Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | SANTOS CARVALHO | ||
Descritores: | FUNDAMENTAÇÃO SENTENÇA NULIDADE DE SENTENÇA | ||
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Nº do Documento: | SJ200506290020355 | ||
Data do Acordão: | 06/29/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T J VILA FRANCA DE XIRA | ||
Data: | 07/15/2004 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL. | ||
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Sumário : | I - A utilização de fórmulas tabelares (v.g. "E, basta uma perfunctória leitura sobre o acórdão recorrido para se inferir que o mesmo é claro e coerente, não enferma de tal vício, nem do previsto na al. c) do nº 2 do art. 410 do Cód. de Proc. Penal - erro notório na apreciação da prova") não constituem "uma exposição, tanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão", mas expressões vazias de conteúdo e que nada acrescentam de útil. II - Deste modo, a decisão que se limita a utilizar essas fórmulas tabelares como "fundamentação jurídica" viola o disposto no n.º 1 do art.º 77 do C. Penal e no n.º 2 do art.º 374.º do CPP e padece da nulidade prevista no art.º 379º, al. a), deste último Código. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. "A" foi julgado no Tribunal do Círculo Judicial de Vila Franca de Xira e, por acórdão de 15/07/2004, foi condenado como autor material de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, previsto e punido pelos art.ºs 131, 132, n.ºs 1 e 2, al) d), 22.º, n.ºs 1 e 2, al. b), 23.º, n.ºs 1 e 2 e 73, n.º 1, als. a) e b), todos do C. Penal na pena de 5 (cinco) anos de prisão. Mais foi o arguido condenado a pagar a B a quantia de 7.500,00 Euros por danos não patrimoniais e a quantia de 5.292,80 Euros por danos patrimoniais e juros sobre a quantia global de 12792,80 Euros, à taxa anual de 4%, desde o dia 30 de Março de 2004 até integral pagamento. Tendo o arguido interposto recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, veio este Tribunal, por acórdão de 12 de Abril de 2005, conceder provimento parcial ao mesmo, alterando a pena para 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, mas mantendo no mais o acórdão recorrido. 2. Do acórdão da Relação de Lisboa recorre agora o arguido para este Supremo Tribunal de Justiça e, da sua fundamentação, retira as seguintes conclusões: 1ª. No Douto Acórdão do Tribunal da Relação não foram apreciadas as conclusões 2ª a 6ª, 8ª, 14ª e 18ª das alegações do Recorrente e não se conheceu de todos os elementos juntos aos autos, nomeadamente o conteúdo das declarações do assistente, na audiência de julgamento, referidas a fls. 231 do Acórdão de 1ª Instância e dos relatórios de fls. 44, 99 e 102, pelo que é nulo, nos termos do art.º 379.° n.º 1 al. c) do CPP. 2ª Na análise da 1º conclusão o Douto Acórdão só refere que os factos provados e não provados foram narrados pelo Ministério Público, mas não especifica, em concreto, em que parte da acusação constam os factos provados 5 a 7, conforme alegou o recorrente. 3ª Na apreciação da 15ª conclusão, apenas foi decidido, no Douto Acórdão Recorrido, que não houve alteração dos factos sem fundamentar porque não houve e sem apreciar em concreto os motivos invocados pelo recorrente. 4ª O recorrente alegou que havia factos contraditórios e contradição insanável da fundamentação alegando factos em concreto (nas conclusões 8ª e 14ª), que existiu erro na apreciação da prova (na conclusão 9ª) e insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (na conclusão 13ª), mas no Douto Acórdão do Tribunal da Relação apenas se refere que não existem esses vícios, sem justificar, sem analisar e apreciar em concreto os factos enumerados nessas conclusões. 5ª Assim, com o devido respeito pela opinião em contrário, o Tribunal da Relação de Lisboa em relação aos factos alegados nas conclusões 2ª, 3ª e 4ª deste recurso, deveria ter fundamentado, analisado e apreciado os motivos em concreto invocados pelo recorrente e não decidir genericamente que não existem os vícios enumerados pelo recorrente, pelo que o Douto Acórdão é nulo, nos termos do art.º 379 n.º 1 al. a) e 374 n.º 2 do CPP. 6ª Com efeito, o Tribunal da Relação não motivou minimamente o seu juízo quanto à não verificação, violando uma vez mais o direito ao recurso previsto no art.º 32.° n.º 1, conjugado com a 2ª parte do art.º 205 da C.R.P., relativa ao dever de fundamentação das decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente, o que é inconstitucional por violação das referidas normas. 7ª Verifica-se ainda a inconstitucionalidade resultante da interpretação dada por esse Venerando Tribunal ao disposto nos art.ºs 374.° n.º 2 do CPP., conjugado com os art.ºs 428.° e 431 al. a), quando interpretados - como foram no sentido de que a prova deve ser apreciada de modo global e não no sentido da análise crítica de cada um dos factos dados como provados e não provados, por violação do art.º 32.° n.º 1 e 2 parte final da C.R.P.. 8ª Por outro lado, o Douto Acórdão da Relação devia ter em conta a versão do assistente, referida a fls. 231 no Acórdão de 1ª instância, em que afirma que "efectivamente agarrou o arguido "pelos colarinhos" (isto é, pela camisola que trajava na altura), puxando-o para o carro dele (arguido), metendo-o à força no interior do mesmo e dizendo-lhe para se ir embora dali." e não apenas o constante no facto provado n.º 3, pelo que houve erro na apreciação da prova, nos termos do art.º 410 n.º 2 al. a) do CPP., que tem consequências quanto à aplicação da pena. 9ª Da leitura dos factos provados n.ºs 5 e 6 poderá concluir-se que o arguido atingiu o assistente pelas costas, mas dos exames verifica-se que o assistente foi atingido na barriga, conforme consta no facto provado n.º 8 e do n.º 7 consta que simultaneamente o assistente, se apercebeu da movimentação atrás de si, tentou virar-se para trás e instintivamente colocou a sua mão esquerda em protecção do seu corpo, quando foi atingido pelo arguido com a faca, pelo que os factos provados n.º 5 a 8 são deficientes, obscuros e contraditórios, pelo que deve ser anulado o julgamento. 10ª Por outro lado, o acórdão do Tribunal da Relação refere que o motivo é fútil porque é desproporcional com o facto praticado, mas, não fundamenta em concreto a sua decisão e não justifica a especial perversidade ou censurabilidade do arguido, conforme se alegou em 49 a 56 que se dá como reproduzido, pelo que não estão preenchidos os requisitos do art.º 132.° n.º 2 do CP. 11ª Aliás, face à ausência de factos provados e não provados que prove a censurabilidade ou perversidade do arguido, há insuficiência para a decisão da matéria de facto provada para a qualificação jurídica operada no acórdão recorrido, tanto mais que não foi ordenado o relatório pericial sobre a personalidade do arguido, pelo que deve ordenar-se o reenvio do processo para novo julgamento. 12ª A tentativa de homicídio em causa, sendo sem discussão, um acto criminoso, se não pôde ser tido como um caso de homicídio privilegiado tentado, também não integra o homicídio qualificado tentado, pelo que estaremos, assim, e em princípio perante um caso de homicídio simples tentado, conforme se alegou em 59 a 71., que se dá como reproduzido. 13ª No acórdão ora recorrido não foi feita uma apreciação critica da prova, pois dá como provado que o arguido praticou os actos com o propósito "de molestar o ofendido B no corpo e na saúde, como também de lhe tirar a vida ...", ao mesmo tempo deu como não provado que o "arguido haja desferido com a mesma faca no corpo do ofendido mais do que um golpe ...", pelo que há contradição insanável da fundamentação, o que impõe o reenvio do processo para novo julgamento, conforme se alegou em 74 a 85., que se dá como reproduzido. 14ª O douto acórdão do Tribunal da Relação face à matéria de facto dada como provada, e na esteira dos factos que constavam na acusação, decidiu condenar o arguido por homicídio qualificado na forma tentada na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, mas na acusação constava que o arguido desferiu vários golpes ... intenção inequívoca de tirar a vida, e não se tendo provado tal facto existiu seguramente uma alteração substancial dos factos descritos na acusação, porquanto é diferente desferir um golpe para aferir a intenção dolosa de matar do que vários golpes. 15ª Com efeito, o arguido terá agido nos termos do art.º 144.° do CP. e não nos termos do art.º 132.° do mesmo Código. 16ª A medida da pena a que o arguido foi condenado é desproporcional à sua culpa, conforme se alegou em 96 a 124., que se dá como reproduzido, por isso a pena deve ser especialmente atenuada e aplicado o mínimo, ou seja, 2 anos. 17ª Se assim não se entender, o arguido deve ser condenado em pena suspensa, nos termos do art.º 50 do CP., conforme se alegou em 125 a 130., que se dá como reproduzido. 18ª Aliás, o douto acórdão recorrido face aos factos provados e não provados, na determinação da medida da pena violou os princípios da proporcionalidade adequação e necessidade da pena, nos termos do art.º 40° n.º 2 e 71° n.ºs 1 e 2 do CP. 19ª As ajudas de custo referem-se a despesas efectuadas com deslocações, almoços, etc..., mas enquanto esteve de baixa o assistente não fez essas despesas pelo que não pode o arguido ser condenado a ressarcir um dano que não existiu e deve ser absolvido da condenação no pagamento das ajudas de custo. 20ª Face aos danos do assistente deve atribuir-se uma indemnização por danos não patrimoniais apenas no valor do 2.500€. 21ª O Douto Acórdão Recorrido violou por erro de interpretação e de aplicação o disposto nos art.ºs 4°, 358° n.º 1, 374° n.º 2, 379° n.º 1 al. a) e b), 410° n.º 1 e 2 als. a) b) e c) todos do CPP., 40° n.º 2, 50°, 71° n.º 1 e 2 al. a) d) e) f), 72° 73°, 74°, 131° 132° n.º 2 al. d) e 144° do CP. 496°, 562°, 563, 666° do C.C. e 712° e 668° n.º 1 al. e) do C.P.C, 32.° n.º 1 e 205.° C.R.P. pois interpretou e aplicou essas normas conforme consta no Acórdão quando devia ter interpretado e aplicado as mesmas no sentido preconizado pelo recorrente na sua motivação que para aí se remete. Nestes termos e nos demais de direito deve alterar-se o Douto Acórdão Recorrido e em consequência: a) Absolver-se o arguido do crime de homicídio qualificado na forma tentada, com as consequências legais por não se ter provado a respectiva acusação. Ou, se assim não se entender reduzir a pena para os 3 anos suspensa por 5 anos na sua execução. Ou, b) Por homicídio simples na pena de 2 anos e 8 meses suspensa por 4 anos. Ou, c) Condenar-se o arguido por ofensa à integridade física na pena de 2 anos e 5 meses suspensa por 3 anos e 6 meses; d) Reduzir-se a condenação no pedido cível para o montante de 2.511,96 euros. 3. Respondendo ao recurso, o M.º P.º na Relação de Lisboa pronunciou-se pelo não provimento do recurso. O Excm.º P.G.A. neste Supremo teve vista nos autos e promoveu a realização de audiência. O relator, porém, foi de opinião que o acórdão recorrido decidiu as questões de facto suscitadas pelo recorrente com meras considerações teóricas e genéricas, mas não deu resposta às questões concretas colocadas, designadamente quanto à existência dos vícios a que se refere o art.º 410.º, n.º 2, do CPP, pelo que padece do vício de omissão de pronúncia sobre questões que devia conhecer e é nulo, nos termos do art.º 379.º, n.º 1, al. c), do CPP. Por isso, mandou os autos a vistos simultâneos e à conferência, para decisão dessa questão prévia. 4. Colhidos os vistos e realizada a conferência com o formalismo legal, cumpre decidir. O art.º 374º, n.º 2, do CPP, dispõe que a fundamentação da sentença deve constar de uma exposição, tanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão. A fundamentação de direito deve, pois, abordar as questões jurídicas que o decurso do julgamento e os sujeitos processuais colocaram e deve fazê-lo de uma forma o mais possível completa. Essa abordagem, ainda que concisa, não pode deixar de dar uma resposta às questões colocadas, no mínimo, as que a acusação e a defesa consideraram fulcrais, mesmo que aparentem ser desconformes com os factos e com a lei, pois é exactamente uma resposta que os sujeitos processuais esperam do tribunal. A ausência de resposta pelo tribunal às questões colocadas torna-se intolerável no caso de serem questões da defesa, pois não podemos perder de vista que da sentença penal pode resultar a aplicação de uma pena, tantas vezes privativa da liberdade. E o condenado tem o direito, antes de cumprir uma pena, que um órgão imparcial, independente e juridicamente qualificado faça a análise crítica da perspectiva dos factos e do direito que constitui a defesa. Para a vítima, para os lesados e para o M.º P.º, mas, principalmente, para o arguido «uma das funções primaciais de toda a sentença (máxime da penal) é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão» (Figueiredo Dias, "Direito Processual Penal", I vol. 1974, págs. 204). E como referem Simas Santos e Leal Henriques (1), "é seguramente desejável num sistema de processo penal, inspirado em valores democráticos, que as decisões não se imponham só em razão da autoridade do órgão que as prolata mas também pela sua racionalidade; e é nesse domínio que a fundamentação desempenha um papel importante". É certo, como notam estes últimos Ils. Comentaristas(2), que "...esta exigência de fundamentação não pode fazer esquecer a natureza do acto de sentenciar: um acto de autoridade e as limitações que sempre existirão a uma fundamentação tão exaustiva como a pretendida por alguns autores". Mas, a fundamentação não pode ser tão parca que não habilite o Tribunal Superior a uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão e do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo decisório, pois só assim se asseguram as garantias constitucionais da defesa (3). E «um recurso fundamentado numa discordância em relação à decisão sobre um ponto de facto, reputado como incorrectamente decidido, (...) trata-se de um juízo de censura crítica sobre um concreto "ponto": (...) o recorrente, sendo obrigado a especificar quais as provas [ou ausência de provas] que imporiam decisão diversa, o que pretende é, exactamente, que o tribunal de recurso proceda, ele próprio, a um exercício crítico substitutivo do «exame crítico» realizado pelo tribunal de primeira instância. Por outras palavras, o recorrente [não só] tem o «direito» a que o tribunal de primeira instância, na sua decisão, proceda a um exame crítico das provas [como] tem o direito a solicitar o reexame crítico em segunda instância» (4). Por isso, já foi defendido em anteriores acórdãos do mesmo relator (v.g. processos 4408/02-05 e 2297/03-5) que a utilização de fórmulas tabelares não constituem "uma exposição, tanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão", mas expressões vazias de conteúdo e que nada acrescentam de útil. Deste modo, a decisão que se limita a utilizar essas fórmulas tabelares como "fundamentação jurídica" viola o disposto no n.º 1 do art.º 77.º do C. Penal e no n.º 2 do art.º 374.º do CPP e padece da nulidade prevista no art.º 379º, al. a), deste último Código. Vêm estas considerações ao caso, pois o recorrente arguiu a nulidade do acórdão recorrido por falta de pronúncia quanto a determinadas questões que enunciou nas conclusões 2ª a 6ª, 8ª, 14ª e 18ª do recurso que moveu para o Tribunal da Relação de Lisboa. Com excepção da conclusão 18ª (deslocada desta problemática) as restantes conclusões resumem questões relativas à existência dos vícios a que se refere o art.º 410.º, n.º 2, do CPP. Assim, na conclusão 2ª desse recurso para a Relação o recorrente invocou que havia erro notório na apreciação da prova e insuficiência da matéria de facto quanto ao n.º 3 dos factos provados, pois a sentença da 1ª instância considerou aí provado que "o ofendido agarrou o arguido e empurrou-o até junto à porta do lado do condutor do veículo deste último, aí o largando, dizendo-lhe para ele se ir embora para não haver problema", mas as declarações do ofendido na audiência, transcritas nos autos, demonstram (segundo o recorrente) que ele próprio ofendido admitiu que agarrou o arguido "pelos colarinhos", puxando-o e metendo-o à força no interior do carro. Ora, a Relação tem poderes de cognição em matéria de facto e, perante esta alegação, tinha o dever de verificar se efectivamente o ofendido deu essa versão em audiência, para depois concluir se o dito facto n.º 3 deve ou não ser alterado no sentido pretendido pelo recorrente. Tanto mais que esse facto é crucial para a defesa, pois esta alega legítima defesa, ou excesso de legítima defesa, ou então que o crime não é qualificado por não ter o arguido agido com "motivo fútil". É de notar que sendo provável que não se venha a considerar verificada a legítima defesa ou o seu excesso (pois não está provado o "animus deffendendi"), a prova de que o arguido foi anteriormente levado à força para o carro pelo ofendido pode ter a virtualidade de eliminar a especial censurabilidade que levou à condenação pelo homicídio tentado qualificado. Chame o recorrente "erro notório" ou "insuficiência" a esta alegada desconformidade entre os factos provados e a prova efectivamente produzida na audiência, o que é certo é que o recorrente impugnou o facto n.º 3, indicou qual a prova que, na sua opinião, conduziria ao estabelecimento de um facto diverso e onde esse ponto está transcrito nos autos. O Tribunal da Relação tinha de dar resposta a esta questão, a todos os títulos essencial para a defesa. Mais alega o recorrente que os factos 5 a 8 são contraditórios entre si e que há erro notório quanto ao estabelecimento da intenção de matar, pois os relatórios médicos juntos aos autos são contraditórios e não ficou provado que tenha desferido mais do que um golpe. Estas questões, válidas ou não, também mereciam uma resposta concreta e individualizada. Mas, quanto a estas questões, atinentes à existência de eventuais vícios da matéria de facto, o que disse a Relação? Transcrevemos: "Os vícios previstos no art. 410 - 2 do Cód. de Proc. Penal para serem concretamente eficazes hão -de resultar do texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum, como consta, sem a possibilidade de quaisquer dúvidas da letra do preceito em apreço, não podendo relevar o que não conste do próprio texto da decisão e, sendo, por isso, inoperante alegar o que foi dito no julgamento por alguma ou algumas das pessoas ouvidas ou em outra fase processual. E, entende o recorrente que o acórdão sob recurso enferma do vício previsto no nº 2 al) a) do art. 410 do Cód. de Proc. Penal - a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada - Este, é um vício da sentença, que não se confunde com a eventual omissão, a montante de diligências consideradas indispensáveis para a descoberta da verdade, nomeadamente em audiência de julgamento. Trata -se de insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito que é diferente da insuficiência de prova para a decisão de facto proferida. Ac. do STJ in BMJ 430 - 247. Ora, face aos factos dados como provados designadamente os que constam do nº 1 ao nº 14 do acórdão recorrido onde se descreve o modo e circunstâncias como o arguido agiu, a sua conduta tinha que ser tipificada e, consequentemente condenado como autor material de um crime de homicídio qualificado na forma atentada previsto e punido pelos art. 131, 132 -1 - 2 al. d), 22 - 1- 2 al. b), 23 -1 -2 e 73 - 1 al. a) e b) todos do Cód. Penal. O acórdão recorrido não enferma, pois, desse vício, nem do previsto no nº 2 al. b) do art. 410 do Cód. de Proc. Penal - a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão - que é a contradição entre os factos que por ostensivamente contraditórios entre si, não podem coexistir numa peça processual, ou a contradição dos factos com a decisão. E, basta uma perfunctória leitura sobre o acórdão recorrido para se inferir que o mesmo é claro e coerente, não enferma de tal vício, nem do previsto na al. c) do nº 2 do art. 410 do Cód. de Proc. Penal - erro notório na apreciação da prova. Com efeito, este vício nas condições em que se encontra legalmente previsto é, de natureza ou por definição, intrínseca da decisão recorrida e, não deve obter raízes no exterior da mesma Ac. do STJ de 11/06/92 in -BMJ 418 - 478. Existe erro notório na apreciação da prova quando esse erro é de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem médio facilmente dele se dá conta - Ac. do STJ 431 - 404. É, pois, manifesto que o acórdão sob recurso é de evidente clareza, patenteando coerência lógica entre os factos provados e não provados, pelo que, não enferma de tal vício. Ora, existem afirmações que não subscrevemos, já que, nos termos do art.º 428.º, n.º 1, do CPP, a Relação não estava perante um dos "casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito" e, portanto, não se encontrava "amarrada" aos espartilhos do art.º 410, n.º 2, do CPP, como estava o Supremo Tribunal de Justiça ao tempo em que produziu alguma da jurisprudência citada. Mas, para além disso, a fundamentação sobre as questões que o recorrente colocou à matéria de facto está construída em torno de meras generalidades e fórmulas tabelares ("basta uma perfunctória leitura sobre o acórdão recorrido para se inferir que o mesmo é claro e coerente...") que não respondem aos problemas concretos que foram colocados. Deve ou não ser alterado o facto n.º 3, de acordo com as alegadas afirmações da vítima? Há ou não contradição entre os factos 5 a 8? Há erro notório no estabelecimento da intenção de matar? A Relação não dá resposta concreta a estas perguntas e tinha de o fazer, pelo que há omissão de pronúncia sobre questões que devia decidir. Do mesmo modo, o recorrente invocou perante a Relação que os factos n.ºs 5 a 7 da sentença da 1ª instância não constavam da acusação e que não foi dado cumprimento ao disposto no art.º 358.º do CPP, pelo que essa sentença padece da nulidade indicada na al. b), do n.º 1, do art.º 379.º do mesmo código. E que disse a Relação sobre esta questão? Que não, pois "os factos provados e não provados e, no que concerne à conduta ilícita penal do arguido foram narrados pelo Ministério Público na sua acusação, pelo que não se verificou alteração não substancial dos factos". Com o devido respeito, trata-se de mais uma afirmação genérica e não sustentada, pois resta saber em que ponto da acusação estavam tais factos, sendo legítimo perguntar se efectivamente estavam. Há falta de pronúncia também em relação a esta questão. E também na conclusão 15ª do recurso para a Relação o recorrente alegou que também há outra alteração substancial dos factos descritos na acusação, pois esta mencionava que o arguido desferiu vários golpes com a faca, mas a sentença só deu como provado um só golpe. Esta questão, mesmo que aparente ser manifestamente improcedente, também tinha de ter uma resposta e não teve. Em suma, entende-se que o acórdão recorrido violou o disposto no n.º 1 do art.º 77.º do C. Penal e no n.º 2 do art.º 374.º do CPP e padece, assim, da nulidade prevista no art.º 379º, al. a), deste último Código. Trata-se de uma nulidade que não é insuprível, podendo ser arguida em recurso (Acórdãos para fixação de jurisprudência do S.T.J. de 1992/05/06, in D.R. de 1992/08/06 e de 1993/12/02, in DR de 1994/02/11). 5. Em face do exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, na procedência da questão prévia, em anular o acórdão recorrido, devendo ser reformado no mesmo Tribunal e de preferência pelos mesmos Juízes, com obediência ao disposto nos art.ºs 77.º, n.º 1, parte final, e 374.º, n.º 2, do C. P. Penal, quanto aos pontos supra indicados. Não há lugar a tributação. Notifique. Lisboa, 29 de Junho de 2005 Santos Carvalho, Costa Mortágua, Rodrigues da Costa. --------------------------------- (1) "Código de Processo Penal Anotado", II vol., 2000, pág. 537. (2) Idem, na ob. citada. (3) Veja-se, entre, muitos outros, o Acórdão do TC de 1997/04/23, proc. n.º 44/97, in http://www.dgsi.pt. (4) Damião da Cunha, O Caso Julgado Parcial, Universidade Católica do Porto, 2002, ps. 547/551 |