Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
18/07.2GAAMT.P1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: RAÚL BORGES
Descritores: COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
IN DUBIO PRO REO
ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA
COMPARTICIPAÇÃO
CO-AUTORIA
AUTORIA
BANDO
AGRAVANTE
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
CONVOLAÇÃO
TRÂNSITO EM JULGADO CONDICIONAL
REFORMATIO IN PEJUS
Nº do Documento: SJ
Apenso:
Data do Acordão: 05/27/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Doutrina: - Beleza dos Santos, “O Crime de Associação de Malfeitores – Interpretação do artigo 263.º do Código Penal (de 1886)”, trabalho publicado in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 70.º, nos n.º s 2593, 2594 e 2595, respectivamente, a págs. 97 a 99, 113 a 115 e 129/130.
- Cavaleiro Ferreira, nas Lições de Direito Penal, Editorial Verbo, 1987, 2.ª edição, I, após referir, a págs. 360.
-Eduardo Correia, em Problemas Fundamentais da Comparticipação Criminosa, Coimbra, 1951, págs. 45/6, fls. 50.
- Eduardo Lobo, em Decisões de Tribunais de 1.ª Instância, 1993, Comentários, Gabinete de Planeamento e de Coordenação do Combate à Droga, Outubro de 1995, págs. 37 a 49.
- Faria e Costa, no Comentário Conimbricense ao Código Penal, em comentário ao artigo 204.º, n.º 2, alínea g), do Código Penal, nos §§ 66 e 67, a págs. 81 e 82.
- Figueiredo Dias, in As «Associações Criminosas» no Código Penal Português de 1982, Coimbra Editora, 1988, separata da Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 119.º, n.ºs 3751 a 3760, págs. 26-27; pág. 32 a 47; 60/2, 65.
- Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, págs. 1155 a 1174.
- Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, volume I, pág. 217.
- Figueiredo Dias e Costa Andrade, em parecer elaborado em Fevereiro de 1985, Colectânea de Jurisprudência, 1985, tomo 4, págs. 7 a 19.
- Maria João Antunes, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Janeiro - Março de 1994, pág. 121.
-Maria Leonor Assunção, no estudo “Do lugar onde o Sol se levanta, um olhar sobre a criminalidade organizada”, inserto no Liber Discipulorum para Jorge de Figueiredo Dias, a propósito da criminalidade organizada no direito de Macau, a págs. 106 a 113.
- Nelson Hungria, em Comentário ao Código Penal Brasileiro, IX, págs. 177 e ss..
- Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, págs. 563, notas 40 e 41, 752, nota 13, 753.
- Relatório de 11-05-1992, aprovado pela Comissão de Inquérito, criada por decisão do Parlamento Europeu de 24-01-1991, sobre a proliferação, nos países da Comunidade Europeia, do crime organizado ligado ao tráfico de droga, in Sub Judice, n.º 3, 1992, pág. 95.
- Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 2003, ano 13, n.º 3, págs. 433 e ss.
- Simas Santos e Leal Henriques, Código de Processo Penal Anotado, 2.ª edição, II volume, pág. 967; 3.ª edição, Rei dos Livros, 2000, 2.º volume, págs.1357 e 1358.
- Taipa de Carvalho, em comentário ao artigo 223.º, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, pág. 353.,
Legislação Nacional: CÓDIGO DA ESTRADA: - ARTIGOS 122.º E 123.º.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 127.º, 340.º, N.º1, 400.º, 402.º, N.º 2, ALÍNEA A), 403.º, N.º 3, ALÍNEA E), 409.º, 410.º, N.º 2, 412.º, N.º S 3 E 4, 424.º, N.º 3, 428.º, 431.º, ALÍNEA B), 432.º, ALÍNEA D), 434.º.
CÓDIGO PENAL: - ARTIGOS 30.º, N.º 2, 77.º, 78.º, 299.º, N.º 2
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 32.º, N.º 2.
DL N.º 15/93: - ARTIGOS 21.º, N.º 1, ARTIGO 24.º, ALÍNEA J), 28.º, N.ºS 1, 2 E 3.
DL N.º 2/98, DE 03-01: - ARTIGO 3.º, N.ºS 1 E 2.
LEI N.º 15/2001, DE 5 DE JUNHO: - ARTIGO 89.º.
LEI N.º 23/2007, DE 5-11: - ARTIGO 184.º .
Jurisprudência Nacional: INSUFICIÊNCIA DE PROVA OU ERRADA VALORAÇÃO DA PROVA E VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO
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INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA

ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 25-05-1994, PROCESSO N.º 45829, IN CJSTJ 1994, TOMO 2, PÁG. 224 E BMJ N.º 437, PÁG. 228, DE 13-01-1998, PROCESSO N.º 877/97 - 3.ª, BMJ N.º 473, PÁG. 307; DE 25-03-1998, PROCESSO N.º 53/98 - 3.ª, BMJ N.º 475, PÁG. 502; DE 20-10-1999, PROCESSO N.º 1452/99-3ª; DE 24-04-2006, PROCESSO Nº 363/06; DE 24-05-2006, PROCESSO Nº 816/06; DE 20-12-2006, PROCESSO N.º 3379/06 - 3.ª, SENDO OS DOIS PRIMEIROS CITADOS NO ACÓRDÃO DE 23-04-2008, PROCESSO N.º 1127/08, TODOS DA 3.ª SECÇÃO(CFR. AINDA, I.A., OS ACÓRDÃOS DO STJ, DE 22-10-97, PROCESSO N.º 612/97; DE 12-03-1998, BMJ N.º 475, PÁG. 492; DE 09-12-1998, PROCESSO N.º 1165/98; DE 13-01-1999, IN BMJ N.º 483, PÁG. 49; DE 02-06-1999, PROCESSO N.º 288/99; DE 15-05-2002, PROCESSO N.º 857/02 - 3.ª; DE 01-07-2004, PROCESSO N.º 2691/04 - 5.ª ); DE 15-02-2007, PROCESSO N.º 3174/06 - 5.ª; DE 05-09-2007, PROCESSO N.º 2078/07 - 3.ª.
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ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA

ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - 01-10-1997, PROCESSO N.º 243/97-3.ª ACÓRDÃO DO STJ, DE 01-10-1997, PROCESSO N.º 627/97-3.ª; ACÓRDÃO DE 06-11-97 PROCESSO N.º 471/97-3.ª, SUMÁRIOS ASSESSORIA, 1997, PÁG. 157; DE 04-12-97, PROCESSO N.º 1018/97-3.ª; DE 18-12-97, PROCESSO N.º 701/97-3.ª, SUMÁRIOS, PÁG. 220; DE 26-02-2004, PROCESSO N.º 267/04 - 5.ª SECÇÃO.
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REQUALIFICAÇÃO JURÍDICO CRIMINAL (CRIME DE ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. MERA COMPARTICIPAÇÃO CRIMINOSA)

- ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 09-10-1985, PROCESSO N.º 37896, CJSTJ, A PÁGS. 7, E NO BMJ N.º 350, PÁG. 169; DE 26-02-1986, PROCESSO N.º 38 085, BMJ N.º 354, PÁG. 334; DE 16-04-1986, PROCESSO N.º 38353, IN BMJ N.º 356, PÁG. 132; DE 23-04-1986, PROCESSO N.º 38072, IN BMJ N.º 356, PÁG. 136; DE 16-05-1990, PROCESSO N.º 39852, BMJ, N.º 397, PÁG. 190; DE 05-05-1991, PROCESSO N.º 41 565, IN BMJ N.º 408, PÁG. 162; DE 31-10-1991, PROCESSO N.º 41844, BMJ N.º 410, PÁG. 418; DE 13-02-1992, PROCESSO N.º 42233, BMJ N.º 414, PÁG. 186; DE 26-02-1992, PROCESSO N.º 42222, BMJ N.º 414, PÁG. 232; DE 05-03-1992, BMJ N.º 415, PÁG. 434; DE 13-05-1992, PROCESSO N.º 42228, BMJ N.º 417, PÁG. 308 E CJ 1992, TOMO 3, PÁG. 15; DE 17-12-1992, BMJ N.º 422, PÁG. 152, E CJ 1992, TOMO 5, PÁG. 31 ; DE 26-05-1993, PROCESSO N.º 44123, CJSTJ 1993, TOMO 2, PÁG. 237; DE 12-01-1994, PROCESSO N.º 45875, CJSTJ 1994, TOMO 1, PÁG. 192; DE 26-05-1994, PROCESSO N.º 45385, CJSTJ 1994, TOMO 2, PÁG. 233 E BMJ N.º 437, PÁG. 263; DE 01-06-1994, PROCESSO N.º 45 272, CJSTJ 1994, TOMO 2, PÁG. 242 E BMJ N.º 438, PÁG. 154; DE 03-11-1994, PROCESSO N.º 46571; DE 09-02-1995, PROCESSO N.º 46 991, IN CJSTJ 1995, TOMO 1, PÁG. 198; DE 15-02-1995, PROCESSO N.º 44. 846, CJSTJ 1995, TOMO 1, PÁG. 205; DE 10-07-1996, PROCESSO N.º 48.675, CJSTJ 1996, TOMO 2, PÁG. 229; DE 14-11-1996, PROCESSO N.º 48.588-3.ª, IN SUMÁRIOS, N.º 5, NOVEMBRO 1996, PÁG. 74; DE 11-12-1996, PROCESSO N.º 48.697 - 3.ª SECÇÃO, IN SUMÁRIOS, N.º 6, DEZEMBRO 1996, PÁG. 63; DE ACÓRDÃO DE 12-03-1997, PROCESSO N.º 1015/96, DA MESMA SECÇÃO, IN “SUMÁRIOS”, N.º 9, MARÇO DE 1997, PÁG. 70; DE 26-02-1997, PROCESSO N.º 1072/96 - 3.ª, IN SUMÁRIOS, N.º 8, PÁG. 101; DE 26-02-1997, PROCESSO N.º 120/97, CJSTJ 1997, TOMO 1, PÁG. 230; DE 17-04-1997, PROCESSO N.º 1073/96 - 3.ª, BMJ N.º 466, PÁG. 227; DE 05-11-1997, PROCESSO N.º 549/97 - 3.ª SECÇÃO, CJSTJ 1997, TOMO 3, PÁG. 222; DE 27-01-1998, PROCESSO N.º 696/97, CJSTJ 1998, TOMO 1, PÁG. 181; DE 05-02-1998, PROCESSO N.º 1038/97, CJSTJ 1998, TOMO 1, PÁG. 192; DE 04-06-1998, PROCESSO N.º 1235/97, BMJ N.º 478, PÁGS. 7 A 88; DE 24-01-2001, PROCESSO N.º 230/00 - 3.ª SECÇÃO; DE 10-05-2001, PROCESSO N.º 373/01, CJSTJ 2001, TOMO 2, PÁG. 198; DE 13-12-2001, PROCESSO N.º 3654/01-5.ª, CJSTJ 2001, TOMO 3, PÁG. 237; DE 18-12-2002, PROCESSO N.º 3217/02 - 3.ª SECÇÃO; DE 08-01-2003, PROCESSO N.º 4221/02 - 3.ª SECÇÃO; DE 23-04-2003, PROCESSO N.º 789/03 - 3.ª SECÇÃO; DE 09-07-2003, PROCESSO N.º 2026/03 - 3.ª SECÇÃO; DE 11-12-2003, PROCESSO N.º 2293/03 - 5.ª SECÇÃO; DE 26-02-2004, PROCESSO N.º 267/04 - 5.ª SECÇÃO; DE 27-04-2005, PROCESSO N.º 149/05 - 5.ª SECÇÃO; DE 18-05-2005, PROCESSO N.º 4189/02 - 3.ª SECÇÃO; DE 07-12-2005, PROCESSO N.º 2105/05 - 5.ª SECÇÃO; DE 28-06-2006, PROCESSO N.º 3463/05 - 3.ª SECÇÃO; DE 29-11-2006, PROCESSO N.º 3802/05 - 3.ª SECÇÃO; DE 03-05-2007, PROCESSO N.º 896/07 - 5.ª SECÇÃO; DE 17-04-2008, PROCESSO N.º 4457/06 - 3.ª SECÇÃO; DE 16-10-2008, PROCESSO N.º 2958/08 - 5.ª SECÇÃO.
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL N.º 102/99, DE 10-02-1999, PROCESSO N.º 1103/98-3.ª SECÇÃO, PUBLICADO IN DIÁRIO DA REPÚBLICA, II SÉRIE, N.º 77, DE 01-04-1999, PÁG. 4843, E BMJ N.º 484, PÁG. 119.
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BANDO – MEMBRO DE BANDO

ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 13-04-1994, PROCESSO N.º 45813, IN CJSTJ 1994, TOMO 1, PÁG. 256; DE 25-05-1994, PROCESSO N.º 45829, CJSTJ 1994, TOMO 2, PÁG. 224 E BMJ N.º 437, PÁG. 228; DE 29-06-1994, PROCESSO N.º 45530, CJSTJ 1994, TOMO 2, PÁG. 258, DE 22-06-1995, PROCESSO N.º 47.997, IN CJSTJ 1995, TOMO 2, PÁG. 238; DE 29-06-1995, PROCESSO N.º 47.773, IN CJSTJ 1995, TOMO 2, PÁG. 251; DE 13-02-1997, PROCESSO N.º 1019/96 - 3.ª – SUMÁRIOS DE ACÓRDÃOS STJ, GABINETE DE ASSESSORIA, N.º 8, FEVEREIRO DE 1997, PÁG. 89; DE 27-02-1997, PROCESSO N.º 908/96 - 3.ª – SUMÁRIOS DE ACÓRDÃOS STJ, GABINETE DE ASSESSORIA, N.º 8, FEVEREIRO DE 1997, PÁG. 103; DE 08-10-1997, PROCESSO N.º 356/97 - 3.ª, SUMÁRIOS DE ACÓRDÃOS STJ, GABINETE DE ASSESSORIA, N.º 14, VOLUME II, PÁG. 133; DE 18-12-1997, PROCESSO N.º 918/97 - 3.ª – SUMÁRIOS DE ACÓRDÃOS STJ, GABINETE DE ASSESSORIA, N.ºS 15 E 16, VOLUME II, PÁG. 217; DE 30-09-1999, PROCESSO N.º 726/96, CJSTJ 1999, TOMO 3, PÁG. 162; DE 18-12-2002, PROCESSO N.º 3217/02 - 3.ª SECÇÃO; DE 23-04-2003, PROCESSO N.º 789/03 - 3.ª SECÇÃO; DE 06-11-2003, PROCESSO N.º 3392/03 - 5.ª SECÇÃO; DE 11-12-2003, PROCESSO N.º 2293/03 - 5.ª SECÇÃO; DE 07-01-2004, PROCESSO N.º 3213/03 - 3.ª SECÇÃO.

ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL DE 06-11-1991, IN BMJ N.º 411, PÁG. 56, E DE 10-02-1999, IN DR, II SÉRIE, N.º 77, DE 01-04-1999 E BMJ N.º 484, PÁG. 119.

ANOTAÇÃO DE MIGUEL PEDROSA MACHADO A ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA COMARCA DE PONTA DO SOL, DE 11-11-1993, ELABORADA EM SETEMBRO DE 1995, CJSTJ, PÁGS. 231 A 261.
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SEGMENTO DECISÓRIO

ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - ACÓRDÃO DE 05-12-1997, PROCESSO N.º 48956-3.ª, SUMÁRIOS ASSESSORIA, N.º 8, FEVEREIRO DE 1997, PÁG. 78; DE 09-02-2006, PROCESSO N.º 486/06-5.ª; DE 08-03-2006, PROCESSO N.º 888/06-3.ª; DE 25-05-2006, PROCESSO N.º 4123/05-5.ª; DE 07-06-2006, PROCESSO N.º 2184/06-3.ª; DE 04-10-2006, PROCESSO N.º 3667/06-5.ª; DE 11-10-2006, PROCESSO N.º 3774/06-3.ª; DE 07-11-2007, PROCESSO N.º 4209/07-3.ª; DE 27-05-2009, PROCESSO N.º 50/06.3GAOFR-3.ª.
Sumário : I - O princípio in dubio pro reo funda-se constitucionalmente no princípio da presunção da inocência até ao trânsito em julgado da sentença condenatória – art. 32.º, n.º 2, da CRP –, impondo este que qualquer non liquet na questão da prova seja valorado a favor do arguido, apresentando-se aquele, na fase de decisão, como corolário daquela presunção – Ac. do TC n.º 533/98, DR, II Série, de 25-02-99.
II - O princípio in dubio pro reo – fórmula condensada por Stubel – que estabelece que, na decisão de factos incertos a dúvida favorece o arguido, é um princípio de prova que vigora em geral, isto é, quando a lei, através de uma presunção, não estabelece o contrário.
III - A violação do princípio in dubio pro reo tem sido entendida sob diversas perspectivas, como a de respeitar a matéria de prova e, pois, tratar-se de matéria de facto e como tal insindicável pelo STJ (por todos, Ac. de 18-12-97, Proc. n.º 930/97, BMJ, 472, pág. 185), ou enquanto princípio estruturante do processo penal, podendo ser suscitada perante o Tribunal de revista, mas o STJ vem afirmando que isso só é possível se a violação resultar do próprio texto da decisão recorrida, designadamente, da fundamentação da decisão de facto – Ac. de 29-11-2006, Proc. n.º 2796/06 - 3.ª, in CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 235 - 239.
IV - Contrariamente à posição de Figueiredo Dias (cf. Direito Processual Penal, vol. I, pág. 217), que defende que o princípio se assume como um princípio geral de processo penal, não forçosamente circunscrito a facetas factuais, podendo a sua violação conformar também uma autêntica questão de direito plenamente cabível dentro dos poderes de cognição do STJ, a jurisprudência maioritária tem repudiado a invocação do princípio em sede de interpretação ou de subsunção de um facto à lei, não valendo para dúvidas nessas matérias.
V - A eventual violação do princípio in dubio pro reo só pode ser aferida pelo STJ quando da decisão impugnada resulta, de forma evidente, que o tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a qualquer facto, que tenha chegado a um estado de dúvida “patentemente insuperável” e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido, optando por um entendimento decisório desfavorável ao arguido, posto que saber se o tribunal recorrido deveria ter ficado em estado de dúvida, é uma questão de facto que exorbita os poderes de cognição do STJ enquanto tribunal de revista.
VI - Não se verificando esta hipótese, resta a aplicação do mesmo princípio enquanto regra de apreciação da prova, no âmbito do dispositivo do art. 127.º do CPP, que escapa ao poder de censura do STJ enquanto tribunal de revista.
VII - Noutra perspectiva, o STJ poderá sindicar a aplicação do princípio, quando a dúvida resultar evidente do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, ou seja, quando seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção se chegar à conclusão de que o tribunal tendo ficado em estado de dúvida, decidiu contra o arguido.
VIII - A apreciação pelo STJ da eventual violação do princípio in dubio pro reo encontra-se dependente de critério idêntico ao que se aplica ao conhecimento dos vícios da matéria de facto: há-de ser pela mera análise da decisão que se deve concluir pela violação deste princípio.
IX - Inexistindo dúvida razoável na formulação do juízo factual que conduziu à condenação do arguido, fica afastada a violação do princípio in dubio pro reo e da presunção da inocência, sendo de ter por assente definitivamente a matéria de facto apurada.
X - No caso de associação criminosa estamos perante uma autoria plural ou colectiva, por contraposição a autoria singular, e diversa da actuação num quadro de co-autoria ou comparticipação criminosa, e mesmo da figura de bando.
XI - Perante um caso de participação plúrima, três situações dogmáticas se podem e devem conceber: comparticipação propriamente dita, associação criminosa e membro de bando.
XII - O crime de associação criminosa configura-se como um crime de comparticipação necessária; para que a organização exista indispensável se torna a comparticipação de vários agentes, com ressalva da modalidade de acção traduzida na “promoção” - Figueiredo Dias, “Associações Criminosas”, pág. 65 e Comentário Conimbricense, § 43, pág. 1172.
XIII - Como anotado por Eduardo Correia (cf. Problemas fundamentais da comparticipação criminosa, Coimbra, 1951, págs. 45-46), os tipos cuja realização supõe a colaboração ou intervenção de várias pessoas, exigindo conceitualmente a intervenção de várias pessoas, dão lugar a uma comparticipação necessária, onde se distinguem dois grupos: os delitos de colisão ou de encontro e os delitos convergentes, aqui se incluindo aqueles crimes em que as condutas dos vários sujeitos não se dirigem umas de encontro às outras, mas convergem para a realização de um certo resultado.
XIV - Do mesmo modo, Paulo Pinto Albuquerque (Comentário do CP, UCE, 2008, pág. 753) situando a associação na modalidade de crime de convergência, ou seja, aquele em que os contributos dos vários comparticipantes para o facto se dirigem, na mesma direcção, à violação do bem jurídico.
XV - Cavaleiro Ferreira, in Lições de Direito Penal, Editorial Verbo, 1987, 2.ª edição, I, pág. 360, refere que os crimes plurissubjectivos ou de participação necessária, são os que, por sua natureza, só podem ser cometidos por uma pluralidade de agentes, sendo, então, a pluralidade de agentes, elemento essencial da estrutura do crime.
XVI - Escreveu o autor, a págs. 363-364, que, “entre os crimes de participação necessária contam-se, no CP, o crime de associações criminosas (art. 287.º) e o crime de organizações terroristas (art. 288.º). Ambos os crimes constituem materialmente uma antecipação da tutela penal, para além da conspiração e da preparação de qualquer crime; e neste aspecto, pouco condizentes com a restrição da punibilidade, admitida em princípio, das várias fases do iter criminis.”
XVII - Formalmente, o crime de associações criminosas “é um crime autónomo, diferente e separado dos crimes que venham a ser deliberados, preparados ou executados. (…) O crime consuma-se com a fundação da associação com a finalidade de praticar crimes, ou – relativamente a associados não fundadores – com a adesão ulterior. Haverá sempre que distinguir claramente o crime de associações criminosas dos crimes que venham a ser cometidos por todos ou alguns dos associados; entre um e outros haverá concurso de crimes. Caracteriza a associação o fim que se propõe: a prática de crimes. Mas sendo de excluir os crimes que não possam por qualquer modo considerar-se ofensivos da «paz pública», ou de ramos de Direito Penal especial, bem como de contra-ordenações. Como associação, basta que tenha o mínimo de dois associados, mas pressupõe uma chefia e uma disciplina ou norma de funcionamento da organização.”
XVIII - Por conseguinte, o crime de associação criminosa consuma-se independentemente do começo de execução de qualquer dos delitos que se propôs levar a cabo, bastando-se com a mera organização votada e ajustada a esses fins, sendo certo que o facto de a associação ser já de si um crime conduz a que os participantes nela sejam responsabilizados pelos delitos que eventualmente venham a ser cometidos no âmbito da organização, segundo as regras da acumulação real.
XIX - Nelson Hungria, em Comentário ao CP Brasileiro, IX, págs. 177 e ss., escreve que “Associar-se quer dizer reunir-se, aliar-se ou congregar-se estável e permanentemente, para a consecução de um fim comum”
XX - O autor define a associação criminosa como reunião estável e permanente para o fim de perpetração de uma indeterminada série de crimes. A nota de estabilidade ou permanência da aliança é essencial. Não basta, como na co-participação criminosa, um ocasional e transitório concerto de vontades para determinado crime; é preciso que o acordo verse sobre uma duradoura actuação em comum, no sentido da prática de crimes não precisamente individualizados ou apenas ajustados quanto à espécie, que tanto pode ser única ou plúrima, “basta uma organização social rudimentar, a caracterizar-se apenas pela continuada vontade de um esforço comum.”
XXI - A associação criminosa distingue-se da comparticipação pela estabilidade e permanência que a acompanha, embora o fim num e noutro instituto possa ser o mesmo; mas o elemento distintivo fundamental da associação criminosa em relação à comparticipação reside na estrutura nova que se erige, uma estrutura autónoma superior ou diferente dos elementos que a integram e que não aparece na comparticipação. É mais que a actuação conjunta de várias pessoas.
XXII - No acto da subsunção juspenal que ao julgador cabe proceder com vista à confirmação ou à não comprovação da prática de um crime de associação criminosa, deverá o juiz partir da ideia de que nenhum crime consta, nem participado, nem acusado, nem provado e, uma vez neste limbo – ou seja, assim abstraído e mentalmente escorrido dos crimes eventualmente comprovados – interrogando-se então se os factos adquiridos pertinentes (e apenas os exclusivamente pertinentes) aos elementos objectivo-subjectivo-do-tipo-do-ilícito preenchem o tipo do ilícito associação criminosa e se são suficientes, de per si, para imporem a condenação do arguido.
XXIII - Para Leal-Henriques e Simas Santos, CP Anotado, 3.ª edição, Rei dos Livros, 2000, 2.º volume, pág. 1357, “chefiar ou dirigir tem o sentido de comandar, governar, administrar, guiar, mandar. Promover é fomentar, impulsionar, fazer avançar. Fundar significa constituir, formar.”
XXIV - Figueiredo Dias, no Comentário Conimbricense, § 33, págs. 1168/9, define “Chefe ou dirigente como aquele indivíduo que assume as “rédeas” do destino da associação: é o responsável – ou co-responsável –, em particular medida, pela formação da vontade colectiva, ou funciona como pivot essencial à sua execução (centralizando informações, planeando acções concretas, distribuindo tarefas, dando ordens). Diversamente do que acontece com o apoiante, tem de ser membro da organização e, na verdade, membro especialmente qualificado.
XXV - Especial qualificação a que se liga a especial perigosidade das condutas respectivas de chefia ou direcção, por serem estas que possibilitam um desenvolvimento articulado dos desígnios associativos.
XXVI - Paulo Pinto de Albuquerque, na obra citada, nota 13, pág. 752, entende o chefe ou dirigente da associação criminosa como o membro que dirige a estrutura de comando e controla o processo de formação da vontade colectiva da associação criminosa.
XXVII - O grupo, a organização ou associação é uma entidade necessariamente prévia à prática de crimes – os crimes da associação – o que constitui o seu objectivo, o seu desígnio, o seu fim abstracto, o seu escopo, colocando-se num estádio anterior, numa congregação de vontades, na criação de uma entidade pré-ordenada ao cometimento de crimes.
XXVIII - Do mesmo modo, quando se refere a necessidade de que associação tenha em vista a prática de crimes (Beleza dos Santos), ou que a sua actividade seja dirigida à prática de crimes, consistindo nisso o seu escopo (Figueiredo Dias)
XXIX - No caso dos autos, resulta da matéria de facto que a dinâmica criminosa estava presente muito antes de aparecer qualquer forma de associação entre os arguidos que até aí dela prescindiram; com efeito, a dinâmica criminosa já estava adquirida, em marcha, não foi fornecida pela associação. Assim, sendo de exigir que a densidade das relações entre os membros de uma associação criminosa seja muito forte, certamente mais forte do que aquela que se verifica entre os membros pertencentes a um qualquer grupo ou bando, não se vê como alcançar tal grau de intensidade face à curta, pequena e exígua descrita actividade dada como provada nos autos.
XXX - A figura criminosa de “bando” foi introduzida com o DL n.º 15/93, de 22-01, constituindo então uma absoluta novidade no nosso ordenamento jurídico - criminal.
XXXI - Trata-se de uma figura nova, problemática (escusadamente nova, no entender de Faria e Costa, in Comentário Conimbricense ao CP, em comentário ao art. 204.º, n.º 2, al. g), do CP, nos §§ 66 e 67, a págs. 81 e 82, ao afirmar que a importação da noção de bando talvez não tenha sido filtrada convenientemente pela crítica da adequação ao real social nacional), com dificuldades de delimitação em relação a figuras de participação plúrima pré-existentes, e que se distancia, e fica a “meio caminho” entre os crimes associativos dos arts. 287.º e 299.º do CP de 1982 e de 1995 e do art. 28.º do DL n.º 430/83 e do homólogo, sucessor, DL n.º 15/93, e as figuras da mera comparticipação (propriamente dita).
XXXII - Para Taipa de Carvalho, em anotação ao art. 223.º do Comentário Conimbricense do CP, Tomo II, pág. 353, bando significa uma cooperação duradoura entre várias pessoas, sendo um conceito menos exigente que o de associação criminosa, pois que, diferentemente desta, não pressupõe uma estrutura organizacional.
XXXIII - Para Paulo Pinto de Albuquerque, na obra citada, em anotação ao art. 204.º do CP, notas 40 e 41, a pág. 563, o bando apresenta como características cumulativas: a) Grupo de duas ou mais pessoas; b) Grupo de pessoas que se juntam para (“destinado”) praticar um número indeterminado de crimes contra o património (no que se distingue da co-autoria) sendo suficiente o plano para a execução de um número incerto de crimes num período certo de tempo; c) Grupo de pessoas que não tem um líder, uma estrutura de comando e um processo de formação da vontade colectiva (no que se distingue da associação criminosa).
XXXIV - O conceito de bando, que encontra raízes no direito penal alemão, figurando na lei da droga alemã de 1981, enquanto agravante ope legis e como circunstância qualificativa do furto, foi introduzido por Figueiredo Dias, no Projecto de Revisão do CP, 1993, como factor de qualificação dos crimes de «furtum rei» e de roubo.
XXXV - Para este autor, «o «bando» é uma forma de comparticipação», «uma forma especial de co-autoria», deixando claro que o conceito se diferencia da associação criminosa. «Uma associação criminosa pode, obviamente, cometer roubos, mas nem todo o conluio se transforma em associação criminosa».
XXXVI - O conceito de bando assenta, pois, numa designação de cariz criminológico, que pretende traduzir uma situação em que haja, simultaneamente, e em razão da existência de um líder, algo menos do que na associação e algo diferente da co-autoria; algo próximo, mais do que o «concurso de pessoas» (incluindo a co-autoria, espécie mais relevante ou mais forte de tal «concurso»), mas menos do que a «associação».
XXXVII - No CP1886 a figura de bando era desconhecida, prevendo-se então a nível de participação plural, como agravantes, a circunstância de ter sido o crime pactuado entre duas ou mais pessoas, ou de ter sido cometido por duas ou mais pessoas. Tal figura, no domínio do CP, surge mais tarde, a partir de 1-10-95, com a entrada em vigor da 3.ª alteração do CP, operada com o DL n.º 48/95, de 15-03, concretamente no domínio dos crimes de furto qualificado, aqui de forma expressa, e por remissão, nos casos do crime de roubo e de extorsão – art. 204.º, n.º 2, al. g), e arts. 210.º, n.º 2, al. b), e 222.º, n.º 3, al. a), do CP.
XXXVIII - A novidade da agravante típica no bando, adicionando um “elemento especializador”, sendo mais compreensiva, e por isso mesmo, menos extensiva, é mais exigente do que o sistema pré-vigente, deixando de relevar apenas uma qualquer situação de comparticipação, mas antes exigindo uma certa espécie de comparticipação qualificada, teve por necessário efeito, ao tempo, um claro efeito despenalizador, uma restrição da punibilidade, obstando à punição agravada do mero concurso de pessoas no crime – a este propósito, cf. Ac. do STJ de 25-05-94 e Eduardo Lobo, em Decisões de Tribunais de 1.ª Instância, 1993, Comentários, Gabinete de Planeamento e de Coordenação do Combate à Droga, Outubro de 1995, págs. 37 a 49.
XXXIX - Por conseguinte, o funcionamento da agravante faz do tipo, assim qualificado, um crime normativamente plurissubjectivo e complexo, supondo a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: a) que o agente seja membro de um bando; b) pré-ordenação desse bando à prática reiterada de crimes de tráfico de estupefacientes e/ou de percursores; c) actuação do agente nessa qualidade (enquanto membro desse bando); d) colaboração de, pelo menos, outro membro do mesmo bando.
XXXX - Sendo, ante a matéria de facto comprovada, de afastar a incriminação pelo crime de fundação e chefia de associação criminosa, e antes de operar a convolação para considerar a conduta integrada no tipo de crime qualificado de tráfico de estupefacientes, p. p. pelo art. 24.º, al. j), do DL 15/93, de 22-01, importa averiguar da extensão dos efeitos da requalificação jurídico criminal da conduta do arguido recorrente aos demais arguidos igualmente condenados por crime de associação criminosa, e não recorrentes.
XXXXI - De acordo com o art. 402.º, n.º 1, do CPP, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, o recurso interposto de uma sentença abrange toda a decisão.
XXXXII - Significa isto que um arguido que não recorre e não é assim parte na instância de recurso, poderá eventualmente tornar-se um beneficiário indirecto do recurso de co-arguido recorrente, tratando-se obviamente de uma mera expectativa de eventual proveito próprio decorrente de actividade alheia, ganho esse que reverterá a seu favor apenas se e quando for caso disso.
XXXXIII - Se determinada decisão passou em julgado quanto aos demais arguidos, a decisão poderá ser modificada supervenientemente nesse contexto, por se verificar caso julgado sob condição resolutiva, ou seja, a impugnação por parte de co-arguido não afecta o trânsito condicional da decisão relativamente ao não recorrente.
XXXXIV - Destarte, se não ocorre demonstrada a figura da associação criminosa, não pode a conduta dos demais arguidos não recorrentes ser subsumida como integrando uma colaboração ou participação com a mesma, ou seja, com uma entidade que se reconheceu inexistir. Todavia, daí não advirão, reflexamente, outras consequências, como redução de punição, e muito menos, agravamentos da mesma, posta a incontornável observância da proibição da reformatio in pejus.
Decisão Texto Integral:

No âmbito do processo comum com intervenção de Tribunal Colectivo n.º 18/07. 2GAAMT, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Amarante, integrante do Círculo Judicial de Penafiel, foram submetidos a julgamento os seguintes arguidos:
AA, nascido em 14-04-1974, natural da freguesia de Rebordelo, do concelho de Amarante, casado, madeireiro, residente na Rua da I..., ..., F..., Amarante;
BB, nascido em 14-04-1981, natural da freguesia de S. Gonçalo, Amarante, solteiro, mecânico de motorizadas, residente em N..., M..., Amarante;
CC, nascida em 25-03-1986, natural da freguesia de S. Gonçalo, Amarante, solteira, doméstica, residente na Travessa do T..., s/n, M..., Amarante;
DD, nascido em 01-12-1987, natural da freguesia de S. Gonçalo, Amarante, pedreiro, residente na Urbanização de S. L..., lote ..., e..., ... dtº, S. G..., Amarante;
EE, nascido em 09-08-1979, natural da freguesia de S. Gonçalo, Amarante, extractor de cortiça, residente em S..., A..., Amarante; e FF, nascido em 08-04-1988, natural da freguesia de O..., Amarante, carpinteiro de cofragem, residente na Rua dos S..., F..., Amarante.

Os arguidos haviam sido pronunciados, respectivamente:
O arguido AA pela prática de: um crime de fundação e chefia de associação criminosa, p. e p. pelo art. 299.º, n.º 1 e 3, do Código Penal; um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo arts. 21.º, n.º 1 e 24.º, alíneas b) e j), 28.º, n.ºs 1, 2, 3 e 4, 35.º e 36.º, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, por referência às tabelas I-A e I-B, anexas àquele diploma legal e um crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal, na forma continuada, p. e p. pelo arts. 22.º, do Código Penal e 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, por referência aos arts. 121.º e 123.º, ambos do Código da Estrada;

O arguido BB pela prática de: um crime de fundação e participação de associação criminosa, p. e p. pelo art. 299.º, n.º 1 e 2, do Código Penal e um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, alíneas b) e j), 28.º, n.º 1 e 2, 35.º e 36.º, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, por referência às citadas tabelas I-A e I-B.

A arguida CC pela prática de: um crime de fundação, direcção e participação em associação criminosa, p. e p. pelo art. 299.º, n.º 1, 2 e 3, do Código Penal; um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1 e 24.º, alíneas, b) e j), 28.º, n.º 1, 2, 3 e 4, 35º e 36º, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, por referência às referidas tabelas I-A e I-B, e um crime de condução de ciclomotor sem habilitação legal, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 30.º, n.º 2, do Código Penal e 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro, por referência aos artºs 121.º e 124.º, ambos do Código da Estrada.

O arguido EE pela prática de: um crime de fundação e participação em associação criminosa, p. e p. pelo art. 299.º, n.º1 e 2, do Código Penal; um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, alíneas b) e j), 28.º, n.ºs 1 e 2, 35.º e 36.º, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência às tabelas I-A e I-B, e um crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal, na forma continuada, p. e p. pelos artºs 30.º, n.º 2, do Código Penal e 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 2/98, de 3-01, por referência aos artºs 121.º e 123.º, do Código da Estrada.

O arguido DD pela prática de: um crime de fundação e participação em associação criminosa, p. e p. pelo artº 299.º, n.º 1 e 2, do Código Penal; um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo artº 21.º, n.º 1 e 24.º, alíneas b) e j), 28.º, n.º 1, 2, 35.º e 36.º, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, por referência às tabelas I-A e I-B, anexas àquele diploma legal e um crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal, na forma continuada, p. e p. pelos artºs 30.º, n.º 2, do Código Penal e 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, por referência aos artigos 121.º e 123.º, do Código da Estrada.

O arguido FF pela prática de: um crime de participação em associação criminosa, p. e p. pelo artº 299.º, n.º 2, do Código Penal; um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo artº 21.º, n.º 1 e 24.º, alíneas b) e j), 28.º, n.º 2, 35.º e 36.º, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, por referência às tabelas I-A e I-B, anexas àquele diploma legal e um crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal, na forma continuada, p. e p. pelos artºs 30.º, n.º 2, do Código Penal e 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 2/98, de 03-01, por referência aos artºs 121.º e 123.º, do Código da Estrada

E, ainda, os arguidos AA e DD, pela prática, em co-autoria material, de um crime de coacção grave, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 26.º, 30.º, n.º 3, 154.º, n.º 1 e 155.º, todos do Código Penal.

Realizado o julgamento, por deliberação do Colectivo do 2.º Juízo de Amarante, de 2 de Dezembro de 2008, constante de fls. 2078 a 2291, do 9.º volume, foi decidido:
1) Absolver os arguidos

a) BB, da prática dos crimes de fundação e participação de associação criminosa e do crime de tráfico de estupefacientes agravado;
b) CC, da prática do crime de fundação e direcção em associação criminosa;
c) EE e DD da prática do crime de fundação de associação criminosa;
d) FF, da prática do crime de participação em associação criminosa;
e) AA e DD, da prática do crime de coacção grave, na forma continuada.

2 - Condenar os arguidos, pela prática, em concurso real, de:
2. 1 - AA:
a) Um crime de fundação e chefia de associação criminosa, p. e p. pelo artigo 28.º, n.º s 1 e 3 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01 e artigo 299.º, n.º s 1 e 3, do Código Penal, na pena de 14 (catorze) anos de prisão;
b) Um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto - Lei n.º 15/93, de 22-01, na pena de 6 (seis) anos de prisão;
c) Um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º s 1 e 2, do Decreto - Lei n.º 2/98, de 03-01, na pena de 7 ( sete ) meses de prisão;
Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 16 (dezasseis) anos e 6 (seis) meses de prisão.

2. 2 - CC:

a) Um crime de participação em associação criminosa, p. e p. pelos artigos 28.º, n.º 2, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22-01 e artigo 299.º, n.º 2, do Código Penal, na pena de 6 anos de prisão;
b) Um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22-01, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão;
c) Um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 1, do Decreto - Lei n.º 2/98, de 03 de Janeiro, na pena de 60 dias de multa;
d) Em cúmulo jurídico das penas parcelares referidas nas alíneas a) e b), na pena única de 7 anos e 6 meses, e na pena global de 7 anos e 6 seis meses de prisão e em 60 dias de multa à razão diária de 5 Euros.

2. 3 - EE:

a) um crime de participação em associação criminosa, p. e p. pelos artigos 28.º, n.º 2, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22-01 e artigo 299.º, n.º 2, do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão;
b) um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22-01, na pena de 4 (quatro) anos de prisão.
c) Em cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena única de 6 anos de prisão;
d) Um crime de condução sem habilitação legal, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 30.º, n.º 2, do Código Penal, e 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03/01, por referência aos artigos 122.º e 123.º, do Código da Estrada, na pena 100 dias de multa, à razão diária de 5 Euros;

2. 4 - DD:
a) Um crime de participação em associação criminosa, p. e p. pelos artigos 28.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01 e artigo 299.º, n.º 2, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;
b) Um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01, na pena de 3 (três) anos de prisão.
c) Em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de quatro anos de prisão, com execução suspensa por igual período de tempo, acompanhada de regime de prova, assente num plano individual de readaptação social e a executar com a vigilância e apoio da Direcção – Geral de Reinserção Social.
d) Um crime de condução sem habilitação legal, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 30.º, n.º 2, do Código Penal, artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03-01, por referência aos artigos 122.º e 123.º do Código da Estrada, na pena de 100 dias de multa, à razão diária de 5 Euros.

2. 5 - FF:
a) Um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01, na pena de 2 anos de prisão, com execução suspensa por igual período de tempo, acompanhada de regime de prova, assente num plano individual de readaptação social e a executar com a vigilância e apoio da DGRS;
b) Um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 1, do Decreto - Lei n.º 2/98, de 03-01, na pena de 80 dias de multa;
c) Um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo Decreto-Lei, na pena de 40 dias de multa.
d) Em cúmulo jurídico das penas de multa referidas nas alíneas b) e c), na pena única de 100 dias de multa, à razão diária de 5 Euros.

Inconformados com o decidido, recorreram para o Tribunal da Relação do Porto os arguidos CC, EE e AA.

Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 24 de Julho de 2009, constante de fls. 2903 a 3097, foram rejeitados, por extemporaneidade, os recursos dos arguidos CC e EE, e quanto ao recurso do arguido AA, na sua integral improcedência, foi confirmado o acórdão recorrido.

Inconformado de novo, o arguido AA interpôs recurso para este Supremo Tribunal, apresentando a motivação de fls. 3103 a 3113, que remata com as seguintes conclusões (em transcrição):
Nota - As conclusões no original foram alinhadas sem qualquer elemento diferenciador entre si, tendo-se optado por fazer anteceder os parágrafos de números, pois que face ao número de questões colocadas, embora todas convergindo para o mesmo resultado, seria difícil, confuso e complicado reportarmo-nos a cada das questões, sem um qualquer concreto ponto de referência.

1 - Entende o recorrente que não foi reunida prova suficiente para concluir da forma expressa nas alíneas A, B e C dos factos provados e que pudesse a Relação confirmar.
2 - Foi dado como não provado que o plano gizado entre o arguido AA e outro indivíduo cuja identidade não foi possível apurar, para constituir a associação criminosa, fosse anterior a 29/11/07 - ponto 1
Que a actividade ligada a venda lucrativa de heroína e cocaína por parte dos arguidos em data anterior a 29/11/07 fosse exercida de forma intensa, ininterrupta e exclusiva - ponto 6
3 - Da análise da matéria resulta claro que em data anterior a 29/11/07, o tribunal considera que os arguidos já se dedicariam venda de estupefacientes.
4 - Isto é, o tribunal deu como provado existir a pratica do crime de trafico de estupefacientes já em data anterior a 29/11/07 e em que os arguidos agiram de forma concertada.
5 - Como refere Figueiredo Dias, à luz do principio in dúbio pró reo, não podia o tribunal considerar a existência de associação criminosa para venda de estupefacientes, desde 29/11/07 dado que já em data anterior considerou provado que os mesmos arguidos, se dedicavam a tal actividade, sem aferir e fundamentar se, a partir dessa data a existência da associação criminosa, houve uma intensificação daquela conduta criminosa, que fez perigar a paz publica.
6 - Nem tão pouco é referido e está provado que após essa data, e com tal associação, os arguidos intensificaram a pratica do tráfico de estupefacientes. As vendas ocorreram, mas em número de vezes que não foi possível apurar. Logo não se sabe se foram maiores ou menores após 29/11/07. Assim, não existem factos tendentes à existência de uma associação criminosa.
7 - Verifica-se a insuficiência de matéria de facto para a condenação por tal crime e um erro na apreciação da prova existente - art. 410, n.° 2 al. a) e c)
8 - Foi violado o disposto no art. 299° CP e 28° da Lei 15/93, dado que a matéria apurada permitirá a qualificação do crime enquanto comparticipação criminosa e não de associação criminosa.
9 - Acresce que foi dado como provado ter sido a actividade exercida de forma intensa e ininterrupta a partir do dia 29/11/07, sendo dado como não provado que em data anterior tal actividade o fosse também. Ora, o tribunal considera a existência de actividade de tráfico anterior a 29/11/07 mas para alem de não imputar também a associação criminosa, não a consegue caracterizar.
10 - A não existência de prova não redunda num facto não provado, mas antes num non liquet, abrangido pelo Principio in dubio pro réu, plasmado no art. 32° CRP.
Face à matéria considerada assente e não provada o tribunal não tinha fundamento para retirar a conclusão da actividade ser intensa e ininterrupta depois de 29/11/07 em comparação com data anterior, pelo que foi violado o Principio in dúbio pró reo.
11 - Impunha-se assim considerar como não provada a matéria que serve de imputação aos arguidos do crime de associação criminosa, com a consequente absolvição desse crime, uma vez não preenchidos os elementos do tipo legal.
12 - A associação criminosa distingue-se da comparticipação pela estabilidade e permanência que a acompanha, sendo o elemento fundamental que os distingue a estrutura nova que surge na associação criminosa.
13 - O Acórdão ora proferido, veio sufragar o raciocínio plasmado pela 1ª instância, sobre a prova e existência de um plano com o objectivo de venda de estupefacientes.
14 - Da leitura das alienas A, B, C e W, bem como das demais, só demonstram que a referida "associação" terá surgido à posteriori pois, já antes de 29 de Novembro os arguidos se dedicariam à venda de estupefacientes.
15 - Conforme já decidido por este Tribunal no Acórdão proferido a 18.12.02 in www.dgsi.pt, a verificação do crime de associação criminosa depende da sua prévia criação ou constituição, por vários elementos que conjugam vontades e se predispõem à prática do crime.
16 - O Tribunal da Relação analisou a matéria contida nas alíneas A, B e C, e desconsiderou os argumentos aduzidos pelo recorrente, mantendo a decisão da 1ª instância. No entanto não se verifica uma completa analise ao problema colocado.
17 - O Tribunal da Relação não analisou a questão como se impunha, subsumindo os factos ao tipo de crime em questão, por recurso ao exercício mental sugerido por Figueiredo Dias, apesar de o invocar.
18 - Se antes de 29 de Novembro se verificou o crime de tráfico de estupefacientes, após essa data também.
Aplicando o critério de F. Dias ao presente caso, não pode existir condenação por associação criminosa, já que o arguido, bem como outros, estão condenados por factos ocorridos em data anterior, subsumíveis no crime de trafico de estupefacientes, em comparticipação, situação que se manteve posteriormente.
19 - Aquilo que faltou na decisão da 1ª instância, o Tribunal da Relação tentou completar. Como bem refere o Tribunal da Relação, a I.ª instancia não fundamentou devidamente a decisão quanto à existência de prova e qualificação dos factos como crime de associação criminosa, referindo que "De forma explicita tal não resulta da fundamentação de direito ".
20 - A decisão não é devidamente fundamentada - o art. 379°, n.° 1 CPP, determina a nulidade do Acórdão, o que se verifica no caso em análise;
21 - O Tribunal da Relação faz recurso de um exercício intelectual para verificar implicitamente fundamentação e subsunção ao tipo legal.
22 - Alem deste novo elemento avançado pelo Tribunal da Relação - de que era crível existirem fundamentos implícitos na decisão de 1ª instância para enquadrar os factos no tipo de crime - não se verifica nenhum ponto do acórdão onde se descortine o "antes e o após" o dia 29 de Novembro.
23 - Dito de outro modo, os factos são de tal forma, cronologicamente, descritos que não se distingue em que momento e de que forma, se iniciou a associação criminosa, deixando de existir comparticipação entre os arguidos.
24 - Não se pode falar no presente caso de associação criminosa, grupo ou organização, com o sentido, alcance e as exigências que estas expressões ganham no universo de sentidos da incriminação do art. 28° do DL 15/93, afastando-se assim, a subsunção dos factos provados no tipo objectivo de crime de associação criminosa e, de igual modo, também porque não se provou o dolo, isto é, a vontade de realização do tipo objectivo.
25 - Da leitura do Acórdão proferido pela Relação, resulta que alem de transcrever a decisão da 1ª instância, nada mais existe que venha resolver a questão nos termos em que foi colocada pelo recorrente quanto à matéria de facto dada como provada e não provada.
26 - Faltou a analise pormenorizada à matéria de facto e a forma como a 1ª instância o fez e enquadrou na Lei Penal, tudo se resolvendo, quanto aos vícios apontados, com a circunstancia de haver prova implícita e dúbia "é crível que sim " refere a Relação.
27 - O que foi escrito no Acórdão do Tribunal da Relação, consta já da decisão recorrida e à qual apenas se acrescentam probabilidades e conclusões de raciocínio na mesma linha da 1ª instância, tiradas desse mesmo texto e para referir que a decisão esta bem dada.
28 - Não está em causa neste momento saber se são bem ou mal fundadas as pretensões do recorrente, mas apenas e só o juízo abstracto e genérico de negação que elas mereceram - e não deviam ter merecido - no acórdão recorrido.
29 - Assim, o acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia nos termos previstos no art. 374°, n.° 1, c) e 425.°, n.° 4, do CPP
30 - O arguido vem condenado como membro fundador da associação criminosa.
A distinção entre o fundador ou um membro de uma associação deve ser realizada com recurso a factos probatórios.
A alusão ás alíneas AX, AW, BG, CD, AE, AF, BA, BM, BW bem como as demais analisadas por remissão ou indirectamente, não permitem imputar ao recorrente o crime de associação criminosa, como um seu fundador.
31 - Não obstante, a existir uma condenação por tal crime, carece o Acórdão de fundamento legal para tipificar a conduta do recorrente como “fundador”, tendo o Tribunal da Relação, seguindo a orientação dada pela I.ª instancia, alinhado nos mesmos vícios, de erro na apreciação da prova e falta de fundamentação da decisão, art. 410°, n° 2 al. a), e 374° CPP.
32 - Quanto ao crime tráfico de estupefacientes, afigura-se desproporcionada, por exagero, a pena aplicada.
33 - As condicionantes que serviram de base à aplicação da pena, quer em 1ª instância, quer pelo Tribunal da Relação, baseiam-se, em suma, nas condições factuais que o recorrente tem vindo a refutar quer quanto à prova produzida quer quanto à fundamentação existente.
34 - Desde logo, o atinente à suficiência probatória existente e alegada em recurso pelo recorrente, quanto ás alíneas AA, AC, AE, AH, AI, AJ, AK, AL, AO, AU, CC, CD, CE, CL1, CR, DQ, DU, EJ, EN.
35 - Não se encontrando apurado qual o proveito económico da actividade ilícita ou um elevado número de transacções, bem como a existência de complexa estrutura organizativa — pelas razões aduzidas supra, não se pode falar de associação criminosa — levam a que a pena aplicada pelo crime em causa se deva fixar no seu limite mínimo.
36 - A dosimetria penal excede pois a culpa do arguido pelo que foram violados os artigos 40 n.° 2, 70 e 71 do CP, devendo a pena ser ajustada numa redução tendo em conta estes factores.
No provimento do recurso, pede a anulação do acórdão proferido e ordenando-se o reenvio do processo para novo julgamento ou revogando-se o acórdão proferido substituindo-o por outro que absolvendo o arguido do crime de associação criminosa, aplique pena inferior pela crime de trafico de estupefacientes.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto Distrital apresentou resposta, de fls. 3127 a 3130, pronunciando-se no sentido de o recurso não merecer provimento.

O recurso foi admitido por despacho de fls. 3131.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal de Justiça emitiu douto parecer de fls. 3146 a 3145, defendendo ser de improceder o recurso quanto às pretendidas alterações de matéria de facto e improcedente quanto à configuração do crime de associação criminosa e quanto ao de tráfico não poder conhecer-se da medida da pena por constituir uma questão nova não abordada no anterior recurso, razão pela qual a Relação nada disse.

Cumprido o artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o recorrente silenciou.

Após exame preliminar foi colocada a questão de poder ocorrer eventual alteração de qualificação jurídica, sendo então ordenada a notificação do recorrente, nos termos do artigo 424.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
O recorrente veio apresentar a resposta de fls. 3162, em que repete o que dissera na motivação, insistindo na verificação dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, alíneas a) e c) do Código de Processo Penal, concluindo que a matéria apurada permitirá a qualificação do crime em comparticipação e não de associação criminosa.


Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o processo prossegue com julgamento em conferência, nos termos dos artigos 411.º, n.º 5 e 419.º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Penal.

Colhidos os vistos, realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.

Como é jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal - acórdão do Plenário da Secção Criminal, de 19-10-1995, no processo n.º 46580, Acórdão n.º 7/95, publicado no DR, I Série - A, n.º 298, de 28-12-1995 (e BMJ 450, 72), que fixou jurisprudência então obrigatória (É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito) e verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do CPP - é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior.


Questões a decidir

Face ao que se extrai das conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a apreciar e decidir:

I – Insuficiência de prova e errada valoração da prova e violação do princípio in dubio pro reo – conclusões 1.ª a 4.ª e 5.ª e 10.ª;
II - Vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova – conclusões 7.ª e 31.ª;
III - Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia - conclusões 16.ª a 20.ª e 25.ª a 29.ª ;
IV – Requalificação jurídico criminal; não integração do crime de associação criminosa, tratando-se de caso de comparticipação criminosa – conclusões 6.ª, 8.ª, 9.ª, 11.ª a 15.ª, 21.ª a 24.ª e 30.ª;
V - Medida da pena, quanto ao crime de tráfico de estupefacientes – conclusões 32.ª a 36.ª.


FACTOS PROVADOS

É a seguinte a factualidade dada por provada no acórdão do Colectivo de Amarante e mantida na íntegra no acórdão sob recurso, que desatendeu a arguição de existência de matéria de facto incorrectamente julgada e dada como provada, por verificação dos vícios de insuficiência de prova e de erro notório na apreciação da prova:

A - Em data não concretamente apurada, mas pelo menos, desde 29 de Novembro de 2007, o arguido AA e um indivíduo cuja identidade completa não foi de todo possível apurar, conceberam um plano, com vista à venda, a troco de dinheiro e com fins lucrativos, de heroína e cocaína, pelo menos, na área da comarca de Amarante.
B - Para a execução de tal plano criminoso o arguido AA e o indivíduo cuja identidade completa não foi de todo possível apurar organizaram uma estrutura humana e logística com vista à guarda dos produtos estupefacientes e embalagem destes, ao transporte de tais produtos e das pessoas que viessem a fazer parte da referida estrutura humana e logística, bem como a aquisição de meios de telecomunicações, a selecção dos locais de venda, a celeridade nos contactos e entregas de heroína e cocaína à clientela, a organização de contabilidade, a supervisão das referidas pessoas que viessem a fazer parte da estrutura humana e logística, nomeadamente, distribuidores/vendedores e, por fim, a fiscalização e centralização do grosso das receitas, tendo estas como destino final a entrega ao arguido AA e ao indivíduo cuja identidade completa não foi de todo possível apurar.
C - Pelo menos, desde 29 de Novembro de 2007 até 07 de Janeiro de 2008, o arguido AA, o indivíduo cuja identidade completa não foi de todo possível apurar e os arguidos CC e DD constituindo uma estrutura humana estável e hierarquizada, com distinção de tarefas, de responsabilidades e de ganhos, desenvolveram actividades ligadas à venda lucrativa de heroína e cocaína, desenvolvendo aquelas actividades de forma intensa e ininterrupta e exercendo-a o arguido DD também de forma exclusiva, excepcionando-se a circunstância do arguido DD não ter feito vendas de heroína e cocaína nos dias 17/12 e 25/12/2007.
D- Pelo menos desde 29 de Novembro de 2007 até 31 de Dezembro de 2007, o arguido EE integrou a estrutura referida em C) e no âmbito da mesma desenvolveu actividades ligadas à venda lucrativa de heroína e cocaína nos dias 29 e 30 de Novembro de 2007, 01, 02, 03, 04, 05, 07, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 29 e 31 de Dezembro de 2007, altura em que cessou a sua actividade criminosa no âmbito desta organização.
E- A estrutura referida em C) fez vendas diárias de heroína e cocaína, em quantidades que não foi de todo possível apurar mas cujo valor máximo diário não excedeu a quantidade global de 58 gramas, sendo 47 gramas de heroína e 11 gramas de cocaína.
F- No dia 26 de Setembro 2007, pelas 19h00m, um indivíduo cuja identidade não foi de todo possível apurar, conduziu um ciclomotor da marca Yamaha, modelo RZ, de cor vermelha e foi ao encontro do falecido GG, a quem entregou, nas imediações do supermercado Modelo, em Amarante, um pacote contendo heroína, com o peso líquido de 2,201 gramas, e um outro contendo cocaína (cloridrato ) com o peso líquido de 0,864 gramas.
G- No dia 2 de Outubro de 2007, pelas 12h56m, o arguido AA, sem que fosse titular de carta de condução ou de documento equivalente, conduzia, no sentido Lixa - Amarante e nas imediações do Stand “ Riva Car ”, um veículo automóvel, da marca Peugeot, modelo 106, de cor branca, com a matrícula ...-...-EE.
H- No dia 09 de Outubro de 2007, entre as 20.30 horas e 21.30 horas, os arguidos AA, CC e um terceiro indivíduo cuja identidade não foi de todo possível apurar, fazendo-se transportar em veículo da marca Audi, modelo A3, de cor branca, de matrícula ...-...-XJ, deslocaram-se à Rua de S. Mamede, em Bustelo, desta comarca, onde disseram andar à procura de um telemóvel.
I- Na manhã do dia seguinte, no local onde os arguidos AA, CC e um indivíduo cuja identidade não foi possível apurar disseram andar à procura do telemóvel, foi encontrada, por terceira pessoa, uma bolsa de cabedal, de cor preta, conservando no seu interior 34 saquetas, contendo cocaína, com o peso líquido de 7,842 gramas e 16 saquetas contendo heroína, com o peso líquido de 11,437 gramas.
J- No dia 11 de Outubro de 2007, pelas 14h10m, na Rua da I..., em F...-Amarante, o arguido FF, conduziu na via pública, sem que fosse titular de licença de condução, um ciclomotor de marca Yamaha, modelo RZ, de cores branca e vermelha.
K- No dia 7 de Novembro de 2007, pelas 19h36m, o arguido FF, sem que fosse titular de carta de condução, conduziu, na via pública, um motociclo da marca Yamaha, modelo XT600, de cor azul, e dirigiu-se a casa da arguida CC, sita no lugar de T..., M..., Amarante, de onde saiu, naquele mesmo dia, pelas 19h50m, conduzindo tal motociclo.
L- No mesmo dia 7 de Novembro de 2007, pelas 20h01m, à casa da arguida CC, já mencionada, chegou o arguido EE, o qual, sem que fosse titular de carta de condução, conduzia um motociclo da marca Yamaha, modelo RZ50, de cor Branca.
M- Ainda no dia 7 de Novembro de 2007, o arguido FF, sob as ordens da arguida CC, saiu da casa desta sita em T..., M..., Amarante e, sem que fosse titular de carta de condução, conduziu o FF o motociclo, da marca Yamaha, modelo XT600, de cor azul, na direcção do M... dos F..., sito em F..., Amarante.
N- No dia 8 de Novembro de 2007, pelas 11h10m, o arguido EE dirigiu-se ao M... de F..., F..., Amarante, conduzindo um motociclo, de marca Yamaha, modelo XT, de cor azul, e vendeu a um comprador, heroína e/ou cocaína, em quantidade e por preço que não foi de todo possível apurar.
O- No dia 9 de Novembro de 2007, pelas 12h32, o arguido EE, conduzindo o motociclo de cor azul, já identificado, dirigiu-se ao mesmo M... de F..., F... Amarante, ao encontro de compradores de heroína e/ou cocaína e vendeu ao condutor de um veículo de marca Fiat, modelo Uno, de matrícula VB-...-..., heroína e/ou cocaína, em quantidade e por preço que não foi de todo possível apurar.
P- Entre as 13.51horas e as 13.55horas, o arguido EE, mediante duas entregas, vendeu ao pendura do veículo de marca Ford, modelo Fiesta, de matrícula ...-...-DC, heroína e/ou cocaína, em quantidade e por preço que não foi de todo possível apurar.
Q- Às 14.07 horas, do mesmo dia, o arguido EE ausentou-se do local.
R- Às 14.19 horas, do mesmo dia, chegou ao mesmo local o arguido FF, com o propósito de vender heroína e/ou cocaína, substituindo o arguido EE.
S- Às 14.29 horas, regressou ao mesmo local, com o mesmo propósito de vender heroína e/ou cocaína o arguido EE.
T- Às 14.30 horas, o arguido FF, vendeu ao passageiro do veículo de marca Fiat, modelo Tipo, de cor branca, de matrícula ...-...-FA, heroína e/ou cocaína, em quantidade e por preço que não foi de todo possível apurar.
U- Entre as 14.49 horas e as 14.51 horas, o arguido EE vendeu ao condutor do veículo automóvel de marca Fiat, modelo Bravo, de cor azul, e de matrícula ...-...-HB heroína e/ou cocaína, em quantidade e por preço que não foi de todo possível apurar.
V- Às 15.07 horas, o arguido FF vendeu ao condutor do veículo automóvel de cor branca, de marca Fiat, modelo Uno e de matrícula ...-...-AQ heroína e/ou cocaína em quantidade e por preço que não foi de todo possível apurar.
W- As vendas efectuadas nos dias 08 e 09 de Novembro de 2007 e acima identificadas foram realizadas de forma concertada pelos arguidos EE, FF, AA, CC e DD em colaboração mútua, dividindo entre eles as tarefas destinadas à actividade de venda lucrativa de heroína e cocaína.
Y- No dia 10 de Novembro de 2007, pelas 15h30m, dois indivíduos, cuja identidade não foi de todo possível apurar, seguiam no motociclo de marca Yamaha, modelo DT 125-R, de cor azul, matrícula ...-...-NF, na recta de Pidre, desta comarca, onde foram ao encontro de outras pessoas, para lhes vender heroína e cocaína e, sendo avistados por elementos da GNR, do Posto de Vila Meã, puseram-se em fuga, a pé, lançando fora um saco de cabedal, de cor preta, guardando, no seu interior, (3) três saquetas em plástico, contendo cocaína, com o peso líquido de 0,338 gramas, e 18 (dezoito) saquetas em plástico, contendo heroína, com o peso líquido de 29,754 gramas.
X- No local referido em Y, compareceu o arguido AA, que disse ser representante do arguido EE, proprietário do motociclo de matrícula ...-...-NF.
Z- Quando os elementos da GNR de Vila Meã, seguiam na direcção da Estrada de Fregim, perseguindo indivíduos que se haviam posto em fuga, nas circunstâncias, referidas em Y, interceptaram dois deles.
AA- Ao agirem da forma descrita em Y, os dois indivíduos cuja identidade não foi de todo possível apurar agiram de forma concertada, em colaboração mútua e dividindo com os arguidos AA, CC, DD e EE as tarefas destinadas à actividade de venda de heroína e cocaína.
AB- O arguido DD, desde meados de Outubro de 2007 até 28/11/2007, inclusive, fez vendas diárias de heroína e/ou cocaína de forma ininterrupta e exclusiva, tendo vendido a grama da heroína a 30,00 Euros e a grama da cocaína a 50,00 Euros, no que obteve um apuro diário máximo de 300 Euros.
AC- No período de 29/11/2007 a 07/01/2008, os arguidos AA, CC, DD e, quanto ao arguido EE, de 29/11/2007 a 31/12/2007 e nos dias discriminados em D, venderam quantidades diversas de heroína e cocaína, que, em regra, nunca eram inferiores a 0,5 gramas, a consumidores e, esporadicamente, também, a revendedores dos referidos produtos, convergindo estes, diariamente, para locais, na área da cidade de Amarante, designados pelos arguidos, vindo tais consumidores e/ou revendedores de Amarante, Fafe, Celorico de Basto, Mondim de Basto, Baião, Marco de Canaveses, Lamego, Peso da Régua, Mesão Frio, Vila Pouca de Aguiar, Vila Real, Alijó e Bragança.
AD- No período referido na alínea anterior, as actividades dos arguidos AA, CC, DD e EE, desenvolviam-se a partir de um depósito central de produtos estupefacientes, situado nesta cidade de Amarante, à guarda do indivíduo cuja identidade completa não foi de todo possível apurar, chefe da organização.
AE- O arguido AA tinha acesso privilegiado ao tal chefe, indivíduo cuja identidade completa não foi de todo possível apurar, em virtude do acordo que ambos tinham feito com vista à distribuição lucrativa de heroína e cocaína.
AF- Por um número de vezes que não foi de todo possível apurar, foi o arguido AA quem se dirigiu àquele chefe ou ao local previamente combinado para recolher heroína e cocaína para a distribuição diária.
AG- No período referido em C) e por um número de vezes que não foi de todo possível apurar, foi o arguido DD quem se dirigiu ao local que previamente lhe era indicado, a fim de recolher a heroína e a cocaína para a distribuição diária, sendo que tal tarefa foi também assegurada, por um número de vezes que não foi de todo possível apurar, pelo arguido EE, no período referido em D).
AH- O arguido AA, que tinha contactos regulares e privilegiados, com o indivíduo cuja identidade completa não foi de todo possível apurar guardou por um número de vezes, que não foi de todo possível apurar, a heroína e a cocaína, tendo-o feito na gaveta de uma cómoda, na garagem da sua residência, no dia 15/12/2007.
AI- Excepcionalmente o arguido AA procedia à confecção de pacotes de heroína e/ou cocaína.
AJ- Por um número de vezes que não foi de todo possível apurar, o arguido AA recebeu do arguido DD o dinheiro das vendas e levou-o à arguida CC.
AK- Por um número de vezes que não foi de todo possível apurar, o arguido AA levou o dinheiro destinado ao outro chefe da organização e apurado pela arguida CC e resultante das vendas de heroína e cocaína e destinado àquele chefe, e entregou-lho.
AL- O arguido AA guardou por um número de vezes que não foi de todo possível apurar heroína e cocaína na garagem de sua casa.
AM- Durante um período de tempo não concretamente apurado, o arguido FF, que é sobrinho do arguido AA, viveu em casa deste, sita na Rua da I..., n.º ..., F..., Amarante.
AN- O arguido AA permitiu que o arguido DD dormisse em sua casa na noite do dia 20 para o dia 21 de Dezembro de 2007.
AO- Excepcionalmente, o arguido AA foi contactado, telefonicamente, pelos compradores de produtos estupefacientes, que, quando necessário, orientou, dando-lhes indicações precisas sobre o local da entrega da heroína e/ou cocaína por eles pretendida, entre os quais, se incluía, a paragem de transportes públicos junto à casa da arguida CC.
AQ- O arguido AA obteve ganhos diários em função das quantidades de heroína e cocaína vendidas pela organização referida em C), em percentagem que não foi de todo possível apurar;
AR- A arguida CC obteve ganhos pela venda de heroína e cocaína efectuada pela organização referida em C) cujo valor não foi de todo possível apurar;
AS- O arguido DD obteve, em regra, um ganho diário pela venda de heroína e cocaína efectuada pela organização referida em C), nos dias em que distribuiu heroína e cocaína para aquela organização, no valor de 50,00 Euros, do qual foi subtraído, em regra, o valor devido ao arguido EE e referido na alínea seguinte.
AT- O arguido EE obteve um ganho variável pela venda de heroína e cocaína efectuada pela organização referida em C), nos dias em que distribuiu heroína e cocaína para aquela organização, fixada, em regra, pelo arguido DD, a descontar no seu ganho diário referido no ponto anterior e em montante que não foi de todo possível apurar, tendo no dia 17/12/2007 recebido a totalidade da quantia diária que se destinava ao arguido DD naquele dia.
AU- Os ganhos identificados nas alíneas anteriores recebidos pelos arguidos AA, CC, DD e EE nos termos aí descritos eram retirados do produto das vendas de heroína e cocaína realizadas pela organização.
AV- A organização pagava ao arguido DD as despesas com combustível.
AV1- O arguido DD cerceou os pacotes de heroína e cocaína que lhe foram entregues, por um número de vezes que não foi de todo possível apurar.
AW- O arguido EE, nos dias referidos em D), e quando recebia instruções da arguida CC nesse sentido, dirigia-se aos locais definidos pelo chefe da organização cuja identidade completa não foi de todo possível apurar, a fim de recolher a heroína e cocaína destinadas às vendas, tendo sido encaminhado, por um número de vezes que não foi de todo possível apurar, para o “ stand ” do chefe da organização cuja identidade completa não foi de todo possível apurar, onde o produto estupefaciente, por um número de vezes que não foi de todo possível apurar, se encontrava escondido em veículos automóveis.
AX- No dia 01/01/2008 o chefe da organização cuja identidade completa não foi de todo possível apurar a tinha o produto estupefaciente escondido sob uns tapetes à entrada do stand.
AZ- Nos dias 19/12/2007 e 26/12/2007o arguido EE recebeu chamadas de clientes utilizando o telemóvel com o número 913697256, utilizado, em regra, pela arguida CC e encaminhou-os para as imediações da casa daquela onde forneceu aos clientes heroína e cocaína.
BA- Por um número de vezes que não foi de todo possível apurar a arguida CC, nos dias referidos em D) deu ordens ao arguido EE para este fornecer heroína e/ou cocaína aos compradores de tais produtos.
BB- O arguido DD mantinha a arguida CC informada das quantidades de heroína e cocaína vendidas e das por vender e das quantidades de que necessitava e sobre os locais onde escondera tais produtos, o que fazia com frequência, em regra, através do telemóvel com o cartão n.º ..., quer por SMS.
BC- Em 03/12/2007, a arguida CC informou o arguido DD da presença da GNR nas imediações da Igreja de F..., desta comarca, onde aquele costumava vender produtos estupefacientes e encaminhou-o para a serração, a fim de ali abastecer um cliente.
BD- No dia 16/12/2007, pelas 14h52m, o arguido AA apercebeu-se da presença da Brigada de Trânsito e da GNR de Amarante, junto à loja do Supermercado Modelo e avisou CC.
BE – No dia 17/12/2007, o arguido DD sentiu-se vigiado pelas autoridades e receou que pudesse vir a passar o Natal no E.P. de Vila Real.
BF - Em 20/12/2007, o arguido DD contactou, por telemóvel, a arguida CC contando a esta que fora perseguido por agentes da autoridade e se vira obrigado a lançar fora droga e dinheiro, e a arguida CC propôs-se contactar o arguido AA, dando, ainda, aquela conhecimento ao arguido EE do que lhe relatara o arguido DD.
BG - O arguido DD, na noite de 30/12/2007, recebeu do chefe da organização cuja identidade completa não foi de todo possível apurara, o produto estupefaciente destinado à venda, entregando àquele o “dinheiro vivo”, que havia apurado na venda de heroína e cocaína e deu conhecimento do facto à arguida CC.
BH - No dia 31 de Dezembro de 2007, pelas 15h27m, o arguido DD já tinha recebido 2.000,00 ( dois mil ) Euros, produto das vendas de heroína e cocaína, que efectuara nesse dia e até àquela hora, e deu conhecimento do facto à arguida CC.
BI- Em 02 de Janeiro de 2008, o arguido AA, através de telemóvel, avisou o arguido DD de que a arguida CC constatou, em sua casa, que faltava dinheiro arrecadado proveniente das vendas de heroína e cocaína.
BJ- A arguida CC efectuava vendas, por regra, a partir da sua residência, marcando encontros com os compradores de produtos estupefacientes, por vezes, junto a uma paragem de transportes públicos próxima de tal residência, para onde aquela se deslocou, no período de 29/11/07 a 07/01/08 , algumas vezes, de ciclomotor, entregando heroína e cocaína, a troco de dinheiro, atribuindo a um número de clientes, que não foi de todo possível apurar, bónus.
BK- A arguida CC recebia, por regra, ainda, as reclamações dos compradores, quando estes discordavam do peso dos produtos estupefacientes, contidos nas embalagens que lhes eram fornecidos pelos distribuidores, e também dava ordens, por telemóvel ou SMS, ao arguido DD, a que este obedecia, para se deslocar de um ponto de venda para outro, para dar por terminado o período das vendas no fim de cada jornada e, esporadicamente, para interromper as vendas e ir tomar as refeições.
BL – No dia 11/12/2007, pelas 10h19m a arguida CC deu ordens ao arguido DD, a que este obedeceu, para se levantar de manhã.
BM- O arguido EE, no período referido em D), e/ou o arguido DD, este último no período referido em C), iam ao encontro dos compradores, previamente orientados pela arguida CC, que, quando necessário, lhes indicava as marcas e cores dos veículos dos compradores e a quem estes vendiam heroína e/ou cocaína, em regra, no lugar da “bica”, uma fonte situada nas imediações da loja do “LIDL”; em Amarante, em F..., desta comarca, nas proximidades das instalações “ G... N... “, junto à “M...”, que os arguidos referiam como “GRUAS”, as quais se situam, perto da residência do arguido AA; num monte, sito nas cercanias do caminho de C..., no A... de P... e junto a uma paragem de autocarros, junto à casa da arguida CC.
BN- Em dia não apurado, o arguido EE dissimulou heroína e/ou cocaína destinados à venda, no mato, em local que não foi de todo possível apurar, de molde a não lhe serem encontradas quantidades apreciáveis de tais produtos, caso fosse interpelado pelas autoridades.
BO- Nos contactos que os arguidos AA, CC, DD e EE mantinham, por telemóvel, entre si e, bem assim, com o outro o chefe da organização cuja identidade completa não foi de todo possível apurar, ou nos estabelecidos com os clientes, eram utilizadas por estes e pelos arguidos, quando pretendiam referir-se a heroína as seguintes expressões: “ noite”, “tinto”, “castanha”, “castanho”, “escuro”, “negro”; utilizando, quanto à cocaína: “ dia”, “branco” , “branca”, “clara”, “clarão”; “coca”; e “tinta branca”; e quando pretendiam referir-se aos produtos estupefacientes, em geral, utilizavam os termos: “ tinta dos tectos”, “ vivo”, “ amarelo”, “ pó”, “ droga”, “bataria “ documentos”; “matrial”; e ”as coisas”, “ peças”, “ carros”; “revisão dos carros”.
BP - Já quando se reportavam às quantidades de heroína e cocaína, tendo por unidade de referência 0,5 gramas (meia), ou um grama (uma); utilizavam os arguidos ou os seus clientes, expressões como: “ meio”, “ meia”, uma”, “ uma de cada” “ duas de ..”, “uma e meia”, “duas meias” , “ três de”,” três e meio”, “quatro”, “quatro e meia”, “sacos de duas e meia”” cinco”, “saco de cinco”, “cinco caixas”, “cinco e meia”, “ seis”, “saco de dez”, “sete”, “oito”, “nove”, “dez” ; “dez fotocópias “”quinze”; e “dois litros e meio”;”quatro litros” e dez litros de branca”. No entanto, também referiam uns e outros, o peso exacto, como “ “uma grama”, “uma grama de branco/a”, “grama e meia” ou “duas gramas ”; “dez gramas de branca” e , mesmo, “ 15 gramas de branca”.
BQ - No período de 29/11/2007 a 07 de Janeiro de 2008, os arguidos AA, CC e DD, e, no período de 29/11/2007 a 31 de Dezembro de 2007, também o arguido EE, venderam, à generalidade dos clientes da organização em que se inseriam, a heroína a 30,00 Euros o grama e a cocaína a 50,00 Euros o grama.
BR- No dia 25/ 12/2007 o arguido EE vendeu de uma só vez a um único cliente, €300,00 de heroína;
BS – O arguido DD, no dia 01/01/2008, vendeu a um cliente dez gramas de cocaína por “ cem contos”, tendo-lhe o cliente ficado a dever 25€;
BT- E vendeu, no dia 04/01/2008, a um cliente oito gramas de cocaína por setenta e cinco contos.
BU- A arguida CC recebia pedidos de heroína e cocaína, através de inúmeras chamadas diárias, dirigidas, por regra, para o seu telemóvel n.º ... e a partir da sua residência, sita em M..., fornecia, quando lhe era solicitado pelos clientes, indicações precisas sobre os preços dos produtos, sendo que das vezes em que o fez indicou aos clientes o preço de um grama de heroína a 30,00 Euros; e o preço de um grama de cocaína a 50,00 Euros; ou meio grama de heroína a 15,00 Euros; e meio grama de cocaína, a 25,00 Euros, informando-os, ainda, quando necessário, sobre a situação da casa, onde morava.
BV – A arguida CC, tendo conhecimento das encomendas dirigidas pelos compradores e, esporadicamente, também por revendedores, através, em regra, do seu telemóvel nº ..., enviava uma parte daquela clientela, em regra, para as imediações das instalações da firma “ G... N... ”, situadas, nas cercanias da Fábrica da firma “ M... ”, em F..., desta comarca, fornecendo-lhe informações sobre a hora da entrega e dando, por contacto, através de telemóvel, ou por SMS, conhecimento, aos arguidos EE ou DD, das quantidades de heroína e/ou cocaína pedidas e do local onde deveriam ser fornecidas, arrecadando estes últimos os montantes em dinheiro, resultantes de tais vendas, que, em regra, entregavam à arguida CC.
BW - A arguida CC, assegurava-se, diariamente e por contactos frequentes que mantinha, por telemóvel e SMS, através, em regra, do número ... e, esporadicamente, do número ..., com os arguidos EE e o DD, de que estes haviam efectuado as vendas, quais as quantidades vendidas e o valor do dinheiro apurado, em tais transacções, providenciando pela entrega de heroína e cocaína àqueles arguidos, com pedidos que dirigia, em regra, ao chefe da organização cuja identidade completa não foi de todo possível apurar, e, esporadicamente, ao arguido AA, certificando-se, ao fim de cada dia, sobre a receita global das vendas e, bem ainda, sobre as quantidades de heroína e cocaína recebida para venda, ou que não haviam sido vendidas, sendo que mantinha registos diários de tais operações, recolhendo, também, em regra, o dinheiro das vendas e mantendo, ainda e sobre tais vendas, contactos com o chefe da organização cuja identidade completa não foi de todo possível apurar e com o arguido AA, o outro chefe da organização, recebendo, também, chamadas, para os mesmos fins, dos arguidos EE e DD.
BX - Na casa da arguida CC, em M..., funcionava a seu cargo a caixa central, do segmento da organização a seu cargo.
BZ – Na sequência da arguida CC imputar ao arguido FF o desaparecimento de uma quantia de 500,00 Euros dessa caixa, aquela e o arguido DD acordaram, em 11/12/2007, não apresentar queixa contra o arguido FF, atenta a origem criminosa de tal montante, resultante da venda de heroína e cocaína.
CA – Nesse mesmo dia o arguido AA informou a arguida CC que andava à procura do arguido FF, para o matar.
CB – O arguido FF dirigiu-se ao posto da GNR de Amarante, em 20 de Dezembro de 2007, pelas 15h41m, onde subscreveu a denúncia de fls. 250.
CC- A arguida CC fez chegar ao arguido AA, esporadicamente, os pedidos dos arguidos DD e/ou do EE, quando estes esgotavam as remessas de heroína e/ou cocaína e foi o arguido AA quem, por um número de vezes que não foi de todo possível apurar, directamente, forneceu aqueles vendedores, ou lhes deu indicações precisas sobre os locais onde depositara as quantidades de produto estupefaciente reclamadas.
CD- O arguido AA dirigiu-se a casa da arguida CC, sita no lugar de T..., em M..., desta comarca, e recebeu da arguida CC, esporadicamente, montantes em dinheiro, resultantes das vendas de heroína e cocaína, obtidos por aquela, por ele próprio, e pelos arguidos DD e EE, este último, no período referido em D), e destinados ao chefe da organização cuja identidade completa não foi de todo possível apurar a fim de os encaminhar para aquele chefe.
CE - A arguida CC mantinha actualizados registos das quantidades de heroína e cocaína recebida do chefe cuja identidade completa não foi de todo possível apurar e das receitas das vendas, detectava falhas e descontava, à cabeça, antes de prestar contas, o ganho diário que lhe competia e que competia aos arguidos AA, DD e EE nos termos acima já explanados, pelas suas actividades em prol da organização.
CF- No dia 31/12/2007, a arguida CC manteve contacto com o chefe da organização cuja identidade não foi completamente apurada, a quem pediu reforço de heroína e cocaína e tal pedido foi satisfeito.
CG- No dia de 11 de Dezembro de 2007, o arguido DD receou que tanto ele como o arguido AA pudessem ser detidos, antes do Natal de 2007, e deu nota desse facto à arguida CC.
CH- No dia 17/12/2007, tendo sido avisado por cinco pessoas, cuja identidade não foi de todo possível apurar, que as autoridades iriam manter sob vigilância, nesse dia, os veículos da marca BM e Honda, que, em regra, utilizava na actividade de venda de heroína e cocaína, o arguido DD deu nota do facto à arguida CC e resolveu pedir instruções ao arguido AA.
CI- No dia 17/12/2007, o arguido AA, deslocou-se, em veículo automóvel, ao Algarve, acompanhando o outro chefe da organização cuja identidade completa não foi de todo possível apurar, e em 26/12/2007, deslocou-se a Braga, com o mesmo chefe, e deu conhecimento das viagens à arguida CC, cujo objectivo era a obtenção de heroína e cocaína, para porem à venda em Amarante
CJ - No dia 19/12/2007, o arguido DD relatou, em contacto, por telemóvel, com a arguida CC a presença, naquele dia e no dia anterior, de agentes do NIC da GNR de Amarante, num monte, onde vendia produtos estupefacientes.
CK- Em 20/12/2007 o arguido DD deu conhecimento à arguida CC de que havia sido detido pela GNR de Amarante.
CK1- Perante tal notícia a arguida CC deu conhecimento da mesma ao arguido EE, elemento da organização no período referido em D.
CL- Em 30/12/2007, o arguido AA comunicou ao arguido DD, através de telemóvel, dizendo-lhe que tinha consigo objecto, que designou por “aquilo” e por “balança”, aludindo o primeiro ao mesmo objecto por “rádio”.
CL1- Na mesma data, o arguido DD quis entregar ao arguido AA o dinheiro proveniente das vendas de heroína e cocaína, e dispôs-se a esconder a heroína e a cocaína dentro de um veículo da marca BMW.
CM - No dia 31 de Dezembro de 2007, pelas 11h30m, o arguido DD, conduzindo o veículo automóvel ligeiro, da marca Honda, modelo Civic, de matrícula ...-...-FH, dirigiu-se ao lugar da I..., F..., Amarante, onde foi ao encontro de dois compradores de heroína e/ou cocaína, que se encontravam em veículos automóveis, tendo servido produto estupefaciente em quantidade e por preço que não foi de todo possível apurar.
CN- No dia 31/12/2007, pelas 15h27m, o arguido DD informou a arguida CC das existências de heroína e cocaína e que tinha já apurado 2.000,00 Euros na venda de produtos estupefacientes.
CN1- Por sua vez, a arguida CC informou o arguido DD sobre os lucros de 80,00 Euros, obtidos no dia anterior, fora os 100,00 Euros que o arguido AA já havia levado consigo.
CO - Ainda em 31/12/2007, pelas 18h53m, o arguido AA, em contacto telefónico com o arguido DD, ordenou ao último que levasse o dinheiro apurado nas vendas de heroína e cocaína para a casa da arguida CC, autorizando que a organização pagasse ao arguido EE a quantia de 25 Euros sem que tal quantia fosse descontada na quantia diária a pagar pela organização ao arguido DD pela actividade de venda lucrativa de heroína e cocaína que este exercesse nesse dia.
CP- No dia 31/12/2007, pelas 21h51m, o arguido AA informou a arguida CC que tinha tirado do dinheiro resultante das vendas de heroína e cocaína, à guarda da arguida CC, a quantia de 100,00 Euros.
CQ - No dia 01 de Janeiro de 2008, pelas 15h00m, foram encomendadas ao arguido EE, por telemóvel, 15 (quinze) unidades de heroína, por uma cliente de Alijó.
CQ1- A arguida CC tomou conhecimento de tal encomenda e comunicou-a ao arguido DD por SMS.
CR – No dia 01 de Janeiro de 2008, o arguido DD deu conhecimento à arguida CC de que lhe haviam encomendado dez gramas de cocaína numa única embalagem, e que as pedira ao arguido AA, estando este com o chefe da organização cuja identidade completa não foi de todo possível apurar.
CR1- A arguida CC contactou o chefe da organização cuja identidade completa não foi de todo possível apurar, que lhe disse já saber da encomenda dos dez gramas.
CR2- O arguido DD acabou por vender esses dez gramas, ficando o comprador a dever 25,00 Euros.
CS- No dia 3 de Janeiro de 2008, através de SMS, a arguida CC contactou o arguido DD e pediu-lhe que dissesse as quantidades de estupefaciente que aquele tinha consigo, respondendo o arguido DD que tinha 39 de castanha (heroína) e 21, 5 de branca (cocaína) e que necessitava de mais material, que a arguida CC disse ter já pedido.
CT – No dia 3 de Janeiro de 2008, a arguida CC recebeu, pelas 12h27m e 18h32m, chamada do arguido DD e propôs-se fazer as contas das vendas de produtos estupefacientes realizadas pelo arguido DD, tendo aquela notado a falta de duzentos e vinte contos.
CU- No dia 05 de Janeiro de 2008, pelas 12h48m, a arguida CC recebeu uma chamada no seu telemóvel nº ..., da mulher de um cliente, que comprava à primeira heroína e cocaína, tendo tal mulher ameaçado denunciar as actividades criminosas da arguida CC à Polícia Judiciária.
CV- No dia 5 de Janeiro de 2008, a arguida CC, entre as 16h12m e as 16h57, foi contactada, por várias vezes, através de chamadas e SMS, pelo arguido DD, que pedia novo fornecimento de produto estupefaciente, para venda, acabando o arguido DD por ser encaminhado para a sede da organização, fazendo aqueles o balanço das existências em dinheiro e heroína e cocaína, referindo o arguido DD ter consigo 1.050,00 Euros, em dinheiro e 30,5 de castanha (heroína) e 2,5 de branca (cocaína), acabando o arguido DD por receber nova remessa de produto estupefaciente.
CW- Em 4 de Janeiro de 2008, pelas 18h58m, o arguido DD, contactou, por telemóvel, o arguido AA e pediu-lhe para utilizar a casa dele, a fim de poder fazer um pacote de cocaína, para enganar um dos compradores no peso de tal produto de estupefaciente que o arguido DD iria vender àquele comprador.
CX- No fim da manhã do dia 07/01/2008, data em que os arguidos AA, CC e DD foram detidos, à ordem dos presentes autos, o arguido DD contactou a arguida CC, tomando esta conhecimento por aquele, das quantidades de produtos estupefacientes que haviam sobrado do dia anterior, 30 embalagens de castanha (heroína) e 30 embalagens de branca (cocaína), havendo a arguida CC escriturado tais existências, no bloco de fls. 424, com a referência “H Tem 30/30”.
CZ- No início da tarde do dia 07 de Janeiro de 2008, a arguida CC foi contactada, por terceira pessoa, através de telemóvel e sendo-lhe perguntado o preço dos produtos estupefacientes, a arguida CC indicou-lhe 15,00 Euros, para meia grama de heroína e 25,00 Euros, para meia grama de cocaína.
DA- Em 07 de Janeiro de 2008, pelas 17h00, o arguido AA foi abordado por agentes da autoridade, quando se encontrava no interior de uma oficina de motociclos, sita no lugar de N..., M..., Amarante, onde se encontrava com o seu veículo automóvel, de marca Renault, modelo Clio, de matrícula ...-...-UL, em cujo interior se encontrava a chave de ignição e o documento único de tal veículo.
DB- Na sequência de revista a que o arguido AA foi, então, submetido, aquele guardava consigo:
no interior do bolso da frente do blusão:
- 870,00 Euros, em notas do B.C.E.;
-um telemóvel da marca Nokia, de cor preta, com cartão da vodafone e com o IMEI ...;
-um telemóvel da marca Samsung, de cor cinzenta, com o IMEI .../..., com cartão da operadora Vodafone;
DC- De seguida, na residência do arguido AA, sita na Rua da I..., nº ..., em F..., Amarante e durante a execução de buscas, foi localizado e apreendido o seguinte:
no quarto do arguido AA:
no interior de uma pasta depositada sobre o guarda-fatos:
- um documento único do motociclo de marca Yamaha, modelo DT 125 R, de cor preta e de matrícula ...-...-NF;
- um documento único do motociclo de marca Honda, modelo CBF 600 RR, de matrícula ...-...-VX;
- uma carta com o número de contrato nº ..., relativo a guia de substituição de documentos do veículo ...-...-UL;
- um livrete do motociclo de marca Honda, modelo CBF 600 RR, de matrícula ...-...-VX; e
- dois ofícios da CREDIBOM;
na cozinha:
- um recorte de plástico de cor branca;
- um envelope com carimbo da GNR de Lousada, endereçado a “ BB” e um ofício com auto de contra-ordenação, referente ao veículo de matrícula ...-...-XJ;
na garagem:
- um motociclo da marca Honda, modelo CBR 600RR, de cores vermelha e com a matrícula ...-...-VX.
DD- No dia 7/01/2008, em busca efectuada, entre as 16h58m e as 19h55m, na residência da arguida CC, sita no Lugar de T..., M..., Amarante, aquela guardava consigo:
- um fio de metal amarelo, com uma medalha com as inscrições “ DEUS TE GUIE “, uma bola com pedras de várias cores e uma letra B;
na cozinha:
- um saco em plástico transparente, com vários recortes e fita-cola de cor castanha;
- um bloco de apontamentos, de cor amarela, com vários nomes, números de telemóvel e contas, estas muito semelhantes às que constam do papel junto aos autos a fls. 413, encontrado na casa de banho da arguida CC, sendo que a segunda página manuscrita de tal bloco contém os registos lavrados pela arguida CC, das vendas efectuadas em 7/01/2008, de heroína (“C”); e cocaína (“B”), data em que os arguidos AA, CC e DD foram detidos, constatando-se que o arguido DD, sob a orientação da arguida CC, vendeu, nesse dia, 11,00 gramas de heroína e 4,5 gramas de cocaína;
- um telemóvel de marca Nokia, com o IMEI ..., com cartão vodafone nº ..., com o PIN ...;
- um telemóvel da marca Nokia, modelo 1200, de cor preta, com o IMEI .../.../.../..., com cartão da Vodafone;
- um telemóvel de marca Nokia, de cores azul e cinzenta, com o IMEI ..., com cartão da TMN;
- um telemóvel de marca Nokia, modelo 1200, de cor preta, com o IMEI ..., com cartão da Vodafone;
- um telemóvel de marca Nokia, modelo 6288, de cor preta, com o IMEI ...;
no quarto da arguida CC:
- 235,00 Euros, em notas do BCE;
- dois suportes de cartões da Vodafone,
- um papel com apontamentos, encontrando-se estes últimos, dentro de uma carteira e ;
no interior da mesa de cabeceira,
- uma factura de venda a dinheiro, em duplicado, em nome de AA, que se encontrava dentro de uma bolsa de transporte de roupas de criança;
na casa de banho:
- um suporte de cartão da Vodafone; e
- três papéis, encontrados no caixote do lixo, com apontamentos, contendo: um, junto a fls. 413, referências manuscritas a produto estupefaciente, “ C “ (para heroína) e “ B “ (para cocaína), quantidades transaccionadas e nomes de compradores, reproduzindo, integralmente, tal documento o valor das vendas de 47,5 gramas de heroína e 12 gramas de cocaína, efectuadas pelo arguido DD, sob as ordens da arguida CC, a hora que não foi de todo possível apurar, mas necessariamente, após as 21h39m, do dia 05/01/2008 e as 22h e 15m do dia 06/01/2008, vendas a que correspondeu o apuro de 237 contos (1.182,15 Euros), quanto à heroína, e 102 contos (508,77 Euros) quanto à cocaína.
Outro, junto a fls. 414, com três colunas, encimadas com referências manuscritas a “Branca” (para cocaína) e duas a “Tinto” (para heroína), seguindo-se-lhes diversas referências quantitativas de 0,5, 1, 2,5, 3, 3,5, 4 e 5; e
um terceiro, contendo referências manuscritas a valores, onde se lê:
“ 562 (ilegível)
+85 – de 10 mandou sexta
______
647 - deve-se
425 que deu novo 43.5 / 24.5
_______
1. 072 – deve-se o tudo
442- leva tirei gasolina DD
______
630 - deve-se
596
10
_____
606
Fora o que mandou hoje”.
O saldo “ 630 “ escrito no documento de fls. 415 tem continuação, na primeira página do bloco de apontamentos de fls. 424, apreendido à arguida CC, reportando-se tais registos ao valor das remessas em produto estupefaciente feitas pelo indivíduo cuja identidade completa não foi de todo possível apurar, chefe da organização encarregue de fazer esse fornecimento, no período temporal que se localiza entre os dias 05/01/2008 e 06/01/2008 e aos montantes em contos, relativas às remessas de dinheiro feitas àquele indivíduo em dias que não foi de todo possível apurar, mas que tiveram lugar no período temporal que se situa entre os dias 04/01/2008 (sexta-feira) e 06/01/2008 (domingo).
DE- Na residência da arguida CC foi ainda, apreendido um ciclomotor, da marca GILERA, com a matrícula ...-AMT-...-... .
DG- No dia 07 de Janeiro de 2008, aquando da revista efectuada ao arguido DD, entre as 18h45m e as 19h30m, no pátio da habitação da arguida CC, sita no lugar de T..., M..., Amarante, o arguido DD, que acabara de chegar, conduzindo o veículo automóvel da marca Honda, modelo Civic de cor preta, com a matrícula ...-...-FH, guardava consigo:
- no bolso das calças, do lado esquerdo, frente, 646,49 Euros;
- no bolso das calças, do lado direito, frente, 101,01 Euros; e
- entre os calções e o corpo, um saco, em plástico transparente, contendo 46,82 gramas de peso bruto de heroína e 16, 265 gramas de peso bruto de cocaína.
DH- No mesmo dia 07 de Janeiro de 2008, o arguido DD guardava no veículo já referido, de matrícula ...-...-FH:
- na fuselagem, do lado do passageiro, frente, por baixo do tapete, um saco de cor verde, com 20,484 gramas de peso bruto de heroína e 10,456 gramas de peso bruto de cocaína;
- no banco da frente do passageiro, três telemóveis, sendo :
a- um da marca Nokia, de cor cinzenta, com o IMEI .../.../.../..., com o cartão da Vodafone nº ...;
b- um da marca Nokia, de cores cinzenta e preta, com o IMEI .../.../.../..., sem cartão; e
c- um da marca Alcatel, de cores cinzenta e branca, com o IMEI ..., sem cartão;
- no cinzeiro do veículo, um pequeno pacote, contendo cocaína, com 1,13 gramas de peso bruto.
- no porta-luvas do veículo:
- uma fotocópia do livrete e título de registo de propriedade do veículo ligeiro de passageiros de marca Honda, modelo Civic 1600 SI, de cor preta e com a matrícula ...-...-FH; e
- uma folha de apontamentos da venda de produto estupefacientes, com uma coluna, com a designação de “ branca “ e outra com a de “ tinto “, com referências quantitativas, quanto a “ branca ” de “ 05 “, “ 0,5 “ e “ 2,5”;
DI- No quarto que era ocupado pelo arguido DD, na residência de seus pais, com quem residia, sita na Urbanização de S... L..., lote 1, r/c dtº, S... G..., Amarante, este guardava naquela dependência, em 7 de Janeiro de 2008:
sobre a cómoda:
- uma bolsa de tabaco, contendo um pacote de heroína com 0,28 grs.; e
- uma carteira pessoal, em cabedal, de cor castanha, com o nome de DD, contendo aquela:
um fio em ouro, com uma pedra azul, que o arguido DD recebeu de um cliente em troca de heroína e/ou cocaína.
e 500,00 Euros, em notas do BCE;
DJ- O peso global líquido da heroína e da cocaína encontradas na posse do arguido DD ( dissimulado no seu corpo, no seu quarto e no veículo automóvel ) ascendia a 19,753 gramas para a cocaína e a 58, 213 gramas para a heroína.
DK- No parque da casa dos pais do arguido DD, onde este residia, encontrava-se o veículo ligeiro de passageiros, de marca BMW, modelo 318 IS, de cor cinzenta e com a matrícula ...-...-BQ.
DL- O telemóvel de marca “ Nokia “, com o IMEI .../.../.../..., apreendido ao arguido DD, destinava-se a ser por ele usado na actividade de venda lucrativa de heroína e cocaína.
DM- O telemóvel de marca “Nokia“, com o IMEI .../.../.../..., apreendido ao arguido DD, destinava-se a ser por ele usado na actividade de venda lucrativa de heroína e cocaína;
DO- O telemóvel de marca “Nokia“, com o IMEI ..., apreendido ao arguido AA, destinava-se a ser por ele usado na actividade de venda lucrativa de heroína e cocaína.
DP- O telemóvel de marca “Samsung“, com o IMEI .../..., apreendido ao arguido AA, era usado pelos arguidos AA, CC, DD e EE para contactarem entre si na actividade de venda lucrativa de heroína e cocaína, sendo que o arguido AA tinha registado, neste telemóvel, os números de telemóvel dos arguidos DD (...), CC (ZE) ... .
DQ- O telemóvel de marca “Nokia“, com o IMEI ... e com o número ..., apreendido à arguida CC, era usado pelos arguidos AA, CC, DD e EE para contactarem ente si na actividade de venda lucrativa de heroína e cocaína, quer, ainda, para a arguida CC, esporadicamente, contactar e ser contactada pelos clientes, que se deslocavam ao encontro daquela para comprarem heroína e/ou cocaína, sendo que a arguida CC tinha registados, neste telemóvel, o número de telemóvel próprio “ MEU N “ ... e o dos arguidos EE (...), AA (AMOR 2) (...), DD (...), FF (...) ... .
DR- O telemóvel de marca “Nokia“, com o IMEI .../.../.../..., apreendido à arguida CC destinava-se a ser por ela usado na actividade de venda lucrativa de heroína e cocaína;
DS- O telemóvel de marca “Nokia“, com o IMEI ..., apreendido à arguida CC destinava-se a ser por ela usado na actividade de venda lucrativa de heroína e cocaína.
DT- O telemóvel de marca “Nokia“, com o IMEI ..., apreendido à arguida CC destinava-se a ser por ela usado na actividade de venda lucrativa de heroína e cocaína e a arguida CC tinha registado neste telemóvel o número de telemóvel próprio “ MEU N “ ... .
DU- O telemóvel de marca “Nokia“ com o IMEI ... e com o número ..., apreendido à arguida CC, era usado pelos arguidos AA, CC, DD e EE para contactarem entre si na actividade de venda lucrativa de heroína e cocaína, quer ainda para o arguido DD, em regra, contactar e ser contactado pelos clientes, que se deslocavam ao encontro daquele para comprarem heroína e/ou cocaína, sendo que a arguido DD tinha registados, neste telemóvel, os números de telemóvel dos arguidos EE (...); CC (...); e CC 2 (...); Manele (FF) (...), AA I (...).
DY- A quantia de 646,49 Euros, apreendida ao arguido DD é proveniente da venda lucrativa de heroína e cocaína.
DX- A quantia de 101,01 Euros, apreendida ao arguido DD é proveniente da venda lucrativa de heroína e cocaína.
DZ- A quantia de 500,00 Euros, em notas do B.C.E., apreendida ao arguido DD é proveniente da venda lucrativa de heroína e cocaína.
EB- A quantia de 870,00 Euros em notas do BCE que foi apreendida ao arguido AA é proveniente da venda lucrativa de heroína e cocaína.
EC - O motociclo de marca “ Yamaha “, modelo “ DT 125 R “, de matrícula ...-...-NF, que se encontra apreendido a fls. 3 dos autos de inquérito n.º 295/07.9GCAMT, é propriedade do arguido AA e foi por ele adquirido destinando-o à actividade de venda lucrativa de heroína e cocaína.
EF- O motociclo de marca “ Honda “, modelo “ CBR 600 RR “, de matrícula ...-...-VX, apreendido ao arguido AA é sua propriedade e foi por ele adquirido destinando-o à actividade de venda lucrativa de heroína e cocaína
EG- O veículo automóvel ligeiro de mercadorias de marca “ Renault “, modelo “ Clio “, de matricula ...-...-UL, apreendido ao arguido AA é sua propriedade e foi por ele adquirido destinando-o à actividade de venda lucrativa de heroína e cocaína.
EH- O veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca “ Honda “, modelo “ Civic “, de matrícula ...-...-FH é propriedade do arguido DD e era por ele usado para, sozinho ou acompanhado pelo arguido EE, se deslocar na direcção dos locais onde vendiam produtos estupefacientes.
EI- O veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca “ BMW “, modelo 318IS “, matrícula ...-...-BQ, é propriedade do arguido DD e era por ele usado para, sozinho ou acompanhado pelo arguido EE, se deslocar na direcção dos locais onde vendia produtos estupefacientes.
EJ- Os arguidos AA, CC, DD e EE e, bem assim, o arguido FF, este último, em relação às concretas vendas de heroína e/ou cocaína identificadas em W, conheciam as características estupefacientes dos produtos por si vendidos e/ou em que participaram, mas não se abstiveram de agir do modo descrito, querendo vender as ditas substâncias, lucrativamente, a terceiros.
EK- No período de 29/11/2007 a 07/01/2008, os arguidos AA, CC e DD e, bem assim, o arguido EE, este quanto às vendas realizadas no período temporal identificado em D), venderam heroína e/ou cocaína a, pelo menos, oitenta compradores.
EL- Os arguidos AA, CC, DD, EE e FF, este último quanto às concretas vendas identificadas em W), agiram de modo voluntário, livre e consciente, sabendo que os produtos estupefacientes punham em risco a protecção sanitária e social dos consumidores de tais produtos, bem como conheciam aqueles arguidos a censurabilidade e punibilidade das suas respectivas condutas.
EM- Nas actividades ligadas à venda lucrativa de heroína e cocaína, os arguidos AA, CC e DD, no período de 29/11/2007 a 07/01/2008, e o arguido EE no período de 29/11/2007 a 31/12/2007, actuaram de comum acordo, associando-se, de forma estável e organizada, prosseguindo o plano concebido pelo arguido AA e pelo indivíduo cuja identidade completa não foi de todo possível apurar, tendo como objectivo a obtenção de vantagens patrimoniais, que, de facto obtiveram.
EN- A estratégia e finalidade do grupo formado pelos arguidos AA, CC, DD e EE impôs-se aos actos praticados no âmbito da venda lucrativa de heroína e cocaína, determinados por resoluções criminosas conjuntas, outras autónomas e com união de esforços, todas livres, voluntárias e conscientes.
EO – O arguido AA, ao conduzir na via pública, no dia 02/10/2007 o veículo automóvel nos termos supra relatados e sem causa justificativa, bem sabia que tal condução lhe estava vedada por não ser titular de carta de condução ou de documento equivalente, bem sabendo ser tal conduta proibida e punida por lei.
EP – Ao conduzir o ciclomotor nos termos supra relatados com o propósito de conduzi-lo na via pública e sem causa justificativa, a arguida CC bem sabia que tal condução lhe estava vedada por não ser titular de carta de condução ou de documento equivalente, bem sabendo que tal conduta era proibida e punida por lei.
EQ- O arguido EE, ao conduzir na via pública, nos dias 07/11/2007, 08/11/2007 e 09/11/2007, motociclos, nos termos supra relatados e sem causa justificativa, bem sabia que tal condução lhe estava vedada por não ser titular de carta de condução ou de documento equivalente, bem sabendo ser tal conduta proibida e punida por lei.
ER- O arguido DD, desde meados de Outubro até ao dia 07/01/2008, com excepção dias 17/12 e 25/12 de 2007, agiu com o propósito de conduzir na via pública, de forma reiterada e sem causa justificativa veículos automóveis, bem sabendo que tal actividade lhe estava vedada por não ser titular de carta de condução ou de documento equivalente, bem sabendo ser tal conduta proibida e punida por lei.
ES – O arguido FF, ao conduzir na via pública, no dia 11/10/2007, um ciclomotor e no dia 07/11/2007, um motociclo, nos termos supra relatados e sem causa justificativa, bem sabia que tal condução lhe estava vedada por não ser titular de carta de condução ou de documento equivalente, bem sabendo ser tal conduta proibida e punida por lei.
ET- O arguido AA é casado, encontrando-se separado de facto da mulher.
EU- Vive em união de facto há quatro anos, tendo, desta relação, uma filha com dois anos de idade, que vive com ele e com a companheira.
EV- A sua actual companheira explora um o familiar estabelecimento de café e paga 250,00 Euros de renda, retirando cerca de 600 Euros mensais, em média, de rendimento proveniente da sua exploração.
EW – Quando pode, trabalha como madeireiro, no que aufere cerca de 300,00 Euros mensais.
EX- Casou aos dezoito anos de idade e do casamento tem dois filhos com, respectivamente, quinze e seis anos de idade, sendo a primeira estudante e residindo com a avó materna e a segunda reside com a mãe, em França.
EZ – O arguido AA cresceu no seio de um agregado familiar numeroso, constituído pelos pais e um grupo de doze irmãos.
FA- Frequentou a escola até aos catorze anos de idade, tendo concluído o 2.º ano de escolaridade, manifestando dificuldades de aprendizagem, que a ausência da estimulação em contexto familiar não permitiram colmatar.
FB - Com a mesma idade de catorze anos, iniciou a actividade profissional na área da construção civil e, posteriormente, como lenhador.
FC- É uma pessoa com baixa literacia.
FD- Foi condenado nos autos de Processo Colectivo n.º 221/99, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Amarante, em 20/02/2001, pela prática de um crime de violação na pena de sete anos de prisão.
FE- Foi condenado nos autos de Processo Abreviado n.º 994/05.0 GBAMT, do 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Amarante, em 19/01/2006, pela prática, em 08/09/2005, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º do Dec. Lei 2/98, de 03/01, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de 5 Euros.
FF- Foi condenado nos autos de Processo Sumário n.º 295/06.6 GNPRT, do 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Felgueiras, em 20/07/2006, pela prática, em 07/07/2006, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º do Dec. Lei 2/98, de 03/01, na pena de 190 dias de multa, à taxa diária de 2 Euros;
FG- Foi condenado nos autos de Processo Comum (Tribunal Singular) n.º 1351/05.3 GBAMT, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Amarante, em 23/11/2006, pela prática, em 03/12/2005, de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143, n.º 1, do Cód. Penal, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 3,5 Euros.
FH- Foi condenado nos autos de Processo Sumário n.º 229/07.0 GTVRL, do 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Amarante, em 09/07/2007, pela prática, em 27/06/2007, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º do Dec. Lei 2/98, de 03/01, na pena de 4 meses de prisão, substituída por trabalho a favor da comunidade em 120 horas.
FI – O arguido CC é solteiro e vive, em união de facto, há cerca de um ano, com a companheira que trabalha num bar.
FJ- É mecânico de motas, profissão que exerce com o pai, auferindo 450,00 Euros mensais, com alimentação.
FK- Tem o 6.º ano de escolaridade.
FL- Vive em casa dos pais e não paga renda.
FM- É proprietário de um veículo automóvel, da marca Audi, modelo A3, do ano de 1996.
FN- Cresceu num meio familiar estruturado e usufrui, no meio em que se insere, de uma imagem social positiva.
FO- Não tem antecedentes criminais.
FP- A arguida CC é solteira.
FQ- Tem um filho, de 4 anos de idade que frequenta o infantário.
FR- O pai do filho contribui com a pensão alimentar de 100,00 Euros mensais para o sustento daquele.
FS- A arguida CC cresceu numa família monoparental, já que o seu pai faleceu, de acidente, durante a sua gestação.
FT- A sua mãe ficou numa situação de grande pobreza e com um grupo de sete filhos para educar.
FU- Na vida da arguida estiveram sempre presentes os constrangimentos económicos já que a mãe nunca exerceu actividade remunerada, enfrentando durante toda a vida muitas dificuldades para assegurar a satisfação das necessidades básicas dos filhos.
FV- Abandonou a escola quando se encontrava no 5.º ano de escolaridade mas conseguiu concluir o 6.º ano de escolaridade através do ensino recorrente.
FW- Há cerca de cinco anos, quando contava dezasseis anos, enfrentou a morte da mãe tendo-se precipitado no estabelecimento de uma união de facto, da qual nasceu o filho.
FX- A arguida vive juntamente com o filho, a irmã, que é desempregada, um sobrinho, que conta 5 anos de idade e frequenta o infantário e com o irmão, que conta 30 anos de idade e que é trolha, estando, presentemente, internado.
FZ- Vivem todos em casa própria, que foi herdada dos pais.
GA- Fazem as refeições em conjunto, contribuindo a arguida com 50,00 Euros mensais para as despesas domésticas.
GB- A arguida CC encontra-se desempregada.
GC- Recebe 147,00 Euros mensais de rendimento de reinserção social e 42,00 Euros mensais de abono de família do filho.
GD- Na comunidade de origem não é alvo de sentimentos de hostilidade, sendo a situação em que se encontra atribuída, em parte, ao desfavorecimento económico e social em que desenvolveu a sua personalidade e à perda precoce dos pais.
GE – A irmã e o irmão continuam a apoiá-la e, em casa, a arguida tem mantido o seu normal estilo de vida, continuando a realizar as tarefas domésticas e a ser uma figura presente na vida do filho, o que é avaliado como positivo pela própria.
GF- Não tem antecendentes criminais.
GG- O arguido DD é solteiro e vive em união de facto há cerca de três anos com a companheira, que se encontra desempregada, tendo anteriormente exercido as funções de empregada de café.
GH- O casal tem um filho de quatro meses de idade.
GI- O arguido é pedreiro de profissão, já trabalhou como serralheiro.
GJ- Não trabalha há cerca de quatro meses.
GK- Reside com a companheira e o filho em casa dos pais daquela.
GL- O arguido tem o 4.º ano de escolaridade.
GM- O arguido DD nasceu e cresceu no seio de uma família de baixo estatuto sócio – económico, mas cujos elementos ao longo do seu percurso de vida sempre estiveram presentes enquanto modelos de identificação e garantes de um ambiente familiar organizado e estruturado.
GN- Aos treze anos de idade e com o 4.º ano de escolaridade concluído, foi trabalhar para uma padaria com a sua mãe, tendo feito a opção pelo mundo do trabalho.
GO- A sua companheira beneficia de apoio da segurança social e da prestação familiar a crianças e jovens, rendimentos com os quais o agregado está a fazer face às despesas de manutenção dos três.
GP- Em Junho de 2007 sofreu um acidente de viação e interrompeu o exercício da sua actividade profissional, que não retomou.
GQ- No período anterior a 07 de Janeiro de 2008 os seus vínculos familiares sofreram um afrouxamento.
GR- Continua a contar com o apoio dos pais, de quem é vizinho, da companheira e da família desta.
GS- O arguido DD mostra-se comprometido numa relação positiva com a família.
GT- Confessou os factos mas apenas com relevância relativamente aos factos referentes ao período de meados de Outubro de 2007 a 28 de Novembro de 2007, inclusive.
GU- Foi condenado nos autos de Processo Sumário n.º 1259/04.0 GBAMT, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Amarante, em 30/11/2004, pela prática, em 30/11/2004, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º do Dec. Lei 2/98, de 03/01, na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de 6 Euros.
GV- Foi condenado nos autos de Processo Sumário n.º 622/07.9 GBAMT, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Amarante, em 09/07/2007, pela prática, em 30/06/2007, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º do Dec. Lei 2/98, de 03/01, na pena de 160 dias de multa, à taxa diária de 4 Euros.
GW- Foi condenado nos autos de Processo Sumário n.º 2481/07.2 TBAMT, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Amarante, em 10/01/2008, pela prática, em 20/12/2007, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º do Dec. Lei 2/98, de 03/01, na pena de 220 dias de multa, à taxa diária de 6 Euros.
GX- O arguido EE é solteiro.
GZ- Vive com o irmão e com a companheira deste, contribuindo com 100,00 Euros mensais para as despesas domésticas, beneficiando duma inserção familiar estável e gratificante.
HA- Trabalhava, em França, como jardineiro, de onde regressou em Março de 2007.
HB- Como contrapartida do seu trabalho aufere, presentemente, a quantia de 30,00 Euros diários.
HC- O arguido EE cresceu num agregado familiar constituído pelos pais e um grupo de oito irmãos, num ambiente familiar marcado pela precariedade económica, já que viviam exclusivamente da agricultura.
HD- Abandonou a escola aos quinze anos de idade, tendo iniciado o seu percurso profissional aos dezasseis anos, como ajudante de trolha.
HE- Com o falecimento dos pais, integrou-se na casa de um irmão, com o qual sempre manteve uma relação de grande proximidade.
HI- No meio social e familiar em que se insere é tido como pessoa solidária e cordial.
HJ- Foi condenado nos autos de Processo Comum (Tribunal Singular) n.º 396/04.5 GBAMT, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Amarante, em 11/10/2005, pela prática, em 11/04/2004, de um crime incêndio negligente em florestas, previsto e previsto e punido pelo artigo 2.º do Dec. Lei n.º 19/86, na pena de quatro meses de prisão, substituídos por 120 dias de multa, à taxa diária de 4 Euros.
HK- O arguido FF é solteiro.
HL- Nasceu num agregado familiar de baixa condição sócio-cultural e económica, tendo crescido sujeito a privações em termos da satisfação das suas necessidades, tanto materiais como afectivas.
HM- O pai é madeireiro de profissão e não tinha hábitos regulares de trabalho nem investia na família, constituída, à data, pela cônjuge e um grupo de seis filhos, dos quais o arguido é o mais velho, tendo sido condenado, há cerca de 5 anos, por crime de homicídio, não mantendo, desde então, qualquer relação com o agregado.
HN- Até Novembro de 2006 o arguido trabalhou como carpinteiro, actividade profissional que iniciou aos quinze anos de idade, no final de um percurso escolar em que nunca foi incentivado a investir, dados os baixos recursos da mãe e o desinteresse do pai.
HO- O arguido tem duas irmãs que sofrem de paralisia cerebral e dois irmãos que são, também, portadores de deficiência.
HP- Dadas as dificuldades sentidas pela mãe, o arguido apoiava-a na realização das tarefas agrícolas e comparticipava nas despesas da casa.
HQ- Em Novembro de 2006, o arguido abandonou o lar materno.
HR- Até ao momento em que integrou o agregado familiar da sua mãe mostrou-se ligado e comprometido em relações positivas, aceitando e obedecendo à lei.
HS- O arguido tem contado com algum suporte por parte de um tio que desde que lhe foi aplicada a medida de coacção, no âmbito destes autos, lhe trás as refeições a casa.
HT- Está a ser apoiado economicamente pela segurança social, com cerca de 150 Euros mensais para fazer face às suas despesas pessoais.
HU- O arguido FF tem como projecto de vida emigrar para a França ou Suiça, onde tem familiares, considerando que esta é a melhor forma de se afastar de determinadas influências às quais reconhece que é permeável.
HV- Foi condenado nos autos de Processo Comum (Tribunal Singular) n.º 484/05.0 GBAMT, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Amarante, em 18/05/2006, pela prática, em 02/06/2005, de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256, n.º1, al. a) do Cód. Penal, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 3 Euros.
HW- Foi condenado nos autos de Processo Comum Colectivo n.º 01/07.8 GAAMT, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Amarante, em 22/10/2007, pela prática, em 26/10/2006, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210, n.º1, do Cód. Penal, na pena de 2 anos de prisão, cuja execução lhe foi suspensa por igual período de tempo.


Factos não provados

Segue-se a indicação de alguns dos factos dados por não provados (no total, perfazendo 156), nomeadamente, dos que revestem manifesto interesse para o fulcro da questão de saber o que separou a actividade dos arguidos antes e depois de 29 de Novembro de 2007, sendo que alguns deles foram referenciados expressamente pelo recorrente nas conclusões 2.ª e 9.ª.

De entre outros, o tribunal teve por não provados outros factos, designadamente:
2.1 - que o plano gizado entre o arguido AA e o indivíduo cuja identidade completa não foi de todo possível apurar tenha sido celebrado em data anterior a 29 de Novembro de 2007 e que nele tivessem participado, também, os arguidos CC, BB, EE, DD e FF;

2.2 - que o plano gizado entre o arguido AA e o indivíduo cuja identidade completa não foi de todo possível apurar tivesse em vista a venda de grandes quantidades de produtos estupefacientes e que incluísse a venda de outros produtos estupefacientes para além da heroína e de cocaína e, bem assim, que tivesse em vista difundir a venda de heroína e cocaína a partir da área da comarca de Amarante, num raio de 150 quilómetros;

2.3 - que a estrutura humana e logística identificada em B) incluísse meios logísticos com vista ao alojamento de alguns dos associados e, bem assim, meios de vigilância;

2.4 - que o arguido CC tivesse integrado a estrutura referida em C) e que, no período de, pelo menos, 26 de Setembro de 2007 a 07/01/2008, tivesse desenvolvido actividades ligadas à venda lucrativa de produtos estupefacientes;

2.5 - que o arguido FF tivesse integrado a estrutura referida em C) e que a actividade ligada à venda lucrativa de heroína e cocaína que desenvolveu nos dias 08 e 09 de Novembro de 2007 tivesse sido por ele desenvolvida de forma intensa e exclusiva e, bem assim, que o mesmo, no período de 26 de Setembro de 2007 a 07 de Janeiro de 2008, tivesse desenvolvido outras actividades ligadas à venda lucrativa de produtos estupefacientes para além das apuradas;

2.6 - que a actividade ligada à venda lucrativa de heroína e cocaína desenvolvida pelos arguidos AA, CC e EE em data anterior a 29/11/2007 tivesse sido exercida de forma intensa, ininterrupta e exclusiva;

2.7 - que a actividade ligada à venda lucrativa de heroína e cocaína desenvolvida pelo arguido DD, em data anterior a 29/11/2007, tivesse sido intensa;

2.8 - que no período de 29/11/2007 a 31/12/2007 a actividade desenvolvida pelo arguido EE ligada à venda de heroína e cocaína tivesse por ele sido exercida de forma intensa e exclusiva;

2.9 - que a actividade de venda lucrativa de heroína e cocaína exercida pelos arguidos AA, CC e o individuo cuja identidade completa não foi de todo possível apurar tivesse sido desenvolvida, no período de 29/11/2007 a 31/12/2007, de forma exclusiva;

2.10 - que a estrutura referida em C) tivesse feito vendas diárias de cerca de 100 gramas de heroína e cocaína.


Apreciando.

Antes de abordarmos as questões colocadas há que dizer que a invocação de violação do princípio in dubio pro reo, as arguições do vício de insuficiência de prova, dos vícios previstos nas alíneas a) e c) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, bem como a arguida omissão de pronúncia, reconduzem-se a final a argumentos – dois deles agora apresentados ex novo - com o único fito de basear a descaracterização do crime de associação criminosa, invocando-se tais anomalias num exercício não legítimo, já que o recorrente não pode trazer a este Supremo Tribunal questões relacionadas com matéria de facto.

Questão I – Insuficiência de prova ou errada valoração da prova e violação do princípio in dubio pro reo – conclusões 1.ª a 4.ª e 5.ª e 10.ª;

Da insuficiência de prova

Nas conclusões 1.ª a 4.ª o recorrente reedita a alegação de insuficiência e errada valoração das provas, defendendo não ter sido reunida prova suficiente para concluir da forma expressa nas alíneas A, B e C dos factos provados e que pudesse a Relação confirmar, antes da análise da matéria resultando claro que em data anterior a 29/11/07, o tribunal considera que os arguidos já se dedicariam a venda de estupefacientes.
Esta alegação foi debatida e afastada no acórdão recorrido, de fls. 158 a 176 (fls. 3060 a 3078 dos autos), não sendo possível e viável a sua reedição.
Como inúmeras vezes tem sido frisado por este Supremo Tribunal, são totalmente irrelevantes as considerações que os recorrentes fazem no sentido de pretenderem discutir a prova feita no julgamento e de solicitarem que este Tribunal de recurso modifique tal prova e passe a aceitar como realidade aquilo que o interessado pretende corresponder ao sentido do que teria resultado do julgamento.
A divergência do recorrente quanto à avaliação e valoração das provas feitas pelo Colectivo e já debatida no acórdão em recurso é irrelevante, pois o Supremo Tribunal de Justiça não pode considerá-la, sob pena de estar invadir o campo da apreciação da matéria de facto que o colectivo faz de harmonia com o artigo 127.º do Código de Processo Penal – cfr. acórdãos do STJ, de 29-06-94, CJSTJ 1994, tomo 2, pág. 258; de 06-11-1997, processo n.º 666/97-3.ª, Sumários Assessoria, pág. 156.
Note-se que o recorrente, pretendendo sindicar a matéria de facto e impugnar a prova, não lançou mão na altura devida do meio processual próprio e adequado a fazê-lo da forma mais ampla possível.
Na verdade, o recorrente abdicou de fazer uso do meio de impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, previsto no artigo 412.º, n.º s 3 e 4, visando obter a modificação dessa decisão – artigo 431.º, alínea b), como aquele do Código de Processo Penal.
Pelo exposto, é de desatender a arguição do vício em causa.


Da violação do princípio in dubio pro reo

Relacionada com a anterior, coloca o recorrente esta questão nas conclusões 5.ª e 10.ª, fazendo-o apenas agora, não a tendo suscitado no anterior recurso, pelo que se está face a uma questão nova. (A novidade poderá ser, porém, entendida, se encarada como dirigida ao acórdão ora recorrido, vendo o princípio como extensível e aplicável em sede de interpretação de direito, concretamente na interpretação que a Relação fez a propósito da caracterização do crime de associação criminosa, como decorre da alusão feita a Figueiredo Dias, defensor justamente do alargamento do princípio a matéria de direito, e conclusão 5.ª).

O princípio in dubio pro reo funda-se constitucionalmente no princípio da presunção da inocência até ao trânsito em julgado da sentença condenatória – artigo 32º, nº 2, da CRP - , impondo este que qualquer non liquet na questão da prova seja valorado a favor do arguido, apresentando-se aquele, na fase de decisão, como corolário daquela presunção – acórdão do Tribunal Constitucional nº 533/98, DR, II Série, de 25-02-1999.
O princípio in dubio pro reo - fómula condensada por Stubel - que estabelece que, na decisão de factos incertos a dúvida favorece o arguido, é um princípio de prova que vigora em geral, isto é, quando a lei, através de uma presunção, não estabelece o contrário.
A violação do princípio in dubio pro reo tem sido entendida sob diversas perspectivas, como a de respeitar a matéria de prova e, pois, tratar-se de matéria de facto e como tal insindicável pelo STJ (por todos, acórdão de 18-12-1997, processo n.º 930/97, BMJ n.º 472, pág. 185), ou enquanto princípio estruturante do processo penal, podendo ser suscitada perante o Tribunal de revista, mas o Supremo vem afirmando que isso só é possível se a violação resultar do próprio texto da decisão recorrida, designadamente, da fundamentação da decisão de facto – acórdão de 29-11-2006, processo n.º 2796/06-3ª, in CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 235 (maxime, 239).
Contrariamente à posição de Figueiredo Dias, expressa in Direito Processual Penal, volume I, pág. 217, que defende que o princípio se assume como um princípio geral de processo penal, não forçosamente circunscrito a facetas factuais, podendo a sua violação conformar também uma autêntica questão de direito plenamente cabível dentro dos poderes de cognição do STJ, a jurisprudência maioritária tem repudiado a invocação do princípio em sede de interpretação ou de subsunção de um facto à lei, não valendo para dúvidas nessas matérias.
Para o acórdão de 06-04-1994, processo n.º 46092, BMJ n.º 436, pág. 248, o princípio não tem aplicação apenas quanto à matéria de facto, começando, logo, por poder ser aplicado na própria interpretação da matéria de direito, esclarecendo que “nada impede que, em via de recurso penal interposto para este Supremo Tribunal, os julgadores se socorram do princípio in dubio pro reo, quando, esgotados todos os meios de interpretação dos factos ou das disposições legais, surgirem dúvidas justificadas quanto ao sentido dos factos ou relativamente à norma aplicável”.
Segundo o acórdão de 17-04-1997, BMJ n.º 466, pág. 227, o princípio é insindicável quer na sua versão de incidência fáctica – regendo então a prova, o que não pode ser apreciado por este Tribunal – quer na sua incidência jurídico-normativa, porquanto nunca pode subsistir qualquer dúvida sobre a norma aplicável em face do sistema da interpretação e integração das leis.
E de acordo com o acórdão de 11-02-1999, CJSTJ 1999, tomo 1, pág. 210, o princípio in dubio pro reo é multifacetado e a sua força omnímoda e dinamismo podem e devem aplicar-se mesmo dentro dos processos lógicos que interessam à interpretação e integração da lei.
Este acórdão foi objecto de comentário na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 2003, ano 13, n.º 3, págs. 433 e ss., onde se diz que o STJ adoptou uma tese errónea em relação à aplicabilidade do princípio, defendendo-se que o alcance do in dubio pro reo restringe-se a dúvidas sobre a prova da matéria de facto e não tem aplicação na resolução de dúvidas quanto à interpretação de normas penais, cuja única solução correcta reside em escolher, não o entendimento mais favorável ao arguido, mas sim aquele que se revele juridicamente mais exacto.
Em sentido oposto, pronunciaram-se, i. a., os acórdãos de 06-12-2006, processo n.º 3520/06-3ª; de 20-12-2006, processo n.º 3105/06-3ª; de 23-04-2008, processo n.º 899/08, onde se refere que «O princípio vale apenas em relação à prova da questão de facto e já não a qualquer dúvida suscitada dentro da questão de direito; aqui, a única solução correcta residirá em escolher não o entendimento mais favorável ao arguido, mas sim aquele que juridicamente se reputar mais exacto» e no acórdão de 30-04-2008, processo n.º 3331/07-3ª, diz-se que «O princípio in dubio pro reo não tem quaisquer reflexos ao nível da interpretação das normas penais. Em caso de dúvida sobre o conteúdo e o alcance destas, o problema deve ser solucionado com recurso às regras de interpretação, entre as quais o princípio do in dubio pro reo não se inclui, uma vez que este tem implicações exclusivamente quanto à apreciação da matéria de facto – sejam os pressupostos do preenchimento do tipo de crime, sejam os factos demonstrativos da existência de uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa».

A eventual violação do princípio in dubio pro reo só pode ser aferida pelo STJ quando da decisão impugnada resulta, de forma evidente, que tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a qualquer facto, que tenha chegado a um estado de dúvida “patentemente insuperável” e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido, optando por um entendimento decisório desfavorável ao arguido, posto que saber se o tribunal recorrido deveria ter ficado em estado de dúvida, é uma questão de facto que exorbita os poderes de cognição do STJ enquanto tribunal de revista.
Não se verificando esta hipótese, resta a aplicação do mesmo princípio enquanto regra de apreciação da prova, no âmbito do dispositivo do artigo 127.º do CPP, que escapa ao poder de censura do STJ enquanto tribunal de revista – neste sentido ver acórdãos de 20-06-1990, BMJ n.º 398, pág. 431; de 04-07-1991, BMJ n.º 409, pág. 522; de 14-04-1994, processo n.º 46318, CJSTJ 1994, tomo 1, pág. 265; de 12-01-1995, CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 181; de 06-03-1996, CJSTJ 1996, tomo 2 (sic), pág. 165;de 02-05-1996, CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 177; de 25-02-1999, BMJ n.º 484, pág. 288; de 15-06-2000, processo n.º 92/00-3ª, CJSTJ 2000, tomo 2, pág. 226 e BMJ n.º 498, pág.148; de 02-05-2002, processo n.º 599/02-5ª; de 23-01-2003, processo n.º 4627/02-5ª; de 15-10-2003, processo n.º 1882/03-3ª; de 27-05-2004, processo n.º 766/04-5ª, CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 209 (a alegada violação do princípio só poderá ser sindicada se ela resultar claramente dos textos das decisões recorridas); de 21-10-2004, processo n.º 3247/04-5ª, CJSTJ 2004, tomo 3, pág. 198 (com recensão de jurisprudência sobre o tema e em concreto sobre a temática das conclusões que as instâncias retiram da matéria de facto e o recurso às presunções naturais); de 12-07-2005, processo n.º 2315/05-5ª; de 07-12-2005, processo n.º 2963/05-3ª; de16-05-2007, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 182; de 20-02-2008, processo n.º 4553/07-3ª; de 05-03-2008, processo n.º 210/08-3ª, CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 243; de 09-04-2008, processo n.º 429/08-3ª; de 23-04-2008, processo n.º 899/08-3ª; de 15-07-2008, processo n.º 1787/08-5ª.
Noutra perspectiva, o STJ poderá sindicar a aplicação do princípio, quando a dúvida resultar evidente do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do artigo 410º, n.º 2, do CPP, ou seja, quando seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção se chegar à conclusão de que o tribunal tendo ficado em estado de dúvida, decidiu contra o arguido – cfr. acórdãos de 30-10-2001, processo n.º 2630/01-3ª; de 06-12-2002, processo n.º 2707/02-5ª; de 08-07-2004, processo n.º 1121/04-5ª, SASTJ, n.º 83; de 24-11-2005, processo n.º 2831/05-5ª; de 07-12-2006, processo n.º 3137/06-5ª; de 18-01-2007, processo n.º 4465/06-5ª; de 21-06-2007, processo n.º 1581707-5ª; de 13-02-2008, processo n.º 4200/07-5ª; de 17-04-2008, processo n.º 823/08-3ª; de 07-05-2008, processo n.º 294/08-3ª; de 28-05-2008, processo n.º 1218/08-3ª; de 29-05-2008, processo n.º 827/08-5ª; de 15-10-2008, processo n.º 2864/08-3ª; de 16-10-2008, processo n.º 4725/07-5ª; de 22-10-2008, processo n.º 215/08-3ª;de 04-12-2008, processo n.º 2486/08-5ª; de 05-02-2009, processo n.º 2381/08-5ª (A apreciação pelo Supremo da eventual violação do princípio in dubio pro reo encontra-se dependente de critério idêntico ao que se aplica ao conhecimento dos vícios da matéria de facto: há-de ser pela mera análise da decisão que se deve concluir pela violação deste princípio).
Na perspectiva, mais concreta - e que data de finais da década de 90 do século passado - de análise do princípio in dubio pro reo, como figura próxima do vício decisório - erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410º, n.º 2, alínea c), do CPP - , e, pois, da sua sindicabilidade pelo Supremo Tribunal, podem ver-se os acórdãos de 08-10-1997, processo n.º 976/97-3.ª, Sumários Assessoria do STJ, n.º 14, pág. 132; de 15-04-1998, processo n.º 285/98-3.ª, in BMJ n.º 476, pág. 82; de 22-04-1998, processo n.º 120/98-3.ª, BMJ, n.º 476, pág. 272; de 04-11-1998, processo n.º 1415/97-3ª, in CJSTJ 1998, tomo 3, pág. 201 e BMJ n.º 481, pág. 265, com extensa informação acerca do princípio em causa e da livre apreciação da prova; de 27-01-1999, no processo nº 1369/98-3ª, in BMJ n.º 483º, pág. 140; de 24-03-1999, processo n.º 176/99-3ª, in CJSTJ 1999, tomo 1, pág. 247, todos do mesmo relator, Exmo. Conselheiro Leonardo Dias, em que a tónica do entendimento sufragado nos citados arestos é o seguinte: “o erro na apreciação da prova só existe quando, do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, resulta por demais evidente a conclusão contrária àquela a que chegou o tribunal. Nesta perspectiva, a violação do princípio in dubio pro reo pode e deve ser tratada como erro notório na apreciação da prova, o que significa que a sua existência também só pode ser afirmada quando, do texto da decisão recorrida, se extrair, por forma mais do que evidente, que o colectivo, na dúvida, optou por decidir contra o arguido”; e ainda os acórdãos de 20-10-1999, processo n.º 1475/98 -3ª, in BMJ n.º 490º, pág. 64 (em que aquele relator intervém como adjunto); de 04-10-2006, processo n.º 812/2006-3ª; de 11-04-2007, processo n.º 3193/06-3ª.
Como referimos no acórdão de 05-12-2007, proferido no processo n.º 3406/07, parece-nos que esta possibilidade de abordagem de eventual violação do princípio será balizada pelos parâmetros de cognoscibilidade presentes numa indagação dos vícios decisórios, por um lado, com o consequente alargamento de possibilidade de incursão de exame no domínio fáctico, mas simultaneamente, como ali ocorre, operando de uma forma mitigada, restrita, que se cinge ao texto da decisão recorrida, por si só considerado ou em conjugação com as regras da experiência comum.
O que significa que, tal como ocorre na análise e exame de verificação dos vícios, quando se perspectiva indagação de eventual violação do princípio in dubio pro reo (em ambos os casos diversamente do que ocorre com a avaliação de nulidades da sentença), há que não esquecer que se está sempre perante um poder de sindicância de matéria fáctica, que é limitado, restrito, parcial, mitigado, exercido de forma indirecta, dentro do condicionalismo estabelecido pelo artigo 410º do CPP, em suma, que o horizonte cognitivo do STJ se circunscreve ao texto da decisão, não incidindo sobre o julgamento, isto é, que o objecto da apreciação será sempre a decisão e não o julgamento.

No nosso caso, da análise do texto do acórdão de primeira instância não se retira que o Colectivo tenha dado como provados os factos que como tal especificou, tendo dúvidas sobre a verificação de algum ou alguns deles, nomeadamente, a actividade do recorrente no tráfico desenvolvido, o mesmo acontecendo com o acórdão recorrido, e, por outro lado, de ambos os textos, conjugados com as regras da experiência comum, não ressalta, de modo algum, que outra, como a defendida pelo recorrente, devia ter sido a decisão sobre a matéria de facto, não resulta que perante uma dúvida sobre a prova, tenham optado por uma solução desfavorável ao arguido, decorrendo antes que as instâncias não ficaram na dúvida em relação a qualquer facto.
Esta invocação, de resto, diga-se, não tem autonomia relativamente à discordância globalmente manifestada pelo arguido em relação à matéria de facto fixada, situando-se na mesma linha da invocação de insuficiência de prova e do erro notório na apreciação da prova.
A posição do recorrente não representa mais do que a sua valoração pessoal de determinados elementos de prova, valoração essa que não pode ser contraposta à conclusão a que chegaram os julgadores, ao darem como provados os factos, fundados em juízos de experiência (artigo 127.º do CPP).
Na verdade, a pretensa violação do princípio in dubio pro reo não constitui mais do que uma diversa perspectiva de colocar exactamente a mesma questão relativamente ao julgamento da matéria de facto, procurando o recorrente contrariar a convicção das instâncias.
Inexistindo dúvida razoável na formulação do juízo factual que conduziu à condenação do arguido, fica afastada a violação do princípio in dubio pro reo e da presunção da inocência, sendo de ter por assente definitivamente a matéria de facto apurada.
O acórdão recorrido não denota dúvida irredutível, da sua leitura se vendo não persistir qualquer dúvida razoável sobre os factos, por isso não tendo fundamento fazer apelo ao princípio, que supõe a existência de uma dúvida. Pelo contrário, decorre da sua leitura uma tomada de posição firme e não indicando ter-se decidido contra o recorrente.
Questão diversa será a de saber se tais factos configuram o crime em questão, o que se fará na sede própria.
Improcede, pois, esta arguição.


Questão II - Vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova

O recorrente invoca nas conclusões 7.ª e 31.ª, o primeiro vício, agora em primeira via, constituindo, pois, uma questão nova, reeditando, porém, a arguição do segundo.
Os vícios do artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal são vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei.
Vícios da decisão, não do julgamento, como se exprime Maria João Antunes, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Janeiro - Março de 1994, pág. 121 – cfr. acórdão do STJ, de 05-11-1997, processo n.º 549/97-3.ª, CJSTJ 1997, tomo 3, pág. 222.
Atenta a sua estrutura, referenciados que estão os vícios decisórios ao nível da fixação da facticidade relevante, pertinente e útil, para a conformação final e definitiva do thema probandum, definindo os contornos finais e definitivos do objecto proposto pela vinculação temática concreta do caso, com vista à solução do thema decidendum, não faz sentido assacar a existência de tais vícios ao acórdão recorrido, o que seria possível apenas e tão só num quadro em que a Relação fixasse factualidade em função de renovação da prova, o que não é de todo o caso, para nos referirmos apenas à actuação da Relação em sede de recurso. (Tal possibilidade de sindicância em matéria de facto poderá ter lugar, obviamente, quando a Relação funcionar como primeira instância).
A questão que se coloca, no que respeita ao caso do vício do erro notório na apreciação da prova, em que há uma reedição da arguição feita no recurso anterior, é a de saber se após uma primeira invocação dos vícios perante o Tribunal da Relação é possível o recorrente repetir a invocação desses vícios – necessariamente da decisão da 1.ª instância - perante o Supremo Tribunal de Justiça, ou se se opera a preclusão dessa possibilidade.
E, perante a arguição dos vícios decisórios em causa, é de colocar a questão de saber se o STJ pode deles conhecer em recurso interposto de decisão do Tribunal da Relação.
Como é sabido, a partir de 01-01-1999, na sequência da reforma do CPP, operada pela Lei n.º 59/98, de 25-08, deixou de ser possível interpor recurso para o STJ com fundamento na verificação dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, isto é, a incursão do STJ no plano fáctico da forma restrita consentida por esse preceito não é já possível face a questão colocada pelo interessado, ou seja, como fundamento do recurso, a pedido de recorrente, mas tão-só por iniciativa própria deste Supremo Tribunal, para evitar que a decisão de direito se apoie em matéria de facto ostensivamente insuficiente, fundada em erro de apreciação, ou assente em premissas contraditórias detectadas pelo STJ, ou seja, se concluir que por força da existência de qualquer dos vícios não pode chegar a uma correcta solução de direito e devendo sempre o conhecimento oficioso ser encarado como excepcional, surgindo como último remédio contra tais vícios, conforme é jurisprudência corrente.
Conforme consta do acórdão do STJ de 13-12-2007, processo n.º 1404/07 - 5.ª, «a não impugnação da matéria de facto pelo recorrente não impede o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, de conhecer oficiosamente dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. É o que resulta do disposto no art. 434.º do referido Código. E compreende-se que assim seja. Para proceder a uma adequada revisão da matéria de direito, é necessário que a matéria de facto se encontre perfeitamente estabilizada. Por isso, se o tribunal de revista, analisando a decisão, conclui pela existência de insuficiências na matéria de facto (…), outra solução não lhe resta senão a de determinar o reenvio do processo, para colmatar o vício».
No mesmo sentido, diversos arestos deste Supremo Tribunal, de que são exemplo: os acórdãos de 17-01-2001 (processo n.º 2821/00 - 3.ª); de 25-01-2001 (processo n.º 3306/00 - 5.ª) e de 22-03-2001 (processo n.º 363/01 - 5.ª), publicados em CJSTJ 2001, tomo 1, págs. 210, 222 e 257, respectivamente; acórdão de 04-10-2001 (processo n.º 1801/01 - 5.ª), em CJSTJ 2001, tomo3, págs. 182 (aqui se esclarecendo que o Tribunal de recurso tem o poder-dever de fundar a “boa decisão de direito” numa “boa decisão de facto”, ou seja, numa decisão que não padeça de insuficiências, contradições insanáveis da fundamentação ou erros notórios na apreciação da prova); acórdão de 30-01-2002, processo 3739/01-3ª; de 16-05-2002, CJSTJ 2002, tomo 2, 202; de 24-03-2003 (processo n.º 1108/03 - 5.ª), em CJSTJ, 2003, tomo 1, pág. 236; de 27-05-2004 (processo n.º 766/04 - 5.ª), em CJ STJ, 2004, tomo 2, pág. 209 (o STJ só pode/deve conhecer dos vícios se concluir que, por força da existência de qualquer deles, não pode chegar a uma correcta solução de direito); de 20-12-2006 (processo n.º 3505/06 - 3.ª), em CJ STJ2006, tomo 3, pág. 248; de 24-05-2007 (processo n.º 1409/07 - 5.ª), em CJSTJ, 2007, ano XV, tomo 2, pág. 200; bem como os acórdãos de 30-03-2005, no processo n.º 136/05; de 03-05-2006, nos processos n.ºs 557/06 e 1047/06; de 18-05-2006, nos processos n.ºs 800/06 e 1293/06; de 04-01-2007, no processo n.º 2675/06, todos da 3.ª secção; de 08-02-2007, no processo n.º 159/07 - 5.ª; de 15-02-2007, nos processos n.ºs 15/07 e 513/07 (defendendo-se neste o conhecimento oficioso dos vícios como preâmbulo do conhecimento do direito), ambos da 5.ª Secção; de 21-02-2007, no processo n.º 260/07 - 3.ª; de 02-05-2007, nos processos n.ºs 1017/07, 1029/07 e 1238/07; de 12-09-2007, processo n.º 2583/07; de 10-10-2007 no processo n.º 3315/07; de 24-10-2007, processo n.º 3238/07; de 13-02-2008, processo n.º 4729/07; de 12-03-2008, processo n.º 112/08; de 26-03-2008, processo n.º 4833/07; de 21-05-2008, processo n.º 678/08; e de 02-07-2008, processo n.º 3861/07, todos da 3.ª secção.
Explicam Simas Santos e Leal Henriques, Código de Processo Penal Anotado, 2.ª edição, II volume, pág. 967, citado no referido acórdão de 25 de Janeiro de 2001, que: “O considerar-se que não podem invocar-se os vícios do nº 2 do art. 410º como fundamento do recurso directo para o STJ de decisão final do tribunal colectivo, não significa que este Supremo Tribunal não os possa conhecer oficiosamente, como ocorre no processo civil, e é jurisprudência fixada pelo STJ (…)”.
Na fundamentação do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 10/2005, de 20-10-2005, in DR Série I-A, de 07-12-2005, refere-se que a indagação dos vícios faz-se “no uso de um poder-dever, vinculadamente, de fundar uma decisão de direito numa escorreita matéria de facto”.
Por outro lado, continua em vigor o Acórdão do Plenário das secções criminais do STJ n.º 7/95, de 19-10-1995, in DR, Série I-A, nº 298, de 28-12-1995, que, no âmbito do sistema de revista alargada, decidiu ser oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.
Em suma, o STJ conhece oficiosamente desses vícios quando, num recurso restrito exclusivamente à matéria de direito, constate que, por força da inquinação da decisão recorrida por algum deles, não possa conhecer de direito sob o prisma das várias soluções jurídicas que se apresentem como plausíveis.
A partir da reforma de 1998 operada pela Lei n.º 59/98, entrada em vigor em 1 de Janeiro de 1999, pretendendo o recorrente impugnar um acórdão final de tribunal colectivo, pode optar por uma de duas coisas: visando exclusivamente o reexame de matéria de direito – artigo 432.º, alínea d), do CPP – dirige o recurso directamente ao Supremo Tribunal de Justiça; se não visar exclusivamente este reexame, dirige-o então, de facto e de direito, à Relação (artigo 428º do CPP), caso em que da decisão desta, não sendo caso de irrecorribilidade nos termos do artigo 400.º do CPP, poderá depois recorrer para o STJ.
Neste caso, como ora ocorre, porém, o recurso – agora puramente de revista – terá de visar exclusivamente o reexame da decisão recorrida (a da Relação) em matéria de direito, com exclusão dos eventuais vícios, processuais ou de facto, do julgamento da 1.ª instância, admitindo-se que o Supremo se possa abster de conhecer do fundo da causa e ordenar o reenvio nos termos processualmente estabelecidos em certos casos.
A partir da reforma de 1998 passou assim a ser possível impugnar (para a Relação) a matéria de facto de duas formas: a já existente revista (então cognominada de ampliada ou alargada) com invocação dos vícios decisórios do artigo 410º, nº 2, com a possibilidade de sindicar as anomalias ou disfunções emergentes do texto da decisão e uma outra, mais ampla e abrangente, porque não confinada ao texto da decisão, com base nos elementos de documentação da prova produzida em julgamento, permitindo um efectivo grau de recurso em matéria de facto, mas impondo-se na sua adopção a observância de certas formalidades.
No primeiro caso estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas alíneas a), b) e c) do nº 2, do artigo 410º do CPP, cuja indagação, como resulta do preceito, apenas se poderá fazer através da leitura do texto da decisão recorrida, circunscrevendo-se a apreciação da matéria de facto ao que consta desse texto, por si só considerado ou em conjugação com as regras da experiência comum, sem possibilidade de apelo a outros elementos estranhos ao texto, mesmo que constem do processo.
A possibilidade de introdução do Tribunal ad quem no domínio da facticidade sempre será parcial, mitigada, restrita, limitada e indirecta; a indagação não pode ir além do suporte textual, sem recurso a elementos estranhos àquela peça escrita.
No segundo caso, a apreciação já não se restringe ao texto da decisão, mas à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre a partir de balizas fornecidas pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus imposto pelos nºs 3 e 4 do artigo 412º do CPP, tendo em vista o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento e visando a modificação da matéria de facto, nos termos do artigo 431º, alínea b), do CPP.
Está pois nas mãos do recorrente a definição do tribunal ad quem, bem como do tipo e âmbito de cognição por parte daquele.
É que, mesmo nos recursos interpostos directamente deixou de ser possível recorrer-se com fundamento na existência de qualquer dos vícios constantes das três alíneas do n.º 2 do artigo 410.º, o mesmo se passando com os recursos interpostos da Relação, sendo jurisprudência constante e pacífica deste Supremo Tribunal que no recurso para este Tribunal das decisões finais do tribunal colectivo já apreciadas pelo Tribunal da Relação, está vedada a arguição dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, do CPP, posto que se trata de matéria de facto, ou seja, de questão que se não contém nos poderes de cognição do STJ, o que significa que está fora do âmbito legal dos recursos a reedição dos vícios apontados à decisão de facto da 1.ª instância, em tudo o que foi objecto de conhecimento/decisão pela Relação – cfr. acórdãos de 11-12-2003, processo n.º 3399 - 3.ª, de 22-04-2204, de 01-07-2004, CJSTJ 2004, tomo 2, págs. 165 e 239, de 08-02-2007, processo n.º 159/07 - 5.ª, de 21-02-2007, processo n.º 260/07 - 3.ª, de 28-02-2007, processo n.º 4698/06 - 3.ª, de 08-03-2007, processos n.ºs 447/07 e 649/07 - 5.ª, de 15-03-2007, processos n.ºs 663/07 e 800/07 - 5.ª, de 29-03-2007, processos n.ºs 339/07 e 1034/07 - 5.ª, de 19-04-2007, processo n.º 802/07 - 5.ª, de 03-05-2007, processo n.º 1233/07 - 5.ª.
Todavia, como se referiu, a incursão no plano fáctico é ainda possível, não já face a questão colocada pelo interessado, mas por iniciativa própria do Supremo Tribunal de Justiça.
Só com o âmbito restrito consentido pelo artigo 410.º, n.º 2, do CPP, com o incontornável pressuposto de que o vício há-de derivar do texto da decisão recorrida, o STJ poderá avaliar da subsistência dos vícios da matéria de facto, o que é aplicável a recurso interposto da Relação.
Nos acórdãos de 08-02-2006, processo n.º 98/06 - 3.ª; de 15-02-2006, processo n.º 4412/05 - 3.ª; de 15-03-2006, processo n.º 2787/05 - 3.ª; de 22-03-2006, processo n.º 475/06 - 3.ª; de 08-02-2007, processo n.º 159/07 - 5.ª; de 21-02-2007, processo n.º 260/07 - 3.ª; de 15-03-2007, processos n.ºs 663/07 e 800/07, ambos da 5.ª secção; de 02-05-2007, processo n.º 1238/07 - 3.ª e de 21-06-2007, processo n.º 1581/07 - 5.ª; de 28-05-2008, processo n.º 1147/08 - 3ª; de 12-06-2008, processo n.º 4375/07-3ª, admite-se o conhecimento oficioso dos vícios por parte do Supremo, mesmo nos casos em que o recurso vem interposto de acórdão da Relação.
Como se consignou nos acórdãos de 05-12-2007, processo n.º 3406/07, de 30-04-2008, processo n.º 4723/07 e de 22-10-2008, processo n.º 215/08, por nós relatados, nestes casos de recurso de acórdão da Relação para o Supremo, em que o recurso é puramente de revista, cingindo-se a matéria de direito, é de admitir, exactamente pelas mesmas razões supra-expostas que sustentam a cognição oficiosa – razões de necessidade de certificação de substrato fáctico bastante, congruente, compatível, harmonioso e válido para suportar a decisão de direito – o exame oficioso da existência ou não dos vícios decisórios ao nível do assentamento da facticidade relevante.

Por outro lado, os vícios têm a ver com a fixação da matéria de facto e não com a qualificação jurídica, como parece entender o recorrente.
Em verdade o que o recorrente classifica como insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ou erro na apreciação da prova mais não é do que a expressão de uma divergência, que se reconduz afinal à discordância em relação à qualificação jurídica que mereceram os factos provados, o que configura não uma discordância em relação à fixação da matéria de facto provada, mas a algo distinto, sendo dirigida ao enquadramento jurídico-criminal, a matéria de direito.


Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada

O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, verifica-se quando a matéria de facto é insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada, porque o tribunal não esgotou os seus poderes de indagação em matéria de facto; ocorre quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição.

A insuficiência prevista na alínea a) determina a formação incorrecta de um juízo porque a conclusão ultrapassa as premissas. A matéria de facto é insuficiente para fundamentar a solução de direito correcta, legal e justa. Insuficiência em termos quantitativos, porque o tribunal não esgotou os seus poderes de indagação em matéria de facto.
A propósito do vício em referência é dado adquirido que a matéria de facto só é insuficiente para a decisão proferida quando se verifique uma lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para a decisão de direito, quando os factos assentes não são substracto necessário e suficiente para justificar a decisão de direito assumida.

Tal vício só pode ter-se como evidente quando a factualidade provada não chega para justificar a decisão de direito, ou seja, para a subsunção na norma incriminadora, considerando todos os seus elementos típicos – cfr. acórdão do STJ de 13-01-1998, processo n.º 877/97 - 3.ª, BMJ n.º 473, pág. 307.

Ou, como se diz no acórdão do STJ, de 25-03-1998, processo n.º 53/98 - 3.ª, BMJ n.º 475, pág. 502, está-se na presença de tal vício quando os factos colhidos, após o julgamento, não consentem, quer na sua objectividade quer na sua subjectividade, dar o ilícito como provado.
Ou ainda, na formulação do acórdão de 20-10-1999, processo n.º 1452/99-3ª, o vício só pode considerar-se verificado “quando os factos apurados são insuficientes para se decidir sobre o preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos dos tipos legais de crimes verificáveis e dos demais requisitos necessários à decisão de direito e é de concluir que o tribunal a quo podia ter alargado a sua investigação a outro circunstancialismo fáctico suporte bastante dessa decisão”.
Noutra formulação, o vício consiste numa carência de factos que permitam suportar uma decisão dentro do quadro das soluções de direito plausíveis e que impede que sobre a matéria de facto seja proferida uma decisão de direito segura; a “insuficiência” relevante não pode ser considerada apenas em relação a uma concreta decisão que esteja em causa, devendo atender-se, para aferir a carência factual para uma decisão segura, ao quadro das várias soluções plausíveis da questão de direito - acórdãos do STJ, de 24-04-2006, processo nº 363/06; de 24-05-2006, processo nº 816/06; de 20-12-2006, processo n.º 3379/06 - 3.ª, sendo os dois primeiros citados no acórdão de 23-04-2008, processo n.º 1127/08, todos da 3.ª secção – cfr. ainda, i.a., os acórdãos do STJ, de 22-10-97, processo n.º 612/97; de 12-03-1998, BMJ n.º 475, pág. 492; de 09-12-1998, processo n.º 1165/98; de 13-01-1999, in BMJ n.º 483, pág. 49; de 02-06-1999, processo n.º 288/99; de 15-05-2002, processo n.º 857/02 - 3.ª (insuficiência para formulação de juízo sobre a correcção da pena aplicada); de 01-07-2004, processo n.º 2691/04 - 5.ª (insuficiência no segmento em que se decidira do condicionamento da suspensão da pena).
Na formulação constante do acórdão do STJ de 15-02-2007 (processo n.º 3174/06 - 5.ª), o vício a que alude a alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, só ocorrerá quando da factualidade vertida na decisão se colher faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados ou descritos, impossibilitem, por sua ausência, um juízo seguro (de direito) de condenação ou de absolvição. Trata-se da formulação incorrecta de um juízo: a conclusão extravasa as premissas; a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada.
Do acórdão do STJ de 05-09-2007, processo n.º 2078/07 - 3.ª, extrai-se o seguinte: «O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada resulta da circunstância de o tribunal não ter esgotado os seus poderes de indagação relativamente ao apuramento da matéria de facto essencial, ou seja, quando o tribunal, podendo e devendo investigar certos factos, omite esse seu dever, conduzindo a que, no limite, se não possa formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição. Trata-se, pois, de vício que resulta do incumprimento por parte do tribunal do dever que sobre si impende de produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa – art. 340.º, n.º 1, do CPP.
E como se referia no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-05-1994, processo n.º 45829, in CJSTJ 1994, tomo 2, pág. 224 e BMJ n.º 437, pág. 228, não integra o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nem qualquer outro dos outros previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o facto de o recorrente pretender «contrapor às conclusões fácticas do tribunal a sua própria versão dos acontecimentos, o que desejaria ter visto provado e não o foi».

No caso presente, no fundo, o recorrente bate-se pela alteração da qualificação jurídica, esgrimindo com a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, entendendo que esta é insuficiente para caracterizar o conceito de associação criminosa, pugnando por outra, pela configuração de uma comparticipação
No nosso caso, não ocorre qualquer insuficiência ao nível fáctico.
O que há a fazer é ver se a facticidade apurada basta, se é suficiente para comportar e ancorar a subsunção realizada.
A questão será, pois, de direito, de integração jurídico - criminal do acervo fáctico assente.
A existir insuficiência esta traduz-se em erro na qualificação jurídica dos factos provados, tratando-se já não de vício da decisão ao nível da facticidade, mas de erro de direito ou de julgamento, que dá lugar à revogação ou alteração da decisão recorrida, não ao reenvio do processo para outro julgamento.
Não se verifica, pois, o invocado vício.

Erro notório na apreciação da prova

O recorrente nas conclusões 7.ª e 31.ª reedita a alegação deste vício, que o acórdão recorrido abordou de forma completa e fundamentada, de fls. 176 a 185 (fls. 3078 a 3087 dos autos), concluindo pela sua não verificação.
Como se extrai do acórdão de 26-02-2004, processo n.º 267/04 - 5.ª Secção, está fora do âmbito legal do recurso para o Supremo a reedição dos vícios apontados à decisão de facto da 1.ª instância, em tudo o que foi objecto de conhecimento pela Relação sem prejuízo de o tribunal de revista, por sua iniciativa, conhecer daqueles vícios porventura patenteados no acórdão da Relação.

Erro notório na apreciação da prova é aquele que é de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores; não se pode confundir este erro com a opinião que o recorrente formulou sobre a prova produzida, divergente da que veio a vingar.
O apontado vício é aquele que é evidente, que não escapa ao homem comum, de que um observador médio se apercebe com facilidade, que é patente, só podendo relevar, como foi dito no acórdão do STJ de 01-10-1997, processo n.º 243/97-3.ª, se for ostensivo, inquestionável e perceptível pelo comum dos observadores ou pelas faculdades de apreciação do “homem médio”.
Como se extrai do acórdão do STJ, de 01-10-1997, processo n.º 627/97-3.ª, o vício existe quando se dão por provados factos que, face às regras de experiência comum e à lógica corrente, do homem médio, não se teriam podido verificar ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsos. Trata-se de um vício do raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da decisão; erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de particular exercício mental; as provas revelam claramente um sentido e a decisão recorrida extraiu ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fáctica provada ou excluindo dela algum facto essencial.
O erro notório na apreciação da prova não pode resultar da mera divergência de qualquer dos sujeitos processuais relativamente ao decidido – acórdão de 18-12-97, processo n.º 701/97-3.ª, Sumários, pág. 220.

Na análise a efectuar para detecção do vício há que ter em conta que a fixação da matéria de facto teve na sua base uma apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, nos termos do artigo 127.º do CPP.
Os vícios do artigo 410.º, n.º 2, do CPP, nomeadamente o erro notório na apreciação da prova, não podem, por outro lado, ser confundidos com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida ou com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firme sobre os factos, questões do âmbito da livre apreciação da prova, princípio inscrito no citado normativo - artigo 127.º do CPP.
Não se estando face a prova vinculada ou tarifada não se pode sindicar a boa ou má valoração daquela, que escapa à censura do Supremo Tribunal de Justiça (acórdãos de 04-12-97, processo n.º 1018/97-3.ª e de 18-12-97, processo n.º 47325-3.ª, Sumários, págs. 199 e 216) e querer discutir, nessas condições, a valoração da prova produzida é afinal querer impugnar a convicção do tribunal, olvidando a citada regra.
Neste aspecto, o que releva, necessariamente, é essa convicção formada pelo tribunal, sendo irrelevante, no âmbito da ponderação exigida pela função de controlo ínsita na identificação dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, do CPP, a convicção pessoalmente alcançada pelo recorrente sobre os factos.
O erro-vício não se confunde com errada apreciação e valoração das provas. Tendo como denominador comum a sindicância da matéria de facto, são muito diferentes na sua estrutura, alcance e consequências. Aquele examina-se, indaga-se, através da análise do texto; esta, porque se reconduz a erro de julgamento da matéria de facto, analisa-se em momento anterior à produção do texto, na ponderação conjugada e exame crítico das provas produzidas do que resulta a formulação de um juízo, que conduz à fixação de uma determinada verdade histórica que é vertida no texto; daí que a exigência de notoriedade do vício se não estenda ao processo cognoscitivo/valorativo, cujo resultado vem a ser inscrito no texto.
A invocação do erro notório na apreciação da prova só é possível e viável quando reportado ao texto da decisão e não se direccionado ao modo de valoração das provas, pretendendo-se uma discussão que por força daquele inultrapassável limite não pode obviamente ter lugar.
Como se referia no acórdão de 06-11-97 processo n.º 471/97-3.ª, Sumários Assessoria, 1997, pág. 157, não há erro na apreciação da prova quando o que o recorrente invoca não é mais do que uma discordância sua quanto ao enquadramento da matéria provada.
O que é o caso.
Pelo que improcede a arguição de vício igualmente nesta parte.


Questão III - Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia


Nas conclusões 16.ª, 17.ª, 20.ª e 29.ª o recorrente vem arguir a nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia.
Conforme estabelece o artigo 379.º, n.º 1, alínea c), primeira parte, do Código de Processo Penal, é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, sendo tal disposição correspondentemente aplicável aos acórdãos proferidos em recurso, por força do n.º 4 do artigo 425.º do mesmo diploma.
De acordo com as conclusões apresentadas pelo recorrente, enformadoras do objecto do recurso para a Relação, a argumentação era reconduzível ao quadro exposto a fls. 3038 (136 do acórdão), cabendo então analisar as seguintes questões:
- Violação dos princípios do direito à defesa e do processo justo ou devido (due process);
- Violação do princípio da vinculação temática;
- Matéria de facto incorrectamente julgada e dada como provada, por vício da insuficiência de prova e por vício de erro notório na apreciação da prova;
- Errada subsunção jurídica relativamente aos crimes de associação criminosa e de tráfico de estupefacientes.
Como se referiu já, no anterior recurso não suscitou o recorrente o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada nem a violação do princípio in dubio, sendo questões novas.
Sobre todos e cada um dos aspectos focados recaiu a atenção do acórdão recorrido, analisando, de forma minuciosa, os argumentos apresentados, incluindo no primeiro ponto a alegada nulidade por violação do artigo 358.º do Código de Processo Penal, a propósito da alteração não substancial de factos feita no final do julgamento, bem como o erro na apreciação da prova conexionado com a questão do valor probatório das escutas, o que fez ao longo de fls. 136 a 185 do acórdão (fls. 3038 a 3087 dos autos).
Por outro lado, não configura omissão de pronúncia a circunstância de a Relação acolher a fundamentação e argumentação já explanada pelo acórdão do colectivo de Amarante, no que respeita à subsunção jurídica, nomeadamente, quando se considera que o acórdão em reapreciação já abordou o tema de forma suficiente e satisfatória.
Não passa a haver omissão só porque o recorrente discorda da posição tomada, assumida, expressa, no sentido da confirmação da subsunção realizada.
Conclui-se não se verificar qualquer omissão de pronúncia.


IV Questão – Requalificação jurídico criminal; não integração do crime de associação criminosa, tratando-se, na perspectiva do recorrente, de caso de mera comparticipação criminosa

O recorrente nas conclusões 6.ª, 8.ª, 9.ª, 11.ª a 15.ª, 21.ª a 24.ª e 30.ª, repete a colocação da questão da errada subsunção jurídica, defendendo que a matéria de facto dada como provada não integra a figura da associação criminosa por não estarem reunidos os elementos do tipo objectivo e subjectivo e não havendo associação constituída afastada deve ser a fundação e chefia.

No caso de associação criminosa estamos perante uma autoria plural ou colectiva, por contraposição a autoria singular, e diversa da actuação num quadro de co-autoria ou comparticipação criminosa, e mesmo da figura de bando.
Perante um caso de participação plúrima, três situações dogmáticas se podem e devem conceber: comparticipação propriamente dita, associação criminosa e membro de bando.

Há que indagar se no caso em reapreciação os factos dados por provados integram ou não a figura da associação de traficantes de droga, o tipo especial de crime de associação criminosa, previsto e punido no artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
Anota-se que de forma indevida o acórdão do Colectivo de Amarante, neste aspecto com o beneplácito do acórdão recorrido, enuncia no dispositivo referência em cumulação aos artigos 28.º do DL n.º 15/93 e 299.º do Código Penal, o que se mostra incorrecto, pois no caso deveria ater-se à menção ao artigo 28.º, por configurar um crime especial.

Começar-se-á pelo tratamento normativo, pela evolução legislativa da figura criminal de associação criminosa.

No domínio do Código Penal de 1886, previa o artigo 263.º o crime de “associação de malfeitores”, estabelecendo então:
«Aqueles que fizerem parte de qualquer associação formada para cometer crimes, e cuja organização ou existência se manifeste por convenção ou por quaisquer outros factos, serão condenados à pena de prisão maior de dois a oito anos, salvo se forem autores da associação ou nela exercerem direcção ou comando, aos quais será aplicada a pena de dois a oito anos de prisão maior.
§ único – Serão punidos como cúmplices os que a estas associações ou quaisquer divisões delas fornecerem ciente e voluntariamente armas, munições, instrumentos do crime, guarida ou lugar para reunião».

A Lei n.º 24/81, de 20 de Agosto, alterou a redacção do artigo 263.º do Código Penal de 1886, e aditou o artigo 263.º-A, que são a fonte legislativa imediata dos artigos 288.º e 289.º do Código Penal na versão originária de 1982, prevendo o artigo 7.º a hipótese de atenuação da pena ou mesmo isenção de pena – cfr. o actual n.º 3 do artigo 4.º da Lei n.º 52/2003, de 22-08.
O corpo do citado artigo 263.º passou então a estabelecer:
«Quem fundar ou dirigir grupo, organização ou associação que se proponha ou cuja actividade seja dirigida à prática de crimes será condenado na pena de prisão maior de dois anos a oito anos».
O § 2.º do artigo 263.º e o artigo 263.º-A previam as associações terroristas.

No Código Penal de 1982, de que, como se referiu, a Lei n.º 24/81 foi fonte legislativa imediata, passaram a estar previstas as associações criminosas no artigo 287.º.
Estabelecia o artigo 287.º:
1 – Quem fundar grupo, organização ou associação cuja actividade seja dirigida à prática de crimes será punido com prisão de 6 meses a 6 anos.
2 – Na mesma pena incorre quem fizer parte de tais grupos, organizações ou associações ou quem os apoiar, nomeadamente fornecendo armas, munições, instrumentos de crime, guarda ou locais para as reuniões, ou qualquer auxílio para que se recrutem novos elementos.
3 – Na pena de prisão de 2 a 8 anos incorre quem chefiar ou dirigir os grupos, organizações ou associações referidos nos números anteriores.
4 – As penas referidas podem ser livremente atenuadas, ou deixar mesmo de ser aplicadas, se o agente impedir a continuação dos grupos, organizações ou associações ou comunicar à autoridade a sua existência a tempo de esta poder evitar a prática de crimes.

O artigo 288.º estabelecia sobre organizações terroristas e o artigo 289.º sobre terrorismo.

Com a terceira alteração do Código Penal, operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março - Código Penal de 1995 – entrado em vigor em 01-10-1995, o crime de associação criminosa passou a estar previsto no artigo 299.º.
Foram então alterados os números 1 e 4, mantendo-se a redacção dos n.º s 2 e 3, neste apenas com a transposição da colocação da penalidade, a passar do início para o fim do preceito.
No n.º 1, para além da alteração de penalidade, que era de prisão de 6 meses a 6 anos e passou para prisão de 1 a 5 anos, foi aditado o vocábulo “promover” a anteceder “fundar”, e o vocábulo “finalidade” a anteceder “ou actividade” (do grupo, organização ou associação).
No n.º 4, foi substituído, quanto à possibilidade de atenuação da pena, ou isenção da mesma (aqui a expressão “ou deixar mesmo de ser aplicadas” foi substituída por “ou não ter lugar a punição”), o advérbio “livremente” por “especialmente”, e abrangendo agora não só os casos em que o agente impedir a continuação dos grupos, organizações ou associações, mas também os casos em que “se esforçar seriamente” por impedir essa continuação.

Passou a estabelecer o artigo 299.º do Código Penal de 1995:
1 – Quem promover ou fundar grupo, organização ou associação cuja finalidade ou actividade seja dirigida à prática de crimes é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.
2 – Na mesma pena incorre quem fizer parte de tais grupos, organizações ou associações ou quem os apoiar, nomeadamente fornecendo armas, munições, instrumentos de crime, guarda ou locais para reuniões, ou qualquer auxílio para que se recrutem novos elementos.
3 – Quem chefiar ou dirigir os grupos, organizações ou associações referidos nos números anteriores é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.
4 – As penas referidas podem ser especialmente atenuadas ou não ter lugar a punição se o agente impedir ou se esforçar seriamente por impedir a continuação dos grupos, organizações ou associações, ou comunicar à autoridade a sua existência de modo a esta poder evitar a prática de crimes.

Com a Lei n.º 52/2003, de 22 de Agosto (Lei de combate ao terrorismo), rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 16/2003, in DR, I Série - A, n.º 251, de 29 de Outubro, que operou a 14.ª alteração do Código Penal, foram revogados (artigo 11.º) os artigos 300.º, versando o crime de organização “Organizações terroristas” e 301.º, que previa o crime - singular - de “Terrorismo”, que passaram a estar previstos em tal diploma.

A Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, em vigor aquando da prática dos factos, deu nova redacção ao artigo 299.º do Código Penal, alterando o n.º 1, introduzindo entre as palavras “de crimes” a expressão «um ou mais», e aditando o novo n.º 5.

Estabelece actualmente o artigo 299.º do Código Penal, na redacção da Lei n.º 59/2007, de 04-09:
1 – Quem promover ou fundar grupo, organização ou associação cuja finalidade ou actividade seja dirigida à prática de um ou mais crimes é punido com pena de prisão de um a cinco anos.
2 – Na mesma pena incorre quem fizer parte de tais grupos, organizações ou associações ou quem os apoiar, nomeadamente fornecendo armas, munições, instrumentos de crime, guarda ou locais para reuniões, ou qualquer auxílio para que se recrutem novos elementos.
3 – Quem chefiar ou dirigir os grupos, organizações ou associações referidos nos números anteriores é punido com pena de prisão de dois a oito anos.
4 – As penas referidas podem ser especialmente atenuadas ou não ter lugar a punição se o agente impedir ou se esforçar seriamente por impedir a continuação dos grupos, organizações ou associações, ou comunicar à autoridade a sua existência de modo a esta poder evitar a prática de crimes.
5 – Para os efeitos do presente artigo, considera-se que existe grupo, organização ou associação quando esteja em causa um conjunto de, pelo menos, três pessoas, actuando concertadamente durante um certo período de tempo.

No domínio específico do tráfico de estupefacientes a figura criminosa em causa era desconhecida no primeiro diploma sistematizado sobre droga – o Decreto-Lei n.º 420/70, de 3 de Setembro.
Portugal, após ter ratificado em 30-12-1971 a Convenção Única de 1961 sobre os Estupefacientes e em 24-04-1979 a Convenção sobre as Substâncias Psicotrópicas de 1971, procedeu à harmonização do seu direito interno ao quadro normativo decorrente de tais convenções internacionais através do Decreto-Lei n.º 430/83, de 13-12, emergente da Lei de autorização legislativa n.º 12/83, de 24 de Agosto.
Se buscarmos no preâmbulo do diploma as razões da inserção desta previsão especial elas não são claras, referindo-se a necessidade de se preverem medidas de combate semelhantes às utilizadas contra as organizações terroristas.
A verdade é que, não obstante o crime de associação criminosa estar previsto no artigo 287.º do Código Penal de 1982, o legislador de 1983 sentiu necessidade de criar o crime - especial - no novo diploma sobre droga.
A tal solução de regulação especial não terá sido alheia a circunstância de então se levantarem dúvidas sobre a extensão daquele artigo 287.º à prática de outros crimes, designadamente, aos fiscais e aduaneiros (do que se dará nota noutro local), assim se evitando tais dúvidas quanto ao narcotráfico.
E assim surgiu o crime previsto no artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 430/83, de 13 de Dezembro, sob a epígrafe «Associações de delinquentes» [terminologia presente no Código Penal de 1982, nos artigos 83.º, 84.º e 85.º (delinquentes por tendência), e alcoólicos e equiparados nos artigos 86.º e 88.,º aqui se referindo os delinquentes que abusem de estupefacientes (à data definidos no DL n.º 420/70, de 03-09) e no regime dos jovens delinquentes, constante do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23-09, que entrou em vigor com o Código Penal e com ele articulado, tratando-se de nomenclatura herdada do Código Penal de 1886, então presente nos artigos 47.º (delinquentes anormais), 67.º (delinquentes de difícil correcção, abrangendo os delinquentes habituais e os delinquentes por tendência), 68.º (delinquentes anormais perigosos) e 69.º (delinquentes menores de 21 anos e maiores de 16)].

Estabelecia então o artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 430/83:
1 - Quem promover, fundar ou financiar grupo, organização ou associação de duas ou mais pessoas que, actuando concertadamente, vise praticar algum dos crimes previstos no artigo 23.º será punido com pena de 10 a 16 anos de prisão e multa de 50 000$00 a 20 000 000$.
2 - Quem prestar colaboração, directa ou indirectamente, aderir ou apoiar os grupos, organizações ou associações referidas no número anterior será punido com pena de 8 a 14 anos de prisão e multa de 50 000$ a 10 000 000$.
3 - Incorre na pena de 12 a 18 anos de prisão quem chefiar ou ocupar lugares de direcção de grupo, organização ou associação referidos no n.º 1.

O Decreto-Lei n.º 430/83, de 13 de Dezembro, veio a ser revogado pelo Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, cuja razão determinante de emissão foi a aprovação por Portugal da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas de 1988, ratificada pela Resolução da Assembleia da República n.º 29/91 e Decreto do Presidente da República n.º 45/91, in Diário da República, de 06-09-1991.
Actualmente, sobre associações criminosas rege o artigo 28.º daquele Decreto-Lei n.º 15/93, com a redacção introduzida com a Lei n.º 45/96, de 03 de Setembro, que alterou os n.º s 1 e 3 (o Decreto-Lei n.º 15/93 foi republicado pela Lei n.º 18/2009, de 11 de Maio, que procedeu à 16.ª alteração de tal diploma legal).

Estabelece o citado artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, sob a epígrafe “Associações criminosas”:
1 - Quem promover, fundar ou financiar grupo, organização ou associação de duas ou mais pessoas que, actuando concertadamente, vise praticar algum dos crimes previstos nos artigos 21.º e 22.º é punido com pena de prisão de 10 a 25 anos. (redacção da Lei n.º 45/96, de 03-09).
2 - Quem prestar colaboração, directa ou indirecta, aderir ou apoiar o grupo, organização ou associação referidos no número anterior é punido com pena de prisão de 5 a 15 anos.
3 - Incorre na pena de 12 a 25 anos de prisão quem chefiar ou dirigir grupo, organização ou associação referidos no n.º 1. (redacção da citada Lei n.º 45/96)
4 - Se o grupo, organização ou associação tiver como finalidade ou actividade a conversão, transferência, dissimulação ou receptação de bens ou produtos dos crimes previstos nos artigos 21.º e 22.º, o agente é punido:
a) Nos casos dos n.ºs 1 e 3, com pena de prisão de 2 a 10 anos;
b) No caso do n.º 2, com pena de prisão de um a oito anos.

Da nova redacção do normativo em causa resulta o afastamento da pena compósita e em geral, um agravamento de punição, no n.º 1, de pena de prisão de 10 a 16 anos para 10 a 25 anos; no n.º 2, apenas no máximo, passando de 8 a 14 anos para 5 a 15 anos, e no n.º 3, a penalidade de 12 a 18 anos de prisão passa para a de 12 a 25 anos.


Da Doutrina

Vejamos os contributos doutrinários coligidos na elaboração, configuração e caracterização do tipo criminal em causa.

O Professor Beleza dos Santos, no horizonte temporal então existente, versou este tipo de infracção em “O crime de associação de malfeitores – Interpretação do artigo 263.º do Código Penal (de 1886)”, trabalho publicado in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 70.º, nos n.º s 2593, 2594 e 2595, respectivamente, a págs. 97 a 99, 113 a 115 e 129/130.
Considerava então o Autor, a págs. 97/8:
«São elementos típicos desta infracção: a) A existência de uma associação e b) a sua finalidade criminosa».
Examinando, separadamente, cada um deles, ponderou:
«a) É essencial que haja uma associação, isto é, que diversas pessoas se unam voluntariamente para cooperar na realização de um fim ou fins comuns e que essa união possua ou queira possuir uma certa permanência ou estabilidade.
A agregação casual ou momentânea de uma pluralidade de pessoas, embora para a realização de um fim, é uma reunião e não uma associação».
Acrescentava de seguida:
«Para existir o crime é preciso (…) que a associação deva viver, ou ao menos propor-se viver, como reunião estável de diversas pessoas ligadas entre si pelo propósito de delinquir e tendo em vista a actuação de um programa criminoso.
O que caracteriza este primeiro elemento do crime é, por isso, a união de diversas pessoas, para cooperarem, com uma certa permanência de esforços, num fim comum».
De seguida, perguntava-se se seria «…necessário também que haja uma certa organização, quer dizer, uma direcção, uma disciplina, uma hierarquia, uma sede ou lugar de reunião, uns estatutos ou uma convenção para regular os direitos ou deveres comuns e especialmente a partida de lucros», para depois responder que a razão de ser e o teor da norma levam «…nitidamente a uma conclusão oposta».
E a págs. 129 e 130, esclarecia: «Um outro elemento essencial (…) é que a associação tenha em vista a prática de crimes.
Se a união de diferentes pessoas apenas se fez para a realização de um ou mais crimes determinados, não tendo, porém, carácter permanente, poderá existir comparticipação criminosa, mas não haverá uma associação para delinquir.
A primeira implica a cooperação de diferentes pessoas em um ou mais crimes.
A segunda a associação estável de diversas pessoas com o propósito genérico de praticar uma pluralidade de crimes.
Pode haver, portanto, comparticipação, sem associação criminosa; por exemplo, se o crime que se teve em vista foi só um. Pode haver a segunda sem a primeira, se, tendo-se formado a associação para delinquir, todavia não executou crime algum. E podem coexistir, se a associação se formou com o fim genérico de cometer crimes e se de facto se cometeram ou tentaram cometer crimes com a cooperação de vários associados. (…).
A razão de ser da punibilidade da associação para delinquir - afirmava - está na ofensa da tranquilidade pública e no grave perigo da prática de crimes que oferece um agrupamento formado para a realização de efeitos ilícitos penais, com uma cooperação que se apresenta com uma certa estabilidade ou permanência”.

Figueiredo Dias e Costa Andrade, em parecer elaborado em Fevereiro de 1985, destinado a ser junto a um processo pendente na Comarca de Setúbal, em que estava em causa crime de associação criminosa em caso de contrabando de tabaco, publicado na Colectânea de Jurisprudência, 1985, tomo 4, págs. 7 a 19, referem que quando se trata de fixar o conteúdo e a extensão do conceito de associação criminosa há uma singular convergência entre os autores, no sentido de que «só pode falar-se de associação criminosa quando o encontro de vontades dos participantes dê origem a uma realidade autónoma, diferente e superior às vontades e interesses dos singulares membros. Quando, noutros termos, no plano das realidades psicológicas e sociológicas – não necessariamente no plano das realidades jurídicas -, emerja um centro autónomo de imputação fáctica das acções prosseguidas em nome e no interesse da associação».
Nesse parecer concluiu-se que no crime de associação criminosa estão tão só abrangidas as associações de malfeitores para a prática de crimes comuns e não infracções de direito penal secundário.
Em causa no parecer estava a questão de saber se o crime de associação criminosa estaria em concurso real com o crime de contrabando, defendendo-se então a negativa.
Em sentido oposto, ou seja, de reconhecer existência de crime de associação criminosa e contrabando, pronunciou-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-10-1985, processo n.º 37896, publicado na mesma Colectânea de Jurisprudência, a págs. 7, e no BMJ n.º 350, pág. 169, aí se referindo: “Quem fizer parte de associação destinada à prática de crime de contrabando pratica o crime previsto e punível pelo artigo 287.º do Código Penal”; em sentido concordante, os acórdãos de 16-04-1986, processo n.º 38353, in BMJ n.º 356, pág. 132, e o de 23-04-1986, processo n.º 38072, in BMJ n.º 356, pág. 136.

Foi muito debatida a questão de saber se os crimes integrantes do escopo da associação criminosa são só os pertinentes ao direito penal chamado clássico, primário ou de justiça, ou se a associação podia abranger os delitos do chamado direito penal secundário, económico-social ou administrativo.
Figueiredo Dias, em As «Associações Criminosas» no Código Penal Português de 1982, págs. 43 a 47, continua a defender a mesma posição, embora distinguindo e afirmando ser diferente a conclusão relativamente ao direito penal só formalmente secundário, isto é, a um direito penal que se encontra regulado fora do Código Penal e corresponde a desenvolvimentos e a perigos típicos da sociedade moderna, mas que, pelo teor do ilícito que constitui e pelos bens jurídicos postos em causa, se revela verdadeiro direito penal de justiça, como são os casos dos crimes de tráfico ilícito de drogas ou de armas, que justificam o recurso à tutela avançada que é oferecida pelo tipo de ilícito das associações criminosas.
E em 1999, no Comentário Conimbricense …, pág. 1164, continua a defender uma interpretação restritiva, mas reconhecendo que muito do que foi e ainda é direito penal extravagante, nomeadamente direito penal económico, ganhou já uma ressonância ética de tal modo profunda e estabilizada que se não vê hoje razão para que não deva integrar o escopo criminoso da associação.
No sentido afirmativo, pronuncia-se Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, afirmando que o fim criminoso da associação tem de visar a prática de crimes do direito penal primário ou secundário - nota 6, pág. 751.
O crime de associação criminosa passou a estender-se aos delitos fiscais aduaneiros, de forma expressa, com o artigo 34.º, n.ºs 1 e 3, do Decreto-Lei n.º 376-A/89, de 25-10, na redacção do Decreto-Lei n.º 255/90, de 07-08, estabelecendo a punição das associações criminosas dirigidas à prática de infracções fiscais aduaneiras, e com a unificação operada pelo Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, passou a abranger os crimes tributários - artigo 89.º.
(Anteriormente, pronunciaram-se pela negativa, no sentido de não integração dos crimes fiscais, não aduaneiros, no escopo da associação criminosa, os acórdãos de 08-01-2003, processo n.º 4221/02-3.ª e de 16-12-2003, processo n.º 4397/03-5.ª.
No sentido de que tais crimes estavam abrangidos no escopo da associação criminosa, pronunciou-se o acórdão de 05-02-2003, processo n.º 3586/02-3.ª).

Figueiredo Dias retoma o tema do crime em causa in As «Associações Criminosas» no Código Penal Português de 1982, Coimbra Editora, 1988, separata da Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 119.º, n.ºs 3751 a 3760, segundo o Autor, em publicação desejada como “descomprometida” relativamente a qualquer processo que esteja ou tenha estado submetido à apreciação de um tribunal.
A propósito da identificação do bem jurídico e extensão da área de tutela, diz a págs. 26-27: “Específico bem jurídico protegido pelo tipo de associações criminosas é a tutela da paz pública, no sentido do asseguramento do mínimo de condições sócio - existenciais sem o qual se torna problemática a possibilidade, socialmente funcional, de um ser-com-outros actuante e sem entraves”, tratando-se de uma intervenção num estádio prévio, através de uma dispensa antecipada de tutela, quando a segurança pública ainda não foi (necessariamente) perturbada , mas se criou já um perigo de perturbação que só por si viola a paz pública.
O tipo de ilícito das associações criminosas assume-se como um verdadeiro crime de perigo abstracto, assente num substracto irrenunciável: a altíssima perigosidade desta espécie de associações, derivada do forte poder de ameaça da organização e dos mútuos estímulos e contra-estímulos de natureza criminosa que aquela cria nos seus membros. (Estes aspectos são retomados no Comentário…, §§ 4 e 5, a págs. 1157, precisando-se o bem jurídico protegido de paz pública no sentido das expectativas sociais de uma vida comunitária livre da especial perigosidade de organizações que tenham por escopo o cometimento de crimes).
A propósito dos requisitos imprescindíveis para que se possa falar de uma associação ou dos sinónimos grupo e organização, a pág. 32, refere verificar-se uma convergência doutrinal e jurisprudencial, nemine discrepante, reconhecendo-se que só haverá associação ali, onde o encontro de vontade dos participantes - um qualquer pacto mais ou menos explícito entre eles – tiver dado origem a uma realidade autónoma, diferente e superior às vontades e interesses dos singulares membros.
O Autor, a págs. 35 a 38, expõe as notas que, por força, terão de estar presentes na entidade capaz de integrar o tipo objectivo do artigo 287.º, enunciando como tais:
1- Uma pluralidade de pessoas (defendendo serem suficientes duas pessoas);
2- Uma certa duração, que não tem de ser, a priori, determinada, mas que tem forçosamente de existir para permitir a realização do fim criminoso pela associação. Só com esta componente se atingindo o limiar mínimo de revelação de um ente autónomo, que supere um mero acordo ocasional de vontades;
3- Um mínimo de estrutura organizatória que sirva de substracto material à existência de algo que supere os simples agentes, devendo requerer-se uma certa estabilidade ou permanência das pessoas que compõem a organização, que não tem de ser tipicamente cunhada, mas antes se pode concretizar pelas formas mais diversas;
4- Indispensável a existência de um qualquer processo de formação da vontade colectiva;
5- Um sentimento comum de ligação, por parte dos membros da associação a algo que, transcendendo-os, se apresenta como uma unidade diferente de qualquer uma das individualidades componentes e a que eles referem a sua actividade criminosa.

(No que respeita ao primeiro elemento, o Autor, no Comentário Conimbricense, § 14, pág. 1161, tende a considerar dever valer a exigência mais normal e razoável de um mínimo de 3 pessoas.
Há que ter em conta que com a redacção dada pela Lei n.º 59/2007, o artigo 299.º do Código Penal passou a exigir, no novo n.º 5, um “conjunto de, pelo menos, três pessoas”).

Refere o Autor exigir ainda o tipo objectivo contido no artigo 287.º, que a actividade da associação seja dirigida à prática de crimes, nisto consistindo o seu escopo.
O escopo da associação é a prática de crimes, com exclusão de contra-ordenações e dos crimes do direito penal secundário, com excepção dos que integram o direito penal que só formalmente é secundário - cfr. págs. 38 a 47. (Este aspecto é retomado no Comentário, nos §§ 19 a 23, nas págs. 1162 a 1165).

Figueiredo Dias, acompanhando de muito perto o trabalho de 1988, exposto em “Associações Criminosas”, retoma o tema em 1999, no Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, págs. 1155 a 1174.
No § 7, a pág. 1158, explicita o Autor que da área de tutela deste tipo de ilícito é de excluir qualquer factualidade que não releve da especial perigosidade da associação, da sua autónoma danosidade social e da sua específica dignidade penal.
A propósito da distinção entre «associação e mera comparticipação criminosa» ensina no § 8, pág. 1158: «O problema mais complexo de interpretação e aplicação que aqui se suscita é, na verdade, o de distinguir cuidadosamente – sobretudo quando se tenha verificado a prática efectiva de crimes pela organização – aquilo que é já associação criminosa daquilo que não passa de mera comparticipação criminosa. Para tanto indispensável se torna uma cuidadosa aferição, pelo aplicador, da existência in casu dos elementos típicos que conformam a existência de uma organização no sentido da lei (cfr. infra § 9 ss.) Em muitos casos porém tal não será suficiente. Sendo neles indispensável que o aplicador se pergunte se, na hipótese, logo da mera associação de vontades dos agentes resultava sem mais um perigo para bens jurídicos protegidos notoriamente maior e diferente daquele que existiria se no caso se verificasse simplesmente uma qualquer forma de comparticipação criminosa. E que só se a resposta for indubitavelmente afirmativa (in dubio pro reo) possa vir a considerar integrado o tipo de ilícito do artigo 299º. (Um bom critério prático residirá aliás em o juiz não condenar nunca por associação criminosa, à qual se impute já a prática de crimes, sem se perguntar primeiro se condenaria igualmente os agentes mesmo que nenhum crime houvesse sido cometido e sem ter respondido afirmativamente à pergunta)».
No § 10, in fine, pág. 1159, realça que atento o autónomo e específico bem jurídico tutelado o essencial é a especial perigosidade ínsita na própria organização.
No § 13, a págs. 1160/1, a propósito da existência de uma associação, grupo ou organização, que é elemento comum a todas as modalidades de acção que integram o tipo objectivo do ilícito, refere o Autor, que os designativos sinónimos de associação, grupo ou organização “supõem no mínimo, que o encontro de vontades dos participantes – hoc sensu, a verificação de um qualquer pacto mais ou menos explícito entre eles – tenha dado origem a uma realidade autónoma, diferente e superior às vontades e interesses dos singulares membros. Supõem, no plano das realidades psicológica e sociológica, que do encontro de vontades tenha resultado um centro autónomo de imputação fáctica das acções prosseguidas ou a prosseguir em nome e no interesse do conjunto. Centro este que, pelo simples facto de existir, deve representar em todo o caso (…) uma ameaça tão intolerável que o legislador reputa necessário reprimi-la com as penas particularmente severas do preceito; neste sentido devendo falar-se, com razão, da exigência de um centro autónomo de imputação e motivação”.
No § 39, pág. 1170, refere que o crime de associação criminosa “consuma-se com a realização das acções descritas no art. 299.º- 1, 2 e 3, só se tornando necessária a verificação de um resultado em uma das hipóteses previstas no n.º 1 (“fundar”). A prática efectiva de crimes pela associação não é nunca necessária à consumação”, conformando aquilo que a lei e doutrina chamam de crime permanente (§ 49, pág. 1174).
A págs. 34 de “As «Associações Criminosas» no Código Penal Português de 1982” e a págs. 1161 do “Comentário Conimbricense do Código Penal - Parte Especial, Tomo II”, com o objectivo de distinguir decisivamente as associações criminosas da mera comparticipação criminosa, refere o Autor que a circunstância de os artigos 287.º e 299.º do Código Penal de 1982 e de 1995, terem como rubrica, respectivamente, «Associações criminosas» e «Associação criminosa» - e não meramente «associações de criminosos» ou «de malfeitores» -, claramente indicia, no plano textual, uma actualização da ideia de uma transpersonalidade fáctica e reforça a concepção da necessidade da presença, na entidade englobante, com metas ou objectivos próprios capaz de integrar o tipo objectivo de ilícito, do aludido centro autónomo.
Do que não pode prescindir-se é de que a associação constitua uma realidade referenciável e, assim, dotada de uma identidade individualizável, que possa funcionar como o «complemento directo» das acções de fundar, apoiar, chefiar ou dirigir.

Maria Leonor Assunção, no estudo “Do lugar onde o Sol se levanta, um olhar sobre a criminalidade organizada”, inserto no Liber Discipulorum para Jorge de Figueiredo Dias, a propósito da criminalidade organizada no direito de Macau, a págs. 106 a 113, aborda esta temática, referindo-se à Lei n.º 6/97/M, de 30 de Julho, intitulada Lei da Criminalidade Organizada, versando o crime de associação ou sociedade secreta.
Aí refere que por associação criminosa deve entender-se uma qualquer estrutura organizada destinada à prática de crimes: uma pluralidade de pessoas unidas por um qualquer processo de formação de vontade colectiva, que pressupõe um mínimo de estrutura organizatória, um substracto dotado de certa estabilidade ou permanência, catalisador de uma realidade autónoma, diferente e superior às vontades e interesses das singulares pessoas, os seus membros.
Enfim, e citando Figueiredo Dias, in Associações Criminosas, pág. 33 - um “centro autónomo de imputação e motivação fácticas”.
A citada lei reafirma o elemento organizatório, a prática de crimes de catálogo como elemento de uma manifestação da existência da associação e no que toca ao elemento do escopo ou finalidade, rompe com o entendimento normativo tradicional, assente, derivando da clássica expressão “prática de crimes “ para “vantagens ou benefícios ilícitos”.
Na delimitação técnica jurídico-penal do conceito criminológico expressamente referem como finalidade da associação o cometimento de crimes os Códigos Penais alemão, espanhol, francês, entendimento que é repetido nos Códigos Penais da Polónia, da Ucrânia e da Federação Russa, na lei canadiana de 2001, e na lei federal Americana.
Refere que importa precisar que mesmo nos países cujos sistemas jurídico-penais reconhecem a existência de organizações ilícitas dotadas de especiais características que justificam tratamento típico autónomo, que reflicta um certo saber sócio – antropológico do fenómeno, como é o caso de Itália, o escopo “prática de crimes” constitui elemento essencial do tipo de ilícito.
No Japão a Lei n.º 77 refere a “prática de actos ilícitos com violência”. O escopo “prática de crimes “ consta da lei que ao fenómeno respeita, na Formosa, e igualmente no Código Penal Chinês.
O propósito de cometer crimes reitera-se na definição de organização criminosa “organized criminal group” plasmada na Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Internacional de Novembro de 2000”

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O crime em apreciação configura-se como um crime de comparticipação necessária; para que a organização exista indispensável se torna a comparticipação de vários agentes, com ressalva da modalidade de acção traduzida na “promoção” - Figueiredo Dias em “Associações Criminosas”, pág. 65 e no Comentário Conimbricense, § 43, pág. 1172.

Eduardo Correia, em Problemas fundamentais da comparticipação criminosa, Coimbra, 1951, págs. 45/6, refere os tipos cuja realização supõe a colaboração ou intervenção de várias pessoas, exigindo conceitualmente a intervenção de várias pessoas, dando lugar a uma comparticipação necessária, onde se distinguem dois grupos: os delitos de colisão ou de encontro e os delitos convergentes, aqui se incluindo aqueles crimes em que as condutas dos vários sujeitos não se dirigem umas de encontro às outras, mas convergem para a realização de um certo resultado.
A fls. 50, a propósito das figuras do Komplott (que tem lugar quando várias pessoas se associam com o fim de executar um ou vários crimes determinados) e Bande (quando tal associação se dirige à prática de uma série indeterminada de crimes), refere que nada impede que as necessidades de prevenção geral façam tratar tais associações (societas delinquendi) como crimes autónomos, sui generis, (aqui referenciando o crime do artigo 263.º do Código Penal de 1886) ou lhe dêem o valor de agravante especial relativamente a certos crimes particularmente graves.

Do mesmo modo, Paulo Pinto Albuquerque, Comentário do Código Penal, UCE, 2008, pág. 753, situando a associação na modalidade de crime de convergência, ou seja, aquele em que os contributos dos vários comparticipantes para o facto se dirigem, na mesma direcção, à violação do bem jurídico.

Cavaleiro Ferreira, nas Lições de Direito Penal, Editorial Verbo, 1987, 2.ª edição, I, após referir, a págs. 360, os crimes plurissubjectivos ou de participação necessária, como sendo os crimes que, por sua natureza, só podem ser cometidos por uma pluralidade de agentes, sendo, então, a pluralidade de agentes, elemento essencial da estrutura do crime, a págs. 363/4, considerava:
“Entre os crimes de participação necessária contam-se, no Código Penal, o crime de associações criminosas (art. 287.º) e o crime de organizações terroristas (art. 288.º).
Ambos os crimes constituem materialmente uma antecipação da tutela penal, para além da conspiração e da preparação de qualquer crime; e neste aspecto, pouco condizentes com a restrição da punibilidade, admitida em princípio, das várias fases do iter criminis.
Formalmente, é um crime autónomo, diferente e separado dos crimes que venham a ser deliberados, preparados ou executados.
(…) O crime consuma-se com a fundação da associação com a finalidade de praticar crimes, ou – relativamente a associados não fundadores - com a adesão ulterior.
Haverá sempre que distinguir claramente o crime de associações criminosas dos crimes que venham a ser cometidos por todos ou alguns dos associados; entre um e outros haverá concurso de crimes.
Caracteriza a associação o fim que se propõe: a prática de crimes.
Mas sendo de excluir os crimes que não possam por qualquer modo considerar-se ofensivos da «paz pública», ou de ramos de Direito Penal especial, bem como de contra-ordenações.
(…) Como associação, basta que tenha o mínimo de dois associados, mas pressupõe uma chefia e uma disciplina ou norma de funcionamento da organização.”

No Código Penal Anotado, de Leal - Henriques e Simas Santos, 3.ª edição, Rei dos Livros, 2000, 2.º volume, pág. 1358, pode ler-se que “O carácter de permanência, como pressuposto essencial do delito em causa, ainda que se satisfaça com a realização de um único crime, reclama inequivocamente que o objectivo da organização tenha consistido na intenção de manter, no tempo, uma actividade criminosa estável.
Se a finalidade radicar na consumação de um único delito, então estaremos perante uma simples comparticipação criminosa, de que nos fala o art. 26.º”.
O crime de associação criminosa consuma-se “independentemente do começo de execução de qualquer dos delitos que se propôs levar a cabo, bastando-se com a mera organização votada e ajustada a esses fim, sendo certo que o facto de a associação ser já de si um crime conduz a que os participantes nela sejam responsabilizados pelos delitos que eventualmente venham a ser cometidos no âmbito da organização, segundo as regras da acumulação real”.

Na mesma linha se situa - esclarecem os Autores - Nelson Hungria, em Comentário ao Código Penal Brasileiro, IX, págs. 177 e ss., quando escreve: «Associar-se quer dizer reunir-se, aliar-se ou congregar-se estável e permanentemente, para a consecução de um fim comum».
O Autor define a associação criminosa como reunião estável e permanente para o fim de perpetração de uma indeterminada série de crimes. A nota de estabilidade ou permanência da aliança é essencial. Não basta, como na co-participação criminosa, um ocasional e transitório concerto de vontades para determinado crime; é preciso que o acordo verse sobre uma duradoura actuação em comum, no sentido da prática de crimes não precisamente individualizados ou apenas ajustados quanto à espécie, que tanto pode ser única ou plúrima … basta uma organização social rudimentar, a caracterizar-se apenas pela continuada vontade de um esforço comum».


Jurisprudência


Vejamos agora as soluções jurisprudenciais sobre a figura da associação criminosa, quer a prevista no Código Penal 1982/1995, quer a prevista, no domínio específico de tráfico de estupefacientes, nos artigos 28.º dos Decretos - Leis n.º s 430/83 e 15/93.
(Algumas dessas referências se contêm em providências de habeas corpus, v. g., nos acórdãos de 05-02-2003, processo n.º 3586/02-3.ª; de 20-02-2003, processo n.º 378/03-5.ª e de 16-12-2003, processo n.º 4397/03-5.ª, o que tem a ver com o alongamento dos prazos de prisão preventiva, decorrentes da presença de tal crime, do seu enquadramento como criminalidade altamente organizada - artigo 1.º, alínea m), do Código de Processo Penal – e mesmo com a sua caracterização como crime permanente. A questão é abordada em Cavaleiro Ferreira, Lições, 1987, I, pág. 364, ao afirmar resultar do facto de a penalidade ser muito grave a possibilidade de a incriminação ser utilizada como meio de legalização da prisão preventiva, ou como instrumento de prevenção policial da criminalidade, muito mais do que como efectiva repressão do crime que se quis definir, e em Figueiredo Dias, em “Associações Criminosas”, a págs. 10 a 12, quando refere a inevitável verificação de pressões, conscientes ou inconscientes, da parte dos órgãos policiais no sentido do encurtamento das exigências típicas relativas à «associação» ou à «organização», e noutro passo, quando afirma que “são por demais compreensíveis os atractivos que, do ponto de vista da perseguição penal, possui a qualificação de um caso como integrante do tipo legal de associações criminosas (…)”, e no Comentário Conimbricense ao Código Penal, 1999, a págs. 1159).

Passar-se-ão em revista os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça que se debruçaram sobre o tema, concretizando-se referências expressas em alguns deles, havendo no entanto, para além destes, outros, como por exemplo, os acórdãos de 29-11-1989, AJ, n.º 3, processo n.º 40118; de 27-10-1993, processo n.º 43030; de 30-06-1994, processo n.º 45271; de 03-11-1994, processo n.º 46571; de 29-03-1995, processo n.º 46393; de 18-05-1995, processo n.º 43103; de 18-10-1995, processo n.º 45540; de 09-11-1995, processo n.º 48156; de 11-07-1996, processo n.º 483/96 (a associação pressupõe sempre uma certa estabilidade e durabilidade que não é compatível com a prática de um só crime); de 09-10-1996, processos n.º 48956-3.ª e n.º 47295-3.ª, in Sumários Assessoria, n.º 4, Outubro de 1996, págs. 73, 74; de 26-02-1997, processo n.º 1072/96; de 08-01-1998, processo n.º 1042/97; de 27-01-1998, processo n.º 490/97; de 02-07-1998, processo n.º 555/98.
(Sobre associações terroristas - artigos 288.º e 289.º, do Código Penal de 1982 - acórdãos de 22-06-1988, BMJ, n.º 378, pág. 355, de 23-11-1994, processo n.º 46.041, CJSTJ, tomo 3, pág. 255 e de 26-02-1997, processo n.º 120/97, CJSTJ 1997, tomo 1, pág. 230).

Pronunciaram-se sobre a configuração do crime em questão, nos referidos enquadramentos, inter altera, os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de:

26-02-1986, processo n.º 38 085, BMJ n.º 354, pág. 334 - O crime em causa pressupõe, como elementos constitutivos, a existência de uma associação e a sua finalidade criminosa.
O primeiro elemento existirá quando diversas pessoas (duas, pelo menos) se unam voluntariamente para cooperar na realização de um fim ou fins comuns e que essa união possua ou queira possuir uma certa permanência ou estabilidade (não basta a agregação momentânea ou casual de uma pluralidade de pessoas). Pressupõe, em suma, o mencionado crime que a associação viva, ou ao mesmo se proponha viver, como reunião estável de diversas pessoas ligadas entre si pelo propósito de delinquir e tendo em vista a actuação de um programa criminoso (cfr. V. De Bella, Il reato di associazione e delinquenza, pág. 33).
Assim se pensava já perante o artigo 263.º do Código Penal de 1886 referente ao crime de associação de malfeitores (cfr. Prof. Beleza dos Santos, RLJ ano 70.º p 97 e ss).
Mas não se torna necessária a exigência de qualquer organização, de um programa específico, de uma constituição hierárquica, ou de uma distribuição de funções ou de uma forma de partilha de lucros (loc. cit. e acórdão de 30-04-86, processo 38072, a propósito do similar crime de associação criminosa).
O crime do artigo 287.º constitui um crime autónomo, sui generis, sendo punido independentemente dos crimes cometidos pelos associados e em concurso real com estes.
E a autonomia da punição tem a sua razão de ser na ofensa da paz pública e no grave perigo da prática de crimes que oferece um agrupamento formado para a realização de efeitos ilícitos penais, com um certo carácter de permanência e estabilidade.

23-04-1986, processo n.º 38072, in BMJ n.º 356, pág. 136 - Para se consumar, como se via já do artigo 263.º do Código de 1886 e mais patentemente na Lei n.º 24/81, de 20-08, e hoje se inclui no n.º 2 do artigo 288.º, basta que, mesmo sem qualquer organização, se juntem duas ou mais pessoas e acordem dedicar-se, com certa estabilidade, a uma actividade criminosa. É este fim abstracto e é aquela ideia de permanência que distinguem a «associação» da «comparticipação», simples acordo conjuntural para se cometer um crime em concreto.

16-05-1990, processo n.º 39852, BMJ, n.º 397, pág. 190 - São elementos típicos do crime de associação criminosa do artigo 28.º do DL n.º 430/83, a promoção, fundação ou financiamento de grupo ou associação de duas ou mais pessoas, que actuem concertadamente, para a prática de qualquer dos actos que integram o crime do artigo 23.º.
A expressão legal «organização ou associação» (implica acordo de vontades…) significa ter de existir acordo de vontades, estrutura, estabilidade; como que se exige a demonstração de que as pessoas se uniram para cooperarem na produção de um programa criminoso, criando e pondo em funcionamento estruturas próprias, com tarefas específicas, com comando ou direcção. Como que se exige que, primeiramente, esteja constituída a organização e que, depois, os actos da prática dos crimes de tráfico de estupefacientes sejam o desenvolvimento, a consequência, a realização dos fins da organização.
Evidentemente que, neste tipo de crimes, pode haver co-autoria ou comparticipação e não é a essa forma do crime que a lei se refere, pois, então, bastaria preenchido o novo tipo quando ele fosse cometido por mais de duas pessoas.
Com este tipo de crime o legislador quis criar uma forma de luta contra o crime organizado, sabido que a organização é mais difícil de vencer, tem menos escrúpulos, comete, se necessário, outros crimes e tem carácter de permanência no tempo.
Por isso é necessário que se prove que existe algo mais que a actuação conjunta de várias pessoas, mais do que o cometimento do crime por intermédio de outrem, ou que outros tomem parte na sua execução, por acordo, que houve auxílio – arts 26.º e 27.º Código Penal
A actuação concertada mais não é do que o acordo exigido no artigo 26.º para a co-autoria, pelo que não pode atingir, só por si, o conjunto de requisitos impostos pelo artigo 28.º

05-05-1991, processo n.º 41 565, in BMJ n.º 408, pág. 162 - Os crimes previstos nos artigos 28.º do Decreto-Lei n.º 430/83 e 287.º do Código Penal são idênticos, não constituindo aquele mais do que a extensão aos crimes que refere, não regulados no Código Penal, do regime estabelecido pelo segundo artigo para os crimes comuns.
Num caso como noutro, verifica-se o crime de associação criminosa quando duas ou mais pessoas se unem voluntariamente para cooperar na realização de um programa criminoso possuindo essa associação o carácter de certa permanência ou estabilidade.

31-10-1991, processo n.º 41844, BMJ n.º 410, pág. 418O que caracteriza o cerne do crime de associação e o distingue da co-autoria, onde se torna, a cada momento, a decisão de cometer determinado crime, é um projecto a prazo razoável, a permanência das pessoas cooperando entre si na realização desse fim criminoso. São este fim abstracto e aquela ideia de permanência que distinguem a «associação» da «comparticipação», simples acordo conjuntural para se cometer um crime em concreto. (cita 26-02-86, BMJ 354, 334 e de 09-12-87, processo n.º 34209).

13-02-1992, processo n.º 42233, BMJ n.º 414, pág. 186 - Fazendo síntese do que se contém em Código Penal de 1982, pág. 425, de Leal Henriques Simas Santos, loc cit., e de Beleza dos Santos, in RLJ ano 70.º, conclui: O crime de associação criminosa do artigo 287.º do Código Penal exige a congregação de três elementos essenciais: um elemento organizativo, um elemento de estabilidade associativa e um elemento de finalidade criminosa, bastando, pois, demonstrar a existência de uma associação, isto é, um acordo de vontade de duas ou mais pessoas para a consecução de fins criminosos e uma certa estabilidade e permanência ou pelo menos o propósito de ter esta estabilidade.

26-02-1992, processo n.º 42222, BMJ n.º 414, pág. 232 - O que releva no crime de associação criminosa é a conjugação de vontades. Trata-se de uma conjugação de vontades para a comissão de actos criminosos, de uma união de vontades para a prática abstracta de crimes, ou de conjuntos de crimes, independentemente da formulação de propósitos para a execução de crime determinado e pressupõe uma actuação conjugada e concertada dos agentes, por forma a traduzir os seus propósitos de, em conjunto, «fazerem vida» da actividade criminosa. Não se trata de uma associação acidental, para a prática de um acto criminoso, enquadrável na figura da co-autoria simples, nem de um somatório de associações acidentais, cada uma resultante de uma diferente resolução, igualmente com aquele propósito criminoso.

05-03-1992, BMJ n.º 415, pág. 434 - A associação de delinquentes prevista no artigo 28.º do DL n.º 430/83 funciona em relação de especialidade perante as associações criminosas do artigo 287.º do Código Penal, não dispondo de uma estrutura que nuclearmente divirja da destas últimas.
Torna-se necessário um acordo de vontades levado a cabo e posto em prática por duas ou mais pessoas, com certo carácter de estabilidade e permanência ou duração, para se realizar uma pluralidade de factos puníveis, onde o dolo se enquadra na aquiescência, a finalidade comum - que não na comissão da actividade delituosa derivada – e onde ocorrem uma certa organização e um processo de formação da vontade colectiva, erguidos sobre indeclinável sentimento comum de ligação entre os associados.
A associação criminosa, como ensina Figueiredo Dias, é algo que supera os simples agentes, constituindo um ser diverso de qualquer das individualidades das pessoas daqueles. E a vontade associativa não se confunde, v. g. com a vontade individual do chefe de um bando ou de uma rede que actua em nome e no proveito exclusivos daquele ou dos quais ele se serve para a realização de fins criminosos pessoais.

13-05-1992, processo n.º 42228, BMJ n.º 417, pág. 308 e CJ 1992, tomo 3, pág. 15 (do mesmo relator do acórdão de 26-02-1992) - Para a verificação do crime de associação criminosa basta a existência de uma união de vontades para a prática abstracta de crimes, ou de conjunto de crimes, independentemente da formulação do propósito de execução de um crime determinado e pressupõe uma actuação conjugada e concertada dos agentes, por forma a traduzir os seus propósitos de, em conjunto, fazerem vida de actividade criminosa.

17-12-1992, BMJ n.º 422, pág. 152, e CJ 1992, tomo 5, pág. 31 - O artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 430/83 exige menos que o artigo 287.º do Código Penal, quer quanto à estrutura organizativa quer quanto à perenidade do grupo ou ao número de crimes, donde decorre que é punível a formação de grupo que actua concertadamente visando a prática de um só crime (no caso de tráfico agravado do artigo 27.º do DL citado) e não de crimes como acontece no artigo 287.º, ainda que se não sobreponha a vontade de cada um individualmente, como vontade autónoma, nos termos do artigo 287.º do Código Penal. No mesmo sentido, o acórdão de 30-10-1992, processo n.º 43534, citado no texto.

26-05-1993, processo n.º 44123, CJSTJ 1993, tomo 2, pág. 237 - Para a verificação do crime de associação criminosa é essencial verificar-se o fim abstracto da prática de crimes, a estabilidade organizativa e uma ideia de permanência, de duração. (Segue de perto os acórdãos de 26-02-1986, BMJ 354, 334; de 23-04-1986 in BMJ 356, 136, e de 13-05-1992, BMJ 417, 308 e CJ 1992, tomo 3, pág. 15).

12-01-1994, processo n.º 45875, CJSTJ 1994, tomo 1, pág. 192 - não é pressuposto do crime do artigo 28.º do DL n.º 15/93, que o grupo ou a associação se situem no território nacional.

26-05-1994, processo n.º 45385, CJSTJ 1994, tomo 2, pág. 233 e BMJ n.º 437, pág. 263 - Neste acórdão, que afasta a associação criminosa, já que no caso em apreço, os condenados apenas se juntaram num acordo meramente ocasional para transportar haxixe numa embarcação, tratando-se de um acordo conjuntural, sem carácter de permanência para a consumação do crime em concreto, o que configura a hipótese de comparticipação, pondera-se que: «O crime de associação de delinquentes previsto no art. 28.º do DL n.º 430/83, agora designado por associação criminosa (art. 28.º do DL n.º 15/93), funciona em relação de especialidade perante as associações criminosas do art. 287.º do Código Penal, não dispondo, todavia, de estrutura que nuclearmente divirja destas.
Para que este crime seja cometido, torna-se necessário um acordo de vontades celebrado e posto em prática por duas ou mais pessoas, com carácter de estabilidade e permanência ou duração para se realizar uma pluralidade de factos puníveis, onde o dolo se enquadra na aquiescência à finalidade comum (Ac. do STJ, de 5/3/1992, P.º 42063).
Cometem o crime de associação criminosa duas ou mais pessoas que se juntam e acordam dedicar-se, mesmo sem qualquer organização, mas com certa estabilidade, a uma actividade criminosa.
O fim abstracto e a ideia de permanência distinguem a associação criminosa da comparticipação, que é um simples acordo conjuntural para cometer um crime em concreto (Acs. do STJ, de 16/4/1986, BMJ 356 -132, e de 23/4/1986, BMJ 356-136).

01-06-1994, processo n.º 45 272, CJSTJ 1994, tomo 2, pág. 242 e BMJ n.º 438, pág. 154 – Para a existência do crime de associação criminosa para o tráfico de estupefacientes, previsto no artigo 28.º do DL n.º 15/93, basta que os agentes tenham agido concertadamente, visando o tráfico de droga, com repartição de funções e que a sua ligação e concertação tenham sido prolongadas e não meramente ocasionais. (Neste acórdão segue-se de perto a doutrina de Beleza dos Santos em passagens supra assinaladas).

03-11-1994, processo n.º 46571 - O que caracteriza fundamentalmente a associação criminosa é o acordo de vontades de duas ou mais pessoas para a consecução de fins criminosos e uma certa estabilidade ou permanência ou, ao menos, o propósito de ter esta estabilidade. Esta ideia de estabilidade e permanência é que a distingue da comparticipação. Em suma: as traves mestras para a verificação da existência de uma associação criminosa são apenas o fim abstracto de cometer crimes, a estabilidade organizativa e uma ideia de permanência, de duração.

09-02-1995, processo n.º 46 991, in CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 198 – (Do mesmo relator do acórdão de 26-05-1994, processo n.º 45385, in CJSTJ 1994, tomo 2, pág. 233) Louvando-se nos ensinamentos de Beleza dos Santos e do citado parecer de 1985, considerou-se terem cometido o crime em causa os dois arguidos que fundaram e puseram em actividade, por acordo de vontades, uma organização estável e permanente, dotada de certa autonomia e destinada à prática de crimes de burla (em concurso real com o de associação).
Os arguidos constituíram uma organização com um desígnio deliberado de cometer crimes de burla, através de outros crimes de emissão de cheques sem cobertura. Essa organização, pré-ordenada ao cometimento de crimes, exigiu dos arguidos um acordo persistente, que produziu como efeito um aumento gradual da sua responsabilidade.

15-02-1995, processo n.º 44. 846, CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 205 - Citando os acórdãos de 26-05-93, CJSTJ 1993, tomo 2, pág. 237; de 26-02-86, BMJ n.º 354, pág. 334; de 23-04-86, BMJ n.º 356, pág. 136; de 13-02-1992, BMJ n.º 414, pág. 186; de 13-05-1992, BMJ n.º 417, pág. 308 e Colectânea de Jurisprudência 1992, tomo 3, pág. 15, e de 03-11-1994, processo n.º 46.571, do acórdão se extrai que “as traves mestras para a verificação da existência de uma associação criminosa são apenas o fim abstracto de cometer crimes, a estabilidade organizativa e uma ideia de permanência, de duração”.

10-07-1996, processo n.º 48.675, CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 229 (maxime 246/7)São elementos essenciais do crime a existência de uma pluralidade de pessoas, um mínimo de estrutura organizatória, sentimento comum de ligação dos membros da associação, encontro de vontades destinado a dar origem a uma realidade autónoma, diferente e superior às vontades internas do membros, singularmente considerados, e permanência da associação.

14-11-1996, processo n.º 48.588-3.ª, in Sumários, n.º 5, Novembro 1996, pág. 74 – Comete o crime do artigo 28.º do DL 15/93, o arguido que presta auxílio material a outro arguido que faz parte de uma associação criminosa, e tendo consciência de que esse arguido é a figura principal dessa mesma associação. Na previsão do n.º 2 do artigo 28.º do DL 430/83, cabe a conduta de quem aceita colocar em seu nome bens adquiridos por membros de associações criminosas com dinheiro proveniente do tráfico. O crime de associação criminosa é necessariamente doloso.

11-12-1996, processo n.º 48.697 - 3.ª secção, in Sumários, n.º 6, Dezembro 1996, pág. 63 - Uma associação criminosa pode revestir formas variadas, em que o grau de organização, de hierarquia e de transpersonalidade divirja de caso para caso, sendo natural que nos seus modos de ser mais simples, algumas destas características sejam rudimentares ou não existam sequer. O necessário é que haja “uma união de vontades para a prática abstracta de crimes, ou de conjunto de crimes, independentemente da formulação de propósitos para a execução de um crime determinado, e pressupõe uma actuação conjugada e concertada dos agentes, por forma a traduzir os seus propósitos de, em conjunto, «fazerem vida» da actividade criminal”.
Em sentido idêntico o acórdão de 12-03-1997, processo n.º 1015/96, da mesma secção, in “Sumários”, n.º 9, Março de 1997, pág. 70.

26-02-1997, processo n.º 1072/96 - 3.ª, in Sumários, n.º 8, pág. 101 – Para que haja associação entre os membros do grupo para efeitos do artigo 287.º do CP de 1982 e 299.º, n.º 1 e 2 do CP de 1995, é necessário que ela tenha uma finalidade criminosa e uma certa estabilidade e permanência.

26-02-1997, processo n.º 120/97, CJSTJ 1997, tomo 1, pág. 230Os crimes dos artigos 287.º e 288.º do CP/82 (299.º e 300.º CP revisto) entram na categoria dos crimes de perigo abstracto - o perigo é razão motivante da lei, mas não entra na estrutura do facto. Não há então evento de perigo; independentemente de qualquer situação concreta de perigo tem lugar a incriminação da acção ou omissão em abstracto perigosa.

17-04-1997, processo n.º 1073/96 - 3.ª, BMJ n.º 466, pág. 227 - O que caracteriza fundamentalmente a associação criminosa é a ideia de estabilidade e permanência, e ideia esta que já não está imanente na comparticipação, embora o fim num e noutro instituto possa ser o mesmo - no mesmo sentido acórdãos de 9-12-87 e de 12-02-1992.
Não pode dar-se como verificada a integração na figura da comparticipação, dada a existência do elemento de estabilidade e permanência da sua organização.
A seguir afasta-se requisito presente no parecer e estudo citados de Figueiredo Dias, referindo: «Ora segundo este entendimento, só poderia falar-se de associação criminosa quando o encontro de vontades dos participantes deu origem a uma realidade autónoma, diferente e superior às vontades e interesses dos singulares membros.
Contudo, e salvo o devido respeito, cremos que tal requisito não é necessário.
Em primeiro lugar, há que referir que a comparticipação também é uma realidade diferente e como tal se distingue da autoria simples, até porque se rege por normas próprias, como é o caso dos artigos 28.º e 29.º do Código Penal.
Depois, o encontro de vontades na comparticipação produz um resultado também diferente, integrado pela conduta derivada do acordo prévio firmado entre os comparticipantes.
O que é essencial na associação criminosa, e não existe na comparticipação, é a estabilidade ou permanência, ou ao menos com o propósito de ter esta estabilidade.
Atrevíamo-nos a dizer que na associação criminosa há uma affectio societatis para o crime, que de forma alguma existe na comparticipação».

05-11-1997, processo n.º 549/97 - 3.ª secção, CJSTJ 1997, tomo 3, pág. 222 – São elementos constitutivos do crime de associação criminosa, pelo lado subjectivo, o dolo; pelo lado objectivo, um acordo de vontades de duas ou mais pessoas, visando a prática de crimes em abstracto e uma certa permanência, com um mínimo de organização. O acordo tem por objecto a formação da associação criminosa. Nisto se distingue do acordo na comparticipação, o qual tem por objectivo a prática de um crime em concreto. O objecto da associação criminosa é que consiste na prática de crimes. O dolo não se dirige à comissão de cada um dos crimes que integram o objecto da associação, mas sim à criação, fundação, participação, apoio, chefia ou direcção da associação, com conhecimento da finalidade criminosa desta. A existência da associação não depende da concretização da actividade criminosa, como se realça com a introdução do termo “finalidade “ na revisão de 1995 (actual artigo 299.º do Código Penal).

27-01-1998, processo n.º 696/97, CJSTJ 1998, tomo 1, pág. 181 - O crime de associação criminosa tem como pressupostos: a promoção ou criação de um grupo, organização ou associação, a finalidade ou actividade dirigida à prática de crimes, uma certa estabilidade ou permanência associativa e o dolo. O que verdadeiramente releva é o acordo de vontades para a consecução de fins criminosos e uma certa estabilidade ou permanência, o que o distingue da comparticipação criminosa (citando aqui acórdão de 17-03-97, proferido no processo 1073/96-3.ª).

05-02-1998, processo n.º 1038/97, CJSTJ 1998, tomo 1, pág. 192, do mesmo relator do anterior – Afasta o crime de tráfico de estupefacientes agravado pela actuação em bando. Do crime de associação criminosa, p. p. pelo artigo 28.º do DL 15/93, não é elemento típico a existência de qualquer tipo de chefia ou comando, nem a forma como é feita a distribuição dos lucros. O que verdadeiramente releva é o acordo de vontades para o cometimento de crimes de tráfico e uma certa “estabilidade ou permanência”. Estando em causa, no crime de associação criminosa a defesa da paz social e a defesa contra o crime organizado, e, no de tráfico de estupefacientes, a saúde pública, o concurso entre tais crimes é um concurso real, e não meramente aparente.

04-06-1998, processo n.º 1235/97, BMJ n.º 478, págs. 7 a 88 – São elementos típicos:
a) Fundar (promover - acrescentou o CP1995), fazer parte, apoiar, chefiar ou dirigir grupo, organização ou associação;
b) Que o grupo, organização ou associação tenha a sua actividade (ou finalidade -acrescentou o Código Penal de 1995) dirigida à prática de crimes;
c) Que o agente tenha querido fundar (promover), fazer parte, apoiar, chefiar ou dirigir grupo, organização para a prática de crimes e que saiba que a sua conduta é proibida por lei.
Sendo um crime doloso, o dolo há-de ser dirigido precisamente à aquiescência e acordo de vontades colimados à finalidade comum de cometer crimes de determinada natureza.
O STJ tem exigido que o acordo de vontades tenha um certo carácter de permanência e de autonomia relativamente à personalidade de cada um dos seus aderentes.
Enquanto na co-autoria ou comparticipação existirá um acordo conjuntural para a comissão de determinado crime concreto, na verdadeira associação criminosa exige-se a existência de um projecto estável para a realização da finalidade de praticar crimes de certa natureza, em número não determinado.
No caso, por não se ter provado que o encontro de vontades dos arguidos tivesse dado origem a uma realidade autónoma, diferente e superior às suas vontades e interesses singulares, nem a existência de estruturas de decisão reconhecidas por todos, nem um qualquer processo de formação da vontade colectiva, nem a subordinação das vontades individuais à vontade do todo, nem a ligação do «grupo» de indivíduos a uma realidade referenciável, não resultando dos factos provados o chamado «dolo de associação», conclui que os factos provados revelam um «grupo orgânico» que actuava em comparticipação e complementaridade criminosa, não integrando o crime de associação criminosa, mas o de bando para efeitos do artigo 204.º, n.º 2, alínea g), do Código Penal.

Como se extrai do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 102/99, de 10-02-1999, processo n.º 1103/98-3.ª Secção, publicado in Diário da República, II Série, n.º 77, de 01-04-1999, pág. 4843, e BMJ n.º 484, pág. 119, não viola o princípio ne bis in idem a interpretação das normas constantes dos artigos 21.º, 24.º e 28.º do DL 15/93, em termos de concluir que os crimes de tráfico ilícito de estupefacientes e de associação criminosa se encontram numa relação de concurso real, por serem diferentes os bens jurídicos tutelados por cada um dos normativos; naquele, uma multiplicidade de bens jurídicos, designadamente de carácter pessoal, todos se reconduzindo a um mais geral: a saúde pública e neste a paz pública.

24-01-2001, processo n.º 230/00 - 3.ª Secção – É um crime de perigo abstracto, permanente e de participação necessária, havendo quanto a ele que distinguir o crime de associação e os crimes da associação, ou seja, dos seus membros ou participantes.

10-05-2001, processo n.º 373/01, CJSTJ 2001, tomo 2, pág. 198 - O crime de associação criminosa, quer do artigo 299.º do Código Penal, quer para tráfico de estupefacientes, deve ter-se por consumado independentemente do começo de execução de qualquer dos ilícitos que a referida associação se propôs levar a cabo, bastando-se (ou preenchendo-se tipicamente) com a mera criação de organização votada, engendrada e ajustada a essa finalidade delituosa, certo sendo que a circunstância de a associação ser já de si e de per si um crime conduz a que os seus membros ou os nela participantes sejam alvo de responsabilização e de punição pelos crimes que eventualmente venham a ser cometidos no âmbito da organização criada (segundo as regras da acumulação real ou efectiva).
A associação tem de preexistir à comissão dos crimes, enquanto factor que os originou e enquanto impulso inicial da actividade delitiva em que eles se objectivaram.

13-12-2001, processo n.º 3654/01-5.ª, CJSTJ 2001, tomo 3, pág. 237 - O crime de associação criminosa consuma-se independentemente do começo de execução de qualquer dos delitos que os agentes se propõem levar a cabo; basta que a respectiva organização seja votada e ajustada a esse fim (citando Leal Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, 3.ª ed, II, pág. 1358).

18-12-2002, processo n.º 3217/02 - 3.ª Secção – A associação de delinquentes a que se refere o artigo 28.º do DL 15/93, em confronto com a associação criminosa, p. p. pelo artigo 299.º do Código Penal tem uma posição homóloga das associações terroristas ; em ambas trata-se de associações (criminosas) qualificadas, numa relação de especialidade para com as associações criminosas em geral.
No caso dos autos, a constituição do grupo teria provindo não de um acordo ou pacto prévio ao cometimento dos crimes mas como algo nascido a posteriori, sem que haja resquício de criação de um centro de facto autónomo que esteja acima dos agentes, ao qual estes se liguem para a prática dos crimes de tráfico, p. p. no artigo 21.º (No caso foi considerada a agravante da alínea j) do artigo 24.º).

08-01-2003, processo n.º 4221/02 - 3.ª Secção - Para que se tenha por preenchido o tipo objectivo do crime de associação criminosa, p. p. pelo art. 299.º do Código Penal, torna-se indispensável que o grupo, organização ou associação resulte de um processo de formação da vontade colectiva que não se confunde com a vontade individual de cada um dos indivíduos envolvidos ou a vontade individual do chefe ou chefes de um conjunto de intervenientes (constituindo porventura um bando) que actuam em nome e no proveito exclusivo daquele. Exige-se que, mercê de um sentimento comum de ligação entre os membros participantes desse processo, resulte uma realidade autónoma, diferente e superior às vontades e interesses dos singulares membros, isto é, um centro autónomo de imputação fáctica das acções prosseguidas ou a prosseguir em nome do interesse do conjunto.

23-04-2003, processo n.º 789/03 - 3.ª Secção - É entendimento unânime, quer ao nível doutrinal quer jurisprudencial, que são elementos essenciais do crime de associação criminosa o factor organizativo, a estabilidade associativa e a finalidade criminosa, portanto uma aliança com um mínimo de estrutura estável, permanente, com vista à prática de crimes e que dê origem a uma realidade autónoma, diferente e superior às vontades e interesses dos seus membros.
De acordo com a doutrina proposta por Figueiredo Dias, não é correcto condenar-se por associação criminosa que tenha já levado a cabo a prática de crimes, sem perguntar primeiro se se condenaria do mesmo modo os próprios componentes da associação mesmo que nenhum crime tivesse sido cometido e sem se ter respondido afirmativamente a tal questão.

09-07-2003, processo n.º 2026/03 - 3.ª Secção - Um trabalho efectivo para realização do escopo criminoso de uma certa associação criminosa e mesmo a participação sistemática nos concretos crimes cometidos não bastará para caracterizar a situação de «parte» ou «membro» se o indivíduo não pertencer à associação.

11-12-2003, processo n.º 2293/03 - 5.ª Secção - O juiz não condenará nunca por associação criminosa, à qual se impute já a prática de crimes, sem antes se perguntar (e responder afirmativamente) se condenaria igualmente os agentes mesmo que nenhum crime tivesse sido cometido.

26-02-2004, processo n.º 267/04 - 5.ª Secção - São elementos típicos do crime de associação criminosa: a existência de uma pluralidade de pessoas; uma certa duração; um mínimo de estrutura organizatória, que sirva de substracto material à existência de algo que supere os simples agentes, com estabilidade dos seus agentes; um qualquer processo de formação de vontade colectiva; um sentimento comum de ligação.
Verificando-se a existência cumulativa de tais pressupostos importa concluir pela verificação do crime em causa, sem esquecer que, nomeadamente, os aspectos subjectivos hão-de ser objecto de alguma interpretação das manifestações exteriores da actuação criminosa de que se trata, pois, como é intuitivo, não é possível ler o que vai no íntimo de quem quer, mormente de quem, com algum “profissionalismo”, decide organizar-se para praticar crimes.

27-04-2005, processo n.º 149/05 - 5.ª Secção - Comete um crime p. e p. pelo art. 28.º, n.º 2, do DL 15/93, quem conhecendo a existência de um grupo organizado que tinha por objectivo a importação/exportação de cocaína e conhecendo a sua natureza psicotrópica e o carácter criminoso da sua conduta, lhe prestou colaboração, dele recebendo «quantias monetárias para gastos [na Europa, nomeadamente em Portugal] com os trâmites das importações e como contrapartida pela actividade desenvolvida», que incluiu o cancelamento da exportação de dois contentores com 416,17 kg. de cocaína, depois de, à passagem do barco fretado por Roterdão, as respectivas autoridades alfandegárias haverem apreendido a cocaína e - de acordo com as autoridades portuguesas - a terem substituído por «material de simulação».

18-05-2005, processo n.º 4189/02 - 3.ª Secção - O STJ, na caracterização da tipicidade do crime de associação criminosa, tem vindo a afirmar a necessidade de verificação dos seguintes elementos:
- pluralidade de pessoas (duas ou mais pessoas);
- uma certa duração do grupo, organização ou associação;
- um mínimo de estrutura organizatória que sirva de substrato material à existência de algo que supere os agentes;
- um qualquer processo de formação da vontade colectiva, dirigida à prática de crimes;
- um sentimento de ligação por parte dos membros da associação; acrescentando ainda, dado tratar-se de um crime doloso, que o dolo há-de ser dirigido precisamente à aquiescência e acordo de vontades colimadas à finalidade comum de cometer crimes, ou seja, o “dolo de associação”.
A associação criminosa distingue-se da comparticipação pela estabilidade e permanência que a acompanha, embora o fim num e noutro instituto possa ser o mesmo; mas o elemento distintivo fundamental da associação criminosa em relação à comparticipação reside na estrutura nova que se erige, uma estrutura autónoma superior ou diferente dos elementos que a integram e que não aparece na comparticipação. É mais que a actuação conjunta de várias pessoas.
O crime de associação criminosa é um crime de perigo abstracto, permanente e de participação necessária, havendo quanto a ele que distinguir o crime de associação e os crimes da associação, ou seja, dos seus membros ou participantes.
Não se apreendendo com suficiência, na matéria de facto provada, elementos que caracterizem a verificação de um qualquer pacto, mais ou menos explícito, entre os agentes do grupo, no sentido de criar uma realidade autónoma, diferente e superior às vontades e interesses dos seus singulares membros, e que disso tenha resultado um centro autónomo de imputação fáctica das acções prosseguidas, não se mostram verificados os elementos do tipo de crime previsto no art. 28.º do DL 15/93, de 22-01.

07-12-2005, processo n.º 2105/05 - 5.ª Secção - O crime do art. 28.º do DL 15/93, de 22-01, exige, do lado objectivo, a existência duma associação, grupo ou organização, o que pressupõe que o encontro de vontades dos participantes - hoc sensu, a verificação de um qualquer pacto mais ou menos explícito entre eles -, tenha dado origem a uma realidade autónoma, diferente e superior às vontades e interesses dos singulares membros; uma certa duração - não necessariamente pré-determinada -, que lhe permita a realização do fim criminoso da organização; o mínimo de estrutura organizativa e um processo de formação da vontade colectiva e, no que tange ao elemento subjectivo, o dolo, ainda que eventual (em termos semelhantes o acórdão de 29-11-2006, processo n.º 3802/05 - 3.ª Secção).

28-06-2006, processo n.º 3463/05 - 3.ª Secção - Não se verificam os elementos do tipo de crime de associação criminosa, p. e p. pelo art. 28.º do DL 15/93, de 22-01, se na matéria de facto provada não se vislumbra um «encontro de vontades dos participantes» que «dê origem a uma realidade autónoma, diferente e superior às vontades dos singulares membros» (cf. Figueiredo Dias e Costa Andrade, Parecer, in CJ, X, tomo 4, págs. 11 e ss.).
(Invocado ainda o critério colocado por Figueiredo Dias, in Comentário Conimbricense do Código Penal, II, pág. 1158).

29-11-2006, processo n.º 3802/05 - 3.ª Secção - A infracção prevista no art. 28.º do DL 15/93, de 22-01 (associação criminosa), demanda, do lado objectivo, a existência de um grupo, organização ou associação, o que pressupõe que o encontro de vontades dos participantes (a verificação de um qualquer pacto mais ou menos explícito entre todos) tenha dado origem a uma realidade autónoma, diferente e superior às vontades e interesses dos seus singulares membros; uma certa duração (não necessariamente predeterminada), que lhe permita a realização do fim criminoso da organização; o mínimo de estrutura organizativa e um processo de formação da vontade colectiva; e exige, do lado subjectivo, o dolo, ainda que na modalidade de eventual.

03-05-2007, processo n.º 896/07 - 5.ª Secção - Como resulta, designadamente, do elemento sistemático, o bem jurídico protegido pelo art. 299.º do CP é, dentro da ordem e tranquilidade públicas, a paz pública: esta é colocada em perigo pela simples existência da associação criminosa, independentemente da comissão de qualquer crime a cuja prática se destine a associação.
Este é um crime de perigo abstracto: formada a associação deve, sem mais, considerar-se integrado o elemento objectivo do crime em causa.
Daqui se retira um critério prático de distinguir o crime de um caso de mera comparticipação criminosa: no 1.º caso, formada a associação e verificada a existência do elemento subjectivo, haverá de seguir-se-lhe, como consequência, a aplicação de uma reacção criminal, enquanto que no 2.º caso, está-se perante actos preparatórios, em regra não puníveis.
O conceito de “associação” é um conceito normativo para cuja densificação há que lançar mão a critérios normativos e teleológicos, bem como a propósitos e exigências político-criminais – cf. Figueiredo Dias, As “Associações Criminosas” no Código Penal Português de 1982, Coimbra Editora, 1988, pág. 23. (…) Quanto ao tipo subjectivo, exige-se a existência de dolo: o elemento intelectual exige, para além do mais, o conhecimento pelo agente de que existe uma associação criminosa cujo objectivo é a prática de crimes; o elemento volitivo exige, pelo menos, o dolo eventual.

17-04-2008, processo n.º 4457/06 - 3.ª Secção - O bem jurídico acautelado pela incriminação da associação criminosa é o da paz pública, no sentido das expectativas sociais de uma vida comunitária livre da especial perigosidade de organizações que tenham por escopo o cometimento de crimes.
O legislador, numa clara opção de política criminal, antecipa a tutela penal para o momento anterior ao da efectiva perturbação da segurança e tranquilidade públicas, mas em que já se criou um especial perigo de perturbação. Daí que dogmaticamente se integre a infracção na categoria dos crimes de perigo abstracto, permanentes e de participação necessária.
Conforme já se entendia na vigência da redacção originária do art. 287.º do CP, e aparte diferenças de redacção relativamente ao actual art. 299.º, o preenchimento do delito, sob o prisma objectivo, demanda a promoção ou fundação de grupo, organização ou associação cuja finalidade ou actividade seja a realização da acção criminosa.
Dado tratar-se de um crime doloso, em qualquer das suas modalidades (art. 14.º do CP), o dolo há-de ser dirigido à aquiescência e acordo de vontades direccionados à finalidade comum de cometer crimes, isto é, o “dolo de associação”.
Este primeiro elemento constitutivo existirá quando diversas pessoas se unam voluntariamente para cooperar na realização de um fim ou fins comuns e essa união possua ou queira possuir uma certa permanência ou estabilidade, o que afasta as situações de mera agregação momentânea ou casual de uma pluralidade de pessoas.
O requisito de uma “certa duração temporal” não tem que ser fixado a priori, mas tem que ocorrer para permitir a realização do fim criminoso.
O ilícito pressupõe que a dita associação viva, ou ao menos se proponha viver, como reunião estável de diversas pessoas ligadas entre si com o fito de delinquir e norteadas pela actuação de um programa criminoso.
Acresce que o escopo desviante não tem que estar estabelecido à partida, antes pode surgir numa fase em que a associação já esteja em funções; ademais, não carece de ser o único objectivo, nem sequer o principal, da associação.
Por outro lado, não é preciso que existam crimes concretos, cometidos ou planeados, apenas que a associação se proponha essa prática. Contudo, não basta que o acordo colectivo se destine à prática de um só crime, por a tanto se opor, nomeadamente, a letra da lei.
Em suma, só pode falar-se de associação criminosa quando a confluência de vontades dos participantes dê origem a uma realidade autónoma, diferente e superior às vontades e interesses dos singulares membros, isto é, quando emerja um centro autónomo de imputação fáctica das acções prosseguidas ou a prosseguir em nome e no interesse do conjunto, um ente distinto de imputação e motivação, como entidade englobante, com metas ou objectivos próprios. Centro este que, pelo simples facto de existir, deve representar, em todo o caso, uma ameaça tão intolerável que o legislador reputa necessário reprimi-la com penas particularmente severas.
É o fim abstracto e é aquela ideia de permanência que distinguem a «associação criminosa» da «comparticipação», simples acordo conjuntural para se cometer um crime em concreto.

16-10-2008, processo n.º 2958/08 - 5.ª Secção - Para tanto, impõe-se apurar a existência, por um lado, de um centro autónomo de imputação, transcendendo os respectivos membros e ao qual sejam imputadas as acções por eles levadas a cabo, ou seja, uma organização estruturada, estabilizada (até em termos temporais) e hierarquizada, dotada de meios próprios e constituindo uma entidade independente das pessoas que a formam e, por outro lado, o acordo entre os seus membros, quer no sentido de aderirem a tal organização – cujos fins conheciam –, quer para, uma vez aderindo a ela, colaborarem com a realização das tarefas que lhe estavam destinadas e lhes eram transmitidas pelos respectivos coordenadores na prossecução dos respectivos objectivos, mediante um esquema de remunerações e de contrapartidas financeiras.


Revertendo ao caso concreto.

Vejamos a posição assumida no acórdão recorrido.

O acórdão recorrido debruçou-se sobre as duas questões suscitadas pelo recorrente com referência ao crime de associação criminosa.

A primeira tem a ver com a omissão do denominado “critério doutrinal e jurisprudencial utilizado para atestar a existência da associação criminosa” segundo a formulação de Figueiredo Dias.
Na segunda questão pugna o recorrente no sentido de que a matéria dada como provada não integra a figura da associação criminosa, por não estarem reunidos os elementos do tipo objectivo e subjectivo do crime a que se refere o artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 15/93, concretamente: a verificação de um pacto, mais ou menos explícito, que tenha dado origem a uma realidade autónoma, diferente e superior às vontades e interesses dos singulares membros; a intenção e a representação da fundação, existência e chefia de uma organização para a prática de crimes, na pessoa do Recorrente.

Sobre a primeira questão, discreteou o acórdão recorrido no ponto 4.2.5.1.1:
«No conhecimento desta questão, impõe-se desde logo dar conta sobre o que deva entender-se com o invocado critério, integrando-o no (con)texto de que o próprio Recorrente se socorre na argumentação expendida.
Se bem se interpreta, pretendeu aquele Mestre de Coimbra chamar a atenção para a dificuldade na distinção prática entre o que deva considerar-se, de uma parte, comparticipação criminosa e, de outra, o que deva considerar-se associação criminosa
Reza o texto: (extraído do Comentário Conimbricense)
«O problema mais complexo de interpretação e aplicação que aqui se suscita é, na verdade, o de distinguir cuidadosamente – sobretudo quando se tenha verificado a prática efectiva de crimes pela organização – aquilo é já associação criminosa daquilo que não passa de mera comparticipação criminosa. Para tanto indispensável se torna uma cuidadosa aferição, pelo aplicador, da existência in casu dos elementos típicos que conformam a existência de uma organização no sentido da lei (…). Em muitos casos porém tal não será suficiente. Sendo neles indispensável que o aplicador se pergunte se, na hipótese, logo da mera associação de vontades dos agentes resultava sem mais um perigo para bens jurídicos protegidos notoriamente maior e diferente daquele que existiria se no caso se verificasse simplesmente uma qualquer forma de comparticipação criminosa. E que só se a resposta for indubitavelmente afirmativa (in dubio pro reo) possa vir a considerar integrado o tipo de ilícito do artigo 299º. (Um bom critério prático residirá aliás em o juiz não condenar nunca por associação criminosa, à qual se impute já a prática de crimes, sem se perguntar primeiro se condenaria igualmente os agentes mesmo que nenhum crime houvesse sido cometido e sem ter respondido afirmativamente à pergunta)»
Nesta indicação, se bem se interpreta, o enfoque dado pelo citado autor e mestre incidiu sobre a necessidade de que o julgador faça uma correcta abstracção e/ou distinga e/ou separe (metafisicamente) a associação criminosa (ens a se) dos factos/crimes que, entretanto, eventualmente tenha já por comprovadamente praticados.
Aconselha-se, então, que o juiz logre abstrair-se dos crimes que, eventualmente, tenha por comprovados. Dizer, no acto da subsunção juspenal que ao julgador cabe proceder com vista à confirmação ou à não comprovação da prática de um crime de associação criminosa, deverá o juiz partir da ideia de que nenhum crime consta - nem participado, nem acusado, nem provado - e, uma vez neste limbo – ou seja, assim abstraído e mentalmente escorrido dos crimes eventualmente comprovados - , interrogue-se então: os factos adquiridos pertinentes (e apenas os exclusivamente pertinentes) aos elementos objectivo-subjectivo-do-tipo-do-iícito preenchem o tipo do ilícito associação criminosa? São suficientes, de per si, para imporem a condenação do arguido?
O punctum prurens suscitado pelo Recorrente não coincide por inteiro com o ponto crítico (comparticipação criminosa> associação criminosa) deixado referido. Na verdade, o Recorrente coloca-se, antes, na questão da exigibilidade da verificação préviaverificação prévia histórico-existencial - da associação criminosa relativamente à prática de crimes.
No conhecimento das questões suscitadas, importa não descurar nem uma nem outra perspectivas.
Seja, desde logo, na perspectiva da exigibilidade da comprovação de que a associação é, no tempo e/ou na história do devir humano, prévia aos crimes praticados no âmbito e na sequência da existência desta.
Lógico-ontologicamente, não pode deixar de ter-se como um imperativo inelutável que um crime praticado no âmbito da actividade de uma associação criminosa suponha necessariamente a existência desta prévia àquele crime.
Teoricamente, pois, é fundada a afirmação produzida a tal propósito pelo Recorrente.
Já a razão não o assiste, porém, por falta de correspondência prática, ao nível da economia dos factos elencados como provados no acórdão sob recurso.
O que resulta destes?
Desde logo que o Tribunal teve por certo que o arguido AA e um outro indivíduo, cuja identidade não logrou apurar, “conceberam um plano com vista à venda, a troco de dinheiro e com fins lucrativos, de heroína e cocaína, pelo menos na área da comarca de Amarante” [Supra II, 1., al. A)] bem assim que, “Para a execução de tal plano criminoso o arguido AA e (aquele) indivíduo … organizaram uma estrutura humana e logística com vista à guarda dos produtos estupefacientes e embalagens destes, ao transporte de tais produtos e das pessoas que viessem a fazer parte da referida estrutura humana e logística, bem como a aquisição de meios de telecomunicações, a selecção dos locais de venda, a celeridade nos contactos e entregas de heroína e cocaína à clientela, a organização de contabilidade, a supervisão das referidas pessoas que viessem a fazer parte da estrutura humana e logística, nomeadamente distribuidores/vendedores e, por fim, a fiscalização e centralização do grosso das receitas, tendo estas como destino final a entrega ao arguido AA e ao indivíduo cuja identidade completa não foi de todo possível apurar” [Supra II, 1., al. B)]; e teve por provado, ainda, que “…o arguido AA , o indivíduo … e os arguidos CC e DD constituindo um estrutura humana estável e hierarquizada, com distinção de tarefas, de responsabilidades e de ganhos, desenvolveram actividades ligadas à venda lucrativa de heroína e cocaína…”[Supra II, 1., al. C)]
Verdade, todavia, que o Tribunal não logrou saber ao certo a data da concepção do plano e acordo ajustado. Então, quanto a prova lho consentiu, estabeleceu historicamente tal concepção e ajuste com referência a “pelo menos, desde 29 de Novembro de 2007” [Supra II, 1., als. A) e B)
Já a actividade exercida pela organização-fruto-daquele-acordado-plano, o Tribunal, de novo nos termos que a prova em audiência lhe consentiu, reportou-a ao período compreendido “pelo menos desde 29 de Novembro de 2007 até 07 de Janeiro de 2008”.
Dizer: ali, na concepção do plano, o Tribunal deu por provado um limite usque ad quem (até que); aqui, a respeito do tempo do exercício da organização, um limite usque a quo (desde que).
Desta forma, posto que não tenha logrado a exactidão do dia da fundação, inquestionavelmente não confundiu e, daí, não deixou de separar onto-historicamente o acto da concepção/instituição, dos actos da organização em exercício de actividade. Obviamente a significar que, em factos histórico-concretos, aquele precedeu a prática destes.
Voltando agora mais directamente ao critério sugerido por Figueiredo Dias.
Poderá dizer-se que o Tribunal recorrido fez a pretendida abstracção autonomizando a associação relativamente aos factos/crimes que veio a dar por comprovados?
Pertinentes a esta questão os factos descritos em A e B do elenco fáctico dado como provado, há pouco transcritos.
Perante eles ter-se-á interrogado o Tribunal se “logo da mera associação de vontades dos agentes resultava sem mais um perigo para bens jurídicos protegidos notoriamente maior e diferente daquele que existiria se no caso se verificasse simplesmente uma qualquer forma de comparticipação criminosa”?
Este Tribunal de recurso não pode afiançar que o tenha ou não feito.
De forma explícita tal não resulta da fundamentação de direito.
Mas da mesma fundamentação, ao menos implicitamente, é de crer que sim.
E desde logo a partir da fundamentação fáctica. O desenho traçado em B não seria, não poderia ser nunca compatível com a ideia de tratar-se simplesmente de uma qualquer forma de comparticipação criminosa.
Mas também na fundamentação de direito poderá concluir-se com igual sentido quando se atente na argumentação expendida a propósito da verificação do concurso real de infracções
E após transcrever passagens do acórdão de Amarante, remata:
«Concluindo: de considerar, pois, que na decisão da condenação pelo crime de associação criminosa o Tribunal conteve-se na suficiência da correspectiva factualidade considerada provada, decidindo independentemente da factualidade subsequente relativa ao crime de tráfico de estupefacientes».

Quanto à segunda questão, abordada no ponto 4.2.5.1.2, o acórdão recorrido limita-se a afirmar: «Em termos breves, não se pode concordar com tal argumentação».
E depois de transcrever passos do acórdão do colectivo de Amarante relativos a fundamentação da subsunção juspenal, remata:
«Em complemento do assim expendido, no apelo directo ao quadro de factos tidos por provados, indicar-se-ão apenas como suporte fáctico iniludível: i) relativamente ao elemento-objectivo-do-tipo-do-ilícito, as alíneas A, B [> pacto explícito a dar origem a uma realidade autónoma, diferente e superior às vontades e interesses dos membros in singulos]; AC, AD, BW, BX, CE, [> a organização em actividade] AF, AH, AI, AK, AL, AO, BI, CC, CI, CR [> Funções específicas do Recorrente na organização], CO [Actos típicos de chefia]; ii) relativamente ao elemento subjectivo, as alíneas EJ, EL, EM, EN.
Falece, pois, também por aqui, a razão ao Recorrente».


Apreciando no concreto.

O primeiro problema que se coloca na análise da associação é o da cisão da actividade dos arguidos, patente nos acórdãos, distinguindo-se um período inicial de tráfico em comparticipação e a subsequente fundação da associação, a partir de 29 de Novembro de 2007.
Ressalta no acórdão de Amarante a dificuldade em concatenar no jogo dos factos provados e não provados, o que na dialéctica da vinculação temática proposta na pronúncia, se situava entre 26 de Setembro de 2007 e a prisão dos arguidos Domingos AA, CC e DD em 07-01-2008.
De acordo com o despacho de pronúncia, a associação criminosa então imputada aos seis arguidos submetidos a julgamento verificar-se-ia desde 26 de Setembro de 2007, desenvolvendo todos os arguidos uma actividade intensa e ininterrupta no tráfico de estupefacientes, o que não ficou provado.
Desde logo o arguido CC foi absolvido na totalidade e o arguido FF viu decair a imputação do crime de participação em associação criminosa, sendo condenado apenas por tráfico simples.
Ficando, por outro lado, a actividade provada cindida entre uma primeira fase de tráfico em comparticipação até 28-11-2007, com concretizações apenas, desde meados de Outubro e em alguns dias de Novembro, como abaixo melhor se verá, e uma outra posterior e que cessou com a prisão dos três arguidos “sobreviventes” AA, CC e DD no dia 7 de Janeiro de 2008.
Aliás, realce-se que por essa actividade anterior a 29-11-2007, apenas o arguido FF foi condenado; o seu nome não se encontra nos pontos de factos provados C e D e daí a absolvição da participação em associação criminosa, sendo referido apenas nos pontos J, K, M, R, T, V e W.
Ao definir o período temporal em que viveu a associação diz o acórdão do Colectivo de Amarante, mantido pelo ora recorrido, que tal aconteceu, pelo menos, a partir de 29-11-2007.
O uso da expressão “pelo menos” deve ser de erradicar, pelo que significa de indefinição, inaceitável, por contender frontalmente com o princípio da presunção da inocência, o que no caso valerá por dizer, só pode ser entendido, em nome do exigível rigor, que deve estar presente nestas coisas, como situando o dies a quo da nova etapa nesse exacto dia, não sendo legítimo proceder a extrapolações, como se fosse possível projectar uma actividade para o passado.
Foi dado por provado que, já antes desse dia – 29 de Novembro de 2007 -, houve vendas de produto estupefaciente, definido, aliás, de forma quase permanente, e algo abrangente/difusa, como “heroína e/ou cocaína”.
Os cinco arguidos que vieram a ser condenados, anteriormente a tal data já se encontravam no terreno, operando na actividade de tráfico, não necessitando de uma organização com os contornos exigidos para a associação criminosa.
Foram dadas por provadas concretizadas vendas de “heroína e/ou cocaína”, por elementos do grupo, ainda antes da implementação, fundação da organização a que aludem os factos provados constantes de A, B e C.
Tal aconteceu, através do co-arguido EE, no dia 8 de Novembro de 2007, pelas 11h 10m (facto provado N) e no dia 9 de Novembro, pelas 12h32 (facto provado O), entre as 13,51 e as 13,55 horas (facto provado P) e ainda, no mesmo dia, entre as 14,49 e as 14,51 horas (facto provado U).
E pelo arguido FF no mesmo dia 9 de Novembro, às 14, 30 horas (facto provado T) e ainda às 15.07 horas (facto provado V).
A continuidade de abastecimento aos clientes foi assegurada no mesmo dia 9 de Novembro entre os arguidos EE e FF (factos provados Q, R, S).
Já no dia 7 de Novembro o arguido FF dirigira-se a casa da arguida CC, donde saiu pelas 19,50 horas, lá voltando depois, de onde tornou a sair “sob as ordens da arguida CC” (!) – factos provados K e M – e, do mesmo modo, no mesmo dia, pelas 20,01 horas, a casa da arguida CC, chegou o arguido EE – facto provado L.
E como consta do ponto de facto provado W “ As vendas efectuadas nos dias 08 e 09 de Novembro de 2007 e acima identificadas foram realizadas de forma concertada pelos arguidos EE, FF, AA, CC e DD em colaboração mútua, dividindo entre eles as tarefas destinadas à actividade de venda lucrativa de heroína e cocaína”.
Far-se-á aqui um parêntesis para evidenciar que os arguidos AA e DD, que figuram nesta alínea W, não são referidos, sequer por uma única vez, nos factos dados por provados e que versam as vendas efectuadas em 8 e 9 de Novembro, e a própria inclusão da co-arguida CC entender-se-á na relevância que se dê às deslocações a sua casa dos vendedores EE e FF, no dia 7 de Novembro de 2007 (pontos de factos provados K, L, M).
Do conjunto do que inserto está nos factos provados Y, X, Z e AA retira-se que o Colectivo de Amarante deu por provado que em 10 de Novembro de 2007, dois indivíduos não identificados que pretendiam vender heroína e cocaína, e que se puseram em fuga face a presença da GNR, lançando fora saco contendo cocaína e heroína, agiram de forma concertada, em colaboração mútua e dividindo com os arguidos AA, CC, DD e EE as tarefas destinadas à actividade de venda de heroína e cocaína.
Por seu turno, o arguido DD desde meados de Outubro de 2007 até 28 de Novembro de 2007, inclusive, (ou seja, até à véspera do início da organização), fez vendas diárias de heroína e /ou cocaína, de forma ininterrupta - facto provado AC.

Não se explica o que se terá passado, maxime entre os co-arguidos, e de forma mais notória com o arguido DD, para do dia 28 de Novembro de 2007, se passar, logo no dia seguinte, para uma organização diferente, mais complexa, ganhando foros de entidade só por si referenciável e identificável, começando a estrutura do acórdão do Colectivo, inclusive, por definir a existência de um plano, a partir de 29 de Novembro de 2007, e só depois, a partir do ponto F (o contido neste ponto, bem como no ponto H é completamente anódino para a conformação da associação) inserir referências aos factos concretos “interpretados” pelos mesmos personagens, no período imediatamente anterior, quando obviamente não existia a apontada organização/associação.
Perguntar-se-á, pois, o que se terá passado na transposição de 28 para 29 de Novembro de 2007, para só a partir deste dia, com os mesmos actores, e no mesmo teatro de operações, surgir e passar a funcionar a associação?
A resposta a esta questão, com o devido respeito, não foi dada de forma convincente.
Na fundamentação da decisão de facto, a fls. 2218, afirma-se que “O tribunal apenas pode concluir que os arguidos AA, CC, DD e EE adoptaram esta atitude de subordinação da sua vontade individual à vontade colectiva e ao fim comum da associação a partir do dia 29/11/2007 já que, apenas a partir desta data, está escudado nas escutas telefónicas que demonstram tal facto e, por conseguinte, apenas pode concluir pela existência da organização a partir do início das escutas, ou seja, 29/11/2007”.

A questão da fundação e chefia

Dos factos dados por provados (e apenas destes, já que de nada valem as considerações da motivação, quando aí se inserem factos que deveriam constar do local próprio, mas que efectivamente lá não se encontram), pode retirar-se estarmos perante um chefe, considerar como tal o recorrente?
Para Leal - Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, 3.ª edição, Rei dos Livros, 2000, 2.º volume, pág. 1357, chefiar ou dirigir tem o sentido de comandar, governar, administrar, guiar, mandar.
Promover é fomentar, impulsionar, fazer avançar.
Fundar significa constituir, formar.
Retomando o que dissera em “Associações Criminosas”, a págs. 60/2, Figueiredo Dias, no Comentário Conimbricense, § 33, págs. 1168/9, começa por assinalar que tratando-se da modalidade de acção que o legislador valora mais negativamente deve o intérprete ser de particular exigência na delimitação do sentido típico dos elementos em questão.
“Chefe ou dirigente é (só) aquele indivíduo que assume as “rédeas” do destino da associação: é o responsável – ou co-responsável -, em particular medida, pela formação da vontade colectiva, ou funciona como pivot essencial à sua execução (centralizando informações, planeando acções concretas, distribuindo tarefas, dando ordens). Diversamente do que acontece com o apoiante, tem de ser membro da organização e, na verdade, membro especialmente qualificado.
Especial qualificação a que se liga a especial perigosidade das condutas respectivas de chefia ou direcção, por serem estas que possibilitam um desenvolvimento articulado dos desígnios associativos”.
Para Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário citado, nota 13, pág. 752, o chefe ou dirigente da associação criminosa é o membro que dirige a estrutura de comando e controla o processo de formação da vontade colectiva da associação criminosa.

Percorrendo a matéria de facto dada por provada ressalta o enorme relevo e a incontornável importância que teve o papel desempenhado pela co-arguida CC, sendo até o recorrente – repete-se, encarada apenas, como deve ser, a fundamentação de facto - , num eventual jogo de luzes de ribalta, remetido para a zona de penumbra.
Lendo o elenco da matéria de facto provada, único receptáculo e âncora de suporte do acervo factual a subsumir, verifica-se sem dificuldade que, não sendo a arguida CC propriamente uma matriarca, até em função da idade, à jovem co-arguida competia papel importante na dinâmica da organização – e note-se que tal relevo se evidencia desde o início da actividade dos pares, ainda antes da aurora da anunciada e proclamada associação criminosa.
Era a arguida CC quem mandava já antes – facto provado M – em 7 de Novembro de 2007, o arguido FF, sob as ordens da arguida CC, saiu da casa desta sita em (…) a conduzir um veículo sem carta - ; tudo gira ao derredor da dita, nela se concentrando as atenções, a ela se dirigindo as informações e os pedidos e dela dimanando as instruções e directivas, e nela se concentrando a própria gestão do negócio, como depositária, contabilista, operadora de “call center”, sendo, numa leitura de conjunto, a verdadeira “guardiã do templo”.
Vejamos porquê.
Ao longo da enumeração dos factos dados por provados, várias são as vezes em que é mencionada a arguida CC, para além de figurar igualmente como vendedora.
Surge como depositária – pontos de factos provados AJ, BI.
Continuou a dar ordens – “o arguido EE recebia por um número de vezes que não foi possível apurar ordens da arguida” – factos provados AW, BA.
Era mantida informada do ponto da situação das vendas, do dinheiro obtido e da necessidade de reabastecimento conforme pontos BB, CN, CS, CV, CX.
Informou o DD da presença da GNR e encaminhou-o para outro local – BC.
AA avisa CC da presença da BT da GNR – BD.
Quando o arguido DD é perseguido é a CC que comunica o acontecido – BF.
DD dá conhecimento a CC – BG, BH.
Quando a arguida vendia produto atribuía a alguns clientes bónus – BJ.
Recebia reclamações dos clientes e dava ordens ao DD, a que este obedecia, para se deslocar nos pontos de venda, para dar por terminado o período de vendas, e por vezes, para interromper as vendas e ir tomar as refeições – BK.
Chegou a dar ordens ao DD, pelas 10h19m, para se levantar de manhã, a que aquele obedeceu – BL.
Os arguidos DD e EE iam ao encontro dos compradores previamente orientados pela CC – BM.
Recebia pedidos de heroína e cocaína e fornecia indicações sobre preços – BU.
Dava instruções a vendedores e clientes, recebendo os montantes angariados – BV.
Era a responsável pela escrita, mantendo registos diários das operações - BW, CE, CX, DD.
DD comunica a CC o receio de vir a ser preso – CG.
O arguido AA quando vai a Braga e Algarve dá conhecimento das viagens a CC – CI.
DD relata a CC a presença da GNR – CJ.
E dá conhecimento a CC de ter sido detido pela GNR – CK.
CC informa DD sobre lucros – CN1.
AA informa CC de que tinha tirado dinheiro – C P.
Toma conhecimento de encomenda feita a EE e comunica-a a DD – CQ1.
DD dá conhecimento a CC de encomenda recebida – CR.
DD, sob orientação da arguida CC, vendeu em 7-01-2008; (…) vendas efectuadas pelo arguido DD, sob as ordens da arguida CC - DD.
De todo este descritivo, a que acresce que “os ganhos do EE eram fixados, em regra, pelo arguido DD, a descontar no seu ganho diário” – factos provados AS e AT – não se descortina que espaço reste para o recorrente para o considerar como chefe.

Por outro lado, há que deixar muito claro que a análise das condutas provadas deve ser feita unicamente a partir do texto da decisão onde se encontram enumerados os factos dados por provados, onde se encontra vertida a facticidade efectivamente apurada, e não, como acontece em alguns passos do acórdão do Colectivo de Amarante, igualmente a partir, e conjugadamente com aquela, do que foi vertido no segmento da motivação, que já extravasa a fundamentação de facto tout court.
A subsunção jurídica é de fazer face a matéria de facto provada, aos factos que se enumeraram como tendo resultado assentes, e não ao que se contém na motivação.
Não pode argumentar-se na fundamentação de direito com algo que não consta como facto provado na sede própria, ou seja, com algo que não foi dado por provado e muito menos pretender ancorar a subsunção de figura criminal grave, arregimentando argumentos alheios àquele segmento.
É o que acontece de forma evidente quando no acórdão se refere na fundamentação de direito, a fls. 2202: «a circunstância de ter sido o arguido AA quem contratou e superintendeu a actividade desenvolvida pelos arguidos CC, DD e EE no seio da organização de que era um dos dois chefes e ter sido ele quem lhes facultou os meios materiais e logísticos - veículos e telemóveis – necessários ao desempenho das suas funções».
E a fls. 2207 repete-se que o arguido AA «contratou os arguidos CC, DD e EE a fim destes desempenharem as tarefas específicas no âmbito do sector da organização que lhe foi atribuído» e que foi ainda o arguido AA «quem facultou os meios necessários ao desempenho das funções pelos arguidos CC, DD e EE no seio da organização, designadamente, telemóveis e automóveis».
Ora, nos factos provados não se enxerga, nem tão pouco se vislumbra, nada do que foi referido, nem, aliás, se entende como iria o arguido AA contratar (Quando? Como?) pessoas com quem contracenara numa actividade imediatamente pretérita (até à véspera!) nem fornecer veículos e telemóveis, quando antes já se deslocavam e comunicavam, bastando relembrar o que ficou provado ao longo dos pontos de factos provados enumerados de I a AB!
Por outro lado, faz pouco sentido que sendo o arguido AA o chefe da organização, e como tal suposto sendo que tivesse o poder para criar, suspender, alterar ou extinguir as posições funcionais dos membros da associação (cfr. Pinto Albuquerque, ibid. n.º 13), tivesse de fazer comunicações à co-arguida CC, o que ocorreu por três vezes, conforme pontos de factos provados BD, CI e CP.

Numa outra abordagem há que realçar o facto de o plano ter sido estabelecido entre o arguido AA, ora recorrente, e um sempre desconhecido personagem, a cada passo da fundamentação de facto referenciado como “um indivíduo cuja identidade completa não foi de todo possível apurar”, conforme emerge dos factos dados por provados sob as letras A, B, C, AD, AE, AH, AW, AX, BG, BO, BW, CD, CF, CI, CR, CR1, EM.
Apenas duas referências mais concretizadas se fazem na matéria de facto dada por provada ao mencionado chefe de identidade não apurada, qual entidade etérea, vogando sobre, e comandando, os terrenos eventos.
Uma das alusões é reportada a um stand de automóveis, que será propriedade do dito chefe, de identidade não apurada, referenciado por duas vezes.
Uma primeira, quando se refere que o arguido EE foi encaminhado pela co-arguida CC para o “stand” do chefe desconhecido “onde o produto estupefaciente, por um número de vezes que não foi de todo possível apurar, se encontrava escondido em veículos automóveis” – facto provado AW - e uma outra, quando se refere que, no dia 01-01-2008, o chefe desconhecido “tinha o produto estupefaciente escondido sob uns tapetes à entrada do stand” – ponto de facto provado AX.
A outra alusão reporta-se a deslocações do arguido AA com o dito desconhecido chefe ao Algarve, em 17-12-2007, e a Braga, em 26-12-2007 - ponto de facto provado C1.
Todavia, ao longo da motivação, que se espraiou ao longo de 128 páginas, de fls. 2125 a 2253, há variadíssimas alusões a um “home”, referenciado como dono de stand de automóveis e como sendo um dos chefes da organização, que até tem nome - HH – sendo feitas referências ao tal HH, que seria o “home”, por uma vez, a fls. 2146, por duas vezes, a fls. 2147, por cinco vezes, a fls. 2148, por uma vez, a fls. 2149, por duas vezes, a fls. 2151, por uma vez, a fls. 2194, por uma vez, a fls. 2198, por duas vezes, a fls. 2203, por quatro vezes, a fls. 2218, e por uma vez, a fls. 2221.

A questão central, nuclear, nodal, incontornavelmente essencial para o recorrente é uma e só uma e para a qual há que encontrar a resposta adequada consentida pelo que ficou provado e apenas dentro desses inultrapassáveis limites.
A matéria de facto provada integra a figura da associação criminosa?
Estão ou não reunidos os elementos do tipo objectivo e subjectivo do crime do artigo 28.º?
Estaremos perante um pacto que tenha dado origem a entidade diversa, autónoma, transpessoal, que valha por si, referenciável por si mesma, que anteriormente inexistisse, a algo que visasse algum desiderato pretendido, tivesse por escopo alguma actividade e a juzante pretensão de obtenção de algum resultado, que procurasse alcançar um fim, que tivesse por desígnio, que projectasse para o futuro algo de novo, diferente do que já preexistia desde Setembro ou Outubro/Novembro?
Desse pacto terá emergido algo que dantes não era?
Trouxe algum valor acrescentado?
Aportou alguma mais valia?
Deu origem a uma realidade autónoma, superior ou diferente às vontades e interesses dos elementos que a integram?
O acordo de vontades assumiu um carácter de autonomia relativamente à personalidade de cada um dos membros ou aderentes?
Dele emana especial perigosidade e maior carga de danosidade social?
O pacto deu origem a alguma realidade nova, emergente, diversa, autónoma, personalizada, que se sobrepusesse à vontade e aos interesses dos pré existentes membros singulares?
Os arguidos seriam condenados igualmente mesmo que nenhum crime houvesse sido cometido?
Entrou no grupo relativamente à composição anterior algum elemento novo?
Neste campo, apenas o ignoto personagem, a criatura inalcançável, uma espécie de fantasma, vogando num etéreo mundo, mas que, terraqueamente, é proprietário de um stand com automóveis, certamente colectado nas finanças, onde se guarda droga - «heroína e/ou cocaína», para manter a nomenclatura da imputação - nos automóveis e debaixo de tapetes. A espécie de “homem fantasma” é referenciada recorrentemente nas escutas como “home” e HH.
Mesmo com esta entrada, ficou por provar que o pacto tivesse dado origem a alguma realidade nova, pois os arguidos já antes se comunicavam e tinham meios de transporte, sendo comandados no terreno pela arguida CC, como se alcança de todo o descritivo da fundamentação.
Que já antes existia organização é algo de que não há dúvida, sendo disso exemplo o que se refere a evento ocorrido em 10 de Novembro de 2007 – cfr. pontos de factos provados Y, X, Z e, designadamente, parte final do ponto AA.
O acórdão do Colectivo de Amarante considerou que a actividade de tráfico desenvolvida no período anterior ao dia 29-11-2007, com as vendas concretas de 8 e 9 de Novembro de 2007 integrava uma situação de comparticipação criminosa ou co-autoria, que não qualifica o crime, afastando assim a qualificativa de membro de bando constante da pronúncia para todo o período, «o mesmo se verificando quanto à actividade de tráfico ocorrida no dia 10/11/2007, em relação aos arguidos AA, CC, DD, EE e aos dois indivíduos cuja identidade não foi de todo possível apurar».
O Colectivo afastou a qualificação da acusação de bando. Mas depois, a final, não refere a comparticipação, nada dizendo sobre a punição do crime anterior cometido em co-autoria, sendo problema nem sequer aflorado, muito embora se façam considerações a respeito ao determinar a medida da pena …
A única excepção é, como se viu, a punição do arguido FF, único condenado por prática de crime de tráfico simples, sendo os restantes condenados apenas pelo crime associativo.

Em suma, o que há que indagar é o que é prévio a quê.
A associação aos crimes?
Os concretizados crimes de tráfico à associação?
Obviamente, a resposta é uma, e só uma!
A apresentação da narrativa dos factos provados poderia inculcar a ideia de que a resposta afirmativa à primeira pergunta era a correcta, pois começa exactamente nas alíneas A, B, C por referir a associação constituída a partir de 29-11-2007. Só que depois, a partir do ponto F, narra factos anteriores a tal data.
Dantes, não havia apenas um “limbo, abstraído e mentalmente escorrido dos crimes eventualmente comprovados”, como se diz no acórdão recorrido; pelo contrário, houve actos de compra e venda, compradores, vendedores e revendedores, interagindo sinalagmaticamente; houve fornecimento, venda, aquisição e consumo de “heroína e/ou cocaína”; ocorreu o que, comummente, se apelida de “funcionamento do mercado”.
Aliás, de uma forma correcta, atacando frontalmente o problema, o acórdão recorrido não foge à questão, ao punctum prurens suscitado pelo recorrente, quando reconhece que é fundada a afirmação produzida a tal propósito pelo recorrente, para depois deixar consignado que:
«Lógico-ontologicamente, não pode deixar de ter-se como um imperativo inelutável que um crime praticado no âmbito da actividade de uma associação criminosa suponha necessariamente a existência desta prévia àquele crime».
Mas de seguida, justifica com a alínea A), que cronologicamente se situa muito depois dos primeiros passos dados pelos arguidos, e responde à questão com o que foi dado por provado nos pontos de facto provados A, B e C, quando é isso que justamente está em causa.
Reconhece que o Tribunal não conseguiu saber ao certo a data da concepção do plano e acordo ajustado, estabelecendo-os com referência a pelo menos, desde 29 de Novembro de 2007, colocando a respectiva actividade a partir da mesma data.
De seguida afirma que “posto que não tenha logrado a exactidão do dia da fundação, inquestionavelmente não confundiu e, daí, não deixou de separar onto-historicamente o acto da concepção/instituição, dos actos da organização em exercício de actividade. Obviamente a significar que, em actos histórico-concretos, aquele precedeu a prática destes”.
Mas com esta construção continua por ficar sem resposta a questão colocada e que tem justamente a ver com a actividade precedente à constituição e a ligação entre a anterior actividade e a posterior.
É que antes da constituição da organização, já vinha sendo desenvolvida actividade de tráfico.
Ora, o grupo, a organização ou associação é uma entidade necessariamente prévia à prática de crimes – os crimes da associação – o que constitui o seu objectivo, o seu desígnio, o seu fim abstracto, o seu escopo, colocando-se num estádio anterior, numa congregação de vontades, na criação de uma entidade pré-ordenada ao cometimento de crimes.
Aliás, é o que resulta da própria literalidade de todos os preceitos que ao longo dos tempos prevêem o crime associativo em questão, desde o artigo 263.º do Código Penal de 1886 ao artigo 299.º actual, ou artigo 28.º do DL 15/93, ao referirem “associação formada para cometer crimes”; “associação que se proponha ou cuja actividade seja dirigida à prática de crimes”; “associação cuja finalidade ou actividade seja dirigida à prática de crimes”; “associação que vise praticar crimes”, o mesmo se verificando com o artigo 184.º da Lei n.º 23/2007, de 5-11 (associação de auxílio à imigração ilegal), quando refere associação dirigida à prática dos crimes.
Do mesmo modo na doutrina, quando se refere a necessidade de que associação tenha em vista a prática de crimes (Beleza dos Santos), ou que a sua actividade seja dirigida à prática de crimes, consistindo nisso o seu escopo (Figueiredo Dias), remetendo-se aqui para o citado estudo de Maria Leonor Assunção.
Como referia o supra citado acórdão de 10-05-2001, CJSTJ 2001, tomo 2, pág. 198, a associação tem de preexistir aos crimes praticados, enquanto factor que os originou e enquanto impulso inicial da actividade delitiva em que eles se objectivaram.
E no acórdão de 09-02-1995, CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 198, ao referir que os arguidos constituíram uma organização com um desígnio deliberado de cometer crimes de burla, através de outros crimes de emissão de cheques sem cobertura. Essa organização, pré-ordenada ao cometimento de crimes, exigiu dos arguidos um acordo persistente, que produziu como efeito um aumento gradual da sua responsabilidade (…).
No acórdão de 18-12-2002, processo n.º 3217/02-3.ª, afastou-se o crime de associação criminosa por se ter concluído que a constituição do grupo proveio, não de um acordo ou pacto prévio ao cometimento dos crimes, mas como algo nascido a posteriori.

No nosso caso a dinâmica criminosa estava presente muito antes de aparecer qualquer forma de associação e até aí os arguidos dela prescindiram; a dinâmica criminosa já estava adquirida, em marcha, não foi fornecida pela associação.
Sendo de exigir que a densidade das relações entre os membros de uma associação criminosa seja muito forte, certamente mais forte do que aquela que se verifica entre os membros pertencentes a um qualquer grupo ou bando, não se vê como alcançar tal grau de intensidade face à curta, pequena e exígua descrita actividade dada como comprovada do ora recorrente.
A organização como tal terá existido durante 40 dias, tendo o arguido EE contribuído durante 27 dias, cessando a sua actividade em 31-12-2007 (factos provados D, onde se discriminam os dias de cooperação, AC e BQ), e não tendo o arguido DD prestado a sua colaboração em dois dias, em 17 e 25 de Dezembro (facto provado C, in fine).
A propósito deste arguido suscita alguma perplexidade o que foi dado como provado nos pontos CK, C, CL, CL1, CM, CN, parecendo contraditório, embora sem relevo para o presente recurso, já que o mesmo não é recorrente, nem tão pouco colide com a apreciação da posição do arguido ora recorrente.
Conforme o ponto de facto CK, em 20-12-2007 o arguido DD deu conhecimento à arguida CC de que havia sido detido pela GNR, sem se saber em que condições, mas parecendo que terá sido solto no mesmo dia, já que na noite de 20 para 21 o arguido AA permitiu que dormisse em sua casa (AN) e voltando à actividade em 30 (CL a CM).
Note-se que do inicial grupo de cinco, na composição da organização restaram quatro elementos, e destes o arguido EE apenas se manteve até 31-12-2007, o que indicia o carácter algo fragmentário da associação, acrescendo que não foi feita prova da disseminação dos produtos por grande número de pessoas, o que conduziu à não verificação da agravante da alínea b) do artigo 24.º, do DL n.º 15/93, por que estavam igualmente pronunciados os arguidos, pouco de concreto se tendo apurado a nível de lucros com a actividade desenvolvida (de resto não vinha imputada a agravante qualificativa de obtenção de avultada compensação remuneratória).
Conclui-se, assim, que a associação composta pelos arguidos seria uma organização, sem ser contudo uma associação criminosa, sem ter dado origem a uma realidade autónoma, diferente e superior às vontades e interesses dos seus membros.
Como refere Figueiredo Dias, in Associações Criminosas, pág. 32, “não basta à existência de uma «associação», por menos estruturada que ela possa ser, o mero acordo ou a decisão conjunta de uma pluralidade de pessoas com vista à prática de crimes – sob pena de irremediável confusão entre o tipo de associações criminosas e a figura da co-autoria”.
E como ensina o mesmo Autor, no Comentário, pág. 1158, deve ser excluída “qualquer factualidade que não releve da especial perigosidade da associação, da sua autónoma danosidade social e da sua específica dignidade penal”.

Concluindo: Não se mostra preenchido o crime de associação criminosa, na modalidade de fundação e chefia, p. p. pelo artigo 28.º, n.º s 1 e 3, do Decreto-Lei n.º 15/93.
No fundo, temos plúrimas condutas individuais - venda de porções de heroína e cocaína a consumidores e revendedores durante um determinado período de tempo – de Outubro de 2007 a 7 Janeiro de 2008, do conjunto dos arguidos, com excepção do arguido FF, nos termos sobreditos e quanto ao arguido EE apenas até 31-12-2007, no contexto de uma acção global única, todos dando o seu contributo para o facto global, pleno.
A facticidade provada integra outra figura criminosa e daí na apreciação preliminar ter-se comunicado ao recorrente a eventual alteração de qualificação jurídica, nos termos do artigo 424.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.


Bando – Membro de bando

A figura criminosa de “Bando” é introduzida com a lei da droga de 1993 – Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro -, constituindo então uma absoluta novidade no nosso ordenamento jurídico – criminal.
Trata-se de uma figura nova, problemática (escusadamente nova, no entender de Faria e Costa, no Comentário Conimbricense ao Código Penal, em comentário ao artigo 204.º, n.º 2, alínea g), do Código Penal, nos §§ 66 e 67, a págs. 81 e 82, ao afirmar que a importação da noção de bando talvez não tenha sido filtrada convenientemente pela crítica da adequação ao real social nacional), com dificuldades de delimitação em relação a figuras de participação plúrima pré-existentes, e que se distancia, e fica a “meio caminho” entre os crimes associativos dos artigos 287.º e 299.º do Código Penal de 1982 e de 1995 e do artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 430/83 e do homólogo, sucessor, Decreto-Lei n.º 15/93, e as figuras da mera comparticipação (propriamente dita).

A novidade da agravante típica, adicionando um “elemento especializador”, sendo mais compreensiva, e por isso mesmo, menos extensiva, é mais exigente do que o sistema pré - vigente, deixando de relevar apenas uma qualquer situação de comparticipação, mas antes exigindo uma certa espécie de comparticipação qualificada, teve por necessário efeito, ao tempo, um claro efeito despenalizador, uma restrição da punibilidade, obstando à punição agravada do mero concurso de pessoas no crime – a este propósito, cfr. acórdão deste Supremo Tribunal de 25-05-1994, infra referido, e Eduardo Lobo, em Decisões de Tribunais de 1.ª Instância, 1993, Comentários, Gabinete de Planeamento e de Coordenação do Combate à Droga, Outubro de 1995, págs. 37 a 49.
O conceito de bando, que encontra raízes no direito penal alemão, figurando na lei da droga alemã de 1981, enquanto agravante ope legis e como circunstância qualificativa do furto, foi introduzido por Figueiredo Dias, no Projecto de Revisão do Código Penal, 1993, como factor de qualificação dos crimes de «furtum rei» e de roubo.
O Professor Figueiredo Dias explanou então que «o «bando» é uma forma de comparticipação», «uma forma especial de co-autoria», deixando claro que o conceito se diferencia da associação criminosa. «Uma associação criminosa pode, obviamente, cometer roubos, mas nem todo o conluio se transforma em associação criminosa», disse.
Como se pode ler na referida colectânea “Decisões…”, págs. 46 e 47, o funcionamento da agravante faz do tipo, assim qualificado, um crime normativamente plurissubjectivo e complexo, supondo a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:
1.º Que o agente seja membro de um bando;
2.º Pré-ordenação desse bando à prática reiterada de crimes de tráfico de estupefacientes e/ou de percursores;
3.º Actuação do agente nessa qualidade (enquanto membro desse bando);
4.º Colaboração de, pelo menos, outro membro do mesmo bando.

Conforme anotação de Miguel Pedrosa Machado a acórdão do Tribunal da Comarca de Ponta do Sol, de 11-11-1993, elaborada em Setembro de 1995, a págs. 231 a 261, da mesma Colectânea, a adopção do conceito de bando vem a traduzir um diferente modo de relacionar a comparticipação com a punição do crime associativo.
O conceito de bando assenta numa designação de cariz criminológico, que pretende traduzir uma situação em que haja, simultaneamente, e em razão da existência de um líder, algo menos do que na associação e algo diferente da co-autoria; algo próximo, mais do que o «concurso de pessoas» (incluindo a co-autoria, espécie mais relevante ou mais forte de tal «concurso»), mas menos do que a «associação».

Tal figura, no domínio do Código Penal, surge mais tarde, a partir de 1 de Outubro de 1995, com a entrada em vigor da 3.ª alteração do Código Penal, operada com o Decreto-Lei n.º 48/95, de 15-03, concretamente no domínio dos crimes de furto qualificado, aqui de forma expressa, e por remissão, nos casos do crime de roubo e de extorsão - artigo 204.º, n.º 2, alínea g), e artigos 210.º, n.º 2, alínea b) e 222.º, n.º 3, alínea a), do Código Penal .

A propósito de autoria plural ou participação plúrima no domínio do crime de tráfico de estupefacientes, estabelecia o artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 430/83, de 13 de Dezembro:
As penas previstas nos artigos 23.º e 24.º serão aumentadas de um quarto nos seus limites mínimo e máximo se:
g) tiver havido concurso de duas ou mais pessoas.

No Código Penal de 1886 a figura de bando era desconhecida, prevendo-se então a nível de participação plural, como agravantes, a circunstância de ter sido o crime pactuado entre duas ou mais pessoas, ou de ter sido cometido por duas ou mais pessoas – circunstâncias n.º s 7.ª e 10.ª do artigo 34.º, e a agravativa do n.º 3 do artigo 426.º, que previa o furto qualificado “por duas ou mais pessoas”.

No Código Penal de 1982, na versão originária, para além da co-autoria e comparticipação, previstas nos artigos 26.º, 28.º e 29.º, a intervenção plural estava expressamente prevista no furto qualificado - artigo 297.º, n.º 2, alínea h) - “com o concurso de 2 ou mais pessoas”, e no crime de extorsão - artigo 317.º, n.º 5, que dizia: “Se os factos previstos no n.º 1 forem cometidos por 2 ou mais pessoas que actuem como grupo organizado, a moldura penal elevar-se-á de metade”.

No Código Penal de 1995, na parte especial, a previsão da intervenção plúrima está presente no furto qualificado, deslocado para artigo 204.º, com a introdução da nova figura de “bando”.
Estabelece o artigo 204.º, n.º 2, alínea g), do Código Penal:
«Quem furtar coisa móvel alheia:
g) Como membro de bando destinado à prática reiterada de crimes contra o património, com a colaboração de pelo menos outro membro do bando».

Tal circunstância qualificativo-agravante é aplicável igualmente ao crime de roubo, ex vi do artigo 210.º, n.º 2, alínea b), e ao crime de extorsão, por força da remissão feita para tal preceito pelo n.º 3, alínea a), do então artigo 222.º do Código Penal.

Com a revisão de 1998, operada pela Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro, mantiveram-se os artigos 204.º e 210.º, sendo deslocado o crime de extorsão para o artigo 223.º, mantendo o respectivo n.º 3, alínea a), a mesma remissão para a alínea g) do n.º 2 do artigo 204.º.
A reforma introduziu uma nova circunstância qualificativa no crime de homicídio qualificado ao incluir no artigo 132.º, n.º 2, a alínea g) com o seguinte teor: “ Praticar o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas …”, sendo tal qualificativa aplicável ao crime de ofensa à integridade física qualificada, ex vi do n.º 2 do artigo 146.º.
Com a nova redacção do Código Penal, introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, a referida alínea g) passou para alínea h).

Como se referiu supra, a introdução da figura de “bando” no nosso ordenamento jurídico operou-se através de legislação avulsa, com o Decreto-Lei n.º 15/93.

Estabelece o artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01, actualmente com a redacção introduzida com o artigo 54.º da Lei n.º 11/2004, de 16 de Julho, a qual operou a 11.ª alteração daquele DL, mas modificando apenas o corpo do preceito, substituindo tão somente a penalidade cabível ao crime qualificado:
As penas previstas nos artigos 21.º e 22.º são aumentadas de um quarto nos seus limites mínimo e máximo se:
j) O agente actuar como membro de bando destinado à prática reiterada dos crimes previstos nos artigos 21.º e 22.º, com a colaboração de, pelo menos, outro membro do bando.

Para Taipa de Carvalho, em comentário ao artigo 223.º, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, pág. 353, bando significa uma cooperação duradoura entre várias pessoas, sendo um conceito menos exigente que o de associação criminosa, pois que, diferentemente desta, não pressupõe uma estrutura organizacional.

Para Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, UCE, 2008, em anotação ao artigo 204.º do Código Penal, notas 40 e 41, a pág. 563, são características cumulativas da figura:
1 - Grupo de duas ou mais pessoas;
2 - Grupo de pessoas que se juntam para (“destinado”) praticar um número indeterminado de crimes contra o património (no que se distingue da co-autoria) sendo suficiente o plano para a execução de um número incerto de crimes num período certo de tempo;
3 - Grupo de pessoas que não tem um líder, uma estrutura de comando e um processo de formação da vontade colectiva (no que se distingue da associação criminosa).

Vejamos o que diz a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, a propósito da nova qualificativa, através dos seguintes acórdãos.

13-04-1994, processo n.º 45813, in CJSTJ 1994, tomo 1, pág. 256 – Confirma decisão em que o arguido, vindo acusado da prática do crime de associação criminosa do artigo 28.º do DL 15/93 é dele absolvido, e vem a ser condenado pelo crime de tráfico agravado, p. p. pelos artigos 21.º e 24.º, alínea j), do mesmo diploma, considerando-se verificada a agravação especial prevista ou decorrente do referido artigo 24.º.
Aí se afirma que para a existência de “bando” (referido no artigo 24.º, alínea j), do Decreto-Lei n.º 15/93) não é necessária a “transpersonalidade”, a procura de fins comuns mediante a subordinação do indivíduo ao todo, bastando tão somente a existência de uma rede, porventura agregada em redor de um líder, a cuja vontade, porventura, também os agentes se submetam, a que acresce, como necessário, o facto da durabilidade, pelo menos em outro grau.
Concluiu-se no caso que os arguidos constituíam um “bando”, aliados que estavam no propósito conjunto de, por forma reiterada ou continuada, comercializarem heroína com acentuados lucros.
Verifica-se a existência desse bando quando, dolosamente, um arguido transportava a droga, que entregava a outro que a cedia, por sua vez a dois outros arguidos, que a vendiam, tudo como expressão da realidade que é o tráfico de estupefacientes.

25-05-1994, processo n.º 45829, CJSTJ 1994, tomo 2, pág. 224 e BMJ n.º 437, pág. 228 – O conceito de bando, referido no artigo 24.º, alínea j), do DL n.º 15/93, consubstanciando uma diferente e nova agravante, a exprimir uma situação que ultrapassa a realidade vertida na alínea g) do DL n.º 430/83, traduz uma figura intermédia entre a co-autoria (menos grave) e a associação criminosa (mais grave).
E cita a propósito, o Prof. Eduardo Correia, a págs. 254, do 2.º volume do “Direito Criminal”, que em nota escreveu: “Parte da doutrina alemã costuma integrar na teoria da comparticipação criminosa as hipóteses de Komplott (quando várias pessoas se associam com o fim de executar um ou vários crimes determinados) e Bando (quando tal associação se dirige à prática de uma série indeterminada de crimes). Parece, porém, que sempre que tais figuras não possam reconduzir-se à da co-autoria eles nada terão a ver com a teoria da comparticipação: o que pode acontecer é que tais associações sejam tratadas como crimes autónomos, “sui generis”, ou como agravante especial relativamente a certos crimes particularmente graves…”
No caso concreto a solução foi afastada por tal agravante especial ou qualificativa não existir à data dos factos.

29-06-1994, processo n.º 45530, CJSTJ 1994, tomo 2, pág. 258 - O bando será uma figura intermédia entre a da associação criminosa do artigo 28.º do DL 15/93 e a do antigo “concurso de duas ou mais pessoas” da alínea g) do artigo 27.º do DL 430/83, traduzindo-se num grupo com actividade quase exclusiva, em que o agente actua com consciência de participar nesse grupo sem que com isso obrigatoriamente conheça todos os agentes ou membros envolvidos.
Justifica-se a nova alínea do seguinte modo: “Pretendeu o legislador assegurar a defesa de uma maior censurabilidade quando se deparam situações, comuns neste tipo de criminalidade, de colaboração dos agentes, de diferentes níveis, sem que se estruture com isso uma verdadeira organização, com sede, estabilidade ou tendência para a perenidade, hierarquia e responsabilidade daí advenientes. A agravação resulta primordialmente do perigo traduzido pela colaboração de vontades, determinadas por objectivos definidos, não apenas de colaboração mas de vontade de colaboração, mesmo que limitada no tempo”.

22-06-1995, processo n.º 47.997, in CJSTJ 1995, tomo 2, pág. 238 – Para a existência de bando (hoc sensu), que não se confunde com a associação criminosa, basta que se configure uma rede, porventura agregada a um líder, ligada pelo próprio conjunto dos seus elementos de traficarem estupefacientes.
Trata-se de uma figura intermédia entre a co-autoria e a associação criminosa (citando aqui acórdãos de 25-05-94 e 29-06-94, in CJSTJ tomo 2, págs. 224 e 258, supra referidos), em que basta que o agente actue com a consciência de participar num grupo, com objectivos definidos, sem que com isso obrigatoriamente conheça todos os membros envolvidos.

29-06-1995, processo n.º 47.773, in CJSTJ 1995, tomo 2, pág. 251 – A propósito do conceito de “bando” e da sua introdução na alínea j) do artigo 24.º, do DL 15/93, considera que a filosofia do diploma esteve em ter querido estabelecer, à semelhança de diversas legislações estrangeiras, uma situação de actuação ilícita intermédia entre a simples comparticipação criminosa e a associação criminosa.
Para a verificação de actuação em bando, no crime de tráfico de estupefacientes, o legislador teve em mente considerar como mais graves do que as situações de mera participação criminosa, embora menos censuráveis do que aquelas em que existe uma perfeita e definida “associação criminosa”, aquelas condutas em que, pelo menos dois agentes actuam de forma voluntária e concertada, em colaboração mútua, com uma incipiente estruturação de funções, mas sem que se possa já considerar como existente uma organização perfeitamente caracterizada, com níveis e hierarquias de comando e com uma certa divisão e especialização de funções de cada uma dos seus componentes ou aderentes, como sucede na “associação criminosa”.
(O acórdão cita como exemplos de uniformidade de entendimento neste sentido, os acórdãos supra referidos, de 13-04-1994, in CJSTJ 1994, tomo 1, pág. 256 e de 29-06-1994, processo n.º 45530, in CJSTJ 1994, tomo 2, pág. 258).

13-02-1997, processo n.º 1019/96 - 3.ª – Sumários de Acórdãos STJ, Gabinete de Assessoria, n.º 8, Fevereiro de 1997, pág. 89 - Para a existência do bando a que alude o artigo 24.º, alínea j), do DL 15/93, é indispensável que exista uma rede, porventura ligada a um líder, unida pelo propósito conjunto dos seus membros de traficarem estupefacientes, a que acresce como elemento necessário, a sua durabilidade em pelo menos certo grau. Quanto ao elemento subjectivo do bando, basta que os agentes actuem com a consciência de participar num grupo, com objectivos definidos, sem que com isso tenham obrigatoriamente que conhecer todos os membros envolvidos.

27-02-1997, processo n.º 908/96 - 3.ª – Sumários de Acórdãos STJ, Gabinete de Assessoria, n.º 8, Fevereiro de 1997, pág. 103 - O “bando” é um agrupamento de pessoas conexionadas, mais emotiva que racionalmente, à volta da realização mais ou menos persistente e ronceira da actividade criminosa, com vista a determinado objectivo, aproveitando fundamentalmente em cada momento, a experiência e a capacidade de cada elemento individual e colectivamente considerados.
Não se exige na sua constituição ou existência, a organização típica da associação criminosa, que a pressupõe bem definida, nem se contenta, como a co-autoria, com a mera comparticipação.
Como também não se exige que o grupo que o integre se dedique apenas à actividade criminosa. Outra actividade do grupo, e até lícita, pode servir para a realização da actividade criminosa, ou para a camuflar.
A qualidade de membro de uma família não afasta a estrutura criminal do bando, já que desviada aquela das suas finalidades próprias, pode até servir para melhor e mais facilmente, se agregar e constituir tal figura penal.
08-10-1997, processo n.º 356/97 - 3.ª, Sumários de Acórdãos STJ, Gabinete de Assessoria, n.º 14, volume II, pág. 133 - Não obsta à qualificação da alínea j) do artigo 24.º do DL 15/93, a circunstância de um ou outro membro do “bando” gozar de um especial estatuto de não punibilidade em função de relações de parentesco ou afinidade com outros.

18-12-1997, processo n.º 918/97 - 3.ª – Sumários de Acórdãos STJ, Gabinete de Assessoria, n.ºs 15 e 16, volume II, pág. 217 - A figura do bando visa abarcar aquelas situações de pluralidade de agentes actuando “de forma voluntária e concertada, em colaboração mútua, com uma incipiente estruturação de funções”, que embora mais graves - e portanto mais censuráveis – do que a mera co-autoria ou comparticipação criminosa, não são de considerar verdadeiras associações criminosas, por nelas inexistir “uma organização perfeitamente caracterizada, com níveis e hierarquias de comando e com uma certa divisão e especialização de funções de cada um dos seus componentes ou aderentes”.

30-09-1999, processo n.º 726/96, CJSTJ 1999, tomo 3, pág. 162 (do mesmo relator do acórdão de 18-12-1997, e citando os acórdãos de 29-06-1995 e de 27-02-1997, supra referidos).
Na figura jurídica de “bando” o que, verdadeiramente, releva é a existência de uma pluralidade de agentes actuando de forma voluntária e concertada, de colaboração mútua, com uma incipiente estruturação de funções que, embora criem situações mais censuráveis que as de mera comparticipação criminosa não são de considerar verdadeiras associações criminosas, visto nelas não existir uma organização perfeitamente caracterizada com níveis e hierarquias de comando e com uma certa divisão de funções de cada um dos seus componentes e aderentes.
A qualidade de membros de uma família, ainda que de etnia cigana, caracterizada, pelos seus usos e costumes, por uma estrutura organizativa, altamente gregária, fechada e marginal, só por si não exclui a possibilidade de integrar a figura criminal de “bando”, visto que a lei não exige que o “grupo” se dedique exclusivamente, a actividades criminosas pois as lícitas podem, até, servir para camuflar aquelas.

18-12-2002, processo n.º 3217/02 - 3.ª Secção - O conceito de bando assenta numa designação de cariz criminológico, que se situa, em razão da existência de um líder, entre algo menos do que a associação e algo diferente da co-autoria.

23-04-2003, processo n.º 789/03 - 3.ª Secção - Após afastar a caracterização da conduta como associação criminosa, diz-se: Haverá actuação em bando e não em associação criminosa quando o agente comparticipa na prática de crimes de uma forma mais exigente do que a mera co-autoria pontual, mas bastante longe ainda da associação criminosa, tudo não passando de um grupo destinado à prática de crimes, mas de forma desarticulada e sem organização estruturada.

06-11-2003, processo n.º 3392/03 - 5.ª Secção - Para efeitos da qualificativa a que alude a alínea j) do artigo 24.º do DL n.º 15/93, a noção de «bando» é algo que se distingue da simples co-autoria, por um lado, indo além dela, e da associação criminosa, por outro, que não chega a atingir. «Bando» será, assim, uma actuação plural e voluntária com vista à prática de crime ou crimes, em que cada agente não tem consciência e (ou) intenção de pertença a um ente colectivo com personalidade distinta da sua e objectivos próprios - o que permite afastar a figura da associação criminosa típica - mas em que os diversos «colaboradores», inseridos numa orgânica ainda incipiente, reconhecem, todavia, a existência de uma liderança de facto a que se subordinam - o que permite, por seu lado, distinguir a figura da simples co-autoria.
A figura do «bando» basta-se com a existência de duas pessoas, nada impedindo que sejam marido e mulher.

11-12-2003, processo n.º 2293/03 - 5.ª Secção - Após afastar no caso sujeito a figura da associação criminosa, refere: Agravará especialmente a responsabilidade do agente de um crime de «tráfico agravado de drogas ilícitas», a actuação em bando, nomeadamente uma «actuação com vista à prática reiterada de crimes, em que cada agente não tem consciência e (ou) intenção de pertença a um ente colectivo com personalidade distinta da sua e objectivos próprios - o que afastará a associação criminosa típica - mas em que os diversos “colaboradores”, inseridos numa orgânica ainda incipiente, reconhecem, todavia, a existência de uma liderança de facto a que se subordinam».

07-01-2004, processo n.º 3213/03 - 3.ª Secção - A noção de “bando”, figura de pluralidade, de concertação e também de organização, situa-se, no plano da construção, entre as dimensões da comparticipação, em relação à qual se apresenta como um plus diferenciador, e a organização de nível e relevo que integre já o conceito, tipicamente relevante, de associação criminosa.
A diferença qualitativa há-de situar-se essencialmente na dimensão organizativa e na predeterminação dos fins; só esta dimensão acrescenta ao «acordo ou juntamente com outros» um quid material de distinção. A actuação em “bando”, ou como membro de “bando”, significa necessariamente a existência de um sentimento de comunhão de fins, de pertença a uma pluralidade inorgânica diversa das individualidades, de especificidade de fins e objectivos determinados, diversos da simples conjugação ou soma de vontades individuais agregadas.
Na jurisprudência do STJ a noção de “bando” visa todas as situações de pluralidade de agentes, actuando de forma voluntária, concertada e de colaboração mútua, com um princípio de estruturação de funções (estruturação incipiente), que, embora mais graves do que a mera comparticipação, não podem ser ainda consideradas associações criminosas, por não existir uma organização suficientemente caracterizada, com níveis e hierarquias e com uma relativa diversidade e especialização de funções de cada um dos membros ou aderentes.
Considera-se necessário que “a actuação, em concreto, seja levada a efeito, ao menos por dois elementos”.
“Hão-de, assim, ser relevantes a existência de um grupo de pessoas, o sentimento e a vontade de pertença, uma estruturação organizatória mínima na direcção e na divisão de tarefas, a permanência no tempo e a predeterminação de finalidades, a actuação conforme plano previamente elaborado e em conjugação de esforços, o conhecimento por todos da actividade de cada um, e a divisão entre elementos do grupo dos proventos obtidos com a actividade”.


Revertendo ao caso concreto.

No caso em apreciação, relembre-se que todos os arguidos foram pronunciados pelo crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. p. pelo artigo 24.º, alíneas b) e j), do Decreto-Lei n.º 15/93, mas porque foram os arguidos condenados por associação criminosa (com excepção do FF), em várias das suas vertentes, foram absolvidos do crime de tráfico qualificado pela alínea j), por incompatível com a existência da figura mais forte da associação criminosa, sendo impossível a sua verificação simultânea.
O modus operandi do grupo de arguidos AA, CC, DD e EE, foi de colaboração mútua, agindo “em rede”, com a consciência de participação em grupo, que tinham um plano de venda e revenda de heroína e cocaína a partir de Amarante, com divisão de tarefas, na busca de lucro, todos se referenciando às directivas da arguida CC, agindo ao longo de cerca de pouco mais de três meses, socorrendo-se de meios de transporte, que conduziam sem serem titulares de habilitação, dispondo de uma organização, que não os transcendia, mantendo a sua singularidade.

Conclui-se, assim, que é de afastar a incriminação do recorrente pelo crime de fundação e chefia de associação criminosa, sendo antes de operar a convolação e considerar a conduta do recorrente de subsumir no tipo de crime qualificado de tráfico de estupefacientes, p. p. pelo artigo 24.º, alínea j), do Decreto-Lei n.º 15/93.

Medida da pena

Com o desaparecimento do crime de associação criminosa e a insubsistência do crime de tráfico de estupefacientes simples, importa considerar a nova penalidade a aplicar ao recorrente pelo “novo” crime, a que corresponde a moldura penal de prisão de 5 a 15 anos.
Neste particular, ter-se-ão em conta as concretizações dos critérios legais estabelecidas pela decisão de primeira instância, que recolheu os elementos necessários e suficientes para o efeito e que mereceram a concordância do acórdão recorrido.
No que toca ao bem jurídico protegido, como é consabido, o crime de tráfico de estupefacientes protege uma multiplicidade de bens jurídicos, designadamente de carácter pessoal, embora todos eles se possam reconduzir a um mais geral: a saúde pública – cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional de 06-11-1991, in BMJ n.º 411, pág. 56, e de 10-02-1999, in DR, II Série, n.º 77, de 01-04-1999 e BMJ n.º 484, pág. 119.

A ter em conta as condições pessoais, profissionais e sócio-económicas do arguido, narradas nos pontos de factos provados ET a FH, bem como o período de actividade de tráfico, que se prolongou ao longo de cerca de três meses.
No que concerne à natureza e qualidade dos produtos estupefacientes em causa, releva a venda e revenda de heroína e de cocaína.
Tais substâncias encontram-se previstas nas Tabelas I-A e I-B, anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93, sendo consideradas drogas duras, com elevado grau de danosidade, sendo, pois, a qualidade das substâncias transaccionadas reveladora de considerável ilicitude dentro daquelas que caracterizam o tipo legal.
Na verdade, sendo certo que o Decreto-Lei n.º 15/93 não adere totalmente à distinção entre drogas duras e drogas leves, não deixa de no preâmbulo referir uma certa gradação de perigosidade das substâncias, dando um passo nesse sentido com o reordenamento em novas tabelas e dai extraindo efeitos no tocante às sanções, e de afirmar que “A gradação das penas aplicáveis ao tráfico, tendo em conta a real perigosidade das respectivas drogas afigura-se ser a posição mais compatível com a ideia de proporcionalidade”, havendo, pois, que atender à inserção de cada droga nas tabelas anexas, o que constitui indicativo da respectiva gradação, pois a organização e colocação nas tabelas segue, como princípio, o critério da sua periculosidade intrínseca e social.
Por outro lado, de acordo com Relatório de 11-05-1992, aprovado pela Comissão de Inquérito, criada por decisão do Parlamento Europeu de 24-01-1991, sobre a proliferação, nos países da Comunidade Europeia, do crime organizado ligado ao tráfico de droga, in Sub Judice, n.º 3, 1992, pág. 95, a heroína é classificada como droga ultra dura e a cocaína como droga dura.
Está-se, pois, perante substâncias incluídas nas referidas tabelas anexas ao DL 15/93, cujo abastecimento e disseminação têm vindo a aumentar com os efeitos perniciosos conhecidos, sendo de atender às elevadas exigências de defesa do ordenamento jurídico, estando em equação por colocado em perigo e sobressalto constante, por forma directa, um dos mais apreciáveis bens da comunidade, a saúde pública, para além dos consabidos efeitos colaterais.

Face à actividade desenvolvida e à forma intensa como ocorreu, foi grande o risco de disseminação das substâncias em causa.
No que tange a motivações da conduta tem-se por certo estar presente a obtenção de vantagem patrimonial.
Na base do negócio estava uma estrutura organizativa mínima.
A culpa é acentuada e revelada pelo modo de actuação.

As razões e necessidades de prevenção geral positiva ou de integração - que satisfaz a necessidade comunitária de afirmação ou mesmo reforço da norma jurídica violada, dando corpo à vertente da protecção de bens jurídicos, finalidade primeira da punição - são muito elevadas, fazendo-se especialmente sentir neste tipo de infracção, tendo em conta o bem jurídico violado no crime em questão – a saúde pública - e impostas pela frequência do fenómeno e do conhecido alarme social e insegurança que estes crimes em geral causam e das conhecidas consequências para a comunidade a nível de saúde pública e efeitos colaterais, justificando resposta punitiva firme, o que de resto foi bem assinalado na decisão recorrida.
Na verdade, há que ter em atenção as grandes necessidades de prevenção geral numa sociedade assolada pelo fenómeno do tráfico de droga, que a juzante gera outro tipo de criminalidade, mas inteiramente relacionada com esta, senão mesmo por ela determinada, pois é das leis do mercado que os bens têm um preço de aquisição e quando escasseia o meio para sua obtenção muitas poderão ser as formas de alcançar o necessário e imprescindível poder aquisitivo, em vista da satisfação das necessidades geradas pela toxicodependência e como é sabido uma dessas formas mais comum é a prática de roubos, havendo que dar satisfação ao sentimento de justiça da comunidade.
As necessidades de prevenção especial avaliam-se em função da necessidade de prevenção de reincidência.
Relativamente aos antecedentes criminais, há que ter em atenção que os crimes por que o recorrente foi condenado são, afora as condenações pela prática de 3 crimes de condução sem habilitação legal, de natureza diversa do tráfico presente (prática de um crime de ofensa à integridade física, por que foi condenado em pena de multa, e de um crime de violação, por que foi condenado por acórdão de 20-02-2001, em sete anos de prisão).
Face a todos estes factores, considerando que a aplicação de penas tem como primordial finalidade a de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime e em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico penal, não devendo ultrapassar o grau de culpa, entende-se como adequada e proporcional, a pena de 7 anos e 6 meses de prisão, pela prática do crime agravado de tráfico de estupefacientes.

Havendo necessidade de refazer o cúmulo jurídico das penas aplicadas, e procedendo ao mesmo, tendo em conta o disposto nos artigos 77.º e 78.º do Código Penal, estando-se perante uma moldura penal de concurso de 7 meses de prisão a 8 anos e 1 mês de prisão, considerando a diversidade de bens jurídicos tutelados, o período temporal em causa, a imagem global do facto, tem-se por adequada, equilibrada e proporcional, a pena conjunta de 8 anos de prisão.


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Da extensão dos efeitos da requalificação jurídico - criminal da conduta do recorrente aos demais arguidos igualmente condenados por crime de associação criminosa, e não recorrentes.

Há que ver que consequências se podem retirar do reenquadramento jurídico - criminal realizado relativamente quanto ao recorrente, no que toca aos demais arguidos, não recorrentes, e condenados por crime de associação criminosa, embora em grau menor, mas em concurso real, com um crime de tráfico de estupefacientes.

Segundo o artigo 402.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, o recurso interposto de uma sentença abrange toda a decisão.
Dispõe a alínea a) do n.º 2, que «Salvo se for fundado em motivos estritamente pessoais, o recurso interposto por um dos arguidos, em caso de comparticipação, aproveita aos restantes”.
Segundo o artigo 403.º, n.º 2, alínea e), é autónoma a parte da decisão que se referir, em caso de comparticipação criminosa, a cada um dos arguidos, sem prejuízo do disposto na referida alínea a) do n.º 2 do artigo anterior.
Explicita o n.º 3 do mesmo preceito, que a limitação do recurso a uma parte da decisão não prejudica o dever de retirar da procedência daquele, as consequências legalmente impostas relativamente a toda a decisão recorrida.
Significa isto que o arguido que não recorre e não é assim parte na instância de recurso, poderá eventualmente tornar-se um beneficiário indirecto do recurso de co-arguido recorrente, tratando-se obviamente de uma mera expectativa de eventual proveito próprio decorrente de actividade alheia, ganho esse que reverterá a seu favor apenas se e quando for caso disso.
Tendo transitado em julgado o acórdão quanto aos demais arguidos, a decisão poderá ser modificada supervenientemente nesse contexto, por se verificar caso julgado sob condição resolutiva, ou seja, a impugnação por parte de co-arguido não afecta o trânsito condicional do acórdão relativamente ao não recorrente, como o Supremo tem considerado, v. g., nos acórdãos de 09-02-2006, processo n.º 486/06-5.ª; de 08-03-2006, processo n.º 888/06-3.ª; de 25-05-2006, processo n.º 4123/05-5.ª; de 07-06-2006, processo n.º 2184/06-3.ª; de 04-10-2006, processo n.º 3667/06-5.ª; de 11-10-2006, processo n.º 3774/06-3.ª; de 07-11-2007, processo n.º 4209/07-3.ª; de 27-05-2009, processo n.º 50/06.3GAOFR-3.ª.
Sobre a extensão do recurso e o trânsito em julgado, anota-se o acórdão de 05-12-1997, processo n.º 48956-3.ª, Sumários Assessoria, n.º 8, Fevereiro de 1997, pág. 78, onde se refere: “Tendo todos os arguidos sido condenados pelo crime de associação criminosa e alguns deles recorrido para o Tribunal Constitucional para alegação de inconstitucionalidades várias em sede de produção da prova em julgamento, uma vez que a sua eventual procedência se repercutirá ao nível dos demais interessados, cria-se assim um circunstancialismo legalmente extensivo a todos os demais intervenientes no processo, pelo que não é de deferir o pedido formulado por um dos arguidos não recorrentes, para que quanto a si, seja declarado o trânsito em julgado da decisão”.

Ora, no nosso caso, há que considerar que as expressões “comparticipação” e “comparticipação criminosa”, que se contêm nos artigos 402.º, n.º 2, alínea a) e 403.º, n.º 3, alínea e), do Código de Processo Penal, devem ser entendidas como abrangendo, por identidade de razão, outros casos de autoria plural, como os crimes associativos, de participação necessária, ou convergentes, como é o presente caso, em que os arguidos, não recorrentes, foram condenados por participação em associação criminosa.

Face à não integração do crime de associação criminosa, por que foram igualmente condenados os demais arguidos, com a excepção apenas do FF, importa rever a sua situação, uma vez que há que conferir coerência interna à decisão, no que toca a qualificação jurídico criminal de condutas com pontos em comum, pois desaparece a condenação por associação criminosa e o próprio crime de tráfico de estupefacientes simples, p. p. pelo artigo 21.º, do DL n.º 15/93, perde a autonomia, englobando-se as duas anteriores qualificações na emergente qualificação como crime de tráfico agravado, que não sendo tanto como a associação criminosa, não é tão pouco como o crime base, e que absorve este, atribuindo agora, pelo único crime, uma única pena, em vez da pena única do anterior concurso.
Com efeito, não faria sentido que um dos arguidos - e logo o chefe - fosse absolvido de um crime por que os demais também foram condenados, embora em variantes de menor intensidade, grau de intervenção e gravidade, e que foi convolado para outro diverso, menos grave, o que implica concomitantemente a absorção por consumpção, da outra condenação por tráfico simples, e os demais arguidos, não recorrentes, ou até recorrentes, mas que viram os recursos serem rejeitados por extemporaneidade, continuassem condenados por aquele imputado crime de participação em associação criminosa, que o tribunal considerou inexistir, subsistindo então a condenação por um crime considerado não preenchido.
Tudo se passaria, pois, como se a qualificação que não valesse para o recorrente, continuasse a valer para os restantes arguidos, o que manifestamente não pode ser.
Por outras palavras, não havendo associação criminosa demonstrada, não pode a conduta dos demais arguidos não recorrentes ser subsumida como integrando uma colaboração ou participação com a mesma, ou seja, com uma entidade que se reconheceu inexistir.
Chegados a este ponto há que declarar que tem de prevalecer uma única verdade histórica sobre a existência ou não da associação, não podendo “sobreviver” a versão da associação criminosa em relação aos não recorrentes ….

Como vimos supra, foram condenados os arguidos em causa da seguinte forma (não se consideram aqui as condenações por condução ilegal sem carta impostas a alguns dos arguidos):

Arguida CC:

a) um crime de participação em associação criminosa, p. e p. pelos artigos 28.º, n.º 2, do Dec. Lei n.º 15/93 e artigo 299.º, n.º 2, do Código Penal, na pena de 6 anos de prisão;
b) um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 15/93, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão;
d) em cúmulo jurídico foi condenada na pena única de 7 anos e 6 meses.

Arguido EE:

a) um crime de participação em associação criminosa, p. e p. pelos artigos 28.º, n.º 2, do Dec. Lei n.º 15/93 e artigo 299.º, n.º 2, do Código Penal, na pena de 5 anos de prisão;
b) um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 15/93, na pena de 4 anos de prisão.
c) Em cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena única de 6 anos de prisão.
Arguido DD:
a) um crime de participação em associação criminosa, p. e p. pelos artigos 28.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, e artigo 299.º, n.º 2, do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão;
b) um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, na pena de 3 anos de prisão.
c) Em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de 4 anos de prisão, com execução suspensa por igual período de tempo, acompanhada de regime de prova.


No caso concreto, a requalificação jurídico criminal das condutas dos arguidos não recorrentes tem lugar apenas por uma questão de necessário realinhamento, de concessão de uma lógica interna da decisão condenatória, de modo a uniformizar o enquadramento jurídico criminal dos vários arguidos, que naquele período de cerca de três meses, navegaram, com idênticos objectivos, no mesmo processo histórico desviante.
Apenas isso.
No caso em apreciação daí não advirão, reflexamente, outras consequências, como redução de punição, e muito menos, agravamentos da mesma, posta a incontornável observância da proibição da reformatio in pejus.
Em relação ao arguido DD, inclusive, efectuando-se a requalificação, verifica-se que face ao novo crime, o limite mínimo cabível ao mesmo - 5 anos - é superior à pena única de 4 anos de prisão que lhe foi aplicada.
A solução será a de manter as penas aplicadas, por impossibilidade de agravamento nos termos do artigo 409.º do Código de Processo Penal, e no que toca ao último arguido, a solução só poderá ser a de manter tal pena, em obediência igualmente ao princípio da proibição da reformatio in pejus, mantendo-se a suspensão nos moldes traçados.




Decisão

Pelo exposto, acordam no Supremo Tribunal de Justiça em julgar o recurso interposto pelo arguido AA, parcialmente procedente, e em consequência:
1 – Revogar o acórdão recorrido na parte em que confirma a condenação do recorrente pela prática de um crime de fundação e chefia de associação criminosa, p. e p. pelo artigo 28.º, n.ºs 1 e 3, do Decreto - Lei n.º 15/93 e artigo 299.º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal, e de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto - Lei n.º 15/93;
1.1 - Alterar essa qualificação jurídica para a prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo artigo 24.º, alínea j), do DL 15/93, de 22-01;
1.2 - Condenar o recorrente pela prática de tal crime, na pena de 7 anos e 6 meses de prisão;
1. 3 - Manter o mais decidido, maxime, no que respeita à condenação pelo crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º s 1 e 2, do Decreto - Lei n.º 2/98, de 03-01, na pena de 7 meses de prisão;
1.4 - Em cúmulo jurídico, condenar o recorrente na pena conjunta de 8 anos de prisão.

2 – Nos termos do artigo 402.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, alterar o acórdão recorrido no que toca às condenações dos demais arguidos não recorrentes, a seguir indicadas, e assim:
2. 1- Arguida CC

2. 1. 1 – Revogar o acórdão recorrido na parte em que condena a arguida pela prática de um crime de participação em associação criminosa, p. e p. pelos artigos 28.º, n.º 2, do Decreto - Lei n.º 15/93 e 299.º, n.º 2, do Código Penal, e de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do mesmo Decreto - Lei n.º 15/93;

2. 1. 2 - Alterar a qualificação para um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. p. pelo artigo 24.º, alínea j), do DL n.º 15/93, de 22-01;

2. 1. 3 - Condenar a arguida pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. p. pelo artigo 24.º, alínea j), do mesmo Decreto-Lei, na pena de 7 anos e 6 seis meses de prisão;
2. 1. 4 - Manter o mais decidido, maxime, no que respeita à condenação pelo crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 1, do Decreto - Lei n.º 2/98, de 03 de Janeiro, na pena de 60 dias de multa;
2. 1. 5 - Em cúmulo jurídico, condenar a arguida na pena única de 7 anos e 6 seis meses de prisão e em 60 dias de multa à razão diária de 5 Euros.

2. 2 – Arguido EE

2. 2. 1 - Revogar o acórdão recorrido na parte em que o condena pela prática de um crime de participação em associação criminosa, p. e p. pelos artigos 28.º, n.º 2, do Decreto - Lei n.º 15/93 e 299.º, n.º 2, do Código Penal, e de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 15/93,

2. 2. 2 - Alterar a qualificação para um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. p. pelo artigo 24.º, alínea j), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01;

2. 2. 3 - Condenar o arguido pela prática de tal crime na pena de 6 anos de prisão;

2. 2. 4 - Manter o mais decidido, maxime, no que respeita à condenação pelo crime de condução sem habilitação legal, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 30.º, n.º 2, do Código Penal, e 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03/01, por referência aos artigos 122.º e 123.º, do Código da Estrada, na pena 100 dias de multa, à razão diária de 5 Euros;
2. 2. 5 – Procedendo ao cúmulo jurídico, condenar o arguido na pena de prisão de 6 anos de prisão e na pena de 100 dias de multa, à razão diária de 5 Euros;

2. 3 – Arguido DD

2. 3. 1 - Revogar o acórdão recorrido na parte em que condena tal arguido pela prática de um crime de participação em associação criminosa, p. e p. pelos artigos 28.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, e 299.º, n.º 2, do Código Penal, e de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93;

2. 3. 2 - Alterar a qualificação para um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. p. pelo artigo 24.º, alínea j), do DL n.º 15/93, de 22-01;

2. 3. 3. - Condenar o arguido pela prática de tal crime, mas,

2.3.4 - Manter a condenação, agora por tal crime, na pena de 4 anos de prisão, com execução suspensa por igual período de tempo, acompanhada de regime de prova.

2.3.5 – Manter a condenação pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 30.º, n.º 2, do Código Penal, artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03-01, por referência aos artigos 122.º e 123.º do Código da Estrada, na pena de 100 dias de multa, à razão diária de 5 Euros.
3 - Manter o demais decidido.
Sem custas.
Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

Supremo Tribunal de Justiça

Lisboa, 27 de Maio de 2010


Raúl Borges (Relator)
Fernando Fróis