Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
102/2001.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: ACIDENTE SIMULTANEAMENTE DE TRABALHO E VIAÇÃO
PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO
CONTRATO DE SEGURO
INDEMNIZAÇÃO
INTERPRETAÇÃO DA SENTENÇA
DECLARAÇÃO TÁCITA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 04/29/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Legislação Nacional: LEI Nº 2127, DE 3 DE AGOSTO DE 1965
CÓDIGO CIVIL, ARTIGO 217º
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE 12 DE SETEMBRO DE 2006, WWW.DGSI.PT, PROC. Nº 06A2244, DE 6 DE MARÇO DE 2007, WWW.DGSI.PT, PROC. Nº 07A189, DE 13 DE JANEIRO DE 2005, WWW.DGSI.PT , PROC. Nº 04B1310
Sumário :
1. Sendo simultaneamente de viação e de trabalho o mesmo acidente, não pode o lesado cumular duas indemnizações para ressarcimento do mesmo dano, uma ao abrigo do contrato de seguro do empregador, outra no âmbito do seguro do responsável pelo acidente.
2. O lesado tem o direito de optar pela indemnização que se lhe afigurar mais conveniente.
3. Entende-se que o lesado que, estando a receber a pensão arbitrada na acção por acidente de trabalho, pede e recebe uma indemnização atribuída pela perda de capacidade de ganho do sinistrado no processo relativo ao acidente de viação, opta por esta última, devendo restituir à companhia de seguros do empregador o que lhe tiver sido pago em duplicado.
Decisão Texto Integral:

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:


1. A Companhia de Seguros A..., SA instaurou uma acção contra a Companhia de Seguros T..., SA e a Companhia de Seguros F..., SA, pedindo a sua condenação no pagamento de 6.302.877$00 e das “pensões que a A. venha ainda a pagar na pendência dos autos, acrescida de juros de mora vincendos à taxa legal desde a data da citação até integral pagamento, e ainda as pensões que se vencerem no futuro a liquidar em execução de sentença”.
O pedido veio a ser posteriormente ampliado para € 46.716, 45 (cfr. requerimento de fls. 505 e despacho de fls. 542) e para € 80.023,68 (cfr. requerimento de fls. 812 e despacho de fls. 1108), quantias em ambos os casos acrescidas do que se vier a liquidar em execução de sentença.
Para o efeito, e em síntese, alegou ter celebrado um contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho com O... – Construção Civil & Obras Públicas, Lda, ao abrigo do qual veio a pagar indemnizações por danos sofridos por três trabalhadores (AA, BB e CC), dois dos quis vieram a falecer (os dois últimos), decorrentes de um acidente de viação que ficou a dever-se a culpa dos condutores de dois veículos automóveis segurados pelas rés. Pretende, portanto, ser reembolsada, nos termos do disposto no nº 4 da Base XXXVII da Lei nº 2127, de 3 de Agosto de 1965.
Ambas as rés contestaram. A Companhia de Seguros T... afirmou não lhe caber qualquer responsabilidade porque o acidente não foi causado pelo veículo nela seguro.
Houve réplica.
A fls. 571, a autora requereu a intervenção principal de DD, EE e FF, herdeiras de BB, e de GG e HH, herdeiros de CC. Invocou ter apurado que, “por decisão transitada em julgado no processo nº 436/95.5TALLE do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Faro”, a ré F... “terá sido condenada a ressarcir os lesados”, tendo sido “condenada a pagar, a título de danos patrimoniais futuros, as seguintes quantias: a DD, EE e FF, respectivamente viúva e filhas de BB: € 84.795,64; a GG e HH, respectivamente viúva e filho de CC: € 74.819,68”.
Não sendo cumuláveis “as indemnizações pagas ao lesado a título de danos patrimoniais”, tendo os beneficiários das pensões “o direito de optar por uma ou por outra (…) caso (…) tenham recebido e optado pela indemnização atribuída pela seguradora responsável pelo acidente de viação”, cabe-lhe “o direito de reaver destes o montante que já tiver pago”, conforme sustentou.
A intervenção foi admitida, a fls. 617.
A fls.636, os chamados opuseram-se à intervenção, impugnaram diversos factos e invocaram a prescrição do direito que a autora contra eles quer exercer; e declararam que, de qualquer forma, “aceitarão a responsabilidade que para si decorrer da aplicação dos critérios e princípios” constantes da Base XXXVII da Lei 2.127 e que “entendem que nada receberam da Ré F..., ou de qualquer outra pessoa, que tenha a mesma origem do que têm estado a receber da Autora”.
Por sentença de fls. 1134, completada a fls. 1263, a Companhia de Seguros T... e os intervenientes foram absolvidos do pedido. A Companhia de Seguros F... foi condenada a pagar à autora a quantia de € 80.023,68, com juros de mora, vencidos desde a citação até integral pagamento, à taxa de 4%; e foi absolvida “do pedido de pagamento das pensões que se vencerem no futuro”.
Em síntese, a sentença decidiu que o acidente foi provocado por culpa exclusiva da condutora do veículo seguro pela ré F... e que se tratou de um acidente simultaneamente de viação e de trabalho. Verificou: que a autora tinha sido “condenada “ a pagar, “na qualidade de seguradora por acidentes de trabalho (…) à viúva e ao filho (enquanto se mantiver a estudar) do sinistrado CC, pensões anuais de 332.235$00 e 221.490$00, respectivamente, acrescidas de um duodécimo em Dezembro de cada ano (…)” e “à viúva e à filha (enquanto se mantiver a estudar) do sinistrado II, pensões anuais de 405.154$0 e 270.103$00, respectivamente, acrescidas de um duodécimo em Dezembro de cada ano” , tendo até então pago aos lesados € 80.023,68; e que a F... tinha “efectuado pagamentos no montante de 79.151.054$00”, não estando assim esgotado “o limite legal de 120.000$00”.
Assim, considerou que a autora “tem direito de regresso” contra ela, nos termos do disposto nos artigos 592º do Código Civil e 441º do Código Comercial e na Base XXXVII, nºs 1 e 4 da Lei nº 2127; e que caberá à ré F..., “se necessário”, exercer o seu direito de regresso sobre os intervenientes “em acção própria”.

2. Pelo acórdão de fls. 1307 do Tribunal da Relação de Lisboa foi decidido:

– quanto à impugnação da decisão de facto, deduzida pela Companhia de Seguros F...:

«Em primeiro lugar, pretende esta Ré que seja alterada a matéria de facto dada como provada ao abrigo do disposto no artigo 712°, nº 1 alíneas a) e b) do CPCivil, de molde a abranger, por um lado, as parcelas discriminadas das indemnizações arbitradas pelo Tribunal de Loulé (na sentença proferida nos autos n° 436/98-5TALLE), a título de “lucros cessantes”, a favor dos Intervenientes Principais da presente causa e por outro lado os pagamentos, que a Ré F... efectuou, das quantias indemnizatórias fixadas naquela sentença. Vejamos:
No que tange ao primeiro facto resulta da matéria dada como provada nos pontos 28º e 29º da base probatória os montantes indemnizatórios em que a Ré/Apelante foi condenada no processo crime sic «Em consequência do referido processo n.° 436/95.5TALLE, do 2.° Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Loulé, a Ré F... foi condenada a pagar, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, as seguintes quantias: a) DD: 23.500.028$00; b) EE: 11.925.000$00; c) FF: 9.630.000$00; d)GG: 24.976.017$00; e) HH: 9.120.000$00» (Intervenientes Principais).
Resulta da sentença proferida naqueles autos cuja cópia se encontra junta de fls. 333 a 387 que a Ré F... foi condenada a pagar àqueles Intervenientes principais, daquela quantia global e a titulo de danos patrimoniais e pela perda de capacidade de ganho por via do óbito do sinistrado II e, respectivamente, a DD a quantia de 13.445.000$00, a EE a quantia de 630.000$00 e a FF a quantia de 2.925.000$00 bem como a quantia de 55.028$00 a título de despesas com o funeral àquela primeira Interveniente.
Resulta ainda da mesma sentença que a Ré/Apelante F... foi condenada a satisfazer aos Intervenientes HH e HH, daquela quantia global e a título de danos patrimoniais e pela perda de capacidade de ganho do sinistrado CC as quantias de, respectivamente 14.880.000$00 e 120.000$00, bem como a quantia de 96.017$00 àquela primeira Interveniente a título de despesas de funeral.
Não obstante na resposta obtida aos pontos 28º e 29º da base probatória apenas se refira ao montante global da indemnização em que a Apelante foi condenada, deflui de tal factualidade que tal montante é a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, pelo que tratando-se como se trata de matéria alegada, cuja especificação decorre da sentença proferida que não foi posta em causa, nada obsta a que a ela se faça apelo.
Já no que tange ao pagamento desses montantes, efectuado pela Apelante, como resulta de fls 607 a 614, verifica-se que não obstante a sentença recorrida na sua fundamentação a ele se referir, cfr. fls 1144 «(…) «Atendendo a que, conforme se expôs, a Ré F... efectuou pagamentos no montante de 79.151.045$00 (…)» (aos Intervenientes Principais), não fez consignar tal pagamento na matéria dada como provada, o que ora se consigna, já que, além do mais, se trata de matéria alegada que não foi objecto de impugnação.»

– quanto ao mais:

«1. Revoga-se a decisão recorrida na parte em que absolveu os Intervenientes e condenou aquela Ré no pagamento à Autora da quantia de € 80.023, 68 acrescida dos juros de mora desde a citação.
2. Tendo em atenção a ampliação do objecto do recurso suscitada pela Autora nas suas contra alegações, condena-se:
a) a primeira Interveniente GG a satisfazer à Autora a quantia em Euros correspondente a 175.516$00 (relativa a despesas de funeral);
b) esta Interveniente GG e o Interveniente HH a satisfazer à Autora os montantes de em Euros equivalente a 1.274.872$00 (de pensões anuais de 27 de Novembro de 1998 e até 30 de Junho de 2001), € 5.028, 58, relativa às pensões desde a data de entrada em juízo da Petição Inicial e 29 de Maio de 2003 (cfr ampliação do pedido de fls 505 a 508) e de € 9.594, 43 relativa às pensões satisfeitas desde aquela data e até 24 de Agosto de 2007 (cfr ampliação do pedido de fls 812 a 814), na medida do respectivo recebimento;
c) a Interveniente DD a satisfazer à Autora a quantia em Euros correspondente a 215.920$00 (a titulo de despesas de funeral);
d) esta Interveniente DD e a Interveniente FF a satisfazer à Autora as quantias em Euros correspondente a 1.914.296$00 (pelas pensões anuais liquidadas de 27 de Novembro de 1998 até 30 de Junho de 2001), € 7.037, 71 relativa a pensões desde a data de entrada em juízo da Petição Inicial e 29 de Maio de 2003 (cfr ampliação do pedido de fls 505 a 508) € 19.346, 80 relativa a pensões satisfeitas desde aquela data e 24 de Agosto de 2007 (cfr ampliação do pedido de fls 812 a 814), na medida do respectivo recebimento;
a tais quantias acrescem os juros à taxa legal, respectivamente, desde a citação e das subsequentes notificações das ampliações dos pedidos.
3. Mantém-se a sentença recorrida e no que concerne à condenação da Ré F... no pagamento à Autora das quantias referentes despesas de peritagem, judiciais, diversas, a advogados e peritos no montante global de 183.582$00 e respectivos juros a partir da citação bem como nas quantias desembolsadas pela Autora referentes ao sinistrado AA (quantia em Euros correspondente a 2.538.691$00 pelas despesas aludidas no ponto 12. da base instrutória, € 3.172, 00 a titulo de pensão anual desde a data de entrada em juízo da Petição Inicial e 29 de Maio de 2003,cfr ampliação do pedido de fls 505 a 508 e € 4.366, 00 relativa a pensão anual desde aquela data e 24 de Agosto de 2007, cfr ampliação do pedido de fls 812 a 814) - com excepção no que toca à condenação em juros, os quais serão calculados como se expôs supra desde a citação e das subsequentes notificações dos requerimentos de ampliação do pedido.
4. Absolvem-se a Ré F... e os Intervenientes do restante pedido.
5. Mantém-se a sentença quanto à absolvição da Ré Companhia de Seguros T..., SA.»

3. GG, HH, DD e FF recorreram para o Supremo Tribunal da Justiça; o recurso foi admitido como revista, com efeito meramente devolutivo.
Nas alegações que apresentaram, esclareceram que o recurso tem por objecto a sua condenação “na devolução de várias quantias (…) recebidas no âmbito das acções especiais emergentes de acidente de trabalho nºs 1085/1998 e 1086/1998, relativas a CC e BB, respectivamente, que correram termos no Tribunal de Trabalho de Faro”, e formularam as seguintes conclusões:

«a. A indemnização do acidente de viação e a do acidente de trabalho só podem considerar-se coincidentes na parte que se refere à perda da capacidade de ganho resultante dos salários auferidos pelos maridos e pais dos Recorrentes, na empresa segurada pela A....
b. A pensão de acidente de trabalho apenas compensa este dano e, por isso, somente este dano pode estar duplicado na indemnização por acidente de viação.
c. A resposta dada aos quesitos 28° e 29° da base instrutória informa que a indemnização por acidente de viação é global e genérica, na mesma não se podendo identificar qual foi o valor considerado para efeitos de "perda da capacidade de ganho" derivada do salário na empresa segurada pela A....
d. O douto acórdão da Relação não alterou a resposta dada a estes quesitos, substituindo-a por outra resposta, com outro teor, que possamos agora considerar na análise do caso, pelo que a resposta dada em primeira instância se mantém, o que é lógico, pois trata-se da reprodução pura e simples da parte decisória da sentença.
e. O que o douto acórdão da Relação fez foi, simplesmente, "fazer apelo" ao corpo da douta sentença do processo de acidente de viação, para tentar identificar na sua fundamentação de que se comporiam as verbas globais que constam da sua parte decisória.
f. Ao assim proceder, o douto acórdão considerou que a cada Recorrente foi atribuída uma verba global a título de compensação pela "perda da capacidade de ganho", tendo considerado que essa verba era duplicada com a pensão de acidente de trabalho.
g. No entanto, a "capacidade de ganho" tida em conta na douta sentença do processo de acidente de viação englobava não somente o salário auferido pelos maridos e pais dos Recorrentes na empresa segurada da A..., mas também diversas outras verbas, nomeadamente os rendimentos derivados de actividades extra laborais, que aquelas vítimas também auferiam com carácter de regularidade, como trabalhadores autónomos.
h. Daqui decorre que, mesmo a verba global identificada no douto acórdão da Relação como correspondendo a "perda da capacidade de ganho", não se confunde com a verba da pensão de acidente de trabalho.
i. Os Recorrentes devem optar entre a indemnização atribuída pelo acidente de trabalho e a atribuída pelo acidente de viação, mas apenas na parte em que compensem o mesmo dano.
j. Para que isso aconteça, têm que saber qual o conteúdo de uma e outra.
k. Face ao que atrás se expôs, os Recorrentes não sabem até hoje, nem isso ficou esclarecido neste processo, nem no douto acórdão recorrido, qual a parte da indemnização por acidente de viação que compensa o mesmo dano compensado pela pensão de acidente de trabalho.
l. Sem saberem isso, os Recorrentes não podem optar entre uma e outra indemnização, pois não sabem qual é maior e qual é para si mais vantajosa.
m. Tal só seria possível se, dos factos provados, tivesse resultado qual o valor que, na indemnização por acidente de viação, compensa o dano resultante da "perda da capacidade de ganho" derivada do salário que os maridos e pais dos Recorrentes auferiam na empresa segurada da A....
n. Essa verba não se confunde, evidentemente, nem com o montante global da indemnização fixada no processo de acidente de viação, nem mesmo com o montante parcial dessa indemnização a que se refere o douto acórdão recorrido no seu § I. I, pois a "capacidade de ganho" ali referida engloba outros danos que nada têm a ver com a perda salarial, única que a pensão de acidente de trabalho compensa.
o. Em suma, não ficou demonstrado, nem por alteração (que não ocorreu) dos factos dos quesitos 28° e 29° da base instrutória, nem por outro qualquer raciocínio, que haja duplicação e, havendo, em que medida, entre as indemnizações atribuídas aos Recorrentes nos processos de acidente de viação e de trabalho.
p. Do mesmo modo, também não está demonstrado que os Recorrentes tenham optado por uma ou outra indemnização – não o fizeram não somente por não estarem convencidos de que haja qualquer duplicação entre as indemnizações, mas também porque não sabem qual delas é melhor para si – e, sem lhes ser dada essa oportunidade, igualmente não pode proceder o pedido aqui formulado pelas seguradoras.
q. Isto posto, não estando demonstrada nem a existência de duplicação entre as indemnizações nem mesmo, existindo essa duplicação, em que extensão ela existe, e não tendo os Recorrentes até hoje podido, por isso mesmo, fazer qualquer opção entre uma e outra, não há condições para a procedência da acção em face dos Recorrentes, como já tinha sido decidido em primeira instância.
r. Requer-se a V. Exas. reconheçam isso mesmo, aplicando a doutrina pacífica que, para hipóteses como a presente, tem sido seguida, ou seja, indeferindo a acção por não estar apurada a coincidência de danos entre as duas indemnizações.
s. O douto acórdão recorrido violou a legislação que rege esta matéria e que, neste caso, é a Base XXXVII da Lei 2.127 de 3/8/65.»

Contra-alegaram as Companhias de Seguros F... e A....
Ambas sustentaram que deve ser mantido o acórdão recorrido; a autora disse ainda que, a ser concedido provimento à revista, deve ser repristinada a decisão da 1ª instância.

4. Cumpre conhecer do recurso, ao qual não são aplicáveis as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto.

Vem provada da primeira instância a seguinte matéria de facto:

«1º A A. dedica-se à autoridade seguradora (A).
2º No exercício da sua actividade comercial, a A. celebrou com a O... – Construção Civil & Obras Públicas, Lda., um contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho, para ter início em 01-02-1997, que veio a ser titulado pela apólice n.º 10.860387 (B).
3º A apólice garantia os trabalhadores do tomador na data do acidente, nomeadamente AA, CC e BB (C).
4º Além dos acidentes de trabalho, a referida apólice garante ainda a cobertura dos acidentes sofridos no trajecto normal de e para o local de trabalho, qualquer que seja o meio de transporte utilizado, fornecido ou não pela entidade patronal, como se verifica pelas Condições Gerais da Apólice que se encontra junta a fls. 31 a 35 e se dão por integralmente reproduzidas (D).
5º No dia 26 de Novembro de 1998, pelas 7 horas e 25 minutos, na E.N. 396, ao Km 17,6, na Zona Industrial de Loulé ocorreu um acidente de viação (E).
6º Nesse dia AA, CC e BB eram empregados da firma segura, trabalhando sob as suas ordens e instruções (F).
7º Neste acidente foram intervenientes:
- O veículo ligeiro de passageiros de matrícula ...-...-JR, propriedade de JJ era conduzido por LL, veículo este seguro na 1.ª Ré;
- O veículo ligeiro de mercadorias de matrícula ...-...-DL, propriedade de MM era conduzido por NN, veículo este seguro na 2.ª Ré;
- O veículo ligeiro de passageiros de matrícula AG-...-..., propriedade de OO, Lda., e conduzido por BB, onde seguiam os três sinistrados (G).
8º No veículo AG seguiam os três sinistrados que se dirigiam para o trabalho (H).
9º Os três veículos circulavam na E.N. 396 no sentido Loulé/Quarteira (I).
10º O veículo AG-...-... seguia à frente, na sua retaguarda seguia o veículo ...-...-DL, seguido pelo veículo ...-...-JR (J).
11º A determinada altura do seu percurso, o condutor do veículo ...-...-JR encetou uma manobra de ultrapassagem ao veículo que o precedia (1º);
12º Quando a frente do JR se encontrava sensivelmente a meio do veículo ...-...-DL, em plena manobra de ultrapassagem, a condutora do DL, pretendendo ultrapassar o veículo AG, accionou o pisca-pisca do lado esquerdo sem se aperceber que já estava a ser ultrapassada pelo JR e iniciou uma tentativa de ultrapassagem ao veículo AG que se encontrava à sua frente, flectindo para o eixo da via e passando a ocupar parte da faixa de rodagem esquerda com o rodado esquerdo do seu veículo (3º, 21º e 26º);
13º A condutora do veículo DL então foi surpreendida por um toque de buzina do veículo JR (22º).
14º Desacelerou o DL e regressou à metade direita da faixa de rodagem (23º).
15º O condutor do JR, surpreendido pela manobra da condutora do DL, tentou desviar-se para a berma esquerda da faixa esquerda de rodagem (4º)
16º O condutor do JR, que circulava a velocidade não superior a 60 Km/hora e para ultrapassar acelerou até velocidade não superior a 85 Km/hora, pisou com o rodado esquerdo a berma do mesmo lado, que apresentava um desnível para um plano inferior em relação ao asfalto, e não conseguiu controlar o seu veículo, acabando por retomar a faixa de rodagem completamente descontrolado, indo embater na parte lateral esquerda do veículo AG (5º, 25º e 27º).;
17º O veículo AG, com a violência do embate, foi projectado para fora da faixa de rodagem, acabando por ir embater numa árvore (K).
18º A velocidade que animava o veículo DL não era superior a 60 Km/hora (20º).
19º Em consequência directa e necessária do acidente resultaram ferimentos graves para o condutor e passageiros do veículo de matrícula AG, BB, CC e AA (L).
20º Em consequência directa das lesões sofridas o sinistrado BB acabou por falecer (M).
21º Também o ocupante do veículo AG, CC, acabou por falecer em virtude das lesões sofridas em consequência do acidente (N).
22º Em consequência do acidente o sinistrado AA sofreu uma ruptura do joelho direito e uma fractura duma vértebra (6º).
23º Esteve totalmente incapacitado para o trabalho durante cerca de um ano e ficou a padecer de uma incapacidade parcial permanente (7º e 8º).
24º A Ré Companhia de Seguros T..., S.A., por via do contrato titulado pela apólice 01675050 assumiu a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo ligeiro de passageiros ...-...-JR, que no momento do acidente era conduzido por LL (P).
25º A Ré Companhia de Seguros F... por via do contrato titulado pela apólice n.º 60/5378714 assumiu a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo ligeiro de mercadorias ...-...-DL, que no momento do acidente era conduzido por NN (Q).
26º Por força do acidente em causa, correu termos pelo Tribunal da Comarca de Loulé, 2.º Juízo Criminal, Proc. 436/95.5.Talle um processo comum singular em que foram arguidos NN, condutora do veículo ...-...-DL segurada na co-Ré F... pela apólice 60/5378714 e o já referido condutor do veículo garantido pela T... (R).
27º Em tal processo foram deduzidos pedidos cíveis de indemnização contra as seguradoras, ora Rés, pelas viúvas e filhas das vítimas BB e CC, vindo o Centro Nacional de Pensões demandar no tocante às prestações da segurança social pagas aos beneficiários dos mesmos, a título de subsídios de morte e pensões de sobrevivência (S).
28º Por sentença proferida no citado processo em 18-04-2001, o arguido LL foi absolvido da acusação penal, sendo condenada apenas a arguida NN como autora do crime de homicídio negligente e contra-ordenação causal do artigo 38º do CE (ultrapassagem ilícita) (T).
29º Decorrentemente, a T... e seu segurado foram absolvidos de todos os pedidos cíveis contra si formulados, sendo neles condenados a ora co-Ré F... e a condutora nele segurada (U).
30º Em consequência do referido processo n.º 436/95.5TALLE, do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Loulé, a Ré F... foi condenada a pagar, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, as seguintes quantias:
a) DD: 23.500.028$00;
b) EE: 11.925.000$00;
c) FF: 9.630.000$00;
d) HH: 24.976.017$00;
e) Pedro Caliado: 9.120.000$00 (28º e 29º).
31º Relativamente ao sinistrado AA, correu sob o n.º 788/98 a acção especial emergente de acidente de trabalho que lhe atribuiu uma incapacidade permanente parcial de 25,4 e condenou a ora A. a pagar a pensão anual de 178.014$00, acrescida de um duodécimo em Dezembro de cada ano (10º).
32º Nesta data a reserva matemática, constituída em virtude da pensão que a A. foi condenada a pagar, ascende a 9.540,81 € (11º).
33º Até à presente data, a A. despendeu com o sinistrado AA, o montante de 2.538.691$00, discriminados da seguinte forma:
a) A título de salários durante o período de incapacidade temporária absoluta, a quantia de 571.527$00;
b) Pagamento de hospital público a quantia de 562.785$00;
c) A título de honorários médicos, a quantia global de 634.103$00;
d) A título de transportes a quantia de 183.655$00;
e) A título de medicamentos a quantia de 27.233$00;
f) Por despesas diversas, a quantia global de 235.000$00;
g) Pensão anual a que a A. foi condenada, liquidada de 27-11-98 a 30-06-01, no valor global de 324.388$00 (12º).
34º Relativamente a CC, correu termos a acção especial emergente de acidente de trabalho sob o n.º 1085/98 (O).
35º Foi atribuída uma pensão anual de 332.235$00 à viúva do sinistrado, GG e de 221.490$00 ao filho do sinistrado, HH, enquanto se mantiver a estudar, acrescida de um duodécimo em Dezembro de cada ano (13º).
36º Nesta data a reserva matemática, constituída em virtude da pensão que a A. foi condenada a pagar, ascende a 27.034,31 € (14º).
37º Até à presente data, a A. despendeu em virtude do acidente dos autos, o montante de 1.514.429$00, discriminados da seguinte forma:
a) Por despesas de funeral, a quantia de 175.516$00;
b) Despesas de peritagem, a quantia de 6.123$00;
c) Por despesas judiciais a quantia de 21.900$00;
d) Por despesas diversas a quantia de 36.018$00;
e) Pela pensão anual que a A. tem de pagar à viúva e filho do sinistrado, liquidada de 27-11-98 a 30-06-01, o valor global de 1.274.872$00 (15º).
38º Relativamente a BB, correu termos a acção especial emergente de acidente de trabalho sob o n.º 1086/1998 em que foi atribuída uma pensão anual de 405.154$00, à viúva do sinistrado, DD e 270.103$00 à filha do sinistrado, FF, enquanto se mantiver a estudar, acrescida de um duodécimo em Dezembro de cada ano (16º e 17º).
39º Nesta data a reserva matemática, constituída em virtude da pensão que a A. foi condenada a pagar, ascende a 35.038,37 € (18º)
40º Até à presente data, a A. despendeu em virtude do acidente dos autos, o montante de 2.249.757$00, discriminados da seguinte forma:
a) Por despesas de funeral, a quantia de 215.920$00;
b) Despesas de peritagem, a quantia de 6.123$00;
c) Por despesas judiciais a quantia de 24.900$00;
d) Por despesas diversas a quantia de 36.018$00;
e) Advogados e peritos a quantia de 52.500$00;
f) Pela pensão anual que a A. tem de pagar à viúva e filha do sinistrado, liquidada de 27-11-98 a 30-06-01, no valor global de 1.914.296$00 (19º).
41º Até 24-10-2007 a A. despendeu com os sinistrados e seus sucessores, um total de 80.023,68 € (ampliação do pedido de fls. 812 e confissão das partes).»

A estes factos tem de se acrescentar o que foi decidido pela Relação quanto à matéria de facto, atrás transcrito no ponto 2.

5. Os recorrentes não questionam, nem que o acidente em causa nestes autos seja, simultaneamente, de trabalho e de viação, nem a regra da não duplicação de indemnizações por danos decorrentes do mesmo facto, que implica que “as duas indemnizações não se podem somar uma à outra”, como se escreveu no acórdão deste Supremo Tribunal de 12 de Setembro de 2006, disponível em www.dgsi.pt, proc. nº 06A2244), “apenas se podem completar” (acórdão deste Supremo Tribunal de 6 de Março de 2007, www.dgsi.pt, proc. nº 07A189), pois “o dano do lesado é só um” (acórdão de 13 de Janeiro de 2005, www.dgsi.pt , proc. nº 04B1310).
Mas discordam de que haja “identidade de causas entre a indemnização que receberam da F... no processo de acidente de viação, e as pensões e demais pagamentos que receberam da A... na acção de acidente de trabalho”.
Alegando não ocorrer duplicação afirmam, em primeiro lugar, que “não pode dar-se como verificada a condição da identidade de indemnizações” porque “a sentença que julgou o acidente de viação condenou a F... genericamente a pagar um montante global, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais”, sendo apenas isso o que está provado na presente acção; em segundo lugar, porque, ainda “que fosse lícito ir ao corpo da sentença buscar a discriminação (…)”, “a parte relativa aos danos não patrimoniais está de fora, e não se confunde com o que pagou a A..., seguradora do acidente de trabalho” e “a parte relativa aos danos patrimoniais abrange diversos danos que nada têm a ver com a perda de rendimento. E, mesmo na parte em que a perda de rendimento teve influência no cálculo da indemnização, vê-se na douta sentença do processo de acidente de viação que a mesma considerou diversas causas de rendimento extra-laborais, que eram substanciais, para os sinistrados”, não sendo possível distinguir.
Para além disso, os recorrentes dizem que, nem optaram por nenhuma das indemnizações, nem estão em condições de o fazer.

6. É obviamente certo que, no contexto da responsabilidade por acidentes simultaneamente de trabalho e de viação e da concorrência de seguros – do empregador e do causador do acidente – que o cobrem, o problema de uma eventual duplicação de indemnizações se coloca, apenas, quanto à indemnização pelo mesmo dano (cfr., por exemplo, os acórdãos deste Supremo Tribunal atrás citados).
É só esta a hipótese que agora interessa considerar, e que nada tem a ver com situações em que exista “causa diversa” para as indemnizações – cfr. Pedro Romano Martínez, Direito do Trabalho, 3ª ed., Coimbra, 2006, nota 1. da pág. 858, que dá o exemplo de o trabalhador ter celebrado um seguro próprio de acidentes, caso em que “a indemnização que receber da sua seguradora pode cumular-se com a devida pelo empregador”.
E é igualmente certo que a regra de que a responsabilidade última recai sobre o terceiro que deu causa ao acidente (cfr. nº 4 da base XXXVII da Lei nº 2.127 e nº 1 do artigo 18º do Decreto-Lei nº 522/85, de 31 e Dezembro) não afasta o direito reconhecido ao lesado de optar pela indemnização que mais lhe convier, direito invocado pelos recorrentes.

7. Ora convém antes de mais esclarecer que apenas estão em apreciação neste recurso as condenações determinadas pelo acórdão recorrido, nos termos que atrás se transcreveram.

Não está portanto em causa, esclarece-se desde já, nenhuma condenação em indemnização por danos não patrimoniais; os recorrentes apenas foram condenados a pagar à autora o que dela haviam recebido como pensões devidas a título de acidente de trabalho – ou seja, como indemnização pela perda de capacidade de ganho dos sinistrados – e como pagamento das despesas de funeral.
Cumpre saber, portanto, se as indemnizações atribuídas no processo relativo ao acidente de viação cobrem ou não estes mesmos danos.

8. Está provado que o referido processo relativo ao “acidente em causa, correu termos pelo Tribunal da Comarca de Loulé, 2.º Juízo Criminal, Proc. 436/95.” (ponto 26º); que, nesse processo, “foram deduzidos pedidos cíveis de indemnização contra as seguradoras, ora Rés, pelas viúvas e filhas das vítimas BB e CC” (ponto 27º) e que foi proferido acórdão, para o que agora interessa, condenando “a Ré F... (...) a pagar, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, as seguintes quantias:
a) DD: 23.500.028$00;
b) EE: 11.925.000$00;
c) FF: 9.630.000$00;
d)GG: 24.976.017$00;
e) HH: 9.120.000$00 (28º e 29º).” (ponto 30º).

Sobre este ponto, a Relação socorreu-se do acórdão em causa (com certidão a fls. 333 e 1029 e transitado em julgado em 11 de Fevereiro de 2003, como se certifica a fls. 1028) para dar como assente que “a Ré F... foi condenada a pagar àqueles intervenientes principais, daquela quantia global e a título de danos patrimoniais e pela perda de capacidade de ganho por via do óbito do sinistrado II e, respectivamente, a DD a quantia de 13.445.000$00, a EE a quantia de 630.000$00 e a FF a quantia de 2.925.000$00 bem como a quantia de 55.028$00 a título de despesas com o funeral àquela primeira interveniente” e “aos intervenientes GG e HH, daquela quantia global e a título de danos patrimoniais e pela perda de capacidade de ganho do sinistrado CC as quantias de, respectivamente, 14.880.000$00 e 120.000$00, bem como a quantia de 96.017$00 àquela primeira interveniente a título de despesas de funeral”.
Não tem nenhum fundamento pretender que seria necessário que o acórdão recorrido tivesse dito “claramente” que, ao fazer este esclarecimento, alterava a resposta aos quesitos 28º e 29º, “indicando qual o seu novo conteúdo preciso, de forma a que pudéssemos agora apreciá-lo e ver se do mesmo resulta, ou não resulta, duplicação de indemnizações”, como sustentam os recorrentes. É absolutamente claro que foi este o conteúdo do acórdão, em nada relevando que as respostas aos referidos quesitos fossem mais ou menos precisas.
Aliás, consta do processo a respectiva certidão, como se verificou já. Nada impede que o Supremo Tribunal da Justiça o interprete directamente e que, para o efeito, recorra à explicitação das parcelas – expressamente indicadas – que o acórdão considerou para fixar os montantes globais das indemnizações.
Não procede, assim, o argumento dos recorrentes de que, tendo sido “global e genérica” a condenação, não se pode determinar se houve duplicação de indemnizações.

8. Também não procede a alegação de que se trata de indemnizações “inequivocamente diversas”, não ocorrendo duplicação, porque a que foi arbitrada no dito acórdão abrange danos patrimoniais e não patrimoniais e, quanto àqueles, “mesmo na parte em que a perda de rendimentos teve influência no cálculo da indemnização, vê-se que (…) considerou diversas causas de rendimento extra laborais, que eram substanciais para ambos os sinistrados”; de que não coincidem, portanto, os cálculos da indemnização por danos patrimoniais operados nos processos respectivos (por acidente de viação e por acidente de trabalho); “e nem se pode dizer se houve, em parte, coincidência, ou não, pois nada disso foi alegado ou demonstrado pela Autora”.
Em primeiro lugar, e repetindo, não estão em causa, neste recurso, danos não patrimoniais; e, em segundo lugar, sabe-se exactamente qual foi a indemnização por danos patrimoniais arbitrada no processo crime.
Também se sabe, no que a esta respeita, que parte da indemnização por danos patrimoniais corresponde às despesas de funeral e que parte se destina a indemnizar pela “perda da capacidade de ganho” (pág. 36 do acórdão do Tribunal de Loulé).
E igualmente se sabe ainda que, para calcular a indemnização correspondente, o tribunal não tomou deliberadamente em conta as pensões que entretanto tinham sido fixadas e estavam a ser pagas aos ora recorrentes, embora se reportassem ao mesmo dano. Escreveu-se no referido acórdão o seguinte, a fls. 37 e 38: ”De igual modo, também não releva para o cálculo da indemnização por danos patrimoniais a arbitrar o facto de ter sido já fixada uma pensão em sede de processo por acidente de trabalho (…) uma vez que, na primeira situação e não obstante não poder haver um ressarcimento duplo de danos que sejam comuns, enquanto englobados nas duas indemnizações – laboral e civil –, depois de arbitradas as duas indemnizações será o beneficiário delas que poderá optar entre uma delas (…) – cfr. Acórdão STJ de 30.11.93, CJ – STJ III, p. 250.”
Está fora de questão que, para interpretar o sentido e alcance de uma decisão judicial, há que recorrer à respectiva fundamentação: “é ponto assente na doutrina que os fundamentos da sentença podem e devem ser utilizados para fixar o sentido e alcance da decisão contida na parte final da sentença, coberta pelo caso julgado”, escrevem Antunes Varela, J. M. Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civl, 2ª ed., Coimbra, 1985, pág. 715. Não poderia, aliás, ser de outra forma.
Mas os recorrentes fundamentam a inexistência de duplicação ainda na circunstância de, no processo pelo acidente de viação, não ter sido considerado apenas “o salário auferido pelos maridos e pais dos recorrentes na empresa segurada da A...” para determinar “a capacidade de ganho” dos sinistrados, “mas também diversas outras verbas…” .
Recorrendo à fundamentação do acórdão do Tribunal de Loulé verifica-se, com efeito, que para calcular a indemnização, a atribuir aos ora recorrentes, pela perda da capacidade de ganho dos sinistrados, o tribunal incluiu no rendimento mensal dos mesmos as quantias que auferiam enquanto trabalhadores por conta da empregadora O... e as que obtinham em resultado de pequenos trabalhos que realizavam fora dessas funções, quantias que não foram naturalmente consideradas na indemnização laboral (cfr. autos de conciliação juntos a fls. 119 e 167).
Isso não significa, no entanto, que não estejam em causa indemnizações correspondentes ao mesmo dano fundamental – perda da capacidade de ganho –; mas significa seguramente que a indemnização arbitrada em processo laboral apenas cobre parte dessa perda; e, manifestamente que, quanto a essa parte comum, há duplicação de indemnizações.

9. Finalmente, os recorrentes sustentam que não exerceram o seu direito de optar pela indemnização que lhes seja mais vantajosa, porque “ainda hoje (…) não sabem o seguinte, o que é essencial para podem optar por uma ou outra indemnização:
a. Em primeiro lugar, não sabem qual é o valor que, na sentença do processo de acidente de viação, compensa o específico dano da perda de rendimento salarial sofrida pelos seus maridos e pais;
b) Em segundo lugar, decorrendo do ponto anterior, não sabem se esse valor é maior ou menor, atentas as regras de capitalização, do que a pensão atribuída no processo de acidente de trabalho”.
Antes de mais, é evidente que, como os mesmos escrevem, “o que está em causa é se os Recorrentes optaram entre receber a pensão do trabalho ou a indemnização do acidente de viação, na estrita parte em que ambas coincidem e dizem respeito a um e ao mesmo dano” (ponto 32 das alegações).
Ora, independentemente de quaisquer considerações, certo é que o concreto desconhecimento que invocam não pode ser considerado causa da sua absolvição, porque é certo que há duplicação de indemnizações para ressarcimento do mesmo dano.
E é igualmente certo que os recorrentes dispõem de todos os dados necessários para optar por uma das indemnizações, não procedendo de forma nenhuma a afirmação de que “a questão não está respondida neste processo”.
Desde logo, o acórdão do Tribunal de Loulé explicita o método que utilizou para calcular o montante de indemnização correspondente à perda da capacidade de ganho; apurar quanto é que, nesse montante, corresponde à “perda de rendimento salarial” apenas implica uma operação aritmética elementar. Não estão assim impedidos de comparar os valores que lhe foram atribuídos, “atentas as regras da capitalização” a que se referem.

10. E tem de entender-se que, ao receber as quantias que lhes foram pagas na sequência dos pedidos de indemnização que formularam no processo crime (proc. nº 436/98.5TALLE), num momento em que já tinham sido fixadas e estavam a ser pagas as pensões por acidente de trabalho, os recorrentes optaram, pelo menos tacitamente, por aquela indemnização (artigo 217º do Código Civil).
Ocorre assim uma situação semelhante – embora colocada num momento diferente – àquela a que respeita o já citado acórdão de 13 de Janeiro de 2005: “se o trabalhador recebeu, no âmbito do seu contrato de trabalhado e por força da lei (que considerou imperioso garantir o infortúnio do trabalhador impondo um regime imperativo de indemnização dos trabalhadores acidentados), directamente do empregador ou da sua seguradora, uma qualquer quantia a título de indemnização, o que há é que deduzir essa quantia naquela que, no âmbito do acidente de viação, houver que ser fixada.”
O acórdão recorrido não merece, pois, qualquer censura, quanto à condenação dos recorrentes.

11. Nestes termos, nega-se provimento ao recurso.
Custas pelos recorrentes, sem prejuízo do apoio judiciário.

Supremo Tribunal de Justiça, 29 de Abril de 2010

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)
Lopes do Rego
Barreto Nunes