objecto, matrícula e número fiscal, conforme documento junto aos autos de fis. 473 a 476, que aqui se dá por integrado e reproduzido para todos os efeitos legais (AI).
33. Durante o incêndio referido em J), deram-se cinco explosões de botijas de gás (AJ).
34. Os Bombeiros e populares retiraram botijas de gás, cheias e vazias do prédio referido em J), que espalharam pelas redondezas do mesmo, quer na Rua ..., quer na Rua ... (AL).
35. Os Invernos que se seguiram aumentaram e continuam a aumentar a destruição do prédio referido em I), que se encontra sem telhado (AM).
36. Os Réus CC e DD são proprietários do prédio urbano, destinado a habitação, sito na Rua ..., n°s. ..., da cidade de Bragança, inscrito na matriz predial respectiva da freguesia de Santa Maria, da cidade de Bragança, sob o art°. 514, e descrito na Conservatória do registo Predial de Bragança sob o n°. 99453/16/049 1 (AN).
37. (…) cujo direito de propriedade se radicou na sua esfera jurídica através de sucessão hereditária deferida em partilha judicial realizada por óbito de TT e mulher UU, pais do Réu CC (AO).
38. O prédio referido em AN) é de construção muito antiga, composto de cinco pisos: cave, rés-do-chão, 1. e 2°. andares e águas furtadas (AP).
39. O prédio referido em AN), à data do incêndio referido em J), era constituído ao nível da cave, por duas divisões destinadas a arrumos e com acesso à Rua ...(AQ).
40. (…) ao nível do rés-do-chão, por cinco divisões: uma voltada a norte, designadamente para a Rua ... e servida por duas portas com os números de polícia 33 e 35, afecta, desde o ano de 1975, à actividade comercial do Réu marido; outra voltada a sul, designadamente para a Rua ... e servida por duas janelas, que constituía o quarto da mãe da Ré DD, VV, de 81 anos de idade, que se debatia com falta de mobilidade; e na zona intermédia, uma divisão destinada a arrumos e outra a casa de banho e um pequeno hall; no lado poente e com entrada pelo n°. 37, um pátio aberto e exterior, com cerca de 1,90m de largura, no topo do qual (sensivelmente a meio da empena poente do prédio) se encontram duas portas, uma do lado esquerdo, por onde se acedia ao interior da habitação e directamente ao hall donde partiam as escadas de madeira de acesso aos pisos superiores, e outra frontal, através da qual se acedia a uma plataforma exterior, com placa em betão e onde eram colocadas as botijas destinadas à revenda, e a umas escadas exteriores executadas em cimento, através das quais se fazia o acesso à cave (AR).
41. (…) ao nível do 1°. andar, por sete divisões: uma sala comum, um quarto de casal, uma casa de banho, uma cozinha, um arrumo, uma saleta, com três janelas voltadas para a Rua ..., e o vão de escadas que verticalmente ligava os pisos componentes do prédio, rés-do-chão às águas furtadas (AS).
42. (…) ao nível do segundo andar, com área inferior aos pisos anteriores, duas divisões: um quarto destinado ao filho do casal, XX, e outro quarto destinado ao filho do casal, ZZ (AT).
43. (…) ao nível das águas furtadas, três divisões, em madeira, destinadas a arrumos (AU).
44. O prédio referido em AN) era destinado à habitação dos Réus CC e DD, cujo agregado familiar compreendia também os dois filhos solteiros do casal, referidos em AT, e a mãe da Ré mulher, referida em AR), no estado de viúva (AV).
45. Na divisão do rés-do-chão do prédio referido em AN) voltada para a Rua ... e servida por duas portas com os números de polícia 33 e 35, desenvolvia o Réu CC, desde o ano de 1975 a actividade comercial relacionada com a venda a retalho de utilidades domésticas e produtos para o lar (louças, utensílios diversos de cozinha e outras utilidades) (AX).
46. A actividade referida em AX) era complementada com a revenda de gás butano em garrafas de 13 Kgs, para uso da vida doméstica (AZ).
47. O stock das garrafas referidas em AZ) era regularmente reposto pela “Shell”, designadamente pela firma armazenista “R...& P..., Lda, com sede na Rua ..., da cidade de Bragança (AAA).
48. No decurso do exercício da actividade referida em AX), durante mais de vinte e cinco anos, nunca resultou incidente ou sinistro de qualquer espécie (AAB).
49. As Autoras abasteciam-se de gás no estabelecimento do Réu CC, cuja colocação das garrafas no sítio desejado pelas mesmas, este diligenciava (AAC).
50. O prédio referido em I) encontra-se pelos seus lados nascente e poente, encravado entre dois outros prédios, sendo o do lado poente o prédio referido em AN) (AAD).
51. A Rua ... é uma rua exígua, estreita, sem actividade comercial de qualquer espécie, situada na zona velha e num dos Bairros (Bairro de Além do Rio) mais pobres da cidade, onde residem as famílias mais carentes (AAE).
52. O prédio referido em I), na sequência do incêndio aludido em J), ficou devoluto (AAF).
53. Os Réus CC e DD, referidos em AN), têm dois filhos solteiros, os referidos em AT) (AAG).
54. O Réu CC, referido em AN), nasceu em 30-05-1932 (AAH).
55. (…) e está reformado, auferindo a pensão mensal de € 248,08 (AAI).
56. A Ré DD, referida em AN), é professora do 1° ciclo e foi-lhe reconhecido, por despacho de 30-09-2004, o direito à aposentação (AAJ).
57. Na sequência do incêndio referido em J), os Réus referidos em AN) ficaram privados da sua casa de habitação (AAL).
58. As Autoras encontram-se reformadas, tendo a AA, na vida activa, e durante muitos anos, exercido a medicina (MM).
59. A Autora AA é solteira, sem descendentes ou ascendentes (AAN).
60. A Autora BB é viúva, e tem dois filhos maiores a residir em casa própria e a trabalhar na cidade do Porto (AAO).
61. Foi com a firma armazenista referida em AAA), que a Ré Repsol Combustíveis, S.A. negociou a concessão da venda de garrafas de gás para uma determinada área geográfica (AAP).
62. A renda mensal, referente ao contrato aludido em D) era, á data do incêndio, superior à que consta do doc. de fls. 10 (1).
63. EE e FF faleceram intestados e sem declarações de última vontade (2).
64. (….) deixando como únicas e universais herdeiras as Autoras AA e BB (3).
65. A herança dos “de cujos” tem-se mantido ilíquida e indivisa (4).
66. (…) fazendo parte da mesma herança o prédio identificado na alínea 1) dos Factos Assentes (5).
67. As casas onde se situava o prédio identificado na alínea 1) dos Factos Assentes são de construção muito antiga, em pedra, madeira e estuques, com traves e janelas em madeira (6).
68. Tal tipo de construção é muito antigo e idêntico ao que foi utilizado noutros prédios da zona histórica de Bragança (7).
69. O Réu CC é comerciante em nome individual (8).
70. O R CC mantinha, havia longos anos, no prédio aludido em J), um «stock» de cerca de 10 botijas de gás de consumo doméstico, para revenda (9).
71. Tal actividade de revenda de gás era complementar do comércio de produtos alimentares, exercido pelo R. CC, que funcionava no r/c do prédio, sendo que os andares superiores se destinavam á habitação (10).
72. O Réu CC é fiel depositário das botijas de gás referidas no quesito 9° da Base Instrutória (11).
73. (…) recebendo uma comissão pela venda de cada garrafa (12).
74. Relativamente a tal actividade de revenda de gás, o R não possuía licença nem autorização (13).
75. O R. Porfírio depositava as botijas de gás no r/c, em regra num espaço ao ar livre, situado ao lado do estabelecimento comercial de produtos alimentares, e, que, por vezes, depositava algumas dentro do próprio estabelecimento ou no passeio (14 e 101).
76. O R. continua a revender botijas de gás (15).
77. O R. CC, ao proceder à substituição de uma botija, num aquecedor “catalítico”, já antigo, e por ter colocado de forma deficiente o “redutor” na botija, provocou uma fuga de gás, o qual se inflamou quando o R. CC premiu o isqueiro (17 a 20 e 184 e 185).
78. O gás inflamado originou, rapidamente, um incêndio ao nível do 1 andar, que se propagou pelos andares superiores, originando, pelo aumento da temperatura, as explosões das botijas, aludidas em AJ) (21, 106, 184 e 185, 188).
79. Deslocaram-se ao local diversas corporações de bombeiros, compostas por 43 homens e 9 viaturas e que combateram durante várias horas o incêndio (22 e 23).
80. O incêndio acabou por se propagar ao prédio aludido em I) (25).
81. As botijas aludidas em AL) eram mais de 10 (30).
82. Parte do prédio aludido em I) ardeu, com o esclarecimento de ter ardido a parte das águas furtadas (telhado do prédio incluído) e das escadas que conduzem do 2° andar para aquelas (31 e 150).
83. Ardeu por completo a parte das águas furtadas (telhado do prédio incluído) e das escadas que conduzem do 2° andar para as águas furtadas (32 e 150).
84. No combate ao incêndio, foram despejados, no prédio aludido em I), vários milhares de litros de água, que escorreram pelo prédio (36).
85. Alguns dos haveres das AA, pelo menos uma mobília de quarto e uma mobília de sala de jantar, ainda foram retirados do prédio, por bombeiros e populares, vindo a ser recolhidos pelas AA numa garagem (37).
86. Pelo menos parte ainda aí estão (38).
87. As AA viviam, em economia comum, havia vários anos, no prédio aludido em I) (39).
88. As AA tinham, no prédio aludido em 1), várias mobílias de quartos completas, familiares e antigas (40).
89. (…) mobília de sala de jantar (41).
90. (…) mobília de sala de estar, com maples (42).
91. (…) cómodas D. Maria (43).
92. (…) cadeiras (44).
93. (…) mesas (45).
94. (…) armários (46).
95. (…) cristaleiras (47).
96. (…) aparadores (48).
97. (…) candeeiros antigos (49).
98. (…) e ainda duas arcas com roupas de campa (50).
99. (…) lençóis (51).
100. (…) colchas de lã de carneiro (52).
101. (…) resguardos de lã de carneiro (53).
102. (…) cobertores (54).
103. (…) jogos de cama (55).
104. (…) linhos e bordados de família, antigos (56).
105. (…) colchões (57).
106. (…) casaco de astracã (58).
107. (…) casaco de antílope (59).
108. (…) casaco comprido de couro (60).
109. (…) fatos de senhora (61).
110. (…) saias (62).
111. (…) casaco com broche e pedras finas (brilhantes e pérolas na lapela) (63).
112. (…) dois galheteiros de prata, muito antigos (64).
113. (…) uma jarra de prata, grande, muito antiga (65).
114. (…) uma base de prata trabalhada, com asa para copo de água, muito antiga (66).
115. (…) um serviço de chá da Vista Alegre, muito antigo (67).
116. (…) louça antiga (68).
117. (…) espelhos (69).
118. (…) caixas com ornamentos de prata (70).
119. (…) máquina de costura Singer (71).
120. O valor dos bens referidos em 40 a 49 não é inferior a 10.000 € (72).
121. O valor dos bens referidos em 50 a 71 não é inferior a 5.000 € (73).
122. No prédio aludido em I) havia, pelo menos, uma cozinha completa (fogão, frigorífico, máquina da louça, panelas, tachos), de valor não concretamente apurado (74).
123. Dos bens referidos, arderam e ficaram destruídos os que se encontravam nas águas furtadas, concretamente, uma mobília de quarto completa, uma mobília de sala completa, uma das arcas com roupa de cama, tendo ainda ficado danificada de forma irremediável a máquina de costura “Singer”, com o esclarecimento de ter ainda ficado danificada, mas não de forma irremediável, parte dos móveis e demais objectos que estavam nos andares inferiores, sobretudo no 2° andar, em virtude da água utilizada no combate ao incêndio (75).
124. A reconstrução do prédio aludido em I), em situação idêntica à ( que estava antes do incêndio, importará em cerca de 100.000 € (76).
125. A cave do prédio aludido em I) tem uma área de 217 m2 e, em virtude da água utilizada no combate ao incêndio, sofreu alguns danos, pequenos (77).
126. O r/c do prédio aludido em I) tem uma área de 217 m2 e sofreu, em virtude da água utilizada no combate ao incêndio e das intempéries (por o prédio estar desde então sem cobertura) alguns danos nos elementos estruturais em madeira (escadas incluídas), que provocaram um grau de danificação de 20% (78).
127. O 1° andar do prédio aludido em I) tem uma área de 205 m2 e sofreu, em virtude da água utilizada no combate ao incêndio e das intempéries (por o prédio estar desde então sem cobertura) alguns danos nos elementos estruturais em madeira (escadas incluídas), que provocaram um grau de danificação de 20% (79).
128. O 2° andar do prédio aludido em I) tem uma área de 205 m2 e sofreu, em virtude da água utilizada no combate ao incêndio e das intempéries (por o prédio estar desde então sem cobertura) danos nos elementos estruturais em madeira, que provocaram um grau de danificação de 50%, com o esclarecimento de as escadas que dão acesso às águas furtadas terem ficado completamente destruídas pelo fogo (80).
129. As águas furtadas do prédio aludido em 1) ficaram totalmente (100%) destruídas e a céu aberto (81).
130. As Autoras ficaram a viver na Residencial P..., em Bragança, durante cerca de um mês (82).
131. Tiverem com isso (dormidas e alimentação) despesas, em montante não apurado (83).
132. As pessoas referidas como inquilinas nos contratos aludidos em D) a O), inclusive, ainda habitavam as respectivas fracções e pagavam as respectivas rendas (84).
133. As AA haviam ainda arrendado uma parte da casa a uma tal «G...” (85).
134. (…) que ainda ali habitava e pagava a respectiva renda (86).
135. Por causa do incêndio as AA deixaram de receber as rendas dos inquilinos (88 a 90).
136. Tais rendas faziam parte dos rendimentos das AA (91).
137. Enquanto o prédio aludido em 1) se mantiver como está, não poderá ser arrendado (92).
138. As AA fizeram obras numa outra casa que possuíam, na Rua ..., em Bragança, a fim de a tornarem mais confortável, com vista a nela habitarem (93).
139. Nisso gastaram quantia não concretamente apurada (94).
140. As AA tiveram despesas de deslocações, telefonemas e pagamentos a trabalhadores, por causa do incêndio, no que gastaram quantia não concretamente apurada (95).
141. As AA sentiram profundo desgosto com o incêndio, pois atingiu a casa da família (96).
142. O valor do prédio aludido em 1), antes do incêndio, era de 90.000 €, com o esclarecimento de tal valor levar em conta que o prédio estava onerado com vários arrendamentos (97 e 148).
143. No prédio aludido em AN), havia, nos 1° e 2° andares, vários aquecedores alimentados a gás (98 a 100).
144. Por vezes, as entregas ao domicílio, solicitadas por clientes, eram feitas directamente pela firma armazenista aludida em AAA), mediante contacto para o efeito estabelecido pelo R. CC (102).
145. Nem as AA nem os vizinhos colocaram reservas à actividade de revenda de gás exercida pelo R. CC (103).
146. O incêndio referido em J), teve origem no 10.º andar do prédio referido em AN), exclusivamente destinado à habitação (104).
147. Mercê da existência de madeiras e outros materiais combustíveis (tapetes, cortinados, etc.) o incêndio propagou-se aos pisos superiores (105).
148. As botijas aludidas em AJ) eram utilizadas pelos RR para o seu consumo doméstico (107).
149. Todas as botijas de gás, referidas em AZ), cheias ou vazias, e que se encontravam no r/c, foram atempadamente retiradas do prédio, com o esclarecimento de nenhuma dessas botijas ter rebentado (108 e 187).
150. Não se encontrando nenhuma botija de gás para consumo doméstico ou destinada à revenda, na cave do prédio referido em AN) (109).
151. Os funcionários da firma armazenista referida em AAA) recolheram as botijas aludidas em AL) (110).
151. Do prédio aludido em I) e no decurso do combate ao incêndio foram retiradas várias botijas de gás (111).
152. (…) sendo, posteriormente recolhidas pelos funcionários da firma armazenista referida em AAA) (112).
153. O R. EE entregou na habitação das AA na Rua Trindade Coelho, algumas botijas de gás “Shell” (113).
154. O prédio referido em AN) tem uma altura ligeiramente inferior ao prédio referido em I) (114).
155. O cume das águas furtadas/sótão do prédio referido em AN) ficava a meio das águas furtadas/sótão do prédio referido em I) (115).
156. Foi ao nível da cobertura das águas furtadas do prédio referido em AN), que o incêndio a que se alude em J) se propagou à cobertura do prédio referido em I) (116).
157. Em consequência do incêndio, a cobertura em telha do prédio aludido em I) ficou destruída, em toda a sua extensão (117).
158. Em consequência do incêndio, ficou destruída parte da parede delimitativa das águas furtadas do prédio aludido em I), que se situava a um nível superior ao do prédio aludido em AN) (118).
159. (…) que era, e é na parte em que se mantém, uma estrutura antiga à base de estuque, madeira e cal (119).
160. (…) cujos escombros se depositaram no pavimento das águas furtadas/sótão e, parcialmente, na caixa de escadas pelas quais verticalmente se fazia o acesso aos diferentes pisos, do prédio referido em I) (120).
161. Ficou destruído o lance de escadas em madeira que fazia a ligação entre o 2° andar e as águas furtadas/sótão do prédio referido em I) (121).
162. Nenhuma outra parede divisória dos prédios referidos em I) e AN) se abateu em consequência do incêndio aludido em J) ou do seu combate (122).
163. O telhado do prédio referido em I) situava-se do seu lado norte voltado para a Rua Combatentes da Grande Guerra, e era constituído por telha “capa e canal”, antiga, e assente em estrutura de madeira, composta por vigas, barrotes e ripas (123).
164. A cobertura do seu lado sul, voltado para a Rua ..., era constituída, parcialmente, por terraços e outras estruturas que protegem os pisos inferiores (124).
165. O prédio aludido em I) data de finais do sec. XIX/inícios do sec. XX (126).
166. A fachada sul, voltada para a Rua ..., que tem uma extensão de 9 m., é completamente descaracterizada e sem interesse arquitectónico (128 e 132).
167. Enquanto a fachada sul não merece preservação, a “traça” da fachada norte deve ser preservada, com o esclarecimento de tal necessidade de preservação advir do facto do prédio se inserir num conjunto mais vasto de prédios, na zona histórica da cidade (129 e 131).
166. A fachada voltada para norte, com uma extensão aproximada de 11 metros, é constituída por pedras estabilizadas com matéria inerte, barro, e rebocadas com argamassa à base de cal (130).
167. O espaço interior do prédio referido em I) encontra-se dividido por tabiques ou precárias paredes de adobe, cal e estuque (134)
168. É completamente destituído de materiais de isolamento acústico e térmico e de instalações de aquecimento central (135).
169. Os soalhos, as escadas e as portas interiores do prédio referido em 1), são em madeira, servindo os primeiros de tecto aos pisos inferiores (136).
170. Os compartimentos do prédio referido em I) são desconfortáveis, muitos deles interiores, sem janelas ou arejamento (137).
171. A Rua ... incorre num processo gradual de desertificação habitacional e comercial (139).
172. É constituída por um património imobiliário antigo, que não reúne condições necessárias de comodidade, conforto e salubridade, impostas pela sociedade actual e reclamada pelos seus elementos (140).
173. Tem poucas zonas de lazer ou de convívio (141).
174. (…) as casas estão velhas, degradadas, mal isoladas, quer a nível acústico quer térmico, com compartimentos mal divididos, desconfortáveis, muitos deles interiores, sem aquecimento central, com instalações precárias a nível das infra-estruturas de electricidade, água e saneamento básico, e sem espaços destinados à recolha de viaturas (142).
175. Não reúnem condições para a fixação das novas gerações (143).
176. Na sua grande maioria nelas vivem idosos (144).
177. (…) não é atractiva do ponto de vista comercial (145).
178. é quase exclusivamente uma zona de passagem de viaturas com outros destinos (146).
179. O prédio aludido em I), depois do incêndio e devoluto de inquilinos, vale 140.000 €, com o esclarecimento de, se não tivesse sido afectado pelo incêndio e estando devoluto, valeria 150.000 € (147).
180. As AA ocupavam apenas parte do prédio aludido em I) (149),
181. Depois do incêndio, as AA mandaram retirar a restante parte do recheio, não ardido (151).
181. As AA recolheram tal recheio numa garagem (152 e 153).
182. Pelo menos parte ainda lá se mantém, nas mesmas condições (154).
183. (…) propícias à sua progressiva deterioração (155).
184. A chuva tem danificado as estruturas de madeira (soalhos, tetos, portas e escadas), existentes, as paredes interiores e inerentes pinturas, as infra-estruturas de electricidade e as paredes exteriores cimeiras, que se encontram desprotegidas, do prédio referido em I) (156).
185. Tal fragiliza a sua estrutura interior de sustentação, constituída por vigamento em madeira, com o esclarecimento de, assim, contribuir para o agravamento progressivo do estado do prédio (157).
186. Em 30/10/2003, a reconstrução do prédio aludido em I) era possível, com o esclarecimento de ser possível a realização das obras referidas na carta aludida em U) dos factos assentes (158).
187. Actualmente, ainda é possível a reconstrução (159),
188. Os RR CC e DD contribuem para as despesas correntes dos seus filhos referidos em AT) (162).
189. Os Réus CC e DD residem actualmente em casa arrendada, pela qual pagam a renda mensal de € 250,00 (163).
190. (…) e despendem, mensalmente, em alimentação, vestuário, água, energia, telefone, a quantia de € 400,00 (164).
191. Parte do prédio referido em AN) ficou destruída (165).
192. Os RR CC e DD perderam grande parte dos seus haveres (166).
193. As Autoras usufruem de boa condição económica (167).
194. (…) e têm, em conjunto, e provenientes das respectivas reformas, rendimentos mensais superiores a € 2.500,00 (168).
195. Á data do incêndio tinham rendimentos mobiliários e de natureza predial superiores a 1.000 €, com o esclarecimento de tal se ter deixado de verificar depois do incêndio (169).
196. As AA são ainda donas de 3 edifícios situados na freguesia de S. Maria, em Bragança, um na Rua ... (composto de r/c e 10 andar), outro na Rua ... (composto de 1 só piso), e outro no Bairro de Além do Rio (composto de r/c e 10 andar) (171 a 173).
197. A A AA era ainda dona de um edifício, no Bairro Artur Mirandela, Bragança, que vendeu depois do incêndio (174).
198. (…) de duas fracções autónomas, apartamentos, destinadas à habitação, sitas na cidade do Porto (175).
199. As AA, antes do incêndio, passavam parte do tempo no Porto (177).
200. Após o incêndio, as AA passaram a viver no Porto, apenas se deslocando a Bragança periodicamente e por curtas temporadas, com o esclarecimento de, antes do incêndio, viverem grande parte do tempo em Bragança (178).
201. A Ré Repsol Combustíveis SA, entregou à firma armazenista referida em AAA), as normas de segurança a que devem obedecer as instalações e guarda de garrafas de gás (acondicionamento em recipientes próprios e ao ar livre), normas essas que teriam de ser transmitidas aos revendedores (179).
202. Foi a firma armazenista aludida em AAA) quem escolheu o R. CC Porfírio para exercer a actividade de revendedor de botijas de gás “Shell”, dando-lhe a conhecer a necessidade de armazenar as botijas ao ar livre (180).
203. O R. CC não vendia apenas botijas da “Shell” (181).
204. Os Réus CC e DD consumiam na sua habitação gás em garrafas de diversas marcas (182).
205. (…) Incluindo gás fornecido pela GALP (183).

Foram colhidos os vistos.

Conhecendo,
1- Culpa, dano e indemnização.
2- Indemnização/reconstituição e pedido.
3- Indemnização pelo prédio.
4- Danos não patrimoniais e juros.
5- Conclusões.


1- Culpa, dano e indemnização.


1.1 Numa primeira abordagem do acervo conclusivo do recorrente, importa proceder à exegese dos conceitos de culpa, dano e indemnização.

Isto porque nos movemos no âmbito da responsabilidade civil (extra- contratual ou aquiliana) cujos pressupostos – acto ilícito, culpa, nexo causal (entre aquele evento e este nexo de imputação subjectivo) e o dano que, por ser indemnizável, terá de ser cotejado no âmbito do respectivo ressarcimento, tudo como, claramente, resulta do disposto nos artigos 483.º, 487.º e seguintes do Código Civil.

Na situação em apreço, é inquestionável a culpa do recorrente que, ao proceder à substituição de uma botija de gás para abastecer um aquecedor catalítico já antigo e por ter colocado o “redutor” de forma deficiente, provocou uma fuga de gás.

Quando premiu o isqueiro, o gás inflamou-se originando o incêndio que se propagou, e potenciou, com a explosão de outras botijas por simpatia.

Tal conduta revela menor diligência no sentido de omissão de um comportamento a traduzir uma actuação descuidada (cfr. os Profs. Paulo Cunha, in “Direito das Obrigações”, II, 1938/1939, 246 e Manuel de Andrade, in “Teoria Geral das Obrigações”, 3.ª ed., 1966, 341).

Trata-se, em suma, de um erro de conduta resultado de incompetência, imperícia, falta da observância de regras técnicas que, geralmente, são modalidades de culpa “stricto sensu”.

Mas tal nexo é de apreciação em concreto já que quando se apela para o conceito de diligência toma-se como padrão a postura psicológica do “bonus pater famílias” sendo, outrossim, de averiguar se o acto ilícito foi doloso ou culposo, ou seja se, de todo o modo, resultou da vontade do agente, desde que não ocorra qualquer presunção de culpa (como, v.g., na responsabilidade contratual – artigo 799.º, n.º 1 do Código Civil – e nas hipóteses previstas nos artigos 491.º a 493.º do diploma substantivo).

Ora, e como acentua o Prof. Pessoa Jorge, é de presumir o nexo psicológico da culpa sempre que haja imputabilidade, sendo que tal presunção decorre do artigo 488.º do Código Civil.

E explica: “Deste modo se o agente é imputável como em regra sucede, o lesado não tem de provar a voluntariedade do acto, cabendo àquele ou aos seus representantes demonstrar que, quando o praticou, não se encontrava no uso das suas faculdades espirituais.” (apud “Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, 1972 – Reedição – 340).

É nesta linha que o Prof. Menezes Cordeiro (in “Direito das Obrigações”, 2001, 2.ª, 307) expõe: “Todos estão de acordo em que, no delito, há uma manifestação de vontade humana. Por isso se diz que o delito é um facto ilícito voluntário. O dizer-se que algo é voluntário equivale a afirmar que existe, nele, a peculiaridade de poder ser imputado à vontade do agente, isto é, que compreende um nexo entre as potencialidades de livre arbítrio da pessoa considerada e comportamento assumido. Um comportamento é voluntário porque – e na medida em que – tendo o agente a possibilidade de proceder de outra forma, ou, simplesmente, de nada fazer – acabou, no entanto, por optar por aquela via.”

Ora, o recorrente foi inábil, e pouco diligente, na substituição de uma botija de gás, deixando escapar o conteúdo – altamente volátil e inflamável – e, não obstante ter acendido um isqueiro provocando o incêndio (ainda que, “in casu”, não seja aplicável o regime da responsabilidade objectiva do artigo 509.º do Código Civil que não se reporta “aos danos causados por utensílios de uso de energia como por um fogão, sem motor eléctrico, ou por qualquer outro utensílio caseiro” – apud “Código Civil anotado”, I, 3.ª ed., 496, dos Profs. Pires de Lima e A. Varela), conduta que sendo negligente para qualquer pessoa, é-o por maioria de razão para quem também exerce uma actividade profissional conectada com a venda/distribuição de botijas de gás.

Este profissional tem o dever acrescido de conhecer os riscos associados à manipulação de contentores de gás, as elementares cautelas exigíveis no seu manuseamento, desempenhando, perante os seus clientes, um papel didactico para prevenção de acidentes.
1.2 Alcançada a culpa passemos ao dano e consequente indemnização, já que da dogmática daquele depende a determinação desta.

Como se deixou dito, é um requisito da responsabilidade civil conectado por um nexo causal com o ilícito que, por sua vez, é resultado de conduta culposa (cfr. a expressão “danos resultantes da violação” do n.º 1, “in fine” do artigo 483.º do Código Civil).

Na definição do Prof. Vaz Serra (BMJ 84-8) trata-se de “todo o prejuízo, desvantagem ou perda que é causado nos bens jurídicos de carácter patrimonial ou não”, sendo que o Prof. Pereira Coelho o conceptualiza como “o prejuízo real que o lesado sofreu «in natura», em forma de destruição, subtracção ou deterioração de um certo bem corpóreo ou ideal.” (in “O Problema da Causa Virtual na Responsabilidade Civil”, 250).

Note-se que os danos patrimoniais (e que são os que relevam nesta lide) se desdobram em duas categorias, constantes do n.º 1 do artigo 564.º do Código Civil: o dano positivo (ou emergente) que se caracteriza por uma “perda ou desfalque de valores que já constituíam o património” do lesado e o lucro cessante (ou lucro frustrado) consistente num direito a ganho que se gorou ou, melhor, quando a lesão impediu um ganho que só pela sua verificação o lesado não auferiu.

Verifica-se que na conceptualização de dano parte-se da expressão “prejuízo” sendo certo que a doutrina vem utilizando indiferentemente as duas (cfr. Prof. Jaime de Gouveia, in “Da Responsabilidade Contratual”, 91) enquanto se vulgarizou a expressão “perdas e danos” (agora abrangendo os, acima referidos, conceitos de dano emergente e lucro cessante) para no direito francês se apodar de “dommage” e também de “préjudice”, enquanto a “common law” refere “damages” (distinguindo entre “actual damages” e “compensatory damages”, “consequential damages” e “incidental damages”, apesar da utilização do termo “injury” (“damage that comes from the violation of a legal right”).

Se bem que actualmente o “nomem iuris” mais frequente seja dano, assim se tendo acolhido o que já defendia o Prof. Gomes da Silva (in “O Dever de Prestar e o Dever de Indemnizar”, 1944, p. 100), o certo é que antes do actual Código Civil o Prof. Castro Mendes preferia o termo prejuízo (apud “Do Conceito Jurídico de Prejuízo”, in Jornal do Foro, Ano 16, 1952, 44 ss.), embora se reportasse ao prejuízo jurídico distinguindo-o do conceito genérico de prejuízo (“ (…) a relevância jurídica do prejuízo provém da especialidade do seu objecto. O prejuízo jurídico é um mal causado a algo que a lei protege. Este «algo» tão discutido – a que chamamos «objecto do dano» - é a diferença específica do prejuízo jurídico.” ob. cit. 45).

Mas, no rigor não será, exactamente, assim.

Veja-se que no direito norte-americano, a acima referida “injury” contrapõe-se à “personal injury”, quando feita “to someone’ s body or personal rights as opposed to reputation or property” sendo hoje ainda válido o aforismo latino “damnum absque injuria” (dano sem prejuízo) ou seja, a situação em que uma perda ou dano não dá lugar a indemnização para a ressarcir, por não ter origem num acto ilegal ou ilícito mas ter sido causado por evento da natureza.

Consideramos, então, a ofensa como sinónimo do dano ( em setido lato) causado a outrem, na sua pessoa, direitos, reputação ou propriedade, sendo que o mesmo se desdobra em prejuízos(danos em sentido restrito) directos (actuais e imediatos) mediatos (ou sequenciais) e expectáveis (ou lucros cessantes), cujo ressarcimento pode ter natureza de compensação pura ou de compensação sancionatória.

Fiquemo-nos por estes conceitos que serão os que aqui relevam.

1.3. Como ensina o Prof. Pereira Coelho, “o fim do dever de indemnizar é pôr, portanto, a cargo do lesante a prática de certos actos cuja finalidade comum é criar uma situação (…) que se aproxime o mais possível daquela outra situação (…) em que o lesado provavelmente estaria, daquela situação que provavelmente seria e existente, de acordo com a sucessão normal dos factos, no momento em que é julgada a acção de responsabilidade, se não tivesse tido lugar o facto que lhe deu causa.” (in “O Nexo de Causalidade na Responsabilidade Civil”, 53).

Nesta linha, e retomando, para sintetizar, o acima acenado, recorda-se que a obrigação de indemnizar basta-se com o evento, a ilicitude, o nexo de imputação ao lesante, o dano e o nexo causal entre o evento e o dano e que:

- para a prova da culpa é suficiente o apelo aos princípios da experiência geral que a tornem verosímil, nos termos do artigo 487.º, n.º 2 do Código Civil (note-se que nesta norma o conceito de bom “pai de família” significa o homem diligente, normal, o homem padrão – Prof. Galvão Telles, in “Obrigações”, 32) não sendo exigível o dolo antes bastando a culpa em sentido estrito (mera culpa).

- o dano, em sentido lato integra o conceito de prejuízo (podendo mesmo desdobrar-se em vários prejuízos ou danos em sentido estrito) ou seja a diferença entre a situação que existia antes do evento lesivo e a que o lesado tem de suportar para repor essa situação, ou melhor ainda – e como prescindimos aqui da análise do dano não patrimonial, já que o “pretium doloris” assenta numa filosofia completamente distinta – permitir-lhe o gozo ou a fruição da coisa que foi deteriorada nos precisos termos em que o faria não fosse a ocorrência do acto ilícito gerador da deterioração, ruína ou, até, perda.

Adere-se, assim, ao conceito objectivo (ou abstracto) de dano, a apontar para a teoria da diferença, por nos parecer o mais consentâneo com a dogmática do dano patrimonial (cfr., e v.g., Enneccerus – Lehmann in “Derecho de Obligationes”, I, 1933, 61) embora se compreendam as reticências do Prof. Gomes da Silva (ob. cit., 120) para quem esse entendimento desconsidera a reparação perfeita que é a em espécie, “in natura”, ou de reintegração, além de entender que mal se conjuga com os lucros cessantes, o desaproveitamento das despesas, sugerindo, outrossim, incorrecta identificação da prestação e da indemnização.

De todo o modo, o objecto do dano não sendo apenas a coisa em si, por ter ínsito um interesse ou bem jurídico do lesante, não pode deixar de reportar-se ao próprio bem já que ambos os conceitos surgem ligados.

Alinhadas que ficam estas considerações passemos a abordar, “pari passu”, o acervo conclusivo – que delimitou o objecto do recurso – que o recorrente seriou.


2- Indemnização/reconstituição e pedido.

O impetrante insurge-se contra o Acórdão recorrido por o ter condenado numa indemnização em dinheiro, que as Autoras se teriam limitado a pedir para a“reconstrução da casa”quando tal não resulta da petição.Na sua optica, apenas resulta que avaliaram na quantia pedida o custo da reconstrução mas não afirmaram pretender fazê-la.

De outra banda, tendo-lhes oferecido tal reparação e, não a tendo aceite, contribuíram para o agravamento dos danos.

Vamos deixar o segundo ponto para outra rubrica.

Vejamos o primeiro.

2.1. Numa mera insinuação, procedemos ao “distinguo” entre indemnização em dinheiro e reconstituição “in natura”ou de modo especifico.

Se o lesante causou um dano na esfera juridica de outrém, é lógico que a reparação devida consista em repor essa esfera juridica lesada no estado anterior ao dano (“restitutio in integrum”)- Mario Pogliani, “Responsabilità e resarcimentoda illecito civile”, 2” ed.,1969, p 465ss.

O artigo 566.º, n.º 1 do Código Civil privilegia a reparação em espécie consagrando, no n.º 2, a teoria da diferença.

Tal como entendem os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, a indemnização em dinheiro tem carácter subsidiário, embora seja a forma mais frequente de indemnizar, “por impossibilidade de reconstituir o estado anterior à lesão.” (“Código Civil Anotado”, 3.ª ed., I, 546 e 550; cit. ainda, o Prof. Vaz Serra, “Obrigação de Indemnização”, BMJ, 84), impossibilidade essa que pode resultar da própria natureza das coisas e da extensão (ou irreparabilidade do dano) ou da excessiva onerosidade para o lesante. (cfr., ainda, no sentido de considerar que a reconstituição natural está na primeira linha os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Março de 2009 – 09B0520 – de 11 de Janeiro de 2007 – 06B4430 – e de 4 de Dezembro de 2007 – 06B4219).

De facto, a regra na maioria das legislações, é a reparação específica sendo supletiva a indemnização em dinheiro, princípio consagrado nos Códigos Civis da Alemanha (§s 249, 250 e 251), da Austria (§s1.323), da Italia (art.2058),do Brasil (art.1534).

O Código das Obrigações da Suiça (art. 43) deixa ao critério do Juiz a forma de ressarcimento, sendo que a jurisprudencia francesa, na ausencia de preceito expresso, se inclina no mesmo sentido. (cfr.Code Civil , Dalloz. 493 ss).

No direito espanhol, e como o artigo 1902 não refere o modo de indemnizar, este fica ao critério do julgador, embora o Tribunal Supremo venha priveligeando, como regra, a restituição “en forma específica”. (J. Santos Briz,”La reparación de daños”.apud “Tratado de Responsabilidad Civil”.I.2008, 609ss):

Quando a reconstituição é impossivel, nos termos do nº1 do artigo 566º CC, por ocorrer qualquer das situações acima referidas, há conversão da obrigação de reparar em obrigação pecuniária.

Mas tem de adoptar-se o conceito de impossibilidade material, que não económica ou jurídica

Assim é, tanto mais que o Prof. Vaz Serra (última cit. 132) já advertia que “a reposição natural não supõe necessariamente que as coisas são repostas com exactidão na situação anterior: é suficiente que se dê a reposição de um estado que tenha para um credor valor igual e natureza igual aos do que existia antes do acontecimento que causou o dano. Com isto, fica satisfeito o seu interesse. É assim que se o devedor deve coisas fungíveis, nada obsta a que preste outras de igual espécie e valor.”

De outra banda, essa impossibilidade deve ser apreciada casuisticamente podendo sê-lo “ex officio”. (cfr., v.g., o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Julho de 2007 – 07B1849).

Mas a onerosidade excessiva geradora da conversão da restauração em obrigação pecuniária deve ser alegada pelo lesante uma vez apurado o valor exacto dos danos, ponto de partida para o cálculo da indemnização. (veja-se, sobre o instituto, o Dr. Júlio Gomes, in Cadernos de Direito Privado”, 3, 56 e ss.)

Em suma, há que fazer o seguinte percurso:

- Apurar a existência e extensão do dano (e consequentes prejuízos), através da causalidade adequada;

- Proceder à determinação do seu “quantum”, preferivelmente lançando mão da teoria da diferença;

- Verificar da possibilidade de indemnização específica, consistente quer na entrega ao lesado de um bem igual ao prejudicado (Prof. Menezes Cordeiro, ob. cit., 2.ª, 399) quer procedendo, em primeira linha, ele mesmo (lesante) à reparação/reconstituição do bem;

- A reparação especifica só não é viável se tal for alegado por qualquer das partes, o Tribunal verificar que é materialmente impossível ou se o lesante alegar que a mesma lhe é excessivamente onerosa e, portanto, gravemente atentatória dos princípios da boa fé;

- Segue-se, então (ou oficiosamente, ou a requerimento do lesado ou, no caso de excessiva onerosidade, a requerimento do devedor) a conversão da reparação em obrigação pecuniária.

Quanto à onerosidade para o devedor, e para além da manifesta desproporção, a ferir a boa fé, alinhamos nos considerandos do Prof. Almeida Costa ao afirmar que tal deve apreciar-se “em termos amplos, considerando-se, inclusive, legítimos interesses de ordem moral ou sentimental.” (in “Direito das Obrigações”, 6.ª ed., 662).

2.2. Vejamos, então, se o Acórdão recorrido condenou em objecto diferente do pedido, como refere o recorrente por o ter feito em indemnização em dinheiro quando as Autoras se teriam limitado a pedir a reconstrução da casa.

A tal ter ocorrido estar-se-ia perante a nulidade da alínea e) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil.

Mas tal não se verificou.

As Autoras referiram na petição inicial que “a reconstrução da casa, em idêntica situação à que estava antes do acidente/incêndio, orça em valor não inferior a €250.000,00, uma vez que tem uma área de implantação de cerca de 300 m2 por andar. A saber (…)”

E formularam um pedido de indemnização em dinheiro para reconstruírem o edifício.

Pode, contudo, suscitar-se a questão de saber se tal era, desde logo, possível.

Deixàmos algumas considerações sobre o instituto da reconstituição natural e, tendo a indemnização em dinheiro natureza subsidiária, há a tentação de se perguntar se é possível que o lesado venha, desde logo, pedir a indemnização em dinheiro.

O Prof. Almeida Costa (ob. cit., 6.ª ed., 663) entende que não com o argumento de ser “no interesse de ambas as partes e como modo normal de indemnização que a restauração natural se encontra estabelecida. Portanto: se o credor reclama a restauração natural, o devedor só pode contrapor-lhe a indemnização pecuniária se aquela for impossível ou resultar excessivamente onerosa para ele, devedor; e da mesma sorte, se o devedor pretende efectuar a restauração natural, também o credor apenas poderá opor-se com o fundamento na referida impossibilidade fáctica ou na circunstância da reconstituição ‘in natura’ não reparar todos os danos.”

Do exposto concluiu que, sem prejuízo de acordo em contrário, o credor pode, contra a vontade do devedor, exigir a reparação natural e este pode prestá-la à revelia da vontade daquele, pois que a reconstituição é precípua do direito do lesado. (cfr., essencialmente no mesmo sentido, os Profs. A. Varela – “Das Obrigações em Geral”, I, 10.ª ed., 904 – Pereira Coelho – “Obrigações”, 174 – e Pessoa Jorge, ob. cit. 421 e ss.).

Não se olvide, porém, que, como se disse, o dano tem de poder ressarcível “in natura”, sem excessiva onerosidade para o lesante, e que tal ressarcimento deve ser feito no cotejo entre os prejuízos patrimoniais sofridos pelo credor no seu todo, não se afigurando duvidoso, no espírito da lei, reparti-los deixando uns para reconstituição e convertendo outros em obrigação pecuniária.

É que, embora o dano patrimonial resulte na globalidade do mesmo acto ilícito conectado com a mesma culpa e tenha de ser tratado como unitário independentemente da sua repartição interna em vários prejuízos (danos “stricto sensu” ou na expressão do Prof. A. Varela “aspectos em que o dano se desdobra”)pode ser ressarcido de acordo com a natureza de cada prejuizo.

Por isso, se a reconstituição natural não é possível para todos os prejuízos que integram o dano patrimonial, haverá que converter,quanto aos não reconstituiveis, a obrigação de indemnizar em obrigação pecuniária.

Parece-nos ser este o entendimento do Prof. A. Varela (in “ Das Obrigações em Geral”, I, cit. 905) quando refere que a reconstituição peca por insuficiência quando “não cobre todos os danos (a reparação da viatura não compensa o utente quanto à privação do seu uso durante o período de concerto) ou não abrange todos os aspectos em que o dano se desdobra (o tratamento clínico do atropelado ou agredido não compensa as dores físicas que ele teve)”, para concluir que nos casos de insuficiência por impossibilidade natural, o segmento do prejuízo do dano será equiparado a dano não patrimonial e, portanto, não indemnizado mas compensado. (cfr., com interesse, o Dr. José Gualberto Sá Carneiro, “Revista dos Tribunais”, 86.º-214).

E muito embora este Mestre se limite a citar como exemplos alguns prejuízos inseríveis no “genus” do dano não patrimonial, é possível transpor o raciocínio para os casos em que ocorreu destruição de bem patrimonial que, contudo, pela sua antiguidade, raridade, valor artístico ou ligação afectiva ao ofendido, é impossível ser recuperado como tal.

Do que fica dito, resulta a valia da opinião do Prof. Menezes Cordeiro: “Nenhuma razão encontramos para que, nessa hipótese, não possa haver lugar a indemnização especifica e, nos danos remanescentes, a uma entrega pecuniária compensatória”., ob. cit., 2.º, 401 ).

Mas não deve olvidar-se que os danos devem, como regra , ser indemnizados globalmente e em conjunto,sob pena de se impor ao credor/lesado a percepção da indemnização em parcelas (equiparadas a prestações) quando o principio da integralidade do cumprimento, constante do nº1 do artigo 763ºdo Codigo Civil manda que a prestação seja efectuada por inteiro, e não parcialmente,excepto se a convenção das partes, a lei ou os usos o admitirem. Mas é questão, eventualmente, a tratar no âmbito da responsabilidade contratual mas que não se coloca, tão rigidamente, na responsabilidade aquiliana ( cfr. Prof. Almeida Costa , ob. cit., 6ªed. 873; e ainda, v. g. Prof. A. Varela apud “Das Obrigações em Geral”,II,7ª ed., 16, ao enfatizar que “a prestação debitóriadeve ser realizada integralmente e não por partes não podendo o credor ser forçado a aceitar o pagamento parcial”(…) ressalvando “ o regime convencionado ou imposto pela lei ou pelos usos.”; Prof, Vaz Serra, in “Dação em cumprimento, consignação em depósito,confusão e figuras afins”, 1954,nº29; ProfsP. Lima e A. Varela ,in “Código Civil Anotado”,II, 3ªed. ,5/7).

Finalmente, surge a questão de saber se pode considerar-se restituição natural quando o lesado reclama um “quantum” para ele próprio reparar a coisa danificada ou se tal só o é quando a reparação é feita directamente pelo lesante.

Entende-se que o “primado da restauração natural”, como lhe chamam o Prof. A. Varela e a jurisprudência e doutrina acima citadas, apontariam para que, no rigor, seja o lesante a proceder, por si, à reparação/substituição não podendo o lesado – salvo demonstrando ponderosas razões como, “exempli gratia”, falta de confiança na idoneidade técnica ou cuidado para efectuar a reparação, ou impossibilidade física de recomposição “in natura” – substituir-se-lhe, impondo-lhe a assunção de uma obrigação pecuniária.

Mas não é, exactamente, assim.

Essa conversão só será possível, de imediato, nos casos antes referidos, por acordo das partes,ou,como aqui se demonstrou, quando o lesante ofereceu às lesadas uma reconstituição que, por parcial e imperfeita, estas podiam recusar.(cfr Dr. Júlio Gomes ,ob. cit. 56).

Mas vejamos o que aconteceu “in casu”.

O Recorrente causou danos no imóvel das Autoras.

Numa perspectiva de reconstituição natural, ofereceu-lhes a reparação da cobertura e a remoção dos escombros o que aquelas recusaram, e podiam fazê-lo por se tratar de reparação parcial e não restitutiva “in natura” .

E só então é que a obrigação se converteu em pecuniária passando a indemnização a ser em dinheiro,então exigivel pelas lesadas..

A assim não serem entendidos os conceitos de reconstituição e de indemnização seriam sobreponíveis e não ( como pretendeu o legislador e a doutrina consagrou) sucedâneos,só se lançando mão do segundo quando o primeiro se gorou.

Far-se-ia tábua rasa da expressão do nº 1º daquele artigo 566º “sempre que a reconstituição natural não seja possível…” (Cons. Dario Martins de Almeida, in “Manual de Acidentes de Viação” 373 “a indemnização em dinheiro só repara o dano “ a título excepcional”).

2.3. Aqui chegados, será licito concluir que, ou por verificado o perecimento de mobiliário antigo, por pertença da família, de vestuário e de jóias e adereços, também antigos que são, notoriamente, insubstituíveis e não reparáveis, o dano só parcialmente pode ser ressarcido “in natura” já que aquele prejuízos o não são, sendo de dividir-se o prejuízo reconstituível e o prejuízo indemnizável e a condenação assim repartida.

Porém logo na 1.ª Instância, o dano foi considerado insusceptível de ser reconstituído “in natura”, sendo que daí apelaram as Autoras e os Réus – estes subordinadamente.

Ora, no recurso então subordinado, o aqui Recorrente não suscitou esta questão antes, e como resulta a sua síntese conclusiva, o tendo circunscrito “à parte da sentença que o condenou a pagar (…) a quantia de 10.000,00 euros, por danos não patrimoniais” acrescida de juros de mora, por ter entendido que não só tal pedido não foi formulado, como não existem tais danos, como o montante é exagerado. A final invocou a violação dos artigos 661.º, n.º 1, “in fine” e 668.º, n.º 1, e) do Código de Processo Civil e 805.º, n.º 2, b) e n.º 3, 804.º, n.º 1 e 806.º, n.º 1 do Código Civil.

A questão do pedido de reconstituição natural só não é nova por da sua apreciação depender o conhecimentodo recurso na parte em que o recorrente foi condenado “ex novo” pela Relação que a abordou (fls. 1971)além do mais transcrevendo um passo da sentença então apelada apenas com o objectivo de buscar o “quantum” indemnizatório ora posto em crise.


3- Indemnização pelo prédio.

O Recorrente não se conforma com o montante da indemnização referente ao valor do prédio.

Na sua óptica as Autoras/recorridas eram proprietárias de um edifício velho, degradado e arrendado com rendas irrisórias.

Como consequência da sua destruição, caducaram os contratos de arrendamento pelo que o edifício, uma vez reconstruído, terá um valor muito superior por devoluto.

Ademais, o recorrente, logo em 2003, ofereceu às Autoras a reparação do prédio e estas recusaram o que contribuiu para a respectiva degradação e o não poderem dispor do edifício para o arrendarem.

Não são devidos juros desde a data da oferta referida.

3.1. Da matéria de facto acima seriada resulta que o prédio das Autoras tinha, aquando do evento, o valor de 90.000,00 euros, estando onerado com vários arrendamentos.

A respectiva reconstrução importará em cerca de 100.000,00 euros (quesito 76).

Depois do incêndio e devoluto de inquilinos vale 140.000,00 euros mas, se não tivesse sofrido o incêndio valeria 150.000,00 euros (quesito 147).

Veja-se, para melhor compreensão, o valor do prédio das recorridas.

- Antes do incêndio e arrendado – 90.000,00 euros;

- Antes do incêndio se não arrendado – 150.000,00 euros;

- Depois do incêndio e devoluto – 140.000,00 euros;

- Custo da reconstrução – 100.000,00 euros.

Independentemente do mais, e como julgou o Acórdão recorrido, as Autoras tem o direito de ver o seu prédio reparado/reconstruído e é de 100.000,00 euros o custo desses trabalhos.

Certo que o Recorrente alega que ficando o edifício desonerado de arrendamentos a sua situação de devoluto valoriza-o (para 140.000,00 euros) o que traduziria num aumento de valor (de 90.000,00 euros arrendado aquando de evento lesivo) para aquela quantia (aumento de 50.000,00 euros).

Assim, e na sua óptica, o incêndio e consequente derrocada traduziu-se num beneficio para as lesadas, beneficio que terá de ser considerado no computo indemnizatório final.

3.1.1. É a questão da “compensatio lucri cum damno”.

A também apodada compensação de vantagens, foi sugerida pelo Prof. Vaz Serra – BMJ 84-221 – mas não teve aceitação no texto do Código Civil. (cfr., ainda, o mesmo Prof. RLJ, 94.º, 245).

Acompanhando – como já aderimos – a teoria da diferença (n.º 2 do artigo 566.º da lei substantiva) vem sendo entendido ser de justiça operar a compensação com os danos das vantagens eventualmente resultantes do facto danoso.

Porém o instituto tem por requisitos a unidade do dano que terá de resultar do mesmo evento, sendo que deve perfilar-se um nexo causal entre o evento danoso e a vantagem.

Reportamo-nos ao n.º 2 do artigo 566.º da lei civil, onde releva a expressão “se não existissem danos”, tónica, que é, da teoria da diferença, mas, e como refere o Prof. Pessoa Jorge (ob. cit. 416), “na determinação da diferença entre a situação hipotética e a real, devem tomar-se em conta as vantagens resultantes da lesão cujo resultado será deduzido ao dos prejuízos: é a “compensatio lucri cum damno”, chamando a atenção (nota 379) para o n.º 2 do artigo 803.º do Código Civil, como aplicação desta ideia.

Certo, contudo, que o instituto não representa, na pureza dos princípios, um limite à indemnização mas apenas um critério a atender no respectivo cálculo, ou seja, no apuramento da diferença entre a situação real e a situação hipotética actuais (na data mais recente) do património do lesado. (cfr. Prof. Almeida Costa, ob. cit., 6.ª ed., 668 e Prof. A. Varela, “Das Obrigações em Geral”, I, 10.ª ed., 938).

Mas para que haja dedução do lucro ao dano é, como se disse, essencial a verificação de um nexo de causalidade e não uma simples coincidência, fortuita ou acidental.

3.2. Chegados a estas conclusões teremos de assumir que se o prédio tinha um valor à data do sinistro, o prejuízo real obtido pelo dano é o custo da sua reconstrução.

Se tal originou a caducidade dos arrendamentos e o mesmo devoluto ficou com valor acrescido não se trata de submeter ao instituto da “compensatio” pois, por um lado não resulta dos autos que fosse propósito sério e real da Autoras procederem à alienação do imóvel assim beneficiando da sua valorização; por outro lado a diferença de valores do prédio, se não arrendado, antes e depois do evento danoso era de apenas 10.000,00 euros o que inculca a ideia de que (sendo maior arrendado) os danos não o valorizaram tão significativamente, como pretende o recorrente.

Finalmente, ao não aceitarem a oferta do recorrente para proceder à cobertura do prédio e remover os destroços – e embora tal não lhes fosse imposto por não serem obrigados a aceitar uma prestação parcial – contribuíram naturalisticamente para o agravamento dos danos sendo que, considerando o tempo decorrido (desde Outubro de 2003) e o disposto no n.º 1 do artigo 570.º do Código Civil,a Relação considerou afigura-se equilibrada e equitativa a redução, fixando em 80.000,00 euros esse valor.

Entendeu tratar-se, claramente, de concausalidade que terá de importar(cfr. Prof. Vaz Serra, BMJ, 84-124, e Prof. Pereira Coelho, “O Problema da Causa Virtual na Responsabilidade Civil”, 10 ss.).

Mas se, e como antes se disse, não estavam obrigadaà aceitação parcial, não seria de aplicar o citado nº1 do artigo 570.

Porém, como não recorreram, ainda que subordinadamente, a proibição da “reformatio in pejus”impede o agravamento da condenação do recorrente.

Outrossim, inexistem elementos que permitam inserir a conduta das recorridas – ao não aceitarem a reconstrução e pedirem agora o custo das obras – na dogmática do artigo 334.º do Código Civil.

Não há, outrossim, enriquecimento sem causa, tudo nos precisos termos e com os fundamentos do aresto sob revista,que ora se acolhem.

3.2.1. Quanto aos danos no recheio é claro que a transacção homologada (fls. 1990) foi efectuada tão somente com a seguradora ... e só vincula esta Ré que foi condenada a pagar 16.728,64 euros, quantia limite por responsabilidade civil por danos causados a terceiros no âmbito do contrato de seguro celebrado entre a ... e o Recorrente.

Com o Recorrente não foi efectuada qualquer transacção, não estando este dispensado do pagamento a título de indemnização dos valores, para além desta quantia, que forem apurados a título de danos pelo recheio, devendo assumir a diferença.

Quanto ao acondicionamento dos bens pelas AA., acompanha-se a argumentação do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto (pág. 58), no sentido de que estas fizeram o que lhes era exigível para evitar o agravamento do dano, colocando os bens num espaço provisório.

Assim, não deverá ser reduzido o “quantum indemnizatório” atribuído ao recheio da casa pela forma como foi acondicionado, dado que não existiu qualquer negligência por parte das recorridas. (aqui não tem aplicação o artigo 570.º do Código Civil).

Nestes pontos,na perda das rendas, e relevando no eventualmente omisso, o mais explanado no Acórdão recorrido, improcedem as conclusões do Recorrente.

4- Danos não patrimoniais e juros.

É incensurável o aresto recorrido na parte em que compensa as demandantes pelos danos não patrimoniais sofridos.

4.1. Por um lado não houve julgamento “ultra petitum” já que as lesadas alegaram factos integradores daquele tipo de dano tendo resultado provados incómodos e preocupações inseríveis no n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil e, em consequência, merecedores da tutela do direito.

O senso comum e a evidência são a pedra de toque para aferir da gravidade desses sentimentos, ou dessas sensações, cotejando a situação em concreto com o que o cidadão normal sofre se colocado perante a mesma factualidade.

Ver a casa onde sempre se viveu ser destruída por um incêndio, perder todo o recheio eivado de recordações, e memórias tantas vezes gratificantes, ter de passar a habitar num estabelecimento hoteleiro, sempre impessoal, incaracterístico, noutra cidade, e sem fruir a intimidade e conveniência do “lar”, é notoriamente propiciador de desconforto muito acrescido gerando sofrimento compensável. (cfr., v.g., os Acórdãos desta Conferência de 8 de Junho de 2006 – 06 A1464 – e de 7 de Novembro de 2006 – 06 A3349) não surgindo exagerado, mas antes equilibrado e equitativo, o “quantum” fixado pelo Acórdão em crise.

Diga-se, aliás, que foram respeitados os critérios dos artigos 496.º e 494.º da lei substantiva (cfr. Prof. A. Varela, ob. cit. I, 533).

4.2. Finalmente, também não é de censurar a condenação em juros, ao abrigo do n.º 3 do artigo 805.º do Código Civil, sendo que os argumentos do recorrente para discordar desse segmento são, nuclearmente, o não ter sido formulado, e quantificado, o pedido de indemnização dos danos não patrimoniais.

Como acima se disse, assim não foi (e acrescenta-se o que foi referido no Acórdão recorrido: “ É certo que as autoras não formularam um pedido específico por danos não patrimoniais, mas, em rigor, a tanto não estavam obrigadas (art. 569° do Código Civil). Por outro lado, não sofre a mínima dúvida que a existência daqueles danos foi alegada pelas autoras: entre outros e de forma expressa no artigo 46° da p.i., ao invocarem o profundo desgosto sofrido, por se tratar da casa de família há muitos anos. Saliente-se que, logo no artigo seguinte, as autoras concluíram: ‘o que tudo perfaz a quantia de €341.680,00’. O ‘tudo’ engloba naturalmente os danos não patrimoniais, referidos no artigo imediatamente anterior. Reconhece-se que, somando as parcelas relativas aos danos, estas totalizam esse montante, daí resultando, como se afirmou, que nenhum montante específico corresponde a danos não patrimoniais. Apesar disso, tendo em conta a referida alegação das autoras e a desnecessidade de indicação exacta dos danos, devem considerar-se incluídos - no referido montante global os danos não patrimoniais, que apenas não seriam atendidos se fosse reconhecido às autoras o direito a indemnização pelo montante integral peticionado pelos demais danos; aí sim, haveria condenação extra petitum.”.

Razões porque os argumentos do Recorrente não poderiam proceder,também quanto aos juros, tanto mais que o montante do dano não patrimonial não foi actualizado.

5- Conclusões

É tempo de concluir para afirmar que:

a) No âmbito da responsabilidade civil, a culpa – como nexo de imputação subjectiva do facto ao agente – traduz-se numa conduta deste que, quando não intencional (dolosa), é omissiva de um comportamento que integre uma actuação cuidada.

b) Há, em suma,um comportamento errado por incompetência, imperícia ou falta de observância de regras técnicas.

c) Mas o nexo de imputação deve ser apreciado em concreto (casuisticamente) tomando como referência/padrão a postura do “bonus pater famílias”se colocado perante o mesmo circunstancionalismo factico.

d) O mesmo nexo psicológico é de presumir, “ex vi” do artigo 488.º do Código Civil, não tendo o lesado de provar a voluntariedade do acto ou a imputabilidade do agente.

e) O dano é um requisito da responsabilidade civil conectado com o ilícito sendo o “genus” (dano em sentido lato) constituído pela “species” (prejuízos ou danos em sentido estrito) caracterizado pela deterioração ou perda de bens jurídicos (patrimoniais ou não) da esfera jurídica do lesado.

f) Os danos patrimoniais desdobram-se em positivos (ou emergentes) e frustrados (ou lucros cessantes).

g) O fim do dever de indemnizar, a cargo do lesante, é, no dano patrimonial, criar uma situação que se aproxime o mais possível da que o lesado provavelmente teria se não ocorresse o facto danoso.

h) No dano não patrimonial a dogmática é diferente, buscando-se não uma indemnização estribada na teoria da diferença mas uma compensação que permita ao lesado “esquecer” a ofensa sofrida através do aceno a actividades lúdicas ou de lazer.

i) A teoria da diferença que aponta para o conceito abstracto (objectivo) de dano considera que a reparação perfeita é em espécie (“in natura”) ou de reintegração, tendo a indemnização em dinheiro carácter subsidiário, por haver conversão da obrigação de reparar em obrigação pecuniária.

j) Tal conversão só é permitida – na ausência de acordo das partes – quando a restauração natural é impossível (impossibilidade material, que não económica ou jurídica) ou excessivamente onerosa (o que seria atentatório da boa fé) para o lesante.

k) Neste caso, é o lesante que terá de alegar a excessiva onerosidade, sendo que a primeira situação deve ser alegada pelo lesado,pelo lesante, ou conhecida “ex officio” se o facto for patente.

l) Se a “reconstitutio in integrum” oferecida pelo lesante ao lesado não cobre todos os prejuízos patrimoniais em que o dano se desdobra, ou o faz deficientemente, este pode recusar a reparação operando-se a conversão em obrigação pecuniaria.

m) O instituto da “compensatio lucri cum damno” não está, clara e expressamente consagrado no Código Civil, antes resultando do nº 2 “in fine”do artigo 566º,como fundamento adjuvante para se dar por assente a aceitação da teoria da diferença ,em sede de indemnização.

n) Tem como requisitos a unidade do dano e os prejuízos e a vantagem serem o resultado do mesmo evento.

o) Não representa um limite à indemnização mas um critério do cálculo informador desta.

Nos termos expostos acordam negar a revista.

Custas pelo recorrente.

Supremo Tribunal de Justiça, 31 de Maio de 2011
Sebastião Póvoas (Relator)
Moreira Alves
Alves Velho