Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
86/12.5YQSTR.E1-A.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: ISABEL PAIS MARTINS
Descritores: ACÓRDÃO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
RAPPEL
Data do Acordão: 05/14/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Área Temática:
DIREITO DA CONCORRÊNCIA - PRÁTICAS INDIVIDUAIS RESTRITIVAS DO COMÉRCIO / VENDA COM PREJUÍZO.
Doutrina:
- Carolina Cunha, «Estudo Sobre o Regime Jurídico da Venda com Prejuízo», Coimbra 2005, p. 12 e ss., disponível em https://google.pt/#q=carolina+cunha; «O contrato de fornecimento no sector da grande distribuição a retalho: perspectivas actuais», p. 13 e ss., disponível em https://google.pt/#q=carolina+cunha
- José Luís da Cruz Vilaça, disponível em https://google.pt/#q=venda+com+prejuízo, versão em html do arquivo http://www.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/jlcv_MA_4039.doc
Legislação Nacional:
DECRETO-LEI N.º 166/2013, DE 27 DE DEZEMBRO: - ARTIGOS 1.º, 2.º, N.º 2, 5.º.
DECRETO-LEI N.º 253/86, DE 25 DE AGOSTO, COM A ALTERAÇÃO DO DECRETO-LEI N.º 73/94, DE 3 DE MARÇO: - ARTIGO 14.º.
DECRETO-LEI N.º 370/93, DE 29 DE OUTUBRO, NA REDACÇÃO DO DECRETO-LEI N.º 140/98, DE 16 DE MAIO: - ARTIGOS 2.º, 3.º, 5.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
-DE 24/02/2010, PROCESSO N.º 680/09.1TYLSB.L1.
Sumário :
Um desconto “rappel” escalonado, cujo primeiro escalão se inicia na unidade (em euros, quilos, litros, etc.), é um desconto de quantidade que, nos termos dos n.os 2 e 3 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 370/93, de 29 de Outubro, na redacção do Decreto-Lei n.º 140/98, de 16 de Maio, releva para a determinação do preço de compra efectivo, satisfeitas que se mostrem as restantes exigências de se encontrar identificado na factura ou, por remissão desta, em contratos de fornecimento ou tabelas de preços e de ser susceptível de determinação no momento da respectiva emissão.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça

I

1. O Ministério Público interpôs, em 13/06/2013, ao abrigo do disposto no artigo 437.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, para o pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça, recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, com fundamento em oposição de acórdãos da relação – o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 07/05/2013, proferido no processo n.º 86/12.5YQSTR.E1, e o acórdão do mesmo Tribunal da Relação de Évora, de 16/04/2013, proferido no processo n.º 55/12.5YQSTR.E1, ambos transitados em julgado.

Alegou, em suma:

– Que o acórdão recorrido, proferido no processo n.º 86/12.5YQSTR.E1, chamado a decidir o recurso interposto pela recorrente Modelo Continente Hipermercados, S.A., quanto à decisão proferida pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, no sentido de que um desconto de “rappel” cujo primeiro escalão se inicia em “1” unidade não é um desconto económico, directamente relacionado com a transacção e objectivamente justificado em função daquela transacção, tratando-se, antes, de um desconto com cariz subjectivo – negociado com determinados agentes económicos em virtude do seu historial de negócios, independentemente das transacções realizadas no momento presente –, pelo que os descontos fixos e incondicionais aplicáveis sempre a um determinado agente económico, em virtude do seu historial de aquisições, não são aceitáveis para efeitos de cálculo do preço de custo efectivo, confirmou a decisão recorrida, concluindo que tais descontos não se enquadram no catálogo previsto no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 370/93, de 29 de Outubro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 140/98, de 16 de Maio.

– Enquanto que o acórdão fundamento, chamado a decidir a mesma questão, em recurso interposto também pela recorrente Modelo Continente Hipermercados, S.A., de decisão proferida pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, entendeu que os descontos directamente relacionados com a transacção em causa são descontos de quantidades (neles se incluindo o chamado desconto “rappel”), os descontos financeiros e os descontos promocionais desde que identificáveis quanto ao produto, respectiva quantidade e período por que vão vigorar e que devem ser deduzidos ao preço da factura de compra para formação do preço de compra efectivo.

2. Em conferência, por acórdão proferido em 28/11/2013, foi decidido que o recurso devia prosseguir por se verificar oposição de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito em situações factuais idêntica e no domínio da mesma legislação.

3. Determinou-se o cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 442.º do Código de Processo Penal.

4. Na sequência, o Ministério Público apresentou alegações, formulando as seguintes conclusões:

«1- O desconto “rappel”, como outros descontos e bónus, surge normalmente no contexto do contrato de fornecimento, traduzindo-se numa cooperação comercial que se estabelece entre produtores/fornecedores e distribuidores;

«2- O contrato de fornecimento apresenta-se como um contrato quadro, cuja execução é reiterada e duradoura em que uma das partes (fornecedor) obriga-se em relação à outra (fornecido) a realizar fornecimentos mediante o pagamento de um preço.

«Deixa a outros contratos [os contratos de execução] a tarefa de realizar concretamente o objectivo das partes. Estes contratos de execução consistem em compras e vendas mercantis, sem as quais o contrato de fornecimento não tinha razão de ser;

«3- O “rappel” ligado ao volume de aquisições é um desconto condicional que só no final de um determinado arco temporal se adquire, ou seja constitui o efeito do preenchimento de uma condição: a consecução (imediata ou num dado arco temporal) de um certo volume de aquisições. Trata-se (…) de uma condição suspensiva subsumível à categoria das condições potestativas a debitoris, dado que o evento condicionante é o acto do devedor, cuja verificação desencadeia a produção do efeito (a obtenção do desconto).

«4- Não obstante o «carácter condicional» e «momento da sua determinação», certo é que a razão de ser e o que motiva que o produtor/fornecedor faça, ao distribuidor, o desconto de “rappel” baseado no volume de vendas é encorajar as mesmas vendas e criar incentivos ao escoamento dos produtos;

«5- O “rappel” condicional está única e directamente correlacionado com o volume de mercadoria adquirida não existindo, para além disso, qualquer outra contrapartida por esse desconto;

«6- É integrado num contrato inicial (fornecimento) que pressupõe, à partida, pela sua natureza, a realização de sucessivas compras e vendas mercantis.

«7- Estando o desconto estruturalmente ligado ao volume de vendas previsto e esperado pelas partes no contrato de fornecimento, impõe-se a conclusão de que o desconto de “rappel” é adquirido directamente por causa da transacção ou transacções previstas no contrato de fornecimento;

«8- É nesta globalidade que deve ser visto o conceito de “directamente relacionada com a transacção em causa”;

«9- Assim, um “rappel”, cujo primeiro escalão se inicia em “1” unidade, desde que esteja identificado na própria factura ou, por remissão desta, em contratos de fornecimento e que seja determinável no momento da respectiva emissão, é deduzido ao preço da factura para efeitos de cálculo de preço efectivo.

«10- Embora o escalão do desconto se inicie logo com a aquisição de uma unidade, é indubitável que a finalidade pela qual o mesmo é concedido é a de alcançar o volume maior possível de vendas, sendo que “o escalão não é mais do que um instrumento de cálculo, estabelecendo margens” e o facto de o primeiro escalão se iniciar na unidade “1” não o descaracteriza como desconto de quantidade.

«11- As alterações introduzidas pelo DL 166/2013, de 27.12, ao preceito relativo à venda com prejuízo (artigo 5.º n.º s 1, 2 e 3[1]), não prejudicam o entendimento atrás defendido já que, nesta matéria, o que se pretendeu foi tão só, e uma vez mais, clarificar «a noção de venda com prejuízo, em particular do que se entende por preço de compra efectivo, no sentido de facilitar a sua interpretação e fiscalização, tendo em consideração, entre outros, os descontos diferidos no tempo, quando estes sejam determináveis no momento da emissão da respetiva fatura».

«12- Na verdade, é através da criação de regras inovadoras no que respeita à política de preços (artigo 4.º), condições de venda e às práticas negociais (artigo 7.º) que o legislador procura alcançar tais desideratos, como decorre do seu preâmbulo [«o diploma densifica ainda o conceito de práticas negociais abusivas, que até agora era vago e indefinido, identificando expressamente algumas práticas consideradas abusivas, nomeadamente alterações retroactivas de contratos, proibindo-se ainda determinadas práticas no setor agroalimentar, quando o fornecedor seja uma micro ou pequena empresa, organização de produtores ou cooperativa»[2].]»

            Terminou a propor que o conflito de jurisprudência existente entre os acórdãos do Tribunal da Relação de Évora, de 7 de Maio de 2013 (recorrido) e de 16 de Abril de 2013 (fundamento), seja resolvido nos seguintes termos:

«Nos termos do disposto no artigo 3.º n.º s 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 370/93, de 29.10, alterado pelo Decreto-Lei n.º 140/98, de 16.05 (Venda com prejuízo), um desconto de “rappel”, cujo primeiro escalão se inicia em “1” unidade, desde que esteja identificado na própria factura, ou, por remissão desta, em contratos de fornecimento, e que seja determinável no momento da respectiva emissão, é dedutível para efeitos de determinação do “preço de compra efectivo”.»



II
           
            1. Uma vez que a decisão tomada na secção criminal sobre a oposição de julgados não vincula o pleno das secções criminais, há que reapreciar essa questão.

1.1. No acórdão proferido nos termos do artigo 441.º do Código de Processo Penal, concluiu-se que:

 «Sobre a questão de saber se o chamado desconto “rappel” pode ser considerado desconto de quantidade e, como tal, relevar para, nos termos do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 370/93, de 29 de Outubro, na redacção do Decreto-Lei n.º 140/98, de 16 de Maio, poder ser deduzido ao preço de compra e servir para o cálculo do preço de compra efectivo, os acórdão em causa adoptaram soluções opostas.

Enquanto o acórdão recorrido decidiu que os descontos “rappel” não podem ser considerados para o cálculo do preço de compra efectivo, segundo o disposto no Decreto-Lei n.º 370/93, já o acórdão fundamento decidiu que os descontos de “rappel”, como descontos de quantidade, relevam para o cálculo do preço de compra efectivo».
            1.2. Em ambos os acórdãos foi apreciada a prática da contra-ordenação prevista no artigo 3.º, n.º 1, e punida nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alínea a), do Decreto-Lei n.º 370/93, de 29 de Outubro, na redacção do Decreto-Lei n.º 140/98, de 16 de Maio.
Estando em causa, nomeadamente, a questão de saber se, para efeitos de determinação do preço de compra efectivo, pode ser deduzido um desconto de “rappel”, cujo primeiro escalão se inicia em “€ 1”.
Os acórdãos recorrido e fundamento adoptaram soluções divergentes:
1.2.1. A argumentação do acórdão recorrido é, em suma, a seguinte:
– A venda de produtos abaixo de custo é um procedimento normalmente associado a grandes empresas detentoras de um grande poder económico compatível com uma prática que não pode deixar de se apresentar, à partida, como ilógica no funcionamento do mercado;
– A venda de produtos abaixo do preço associa-se a objectivos predatórios; visa eliminar os concorrentes mais fracos, fazendo com que saiam do mercado, de molde a deixar que a grande empresa passe a praticar, posteriormente, preços elevados, já sem o controlo da concorrência;
– A livre iniciativa inclui a permissão de concessão de descontos nas práticas comerciais mas para garantir o eficiente funcionamento do mercado e salvaguardar a concorrência nem todos os descontos podem ser contabilizados para efeitos da determinação do preço de compra efectivo;
– O artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 370/93, na redacção do Decreto-Lei n.º 140/98, de 16 de Maio, estabelece um catálogo fechado de descontos elegíveis para determinação do preço efectivo de compra, abaixo do qual é proibido oferecer para venda ou vender um bem, caso em que constituirá venda com prejuízo;
– Se um desconto de “rappel” escalonado se inicia em “1” unidade não é um desconto económico, directamente relacionado com a transacção e objectivamente justificado em função daquela transacção, pois a aquisição de uma única unidade de produto é suficiente para preencher o primeiro escalão;
– Não existindo uma transacção em quantidade tal que justifique um tratamento diferenciado, em função da própria transacção, o desconto não é justificado pela quantidade de produtos adquirida mas pela pessoa do comprador;
– Os descontos fixos e incondicionais, aplicáveis sempre a um determinado agente económico, em virtude do seu historial de aquisições, não são aceitáveis para efeitos de cálculo do preço de custo efectivo.
Para concluir:
«Em suma, a sentença não incorreu em erro de direito pois, tal como a Autoridade da Concorrência concluiu também na resposta, em relação aos descontos “rappel”, se o primeiro escalão se inicia em “€ 1”, não existe um objectivo quantitativo, ou seja, um patamar a partir do qual o comprador pode beneficiar de um desconto, o que significa que, independentemente da designação formal que tenha nos contratos, materialmente tal desconto não é um desconto de quantidade.
1.2.2. Os argumentos do acórdão fundamento podem sintetizar-se como segue:
– A venda com prejuízo é vista como uma prática restritiva do comércio, enquanto comportamento que impede uma livre concorrência a qual visa preservar a dinâmica competitiva saudável, disciplinar a actividade dos agentes económicos e garantir os direitos dos consumidores;

– O “rappel”, tendencialmente vocacionado para o sector da distribuição, configura um desconto que se concede a um cliente por atingir um consumo determinado durante um período de tempo estabelecido, sendo normalmente concedido em forma de escalões, a que corresponderão outros tantos descontos, e consta, em geral, dos contratos de fornecimento estabelecidos com os fornecedores;

– A previsão de escalões é a forma normal de estabelecer os descontos para as quantidades definidas, sendo que essa previsão de escalões é o elemento diferenciador do “rappel” relativamente a outros tipos de descontos;

– Quando é atingido determinado escalão, o desconto tem em conta todo o consumo anterior;

– Mesmo que o ponto de partida definido para o primeiro escalão seja a unidade, isso não desvirtua a natureza do “rappel” como desconto de quantidade já que os escalões mais não são do que um instrumento de cálculo, onde se estabelecem margens;

– Se a factura de compra inclui a referência de que sobre os produtos transaccionados incidem os descontos e outras contrapartidas decorrentes de todos os contratos e acordos celebrados entre as partes, de acordo com o Decreto-Lei n.º 370/93, de 29 de Outubro, na redacção do Decreto-Lei n.º 140/98, de 16 de Maio, e se o comprador beneficia de um desconto de “rappel” de acordo com o contrato de fornecimento, celebrado entre si e o fornecedor, escalonado de «de 1.00 até 1.000000,00 EUR, 5,50%, de 1.000.001,00 até 999.999.999,00 EUR, 5,75%», o “rappel” está directamente relacionado com a transacção em apreço;

– As quantidades abrangidas na definição de “rappel”, que ficam a constar do contrato negociado, têm inerente o incentivo em que o mesmo se traduz e não se podem dissociar do tendencial objectivo de crescimento tendo em conta o sector da distribuição em que se inserem;

– Para isso também contribuindo a diferenciação entre escalões, à medida que as quantidades vão crescendo.
Para concluir:
Um desconto de “rappel”, cujo primeiro escalão se inicia em “€ 1”, é um desconto de quantidade que releva para o cálculo do preço de compra efectivo, devendo ser deduzido ao preço contante da factura.

 1.3. Mostram-se, assim, verificados os requisitos substanciais de admissibilidade do recurso de fixação de jurisprudência, âmbito em que releva a oposição de acórdãos, ou seja, verificarem-se em dois acórdãos soluções antagónicas da mesma questão fundamental de direito.
A questão sobre a qual os acórdãos recorrido e fundamento divergiram tem de ser enunciada em termos mais restritos do que aqueles que foram considerados no acórdão proferido em conferência.
Com efeito, a oposição radica na questão de saber se, no âmbito da proibição da venda com prejuízo a que se refere o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 370/93, de 29 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 140/98, de 16 de Maio, para efeitos de determinação do preço de compra efectivo pode ser deduzido um desconto de “rappel” escalonado, cujo primeiro escalão se inicia em “€ 1”.
E sendo, como é, tão particular a questão sobre a qual se verifica a oposição, além dos acórdãos recorrido e fundamento, não foi detectada outra jurisprudência que especificamente a aborde.

III

1. Evolução do regime jurídico da venda com prejuízo
Para a questão a resolver interessa, antes de mais, começar por conhecer o regime jurídico da venda com prejuízo.
1.1. Com o Decreto-Lei n.º 253/86, de 25 de Agosto, foi regulada, pela primeira vez, entre nós, a proibição da venda com prejuízo definindo-se as práticas comerciais restritivas da legal concorrência no comércio a retalho.
Como consta do respectivo preâmbulo, o legislador, constatando a «crescente vulgarização de práticas de comércio que não raro se assumem como restritivas de uma leal concorrência», considerou «forçosa a adopção de disposições que, não coarctando a iniciativa empresarial, favoreçam uma sadia concorrência e uma transparência de mercado» e «sob outro ângulo [que] convirá igualmente prevenir actuações que, aparentemente benéficas para o consumidor, se revelam, afinal, como nocivas, retirando-lhe, inclusive, o estatuto dinâmico que lhe cabe no interior do sistema económico».
O diploma consta de dois capítulos. O primeiro, relativo às vendas com redução de preços, abrange o regime dos saldos e das liquidações; o segundo capítulo ocupa-se, segundo a respectiva epígrafe, «De determinadas práticas comerciais», prevendo-se, na Secção I, o regime das «Vendas com prejuízo», e, na Secção II, o regime das «Vendas directas ao consumidor».
No regime das vendas com prejuízo (artigos 14.º a 16.º) interessa especialmente destacar o artigo 14.º
«Artigo 14.º
(Noção e proibição)
1 – É proibido na actividade de comércio a retalho oferecer para venda ou vender ao consumidor um produto por um preço inferior ao seu preço de compra efectivo acrescido dos impostos aplicáveis a essa venda.
2 – Entende-se por preço de compra efectivo o preço encontrado após a dedução dos descontos de qualquer natureza concedidos pelo fornecedor.
3 – Incumbe ao vendedor a prova documental do preço de compra efectivo.»

            1.2. A figura da venda com prejuízo existente na legislação nacional na actividade de comércio a retalho (Decreto-Lei n.º 253/86, de 25 de Agosto) passou a ser também prevista, pelo Decreto-Lei n.º 370/93, de 29 de Outubro, no âmbito das relações entre agentes económicos.
            Ocupa-se o artigo 3.º da venda com prejuízo.
«Artigo 3.º
Venda com prejuízo
1 – É proibido oferecer para venda ou vender um bem por um preço inferior ao seu preço de compra efectivo, acrescido dos impostos aplicáveis a essa venda e, se for caso disso, dos encargos relacionados com o transporte.
2 – Entende-se por preço de compra efectivo o preço constante da factura de compra após a dedução dos descontos nela contidos.
                        3 – O disposto no n.º 1 não é aplicável a:
            a) Bens perecíveis, a partir do momento em que se encontram ameaçados de deterioração rápida;
b) Bens cujo valor comercial esteja afectado, quer por ter decorrido a situação que determinou a sua necessidade, quer por redução das suas possibilidades de utilização, quer por superveniência de importante inovação técnica;
c) Bens cujo reaprovisionamento se efectue a preço inferior, sendo então o preço efectivo de compra substituído pelo preço resultante da nova factura de compra;
d) Bens cujo preço se encontre alinhado pelo preço licitamente praticado para os mesmos bens por um outro comerciante do mesmo ramo de actividades.
4 – Incumbe ao vendedor a prova documental do preço de compra efectivo, bem como das justificações previstas no número anterior.»

1.3. Com o objectivo de harmonizar o regime da venda com prejuízo, no comércio a retalho – previsto e punido no Decreto-Lei n.º 253/86, de 25 de Agosto – com a proibição da venda com prejuízo no âmbito da generalidade da actividade de intermediação de bens, instituída pelo Decreto-Lei n.º 370/93, de 29 de Outubro, o Decreto-Lei n.º 73/94, de 3 de Março, procedeu «à alteração do Decreto-Lei n.º 253/86, de 25 de Agosto, introduzindo na actividade de comércio a retalho a consideração dos custos de transporte e esclarecendo a quem cabe a prova documental das excepções previstas no artigo 15.º do mesmo diploma»[3].
Assim, o artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 253/86, de 25 de Agosto, passou a ter a seguinte redacção:

«Artigo 14.º
Venda com prejuízo
1 – É proibido oferecer para venda ou vender um bem por um preço inferior ao seu preço de compra efectivo acrescido dos impostos aplicáveis a essa venda e, se for caso disso, dos encargos relacionados com o transporte.
2 – Entende-se por preço de compra efectivo o preço constante da factura de compra após a dedução dos descontos nela contidos.
3 – Incumbe ao vendedor a prova documental do preço de compra efectivo, bem como das excepções previstas no artigo seguinte.»

1.4. Alguns anos depois da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 370/93, o legislador foi levado a reconhecer que esse diploma «tem revelado, na sua aplicação prática, várias debilidades»[4] e, por outro lado, que, «enquanto diploma de repressão de comportamentos que impeçam uma concorrência leal entre as empresas, encontra-se hoje desajustado face às profundas alterações que o relacionamento entre estas tem vindo a registar nos últimos anos, em resultado do peso cada vez maior da chamada “grande distribuição” nos circuitos económicos»[5].
Reconhecendo, assim, a indispensabilidade de introduzir no Decreto-Lei n.º 370/93 «as alterações necessárias ao desempenho efectivo dos objectivos de promoção do equilíbrio e da transparência das relações entre agentes económicos que lhe estão subjacentes»[6], pelo Decreto-Lei n.º 140/98, de 16 de Maio, deu nova redacção aos artigos 1.º e 3.º a 7.º daquele diploma.
Interessa, especialmente, a nova redacção da norma respeitante à venda com prejuízo, a propósito da qual, no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 140/98, se diz: «(…) foi dada nova redacção ao artigo referente à “venda com prejuízo”, tendo em vista, por um lado, eliminar as incertezas geradas pela redacção anterior no que respeita ao cálculo do chamado “preço de compra efectivo”, como também, por outro, nela incluir a venda com prejuízo ao consumidor, já que sendo esta uma prática exclusivamente lesiva dos interesses dos agentes económicos não faria sentido mantê-la, como até aqui, em sede legal autónoma».
O artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 370/93, de 29 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 140/98, de 16 de Maio, passou a ter a seguinte redacção:    

«Artigo 3.º
[…]
1– É proibido oferecer para venda ou vender um bem a um agente económico ou a um consumidor por um preço inferior ao seu preço de compra efectivo, acrescido dos impostos aplicáveis a essa venda e, se for caso disso, dos encargos relacionados com o transporte.
2 – Entende-se por preço de compra efectivo o preço constante da factura de compra, após a dedução dos descontos directamente relacionados com a transacção em causa que se encontrem identificados na própria factura ou, por remissão desta, em contratos de fornecimento ou tabelas de preços e que sejam determináveis no momento da respectiva emissão.
3 – Entende-se por descontos directamente relacionados com a transacção em causa os descontos de quantidade, os descontos financeiros e os descontos promocionais desde que identificáveis quanto ao produto, respectiva quantidade e período por que vão vigorar.
4 – (Anterior n.º 3.)
a) ……………………………………………………………………………………….
b) ……………………………………………………………………………………….
c) ………………………………………………………………………………………
d) Bens cujo preço se encontre alinhado pelo preço licitamente praticado para os mesmos bens por um agente económico do mesmo ramo de actividade que se encontre temporal e espacialmente em situação de concorrência efectiva com o agente económico que procede ao alinhamento;
e) Bens vendidos em saldo ou em liquidação.
5 – (Anterior n.º 4.)»
 
1.5. Entrou recentemente em vigor o Decreto-Lei n.º 166/2013, de 27 de Dezembro[7], que, conforme artigo 1.º, aprova o regime aplicável às práticas individuais restritivas do comércio e tem como âmbito de aplicação, nos termos do artigo 2.º, n.º 2, as empresas estabelecidas em território nacional[8].
Entendeu o legislador que se verificava a necessidade de rever o regime do Decreto-Lei n.º 370/93, de 29 de Outubro, porque, como o preâmbulo do diploma informa, «os constrangimentos que conduziram à sua aprovação mantêm-se e, em alguns casos, alteraram-se com a evolução significativa do sector do comércio».
Assim, comparativamente com o regime revogado, o Decreto-Lei n.º 166/2013 «clarifica a noção de venda com prejuízo, em particular do que se entende por preço de compra efectivo, no sentido de facilitar a sua interpretação e fiscalização, tendo em consideração, entre outros, os descontos diferidos no tempo, quando estes sejam determináveis no momento da emissão da respectiva factura.
«Da mesma forma, também passa a resultar claro que a determinação do preço de compra de venda de um determinado produto tem em consideração os descontos concedidos a esse mesmo produto mesmo que consistam na atribuição de um direito de compensação em aquisição posterior de bens equivalentes da mesma natureza.»[9]
Sobre a venda com prejuízo estatui o artigo 5.º do diploma:

«Artigo 5.º
Venda com prejuízo
1 – É proibido oferecer para venda ou vender um bem a uma empresa ou a um consumidor por um preço inferior ao seu preço de compra efetivo, acrescido dos impostos aplicáveis a essa venda e, se for caso disso, dos encargos relacionados com o transporte.
2 – Entende-se por preço de compra efetivo o preço unitário constante da fatura de compra, líquido dos pagamentos ou descontos que se relacionem direta e exclusivamente com a transação dos produtos em causa, e que se encontrem identificados na própria fatura ou, por remissão desta, em contratos de fornecimento ou tabelas de preço que estejam em vigor no momento da transação e que sejam determináveis no momento da respectiva emissão.
3 – Para efeitos do disposto no número anterior, entende-se por descontos relacionados direta e exclusivamente com a transação em causa os descontos de quantidade, os descontos financeiros e os descontos promocionais desde que identificáveis quanto ao produto, respetiva quantidade e período por que vão vigorar.
4 – Os descontos que forem concedidos num determinado produto são considerados na determinação do respetivo preço de venda.
5 – Para efeitos de aplicação do número anterior, os descontos que consistirem na atribuição de um direito de compensação em aquisição posterior de bens equivalentes ou de outra natureza, concedidos em cada produto, são imputados à quantidade vendida do mesmo produto e do mesmo fornecedor nos últimos 30 dias.
6 – Para os efeitos do presente decreto-lei, as faturas de compra consideram-se aceites em todos os seus termos e reconhecidas pelos seus destinatários, quando não tenham sido objeto de reclamação no prazo de 25 dias seguintes à respetiva receção.
7 – Em caso de desconformidade da fatura, a sanação do vício e a emissão de uma fatura retificada deve ocorrer no prazo de 20 dias após a reclamação prevista no número anterior.
8 – Para os efeitos do disposto no presente artigo, não são consideradas as alterações contidas em faturas retificadas, emitidas em data posterior aos prazos indicados.
9 – A alegação da existência de erro material afeta apenas a parcela em que se verifica, considerando-se cumprido o dever de interpelação para pagamento dos restantes bens e serviços constantes da fatura.
10 – O disposto no n.º 1 não é aplicável a:
a) Bens perecíveis, a partir do momento em que se encontram ameaçados de deterioração rápida;
b) Bens cujo valor comercial esteja afetado, quer por ter decorrido a situação que determinou a sua necessidade, quer por redução das suas possibilidades de utilização, quer por superveniência de importante inovação técnica;
c) Bens cujo reaprovisionamento com outros bens, de características equivalentes, se efetue a preço inferior, sendo então o preço efetivo de compra substituído pelo preço resultante da nova fatura de compra;
d) Bens vendidos em saldo ou liquidação.
11 – A prova documental do preço de compra efetivo, do preço de venda para efeitos do disposto nos n.ºs 4 e 5, bem como das justificações previstas no número anterior cabe ao vendedor, sem prejuízo de a entidade fiscalizadora poder solicitar as informações que julgar convenientes aos fornecedores ou a quaisquer outras entidades.»

2. Fundamento da proibição da venda com prejuízo e perspectiva crítica
            A explicação geralmente avançada como fundamento para a proibição da venda com prejuízo assenta em três ordens de razões: a protecção dos concorrentes – especialmente dos pequenos retalhistas em face da concorrência movida pelas empresas de maior dimensão, particularmente dos grandes distribuidores –, a protecção dos consumidores – contra técnicas de venda que comportam riscos acrescidos – e a protecção dos fornecedores – em particular daqueles que comercializam artigos de marca cuja reputação poderia ser diminuída.
            Carolina Cunha[10] destaca a desadequação do regime da venda com prejuízo à defesa dos interesses a que normalmente anda associado.
            No que toca à protecção dos concorrentes, adverte que o regime da venda com prejuízo será redundante no confronto com o regime do abuso de posição dominante pois, «não sendo o vendedor uma empresa em posição dominante, ou não consubstanciando a determinação de um preço inferior ao custo, no caso concreto, um abuso dessa posição destinado a impedir, falsear ou restringir a concorrência no mercado (…) falham as razões para uma reacção inspirada pela defesa da estrutura concorrencial do mercado» e será redundante, ainda, em face do regime da concorrência desleal pois não será sequer oportuno «reagir contra uma situação objectiva de venda com prejuízo quando esta não seja contrária às normas e usos honestos do ramo de actividade económica em causa».
            No âmbito da protecção dos interesses dos consumidores, em que usualmente se destacam os riscos encobertos para o consumidor (os riscos de os preços publicitados que funcionam como chamariz serem, afinal, diferentes dos que são efectivamente praticados ou acabarem por ser “compensados”, no conjunto da oferta da empresa, pela fixação de preços mais elevados noutros artigos que o consumidor terá tendência para adquirir na mesma ocasião) e os riscos futuros para o consumidor (que se prendem com a estratégia, à custa da eliminação de concorrentes, de aumentar o poder de mercado da empresa com a consequência de, num segundo momento, poder elevar os preços em detrimento do consumidor que deixou de possuir alternativas para se abastecer), a mesma Autora põe em relevo que a protecção dispensada pelo regime da venda com prejuízo se mostra redundante perante a legislação de defesa do consumidor e, «no que respeita aos riscos futuros, à luz da tutela dispensada pela Lei de Defesa da Concorrência que já reprime e sanciona os comportamentos predatórios que possibilitam às empresas em posição dominante eliminar os concorrentes e proceder à subsequente subida dos preços».
            Finalmente, no que se refere à protecção dos fornecedores sempre se poderá dizer que caberá às empresas que comercializam artigos de marca escolher as estratégias comerciais que entendam mais adequadas à manutenção da respectiva imagem e reputação. Assinalando Carolina Cunha que essas empresas «têm ao seu dispor esquemas negociais específicos e adequados, como seja a distribuição selectiva (que implica a criação de canais específicos) ou (caso pretendam manter a distribuição nos canais gerais) a inserção de cláusulas visando a não repercussão de todos os descontos concedidos no preço de revenda».          
            Na síntese de José Luís da Cruz Vilaça[11]:
            «A venda com prejuízo só deve ser sancionada quando representar a aplicação de preços predatórios com o objectivo de excluir concorrentes tão ou mais eficientes ou para limitar a liberdade contratual dos operadores económicos em termos que constituam a negação da própria dinâmica comercial.»
           
3. Análise do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 370/93, de 29 de Outubro, na redacção do Decreto-Lei n.º 140/98, de 16 de Maio
            A resolução do conflito de jurisprudência tem de ser encontrada na legislação em vigor à data dos acórdãos em oposição por ser aquela em que, justamente, se mostram sustentadas as respectivas decisões.
            Interessa, por isso, o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 370/93, de 29 de Outubro, na redacção do Decreto-Lei n.º 140/98, de 16 de Maio[12].
              No n.º 1 do artigo 3.º descreve-se a conduta proibida, constituindo contra-ordenação a infracção ao disposto nesse n.º 1, punível com a coima fixada na alínea a) do n.º 1 do artigo 5.º do mesmo diploma (quando cometida por pessoa singular) ou com a coima fixada na alínea a) do n.º 2 daquele artigo 5.º (quando cometida por pessoa colectiva).
            Os n.os 2 e 3 completam a densificação do comportamento proibido.
            No n.º 4 prevê-se um conjunto de circunstâncias (circunstâncias taxativas) cuja verificação afasta a ilicitude da conduta típica.
            O n.º 5 atribui o ónus da prova de certos factos ao agente (o vendedor).
Nos termos do artigo 3.º, n.º 1, vender com prejuízo significa oferecer para venda ou vender um bem por um preço inferior ao seu preço de compra efectivo, acrescido dos impostos aplicáveis a essa venda e, se for caso disso, dos encargos relacionados com o transporte.
Segundo o n.º 2 do mesmo artigo, o preço de compra efectivo é o que se obtém deduzindo ao preço que consta da factura de compra os descontos directamente relacionados com a transacção, que se encontrem identificados na própria factura ou, por remissão desta, em contratos de fornecimento ou tabelas de preços e que sejam determináveis no momento da respectiva emissão.
A possibilidade de dedução dos descontos depende, pois, da verificação cumulativa de três requisitos[13].
Desde logo, um requisito formal. Os descontos devem estar previstos na factura quer de forma imediata quer indirectamente, através de remissão para o contrato de fornecimento ou para as tabelas de preços.
A possibilidade de dedução está sujeita ainda a uma exigência temporal. É necessário que os descontos sejam susceptíveis de determinação no momento da emissão da factura.
Finalmente, a norma limita os descontos passíveis de dedução aos directamente relacionados com a transacção.
Quanto a esta última exigência, entendeu o legislador proceder a uma concretização, esclarecendo o que deve entender-se por descontos directamente relacionados com a transacção e incluir um requisito adicional.
Assim, no n.º 3 do artigo 3.º especificam-se três categorias de descontos – os descontos de quantidade, os descontos financeiros e os descontos promocionais – e enuncia-se  um requisito adicional – que os descontos sejam identificáveis quanto ao produto, respectiva quantidade e período por que vão vigorar.
Relativamente a este requisito adicional, de identificação do desconto quanto ao produto, respectiva quantidade e período por que vai vigorar, deve entender-se que o mesmo se aplica apenas aos descontos promocionais[14].
Com efeito, esse requisito ou exigência não seria compreensível no contexto de um desconto de quantidade ou de um desconto financeiro.
Um desconto de quantidade traduz-se num abatimento ao preço base de um produto que progride em razão simétrica à das quantidades transaccionadas. Por conseguinte, a quantidade e o produto são elementos que fazem parte do próprio conceito de desconto de quantidade. Por outro lado, o período de vigência do desconto não faz qualquer sentido no âmbito de um desconto de quantidade uma vez que o desconto opera, nos termos acordados pelas partes, sempre que seja atingido o limiar quantitativo fixado.
A um desconto financeiro, que se cifra num abatimento sobre o preço base de um produto (x% sobre o preço base), são alheias as noções de quantidade ou de período de vigência. Quanto à identificação do produto a mesma está implícita na natureza do desconto porque o preço base é, por necessidade, o preço de certo e determinado produto.
Assim, o requisito adicional da identificação quanto ao produto, quantidade e período de vigência apenas «cobra sentido útil quando reportado aos descontos promocionais». É quanto a estes que «se torna necessário saber qual o produto alvo de promoção, durante que período estará em vigor e, eventualmente, para que stock ou quantidade de mercadoria»[15].

4. Limitação dos descontos que podem ser deduzidos
4.1. O regime legal da venda com prejuízo impede a subtracção ao preço de factde boa parte dos descontos realmente obtidos do fornecedor e tem como consequência – uma vez que nem todos os descontos podem ser considerados para a determinação do preço de venda –, o aumento das margens de lucro do revendedor.
 A limitação dos descontos que relevam para efeitos de dedução ao preço de compra, segundo o regime jurídico da venda com prejuízo, leva a que tal regime jurídico comporte a possibilidade de ser punida como venda com prejuízo uma venda em que os agentes económicos não sofrem prejuízo nenhum e, pelo contrário, obtêm lucros.
Como destaca Carolina Cunha[16], «o distribuidor vê-se impedido de comprimir a sua margem de lucro até níveis mais próximos do preço que efectivamente pagou ao fornecedor».     
E criticando a opção legislativa de restringir a possibilidade de dedução de descontos ao preço constante da factura aos descontos directamente relacionados com a transacção considera que «é absolutamente desproporcionado e excessivo, em face dos fins (alegadamente) visados, impedir a dedução, ao preço constante da factura, de todos os descontos ligados à transacção – sobretudo quando a explicação principal da formulação da lei reside na simplificação da tarefa das autoridades fiscalizadoras(-). A distinção entre descontos directa e indirectamente relacionados com uma concreta transacção é, para este efeito, artificial. Desde que os descontos tenham por fonte o contrato de fornecimento celebrado entre as partes (que é, afinal, a raiz de cada uma das transacções concretas que o executam) e que seja economicamente exequível a fórmula encontrada para os repercutir no preço do produto, nenhum obstáculo se vislumbra à sua dedução, pois correspondem, na realidade a economias conseguidas pelo revendedor[17].
4.2. As relações comerciais entre fornecedor (produtor ou grossista ou importador) e revendedor não se esgotam – e nem sequer se caracterizam, hoje – por celebrações independentes e autónomas de negócios de compra e venda.
Estabelece-se, antes, uma relação negocial tendencialmente duradoura que tem por base um contrato de fornecimento em que o fornecedor se obriga, contra o pagamento de um preço, a realizar fornecimentos periódicos e repetidos de um produto ou de um lote de produtos ao outro contraente (o fornecido).  
  O contrato de fornecimento é estruturalmente um contrato-quadro cuja execução requer a celebração de múltiplos contratos (compras e vendas mercantis).
Porém, com a dinâmica comercial, foi-se alargando o conteúdo e função do contrato de fornecimento; deixou de se destinar a satisfazer apenas as necessidades de abastecimento do revendedor para passar a ser também utilizado pelo fornecedor para fomentar o escoamento dos seus produtos.
 Na satisfação dessa última vertente, implica um «conjunto de vínculos jurídicos, actualmente conhecidos por cooperação comercial»[18] e que se analisam na concessão, pelo fornecedor ao distribuidor, de um conjunto de bónus ou descontos através dos quais o fornecedor consegue incrementar as aquisições por parte dos fornecidos e, assim, fomentar o escoamento dos seus produtos.
Ora, todos esses bónus ou descontos determinam, em função do mecanismo de compensação típico da conta corrente, um abatimento no preço de compra dos produtos em causa, traduzindo-se, pois, em autênticas reduções ao preço de factura.
É, justamente, por as relações comerciais entre fornecedor e fornecido não se esgotarem na periódica celebração de negócios de compra e venda que, para cumprimento da exigência formal de os descontos estarem previstos na factura, a lei admite a possibilidade de os descontos estarem indirectamente identificados na factura através de remissão para o contrato de fornecimento (ou para as tabelas de preços que, nos termos do artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 370/93, contemplam as condições de venda, devendo estas referenciar, segundo o n.º 2 daquele artigo, «nomeadamente, os prazos de pagamento, as diferentes modalidades de descontos praticadas e respectivos escalões»).
4.3. Descontos há que se ligam, em primeira linha, a uma utilidade ou serviço que o revendedor se obriga a prestar ao fornecedor.
Tratando-se de bónus ou descontos que se apresentam como contrapartida de certas utilidades proporcionadas pelo revendedor ao fornecedor neles não existe uma ligação estrutural ao volume da mercadoria adquirida.      
  Podem referir-se, exemplificativamente, o “bónus de tronco comum nacional”, o “bónus facting mínimo linear”, o “bónus de não devolução” e o “bónus de organização de operações comuns especiais” [19].
O “bónus por garantia de tronco comum nacional” é um desconto que surge como contrapartida da obrigação de manter nas prateleiras de todos os pontos de venda pertencentes ao distribuidor os produtos constantes de uma lista base.
O “bónus facting mínimo linear” é a contrapartida de se assegurar ao fornecedor, dentro dos pontos de venda do distribuidor, uma determinada área de exposição para os seus produtos.
O “bónus de não devolução” é um abatimento que representa a contrapartida de o revendedor prescindir do direito de devolução de certos produtos (v.g. os deteriorados).
O “bónus de organização de operações comuns especiais” é um desconto relacionado com acções de promoção aos produtos do fornecedor levadas a cabo pelo distribuidor.   
Todos estes descontos servem uma estratégia comercial do fornecedor de criar incentivos ao escoamento dos seus produtos e, por aí, incrementar o seu volume de vendas. Mas, numa outra perspectiva, também eles se traduzem numa vantagem financeira para o revendedor consubstanciada na diminuição das quantias que deve ao fornecedor a título de pagamento do preço das mercadorias adquiridas.  
Porém, ligando-se os descontos antes enunciados a serviços prestados pelo distribuidor e não estando directamente relacionados com a transacção não é possível vir a deduzi-los ao preço de factura.
E isto sucede porque o regime da venda com prejuízo perfilha, nas palavras de Carolina Cunha[20] «uma concepção demasiado estreita de desconto» e que decorre de uma basilar incompreensão do contrato actualmente celebrado entre fornecedores e distribuidores, o qual já não se apresenta como um contrato de fornecimento puro.
Incompreensão que apresenta duas vertentes.
«Em primeiro lugar, ignora-se uma realidade secular: o contrato de fornecimento é de execução reiterada e é comum que as partes lancem em conta corrente o respectivo deve e haver. Ao arrepio desta realidade, quando interdita a venda com prejuízo, o legislador encara cada uma das singulares compras e vendas que executam o quadro estipulado como uma entidade a se, umbilicalmente desligada da relação duradoura de onde promana.
«Em segundo lugar, ignora-se a mutação sofrida pelo próprio escopo do contrato, bem como as alterações de conteúdo que a nova finalidade (o fomento activo das vendas do fornecedor) lhe veio adicionar. O que explica tanto a relutância em contabilizar descontos – i.e., abatimentos feitos pelo fornecedor ao preço efectivamente pago pelo distribuidor – geneticamente ligados à remuneração de utilidades prestadas pelo distribuidor, como a preferência pelos descontos estruturalmente ligados aos produtos adquiridos. Quando a verdade é que todos os descontos desempenham, através de mecanismos diversos, a mesma função: incentivar o escoamento dos produtos do fornecedor.»[21]  

5. O “rappel”
O “rappel” é o desconto especialmente convocado pelos acórdãos em oposição.
5.1. O “rappel” é geralmente qualificado como desconto de quantidade porque constitui um abatimento na prestação pecuniária do revendedor estruturalmente ligado ao volume de mercadoria por ele adquirida.
Encontra-se, por regra, previsto no contrato geral de fornecimento.
O “rappel” tanto pode ser fixo, isto é, traduzir-se numa dada percentagem que é abatida ao preço das aquisições, como ser baseado num certo volume de aquisições (em euros, quilos, litros, etc., comportando, por vezes, escalões) e progredir à medida do aumento das aquisições.
O que frequentemente se verifica é que o “rappel”, embora antecipadamente previsto (no contrato de fornecimento) só se vem a concretizar num momento posterior ao da emissão da factura. Isto ocorre quando o “rappel” é apurado sobre o volume de aquisições realizadas um determinado período de tempo (um trimestre ou um ano, p. ex.). É o chamado “rappel” condicional o qual, independentemente do número de transacções ocorridas, só se torna líquido no final do período[22].
Pelo contrário, o rappel fixo é um desconto incondicional adquirido no momento da venda.
O “rappel”, seja ou não fixo, porque depende sempre da aquisição de um certo volume de produtos que poderá ou não ocorrer consoante convenha ou não ao distribuidor (os fornecimentos fazem-se à exacta medidas das necessidades do distribuidor) é, nessa perspectiva, um desconto eventual[23].
Como decorre do exposto, o desconto “rappel” é sempre, em qualquer das duas modalidades (condicional ou incondicional), um desconto de quantidade, normalmente previsto no acordo geral de fornecimento, com anterioridade a cada concreto acto de aquisição, podendo concretizar-se tanto no momento da emissão da factura, como posteriormente.
O desconto constitui um efeito de uma condição: a consecução imediata ou num determinado arco temporal de um certo volume de aquisições. «Trata-se, mais precisamente, de uma condição suspensiva subsumível à categoria das condições potestativas a parte debitoris, dado que o evento condicionante é um acto do devedor, cuja verificação desencadeia a produção do efeito (a obtenção do desconto).»[24]
Não há qualquer obstáculo a que o “rappel” fixo seja concretizado no momento da emissão da factura pois, nesse momento, pode apurar-se qual o abatimento concedido, determinando-se exactamente o que deve ser subtraído ao preço base.
Mas o mesmo não sucede no caso do “rappel” condicional já que a sua concretização só é possível no final do período.
Ora, como antes vimos, o n.º 2 do artigo 3.º submete a possibilidade de dedução dos descontos directamente relacionados com a transacção a um requisito temporal – é necessário que os descontos sejam susceptíveis de determinação no momento em que a factura é emitida (“sejam determináveis no momento da respectiva emissão”).
Numa apreciação crítica desta exigência, destaca Carolina Cunha[25] que, por um lado, no quadro de um contrato de fornecimento há frequentemente descontos que só vêem a concretizar-se em momento posterior ao da emissão da factura, mas, por outro lado, também é relativamente comum que o “deve e haver” das partes, numa relação de fornecimento, seja lançada numa conta corrente, a potenciar o desfasamento temporal entre cada uma das transacções e os descontos que lhes estão associados. Uma vez que o regime da conta corrente (artigo 344.º e ss. do Código Comercial) prescreve que apenas é exigível o saldo dela resultante (artigo 346.º, n.º 4) e que só o encerramento da conta corrente “fixa invariavelmente o estado das relações jurídicas das partes”, antes do encerramento, “nenhum dos interessados será considerado como credor ou devedor do outro” (artigo 350.º).
Considerando, nomeadamente, que «é o próprio quadro legal a dar expressão jurídica à ideia de liquidação meramente periódica, tão consentânea com um contrato de duração como é o de fornecimento», inclina-se a Autora que estamos a seguir para uma interpretação que «permita a dedução dos descontos previstos desde o momento da emissão da factura mesmo que a sua concretização (antecipadamente certa ou meramente eventual), apenas venha a ter lugar num momento posterior.
«Com uma limitação importante: caso o desconto seja de natureza eventual (v.g. um abatimento que apenas sobrevenha atingido o limiar x de aquisições durante um certo período) só deve produzir-se após a determinação do desconto – i.e., só deve ser possível repercuti-lo no “preço de compra efectivo” após o momento em que se torna suficientemente certo
Prosseguindo, defende que «uma interpretação neste moldes harmoniza-se com os dados legais – o artigo 3.º, n.º 2, exige que, no momento em que a factura é emitida, os descontos sejam determináveis, quer dizer susceptíveis de determinação; não requer ao invés que se encontrem cabalmente determinados. E, o que é mais importante, só semelhante interpretação cobra sentido em face da realidade prático-jurídica a que aqueles dados legais vão dirigidos – a outorga de descontos no âmbito de relações de negócios duradouros, relações emergentes de um contrato-quadro e frequentemente associadas a uma conta corrente.»
Não deixando de destacar que se é a própria lei que, nos termos do artigo 3.º, n.º 4, alínea c), afasta o regime geral da venda com prejuízo sempre que o reaprovisionamento de bens se efectue a preço inferior permitindo a substituição do anterior preço efectivo de compra pelo preço resultante da nova factura, «por maioria de razão deve ser admitida a dedução dos descontos ab initio previstos ainda que só supervenientemente se venham a concretizar».
5.2. No caso dos acórdãos em oposição, o desconto que o acórdão recorrido entendeu não poder ser deduzido ao preço constante da factura de compra para cálculo do preço de compra efectivo enquanto o acórdão fundamento, pelo contrário, considerou tratar-se de um desconto de quantidade, podendo, como tal, ser deduzido ao preço constante da factura para efeito da determinação do preço de compra efectivo, encontra-se descrito nos factos provados das decisões impugnadas como um desconto “rappel”, previsto no contrato geral de fornecimento, para o qual a factura remetia.
Ou seja, não há qualquer divergência quanto a tratar-se de desconto identificado, por remissão da factura de compra, no contrato de fornecimento. A verificação da exigência formal de os descontos estarem previstos na factura ainda que indirectamente, através de remissão para o contrato de fornecimento, é, pois, aceite nos acórdãos em oposição.  
Dos acórdãos em oposição está ausente qualquer controvérsia quanto à verificação, ou não, da exigência de os descontos serem susceptíveis de determinação no momento da emissão da factura. Parecendo resultar da fundamentação dos acórdãos a aceitação, ao menos implícita, da natureza incondicional do desconto.
A oposição radica exclusivamente quanto à exigência de se tratar de desconto directamente relacionado com a transacção.
O acórdão recorrido rejeita que o desconto possa ser incluído na categoria de desconto de quantidade por, tratando-se de um desconto em escalões, o primeiro escalão se iniciar na unidade, mais concretamente em um euro.
Não obstante se tratar igualmente de um desconto em escalões e em que o primeiro escalão se inicia na unidade, também em um euro, o acórdão fundamento inclui tal desconto na categoria de desconto de quantidade.
 Atendendo aos factos assentes no acórdão recorrido, que relevaram para a definição da categoria do desconto, verifica-se que:
– relativamente ao “rolo de papel de cozinha colhogar kilométrico”, foi dado por provado que, no acordo geral de fornecimento, estava previsto um desconto, com o nome de “rappel” geral de:
10% de € 1,00 a  € 1 500 000,00
10,25% de € 1 500 000,01 a € 99 999 999 999,00
– relativamente ao “rolo de papel higiénico Foxy, 3F” foi dado por provado que, no acordo geral de fornecimento, estava previsto um desconto, com o nome de “rappel” geral de:
23,50% de € 1,00 a € 1 300 000,00
23,75% de € 1 300 001,00 a € 99 999 999 999,00
– relativamente à “loção de Corpo Fá” foi dado por provado que, no acordo geral de fornecimento, estava previsto um desconto, com o nome de “rappel” geral de:
9, 65% de € 1,00 a € 3 800 000,00
10,15% de € 3 800 001,00 a € 4 150 000,00
10,65% de € 4 150 001,00 a € 99 999 999 999,00
Considerando os factos que, no acórdão fundamento, relevaram para a definição da categoria do desconto, verifica-se que foi tido por assente o seguinte:
– um desconto “rappel” relativo a “Águas sem Gás, Continente, 5 l”, escalonado «de 1,00 até 10 000 000,00 EUR, 5,50% e de 10 000 001,00 até 99 999 999 999,00 EUR, 5,75%».
Vê-se, assim, que, nas situações contempladas nos dois acórdãos, se trata de um desconto “rappel”, em escalões, baseado num certo volume de aquisições em euros, progredindo o desconto em função do aumento das aquisições em euros e iniciando-se o primeiro escalão em € 1.
Também este desconto, em função das quantidades vendidas, se insere na estratégia comercial do fornecedor de estimular a aquisição de produtos por parte do revendedor e, assim, incrementar o seu volume de vendas sendo evidente a relação do desconto com a transacção pelo nexo que se estabelece entre a quantidade de produto adquirida e o desconto.
Existe, com efeito, uma ligação estrutural do desconto ao volume da mercadoria adquirida uma vez que o desconto progride à medida do aumento das aquisições em euros.
A circunstância de o primeiro escalão do desconto se iniciar na unidade não o descaracteriza como desconto de quantidade. E, em função da progressão dos descontos, em escalões, à medida do aumento das quantidades adquiridas, mostram-se destituídas de fundamento as afirmações de que o «desconto não é justificado pela quantidade de produtos adquirida» ou de que «não existe um objectivo quantitativo» para o revendedor beneficiar do desconto que o acórdão recorrido acolhe.    
A convenção de o limite mínimo do primeiro escalão se situar na unidade (em euros, quilos, litros, etc.) e o limite máximo do último escalão se situar em 99 999 999 999,00 dá expressão, até com forte carga “simbólica”, a um desconto de quantidade construído no âmbito das relações negociais, tendencialmente duradouras, emergentes de um contrato-quadro, que hoje em dia se estabelecem entre fornecedor e revendedor.

IV

Com base no exposto, o pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça decide:
1. Fixar jurisprudência nos seguintes termos:
Um desconto “rappel” escalonado, cujo primeiro escalão se inicia na unidade (em euros, quilos, litros, etc.), é um desconto de quantidade que, nos termos dos n.os 2 e 3 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 370/93, de 29 de Outubro, na redacção do Decreto-Lei n.º 140/98, de 16 de Maio, releva para a determinação do preço de compra efectivo, satisfeitas que se mostrem as restantes exigências de se encontrar identificado na factura ou, por remissão desta, em contratos de fornecimento ou tabelas de preços e de ser susceptível de determinação no momento da respectiva emissão.
2. Em consequência, determina-se que, oportunamente, o processo seja remetido ao Tribunal da Relação de Évora, para que seja proferida nova decisão em conformidade com a jurisprudência fixada (artigo 445.º do Código de Processo Penal).
Sem custas.
Cumpra-se, oportunamente, o disposto no artigo 444.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

Supremo Tribunal de Justiça, 14 de Maio de 2014
Isabel Pais Martins (Relatora)
Manuel Braz

Isabel São Marcos
Pereira Madeira
Santos Carvalho -
Rodrigues da Costa

Santos Monteiro
Santos Cabral
Oliveira Mendes
Souto de Moura

Maia Costa
Pires da Graça
Raul Borges
Henriques Gaspar (Presidente)
  
            

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«[1] DL 166/2013, de 27 de Dezembro, que aprovou o regime aplicável às práticas individuais restritivas do comércio, diploma que entrará em vigor no próximo dia 27 de Fevereiro.

 «O artigo 5.º deste diploma, onde passa a estar regulada a venda com prejuízo, dispõe:

«1- É proibido oferecer para venda ou vender um bem a uma empresa ou a um consumidor por um preço inferior ao seu preço de compra efectivo, acrescido dos impostos aplicáveis a essa venda e, se for caso disso, dos encargos relacionados com o transporte.

«2- Entende-se por preço de compra efectivo o preço unitário constante da fatura de compra, líquido dos pagamentos ou descontos que se relacionem direta e exclusivamente com a transação dos produtos em causa, e que se encontrem identificados na própria fatura ou, por remissão desta, em contratos de fornecimento ou tabelas de preço que estejam em vigor no momento da transação e que sejam determináveis no momento da respetiva emissão.

«3- Para efeitos do disposto no número anterior, entende-se por descontos relacionados direta e exclusivamente com a transação em causa os descontos de quantidade, os descontos financeiros e os descontos promocionais desde que identificáveis quanto ao produto, respectiva quantidade e período por que vão vigorar.

«4- Os descontos que forem concedidos num determinado produto são considerados na determinação do respectivo preço de venda.

«5- Para efeitos de aplicação do número anterior, os descontos que consistirem na atribuição de um direito de compensação em aquisição posterior de bens equivalentes ou de outra natureza, concedidos em cada produto, são imputados à quantidade vendida do mesmo produto e do mesmo fornecedor nos últimos 30 dias.
(…)»
«[2] Esta nova legislação vai, aliás, no sentido das preocupações manifestadas pela Comissão Europeia, com a publicação do Livro Verde Sobre As Práticas Comerciais Desleais Na Cadeia De Abastecimento Alimentar E Não Alimentar Entre As Empresas Na Europa.»
[3] Do preâmbulo do diploma.
[4] Do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 140/98, de 16 de Maio.
[5] Ibidem.
[6] Ibidem.
[7] Nos termos do respectivo artigo 20.º, n.º 1, o diploma entrou em vigor 60 dias após a data da sua publicação.
[8] Estando excluídos do âmbito de aplicação do diploma, conforme elenco do n.º 2 do artigo 2.º, os serviços de interesse económico geral (alínea a); a compra e venda de bens e a prestação de serviços, na medida em que estejam sujeitas a regulação sectorial (alínea b): e a compra e venda de bens e a prestação de serviços com origem ou destino em país não pertencente à União Europeia ou ao Espaço Económico Europeu (alínea c).
[9] Do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 166/2013, de 27 de Dezembro.

[10] «Estudo Sobre o Regime Jurídico da Venda com Prejuízo», Coimbra 2005, p. 12 e ss., disponível em https://google.pt/#q=carolina+cunha
 
[11] «Diz que é uma espécie de concorrência …», disponível em https://google.pt/#q=venda+com+prejuízo, versão em html do arquivo http://www.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/jlcv_MA_4039.doc
[12] Diploma a que respeitarão os artigos daqui em diante referidos sem qualquer menção.
[13] Assim, Carolina Cunha, Estudo cit., p. 27.
[14] Assim, Carolina Cunha, Estudo cit., pp. 34-35. Neste ponto, no mesmo sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24/02/2010 (processo n.º 680/09.1TYLSB.L1), sustentando o entendimento de que a ausência de uma vírgula a seguir a promocionais e a própria natureza de cada um dos tipos de descontos permitem concluir que o legislador pretendeu estabelecer a exigência de identificação de incidência quanto a produto, quantidade e tempo apenas para os chamados descontos promocionais.   
[15] Carolina Cunha, Estudo cit., p. 35.
[16] Estudo cit., p. 44.
[17] Estudo cit., p. 33.
[18] Neste ponto, cfr., mais uma vez, Carolina Cunha, Estudo cit, p. 46.
[19] Continuamos a seguir Carolina Cunha, Estudo cit, p. 46.

[20] «O contrato de fornecimento no sector da grande distribuição a retalho: perspectivas actuais», p. 13, disponível em https://google.pt/#q=carolina+cunha
[21] Ibidem.
[22] Assim, Carolina Cunha, Estudo cit., p. 28.
[23] Diversamente, o “desconto de investimento mínimo”, concedido em virtude de se encontrar assegurada a compra de um mínimo de produtos, é um desconto certo (tão certo, pelo menos, quanto o cumprimento da obrigação de aquisição mínima que lhe está associada), como esclarece Carolina Cunha, O contrato de fornecimento, cit., p. 4 e nota 14.
[24] Carolina Cunha, Estudo cit., p. 50.
[25] Idem, pp. 28 e 29.