Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06B878
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PEREIRA DA SILVA
Descritores: FALÊNCIA
ADMINISTRADOR
REMUNERAÇÃO
Nº do Documento: SJ200603300008782
Data do Acordão: 03/30/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário :
I. Em processo de falência intentado antes da entrada em vigor do CPEREF, aprovado pelo DL nº 132/93, de 23 de Abril, a remuneração do administrador da falência deve ser fixada de acordo com o exarado no art. 8º nº1 do DL nº 49213, de 29 de Agosto de 1969.
II. A decisão que fixa a remuneração do liquidatário judicial consente alteração superveniente, nos termos do art. 34º nº 3 do CPEREF, aprovado pelo DL nº 132/93, com a redacção que lhe foi dada pelo DL nº 315/98, de 20 de Outubro, quando tal se justifique, em função dos critérios legais estabelecidos, "maxime" do "sucess fee", defeso não sendo que a alteração se repercuta retroactivamente, sem prejuízo dos efeitos entretanto já produzidos.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


1. a) Agrava AA, liquidatário judicial da falência de Empresa-A, a qual pende no 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Barcelos, registados se encontrando os autos falimentares sob o nº 142/93, do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 05-11-16, o qual, nos termos e com os fundamentos que ressaltam de fls. 53 a 56, negou provimento à pretensão recursória da predita pessoa singular, confirmando, consequentemente, a decisão impugnada, datada de 05-05-02, a qual, por via do plasmado a fls. 36 e 37, fixou em 600 (seiscentos) euros o "quantum" dos "honorários devidos ao Sr. Administrador da massa falida".
Na alegação oferecida, em que propugna a bondade da revogação do acórdão sob recurso, com fixação do valor da sua remuneração, na já noticiada qualidade, "em conformidade com os despachos proferidos a fls. 177, 226 verso e 308 dos autos falimentares", tirou AA as conclusões seguintes:

" I - O douto despacho e acórdão recorridos violam o caso julgado relativamente aos despachos proferidos a fls. 226 verso e 308 dos autos, transitados em julgado, infringindo o disposto nos arts. 671º, nº1 e 677º do Cód. Processo Civil.
II - Mas ainda que se entenda que não existe trânsito em julgado dos referidos despachos, o que não se concede, o despacho recorrido ainda é ilegal, porquanto foi proferido numa altura em que já se encontrava extinto o poder jurisdicional do Sr. Juiz, violando assim o disposto no art.666º, nº 1 e 3 do Código de Processo Civil, aplicável ao caso vertente por força do disposto no art. 463º, nº1 do mesmo diploma legal.
III - Uma vez que o tribunal já havia tomado posição, por despacho, sobre o montante da remuneração a atribuir ao Recorrente, não podia como o fez, posteriormente, proferir outro despacho a contrariar o inicialmente proferido e que serviu de base à elaboração da referida conta nos autos."

b) Contra-alegou o Mº Pº., sustentando a injusteza do agravo.
c) Foram colhidos os vistos legais.

2. A factualidade com relevo para o julgamento do agravo, para além da elencada em 1., configura-se do modo seguinte:
a) Na vigência do DL nº 177/86, de 2 de Julho "Empresa-A, nos termos consentidos pelo art. 1º nº1 de tal diploma legal, requereu a adopção do consignado neste último normativo, administrador judicial tendo sido nomeado AA.
b) Na decisão de 15-07-94 que decretou a falência de Empresa-A, foi mantido o "administrador judicial nomeado".
c) Nos autos a que se alude em 1. a ), foram proferidos despachos com o teor seguinte:

1'. A 97-11-12:
" A retribuição do Sr. Administrador da Massa Falida foi fixada em 180.000$00 mensais, por despacho proferido a fls. 177.
Assim sendo, será esse valor a atender na conta final."

2'. A 04-12-07:
" A remuneração do Sr. liquidatário foi fixada por despacho de fls. 226 - liquidatário cessante AA.
Desta forma, deve proceder-se ao cálculo da mesma, a partir da data em que foi decretada a falência -15/7/1994- até à data em que cessou funções.
O montante eventualmente pago pelos credores, no período em que exerceu as funções de gestor não deve ser considerado, já que assiste aos credores o direito de reclamar o seu reembolso.
Nesta fase cumpre apenas apurar o valor a suportar pelo Cofre Geral dos Tribunais e pela massa falida.
Proceda ao cálculo e após abra conclusão."

3'. A 04-12-14:
"Notifique o liquidatário cessante, comissão de credores e actual liquidatário, bem como o Digno Ministério Público do cálculo de fls. 309, para se pronunciarem querendo.
Prazo de 10 dias."

4'. A 05-05-02 (no que releva para o julgamento do recurso):
"... O Sr. Administrador Judicial Dr. AA - cessante - veio mais uma vez requerer o pagamento dos honorários arbitrados.
Com o relatório apresentado pelo actual administrador está o Tribunal em condições de se pronunciar sobre o solicitado.
O presente processo de falência rege-se pelo regime estabelecido no Código de Processo Civil, pois foi instaurado em data anterior à entrada em vigor do DL 132/93 de 23/04.
No regime do Código de Processo Civil a remuneração da administração nas falências ou insolvências estava prevista no art. 8 DL 49213 de 29/08/69, com referência ao valor da falência ou insolvência. Este valor, por sua vez, era encontrado pela aplicação da alínea m) do CCJ de então, ou seja, o activo liquidado.
O tempo decorrido, as habilitações técnicas e a média das remunerações atribuídas aos liquidatários judiciais, que ascendem a valores superiores aos que se obtêm por aplicação da tabela do art. 8º do antigo Código das Custas Judiciais levam a atribuir ao Sr. liquidatário a remuneração de 600 euros.
O valor apontado no despacho de fls. 226 verso mostra-se meramente indiciário do montante global a fixar. Por outro lado, no caso concreto não se procedeu ao pagamento de qualquer quantia, por conta dos valores fixados. Ocorre que o valor apontado sempre teria que ser corrigido, atento o diminuto valor dos bens liquidados.
Refira-se, ainda, que à luz do Código das Custas Judiciais e à face do actual diploma que atribui e disciplina os honorários a atribuir ao administrador da massa insolvente, não se estabelece em momento algum o critério do pagamento mensal de honorários ao liquidatário judicial.
O valor dos honorários devidos ao Sr. Administrador da massa falida é de 600 (seiscentos) euros.

Dê pagamento."
d) Da certidão que constitui fls. 24 a 30, não se colhe que os despachos transcritos, de 97-11-12 e 04-12-07, tenham sido notificados a quem quer que seja.
e) O valor obtido com a liquidação dos bens da massa falida ascendeu a 4400 (quatro mil e quatrocentos) euros.
f) O Mº Pº, a 04-12-23, fez juntar aos autos referidos em 1. a) requerimento com o teor seguinte, em síntese:
"... ao tomar conhecimento da quantia absurda de 100558,08 euros relativa ao cálculo da remuneração do liquidatário judicial, tendo por base o despacho de fls. 177 dos autos, vem requerer, antes de mais, a notificação do respectivo liquidatário para informar o tempo que o mesmo despendeu no exercício da sua actividade, nestes autos, identificando o tipo de intervenção (efectiva) com anotação da respectiva data, uma vez que nem todas as diligências por si efectuadas constarão do processo.
Atenta a informação pretendida, requer a oportuna notificação para se pronunciar sobre o quantitativo remuneratório a atribuir ao liquidatário judicial."
g) A 04-12-28, o Centro Distrital de Segurança Social - Braga -, na sequência da notificação ordenada por despacho de 04-12-14, "representado na comissão de credores", veio comunicar entender:

1''. Que "a remuneração do Sr. Liquidatário cessante deverá ter dois tratamentos diferentes, ou seja temos que diferenciar o período em que exerceu o cargo de gestor judicial, e o período em que iniciou as suas funções como liquidatário judicial, pois nesta segunda fase entende-se que a mesma não deverá ser fixa e periódica, como quando exerce o cargo de gestor judicial, pois as funções inerentes a cada cargo são diferentes..."

2''. Que "atendendo ao valor obtido pela venda dos bens móveis da falida" -4400 euros- é muito elevado "o valor a atribuir ao Sr. Liquidatário Judicial cessante", deixando "ao alto critério do Sr. Juiz a sua fixação."


II. O DIREITO:

1. Balizando as conclusões da alegação do recorrente o âmbito do recurso (art.s 684º nº 3 e 690º nº 1 do CPC, diploma legal este a que pertencem os normativos que se vierem a citar sem indicação de outra proveniência), dir-se-à:
a) A retribuição fixada ao recorrente a que se alude em 2. c) 1', destaque-se antes de mais, foi-o, tal se perfila líquido, ao arrepio da norma que devia ter jogado, esta sendo (como evidenciado, com sageza, no despacho de 05-05-02 e no acórdão sob recurso), atento o provado (2. a) ), o art.8º nº1. do DL nº 49213, de 29 de Agosto de 1969, ponderado, como importa, o vazado nos art.s 8º nºs 1 e 3 e 133º do DL nº 132/93, de 23 de Abril, e 5º nº1 e 11º do DL nº 254/93, de 15 de Julho - cfr., neste sentido, entre outros, Ac. deste Tribunal, com relato de Moitinho de Almeida, proferido nos autos de agravo registados sob o nº231/01-2ª.

Mais:
Considerado também, como se impunha, o valor do activo liquidado (cfr. 2. e) ), sem dificuldade se antolha quão exorbitante, desmesurada não foi a fixada retribuição de Esc. 180.000$00 mensais!...
E como falar, com acerto em trânsito em julgado dos despachos referidos na conclusão I da alegação de AA, já que (como igualmente lembrado no acórdão em causa, decisão esta em que, ainda, com pertinência, se foca que a sentença falimentar "nem tabelarmente se reporta à matéria em litígio") cumpre ter presente o também provado, constante de 2. d) e o disposto nos art.s 666º nº 3, 671º nº1,676º, 677º, 678º nº1, 680º e 685º nº 1?

Enfim!...
Acrescenta-se que a retribuição fixada por despacho de fls. 177 foi-o ao recorrente, como este reconhece na sua alegação, aliás, como administrador judicial, ao abrigo do art. 8º nº 1 do DL nº277/86, de 4 de Setembro.
Não, pois, como liquidatário judicial.
Se ainda, à data da prolação de tal despacho, não fora, sim, decretada a falência da sociedade comercial já citada!...

Prosseguindo:
b) Não pondo em crise que a retribuição fixada ao agravante, como liquidatário judicial, desde, é evidente, a data da sentença que decretou a falência, foi a de Esc. 180.000$00, vistos os despachos à colação por aquele chamados, que estes tivessem, mesmo transitado em julgado, tal não constituía decisivo óbice à legalidade da operada alteração de retribuição, pelo despacho de 05-05-02, confirmado pela 2ª instância, ponderado o art. 34º nº 3 do DL nº 132/93, com a redacção que lhe foi dada pelo DL nº 315/98, de 20 de Outubro, e o art. 5º nº1 do DL nº 254/93.

Efectivamente:
A decisão que fixou a remuneração do liquidatário judicial é susceptível de alteração superveniente, nos termos do art. 34º nº 3 do CPEREF, quando, em súmula, tal se justifique, em função dos critérios legais estabelecidos, maxime o "success fee", defeso não sendo que a alteração se repercuta retroactivamente, sem embargo todavia, dos efeitos que se tenham produzido, já, estes, na hipótese em apreço, não se divisando.
A decretada alteração contra a qual se insurge o agravante não consubstancia, minimamente, paradigma de violação de tais parâmetros legais, como flui da leitura do despacho de 05-05-02 e do acórdão sob recurso, o qual, quanto ao conspecto sub iudicio, se não afastou da boa doutrina do acórdão do TRL, de 18-04-02, in CJ-Ano XXVII-tomo II, pág.s 108 e 109.

2. CONCLUSÃO:
Termos em que se nega provimento ao agravo, confirmando-se por mor de tal, a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente (art.446º nºs 1 e 2).

Lisboa, 30 de Março de 2006
Pereira da Silva
Rodrigues dos Santos
Noronha Nascimento