Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
89/10.4TVPRT.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TAVARES DE PAIVA
Descritores: CONTRATO DE INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
ACÇÕES
VALORES MOBILIÁRIOS
COMPRA E VENDA
CONDIÇÃO
FORMAÇÃO DO NEGÓCIO
NEGOCIAÇÕES PRELIMINARES
INSTITUIÇÃO BANCÁRIA
INSTITUIÇÃO DE CRÉDITO
ACTIVIDADE BANCÁRIA
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
BOA FÉ
DEVER DE INFORMAÇÃO
DEVER DE LEALDADE
PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO
CULPA
PRESUNÇÃO DE CULPA
Data do Acordão: 01/10/2013
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO BANCÁRIO - ACTOS BANCÁRIOS.
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES - FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES.
DIREITO COMERCIAL - VALORES MOBILIÁRIOS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / ACTOS PROCESSUAIS - RECURSOS.
Doutrina: - Agostinho Cardoso Guedes, “A Responsabilidade do Banco por informações à Luz do art. 485 do Código Civil”, in Revista de Direito e Economia , Ano XIV , 1988 a pp. 138, 139, 147 e 148.
- Calvão da Silva, Direito Bancário, p. 335.
- Gonçalo André Castilho dos Santos, Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro Perante o Cliente p.208 e segs..
- Menezes Cordeiro, Manual do Direito Bancário, Almedina, 1998.
- Menezes Leitão, Direitos dos Valos Mobiliários, Vol. II, Coimbra Editora, 2000, pag.45; “Informação Bancária e Responsabilidade”, em Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Inocêncio Galvão Telles, Volume II, Direito Bancário, Almedina, 2002, p.230.
- Sinde Monteiro, Responsabilidade Por Conselhos e Recomendações ou Informações, Almedina, 1999, p. 49.
- Sofia Nascimento Rodrigues, A Protecção dos Investidores em Valores Mobiliários, Almedina, Coimbra, 2001, p. 23 e segs..
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 487.º, N.º2, 563.º, 762.º, N.º2, 798.º, 799.º, N.º2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 236.º, N.º1, 683.º, N.º2, AL. C), 721.º-A, N.º3
CÓDIGO DOS VALORES MOBILIÁRIOS (CVM): - ARTIGOS 7.º, N.º1, 304.º, 312.º, N.º1, 314.º, N.º1 E N.º2.
DL N.º 298/ 92, DE 31-12 (REGIME GERAL DAS INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO E SOCIEDADES FINANCEIRAS): - ARTIGOS 73.º A 76.º.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:
-DE 9.10.12, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - Embora a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilize em primeira linha a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda também ao intermediário financeiro, se no relacionamento contratual que desenvolve com o cliente, assumir em nome desse relacionamento contratual também o reembolso do capital investido.

II - E provando-se, no caso em apreço, que o gerente do banco em 2001 propôs à autora uma aplicação financeira mediante a aquisição de um produto com garantia do capital investido e que a autora deu a sua anuência à concretização da aplicação, por se tratar de um produto comercializado pelo Private Banking do BPN, SA com capital garantido – informação de capital garantido que veio posteriormente a ser confirmada pela administração do BPN, SA, quando, em Maio de 2008, decidiu honrar os compromissos assumidos pelos banco, através do pagamento do valor nominal dos títulos aos inúmeros clientes afectados, entre os quais a autora – constitui uma realidade negocial que configura da parte do banco um compromisso feito seguramente em nome desse relacionamento contratual existente entre a autora e o banco réu que se desenvolveu ao longo dos anos e nomeadamente durante a vigência dos títulos financeiros adquiridos (2001 a 2008) e, como tal, o banco é responsável pelas obrigações contratuais assumidas, como seja, o reembolso do capital investido nessa aquisição dos identificados activos financeiros.


III - Além desta responsabilidade contratual nos termos descritos existe também responsabilidade extra-contratual por parte do banco réu, em consequência da violação dos deveres, não só do exercício da sua actividade de intermediário financeiro, nomeadamente os princípios orientadores consagrados no art. 304 do CVM, como sejam os ditames da boa fé, elevado padrão de diligência, lealdade e transparência, como também da violação dos mais elementares deveres de informação a que aludem os art.s 7.º n.º 1 e 312.º, n.º1, ambos do CVM, fazendo, assim, incorrer o banco réu na responsabilidade, a que alude o art. 314.º, n.º1, do CVM , sendo certo também que o banco Réu não ilidiu a presunção legal de culpa do n.º2 do citado art. 314.º, constituindo-se por essa via também na obrigação de indemnizar os danos causado à autora .
Decisão Texto Integral:

 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I - RELATÓRIO

AA, S.A., sociedade comercial anónima segundo o Direito de Belize, com sede em ............, ........, Blize intentou em 28 de Janeiro de 2010 acção declarativa comum na forma ordinária contra B... - Banco ..., S.A., com sede na Av. d..........., .... a ...., Porto, e B.... C....Limited, sociedade comercial segundo o Direito das Ilhas Caimão, “com sede efectiva na Av. d..........., .... a ...., Porto”, na qual conclui pedindo a condenação solidária das Rés a pagar-lhe a quantia de € 500.000,00, acrescida de juros de mora, “à taxa legal”, desde 20 de Novembro de 2009 até efectivo e integral pagamento.

Para tanto alega em síntese que, em 28 de Fevereiro de 2000, abriu um conta de depósitos à ordem no 2º Réu, sendo que o gerente de conta do 1º Réu, do balcão de Private Banking do Porto, responsável pelo acompanhamento dessa conta, lhe propôs a realização de uma aplicação em activos financeiros, mediante a aquisição de um produto com rentabilidade garantida e liquidez trimestral ao par, ou seja, com garantia do montante de capital investido, e com uma rentabilidade ligeiramente superior à de um depósito a prazo.

Adianta que, em face da garantia dada, anuiu na concretização da aplicação, pelo que, em 17 de Abril de 2001, o 1º Réu aplicou o montante de 100.000.001$00, depositado na mencionada conta de depósitos à ordem, na compra do produto em causa.

Acrescenta que não lhe foi apresentada qualquer ficha técnica sobre o produto, não tendo sido assinado qualquer contrato de aplicação financeira, nem tendo de igual modo sido informada de que a aplicação teria por objecto a compra de títulos com a designação "K2 Corporation", nem tão pouco foi apresentado ou assinado qualquer documento de aquisição desses títulos.

Refere que, a partir de 17 de Abril de 2001, passaram a ser trimestralmente creditados na sua conta de depósitos à ordem os juros vencidos sobre o capital investido na aplicação em causa até que, em Janeiro de 2008, o B... deixou de liquidar os juros e de os creditar nessa conta.

Adianta que, por via disso, deu instruções imediatas ao Réu, ainda nesse mês de Janeiro, para o resgate dos capitais depositados na mencionada conta e liquidação da mesma, o que foi negado, com a informação de que os títulos tinham sofrido uma forte desvalorização.

Acrescenta, por último, que por carta registada com aviso de recepção, recepcionada pelos réus em 20 de Novembro de 2009, notificou-os da ordem de reembolso dos montantes aplicados, não tendo, contudo, os mesmos procedido ao reembolso do capital investido.

Citados, os Bancos Réus apresentaram contestação conjunta, na qual se defendem por impugnação, alegando, em suma, que foi a Autora quem contactou o seu gestor de conta no sentido de obter para as suas poupanças depositadas junto do 2º réu uma rentabilidade superior à rentabilidade assegurada pelas aplicações mais tradicionais, tendo-lhe então sido sugerida a aplicação num produto financeiro denominado de "K2 Corporation" e disponibilizada a ficha técnica referente a tal produto, cujo teor foi explicado ao seu procurador, mormente que o mesmo era potencialmente gerador de uma rentabilidade superior à normal na banca portuguesa, mas não era isento de risco que correria por conta do investidor.

Adiantam que jamais garantiram à Autora o reembolso do capital por ela investido no produto em causa, sendo que, na sua vigência, ocorreu a crise no mercado imobiliário americano que afectou a cotação dos produtos como o "K2 Corporation", reduzindo a zero a cotação e valor do resgate desse produto.

Replica a Autora, respondendo à matéria que entende ser de excepção, mantendo a versão da petição inicial.

*

Fixou-se o valor à causa – fls. 86.

*

Saneou-se a causa. Elencaram-se os factos assentes e teceu-se a base instrutória. Teve lugar audiência de discussão e julgamento, com gravação da prova.

  Seguidamente foi proferida sentença, que julgou a acção procedente  de condenou-se solidariamente os réus a pagar à autora a quantia de €500.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal desde 20 de Novembro de 2009 até efectivo pagamento.

Inconformada, recorre o Réu, B... - Banco ..., S.A. interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto.

 Este Tribunal, através do Acórdão de fls. 676 a 710,confirmou na íntegra a sentença da 1ª instância.

 A Ré em face da dupla conforme que se verificou, interpôs recurso de revista excepcional, que a Formação a que alude o nº3 do art. 721 –A do CPC admitiu em conformidade com o  Acórdão inserido a fls. 810 a 820.

A recorrente nas suas alegações de recurso formula as seguintes conclusões : 

A) QUANTO Á QUESTÃO DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL

1.

O presente recurso de revista excepcional justifica-se e tem fundamento legal, face ao normativo do art. 721-A nº 1 do CPC .

Com efeito,

2.

A questão da responsabilidade do intermediário financeiro pela solvência das entidades emitentes de produtos por eles comercializados assumiu grande actualidade e acuidade nos tempos mais recentes.

3.

Tal questão é ainda mais complexa e relevante, sob o ponto de vista jurídico, quando a  entidade  investidora  é  uma sociedade sediada  num  paraíso fiscal, que seguramente não pode reclamar um tratamento legal equiparado ao de um simples e vulgar cidadão que procura tão só a melhor rentabilidade para as suas poupanças.

4.

É também juridicamente relevante saber se uma entidade investidora que, ao longo de mais de 8 anos, de forma regular e ininterrupta, recebe extractos integrados da sua conta DO junto do banco recorrente, e dos quais consta expressamente os títulos K2 aqui em causa, bem como os juros correspondentes, pode vir, passados todos esses anos, invocar a sua ignorância relativa ao produto, sua natureza e a quem cabia a responsabilidade de garantir o seu reembolso .

5.

Os tribunais portugueses estão hoje inundados de litígios e conflitos deste tipo, já que as pessoas não aceitam nem compreendem - porventura com razão em alguns dos casos - que tenham assumido riscos e perdas que uma crise sem paralelo n os últimos cinquenta anos lhes veio a causar.

6.

Este fenómeno tem ainda hoje potencialidades de propagação, sobretudo se não surgir jurisprudência que contribua para uma mais clarificação dos limites e termos da responsabilidade de tal situação .

Por outro lado,

7.

Como abrange e interfere seguramente com a vida e com a situação patrimonial, não apenas de bancos e/ou investidores institucionais e qualificados, como também com a vida e aplicações e poupanças de milhares de cidadãos .

8.

Por tal motivo, pode e deve concluir-se estar em causa, nos presentes autos, situação cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, deve ser objecto de apreciação por parte do Supremo Tribunal de Justiça para uma melhor aplicação do direito .

9.

Como deve igualmente ter-se por verificada, no caso presente, situação na qual estão em causa interesses de relevância social.

10.

O que, nos termos do disposto no art. 721-A n^ 1 ais. a) e b) do CPC, aconselha e justifica o presente recurso de revista excepcional.

B) QUANTO AO MÉRITO DO RECURSO DE REVISTA

Na sequência disso, e aceite tal recurso de revista excepcional        

11.

No caso dos presentes autos, nada assegura ter sido vontade do banco recorrente assumir ele próprio, a título pessoal, a garantia de reembolso do capital investido pela recorrida .

12.

Já que informar que o produto em causa é um produto de capital garantido prende-se exclusivamente com a natureza e características do próprio produto, do tipo das "Obrigações", e não já dependente das valorizações ou desvalorizações inerentes às cotações do mercado de capitais .

13.

E não pode significar, salvo obrigação expressamente assumida, que o próprio banco, na sua qualidade de intermediário financeiro, tenha fornecido a garantia de tal reembolso.

14.

Inexiste, no caso dos presentes autos, qualquer nexo de causalidade entre uma eventual violação dos deveres de informação - aceitando-se por mera hipótese que eia ocorreu - e os danos invocados pela autora .

15.

Sendo tal nexo de causalidade um requisito indispensável para que qualquer dos bancos apelantes pudesse ser responsabilizado .

16.

Já que está por demonstrar que, caso o banco recorrente tivesse informado clara e completamente tratar-se o produto K2 de um produto com rentabilidade superior à dos depósitos a prazo, com um rating igual ou superior ao da República Portuguesa, a recorrida não teria na mesma optado pela aplicação que veio a fazer.

17.

Não constitui formalidade necessária à validade de ordem de aplicação financeira em qualquer valor mobiliário a existência de orem escrita ou a assinatura de documento escrito nesse sentido, contrariamente ao que é pressuposto na douta decisão recorrida .

18.

Tratando-se o denominado "K2 Corporation" de um titulo de dívida, a verdade é que a garantia do reembolso do seu capital é da exclusiva responsabilidade das entidade dele emitente, e não do intermediário financeiro que colocou o produto financeiro em causa.

19.

Nenhuma das informações fornecidas pelo banco recorrente apelantes está desconforme à realidade então de todos conhecida, não tendo sido prestada informação falsa ou menos verdadeira ( por acção ou omissão ) .

20.

O produto em causa ficou e financeiramente esvaziado pela falência da entidade que o emitiu, o que, à data da sua aquisição pela autora - Abril de 2001 - era de todo inesperado e imprevisível.

Finalmente....

21.

O comportamento da ora recorrida é claramente abusivo, já que tendo beneficiado de 2001 a 2007 de juros mais que "generosos" do produto financeiro em causa, bem superiores ao que seria a rentabilidade correspondente aos produtos normais e tradicionais da banca, e já para não falar sequer da respectiva isenção de impostos por ser a autora uma sociedade off shore sediada num paraíso fiscal, vem agora exigir do banco recorrente o valor do capital investido quando soube da perda total do seu valor por falência da respectiva entidade emitente .

22.

Não podendo esse comportamento abusivo ser "premiado" com uma decisão judicial, como sucedeu com o douto acórdão recorrido .

23.

O douto acórdão recorrido violou, por errada interpretação e aplicação, o disposto nos arts. 406, 563, 762 nºs 1 e 2, 790 nº 1, 798 a contrario, todos do CCivil, e 326 nº 3 e 327 nº 1 do Cód. Valores Mobiliários .

Nos termos expostos, e nos mais de direito que V. Exªs doutamente suprirão, deve ser admitido o presente recurso de revista excepcional e, em consequência disso, na análise e apreciação de tal recurso, ser revogado o douto acórdão recorrido, absolvendo-se o banco recorrente dos pedidos contra si formulados .

A recorrida AA SA apresentou contra- alegações e, depois de suscitar a questão da inadmissibilidade da revista excepcional por falta dos requisitos legais , concluiu  no fundamental que os RR não cumpriram o dever de informação prévia a que estão obrigados a prestar antes de qualquer serviço de intermediação financeira tome esclarecida e fundamentada  uma decisão ira  e que inclui todas as informações necessárias para que o cliente ( art. 312 do CVM) e às relativas à natureza e características do investimento a realizar ( arts. 38 e 39 do regulamento nº 12/2000) designadamente quanto aos riscos da operação, ao custo do serviço a prestar , à existência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente, ainda, qualquer interesse que o intermediário tenha no serviço que presta, pugnando no final pela improcedência do recurso e a confirmação  do Acórdão recorrido.

 Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

 II- Fundamentação :

 Os factos provados nas instâncias são os seguintes:

10- O B..........., SA, é uma sociedade comercial que tem por objecto o exercício das actividades permitidas por lei aos bancos ( alínea A) da matéria de facto assente ).

20- A sua actividade de Private Banking é exercida há vários anos, disponibilizando aos seus clientes soluções de investimento personalizadas ( alínea B) da matéria de facto assente ).

30- O B........., SA consolida as contas de várias sociedades, incluindo as do B... Cayman, Limited, 20 Réu ( alínea C) da matéria de facto assente ).

40- O B... C....foi constituído pelo B......, SA, para funcionar como um veículo da sua actividade bancária, tratando-se de uma sociedade com um objecto idêntico ao do B......, SA, totalmente detido por este ( alínea D) da matéria de facto assente ).

50- O B... C....é um mero "balcão virtual" dependendo integralmente do B......, SA quanto a recursos humanos e meios materiais, não tendo sequer funcionários em C....( alínea E) da matéria de facto assente ).

60- Todas as relações comerciais com os clientes são efectuadas junto da estrutura e rede comercial do B......, SA., com sede na Avenida d..........., no Porto ( alínea F) da matéria de facto assente ).

70- A Autora abriu uma conta de depósitos à ordem no B... C....Limited, em 28 de Fevereiro de 2000, à qual foi atribuído o nº0000000000000 ( alínea G) da matéria de facto assente ).

80- A abertura da conta DO referida, o preenchimento e assinatura dos respectivos documentos, teve lugar nas instalações do Private Banking do B......, SA, sitas na R............, no Porto, entre o procurador da Autora - DD - e o gerente do Private Banking do B......, SA, Dr. EE ( alínea H) da matéria de facto assente ).

90- As relações da Autora relativamente à abertura, manutenção e acompanhamento desta conta de Depósitos à Ordem foram sempre estabelecidas entre o seu procurador - DD - e o B......, SA, através do gerente do Balcão de Private Banking do Porto, sito na R............, nº ..... no Porto ( alínea I) da matéria de facto assente ).

100- As instruções relativas à conta de Depósitos à Ordem de que a Autora é titular no B... C....sempre foram transmitidas pelo seu procurador ao B......, SA, no já referido balcão do Private Banking, no Porto, que lhes dava cumprimento ( alínea J) da matéria de facto assente ).

110- E, do mesmo modo, quaisquer questões relacionadas com a referida conta de Depósitos à Ordem eram comunicadas pelo B......, SA, ao procurador da Autora (alínea L) da matéria de facto assente).

120- A Autora manteve reuniões com o Dr. EE, gerente do B......, SA., para tratar das operações, movimentação e outras questões relacionadas com a conta D.O. já referida (alínea M) da matéria de facto assente).

130- Nunca o procurador da Autora ou o gerente da conta do Private Banking do B......, SA se deslocaram a Belize ou às Ilhas C....para procederem à abertura da conta de Depósitos à Ordem referida, nem tão pouco para darem execução às instruções que, a cada momento, foram sendo dadas (alínea N) da matéria de facto assente).

140- Em 17 de Abril de 2001, o B......, SA, aplicou o montante de 100.000.001$00 depositado na conta DO nº000000000000 da Autora, na compra do produto aqui em causa, conforme movimento a débito designado "transferência" no extracto da conta que se junta como documento nº2 ( línea O) da matéria de facto assente ).

150- Não foi assinado qualquer contrato de aplicação financeira ( alínea P) da matéria de facto assente ).

160- Nem foi apresentado ou assinado qualquer documento de aquisição dos títulos "K2 Corporation" ( alínea Q) da matéria de facto assente ).

170- A partir dessa data (17.04.2001), o B... creditou na conta de depósitos à ordem da Autora os juros vencidos sobre o capital investido na aplicação em causa ( alínea R) da matéria de facto assente ).

180- Foram creditadas trimestralmente, as seguintes quantias, a título de juros do capital investido:

. Em 18.07.2001, foi creditada a quantia de 1.732.660$00;

· Em 17.10.2001, foi creditada a quantia de 1.691.084$00;

· Em 17.01.2002, foi creditada a quantia de € 7.406,04;

· Em 17.04.2002, foi creditada a quantia de € 6.908,35;

· Em 17.07.2002, foi creditada a quantia de € 6.995,64;

· Em 18.07.2002, foi creditada a quantia de €     77,73;

· Em 18.10.2002, foi creditada a quantia de € 7.151,10;

· Em 29.01.2003, foi creditada a quantia de € 6.748,78;

· Em 28.04.2003, foi creditada a quantia de € 5.934,58;

· Em 18.07.2003, foi creditada a quantia de € 5.751,53;

· Em 23.10.2003, foi creditada a quantia de € 4.878,56;

· Em 23.01.2004, foi creditada a quantia de € 4.702,95;

· Em 21.04.2004, foi creditada a quantia de € 4.391,21;

· Em 21.07.2004, foi creditada a quantia de € 4.322,18;

· Em 25.10.2004, foi creditada a quantia de € 4.673,69;

· Em 24.01.2005, foi creditada a quantia de € 4.526,47;

· Em 22.04.2005, foi creditada a quantia de € 4.068,90;

· Em 26.07.2005, foi creditada a quantia de € 4.491,97;

· Em 07.11.2005, foi creditada a quantia de € 4.437,73;

· Em 27.01.2006, foi creditada a quantia de € 4.391,24;

· Em 28.04.2006, foi creditada a quantia de € 4.737,37;

· Em 31.07.2006, foi creditada a quantia de € 5.005,44;

· Em 23.10.2006, foi creditada a quantia de € 5.503,65;

· Em 24.01.2007, foi creditada a quantia de € 5.843,91;

· Em 18.04.2007, foi creditada a quantia de € 6.075,54;

. Em 30.07.2007, foi creditada a quantia de € 6.452,55;

. Em 29.10.2007, foi creditada a quantia de € 4.814,09 ( alínea S) da matéria de facto assente ).

190- A aplicação financeira em causa vem devidamente descriminada no extracto global mensal da conta DO, no campo Aplicações e Activos Financeiros, com o descritivo: Carteira de Títulos

         Títulos        Quantidade Cotação Valor Global

         K2 Corporation Capital 500.000,00         100%          500.000,00 Euros (alínea T) da matéria de facto assente).

200- Em Janeiro de 2008 o Banco Réu deixou de liquidar os juros e de os creditar na conta Depósitos à Ordem da Autora ( alínea U) da matéria de facto assente ).

210- Em 22.12.2008 foi debitado na conta da Autora a quantia de € 65.987,64, com o descritivo de tipo de movimento "K2" ( alínea V) da matéria de facto assente ).

220- Em reunião havida com representantes do B..., já em 2009, a Autora foi informada de que o produto K2, em consequência do crash das bolsas e da crise financeira, "não recupera mais, tendo sido registado por "O" ( alínea X) da matéria de facto assente ).

230- O B... C....foi formalmente notificado, por carta registada com aviso de recepção, recepcionada em 20 de Novembro de 2009, da ordem de reembolso dos montantes aplicados, não o tendo efectuado ( alínea W) da matéria de facto assente ).

240- O BB..., SA foi igualmente notificado formalmente, por carta registada com aviso de recepção, recepcionada em 20 de Novembro de 2009, daquela ordem de reembolso dos montantes aplicados, não o tendo efectuado ( alínea Y) da matéria de facto assente ).

250- O B......, SA detém a totalidade do capital social do BB... C....( alínea Z) da matéria de facto assente ).

260- O gerente de conta do B......, SA, balcão de Private Banking do Porto, responsável pelo acompanhamento da conta de Depósitos à Ordem n. º0000000000000, propôs à Autora a realização de uma aplicação em activos financeiros, mediante a aquisição de um produto com rentabilidade garantida e liquidez trimestral ao par  (resposta ao facto controvertido nº 1 ).

270- Com garantia do montante de capital investido ( resposta ao facto controvertido nº 2 ).

280- E com uma rentabilidade ligeiramente superior à de um depósito a prazo ( resposta ao facto controvertido nº 3 ).

290- O representante da Autora deu a sua anuência à concretização da aplicação porque se tratava de um produto comercializado pelo Private Banking do B......, SA, com o capital garantido e em que era assegurada a liquidez trimestral do montante do capital ( resposta ao facto controvertido nº 4 ).

300- Não foi apresentada qualquer ficha técnica sobre o produto ( resposta ao facto controvertido nº 5 ).

310- A Autora não foi informada que a aplicação teria por objecto a compra de títulos com a designação «K2 Corporation», nem foi informada sobre qual a moeda que seria aplicada no investimento ( resposta ao facto controvertido nº 6 ).

320- Atentas as relações de confiança mútuas estabelecidas entre a Autora e o B......, SA, a Autora confiou nas informações prestadas pelo banco, de que se tratava de aquisição de um produto com garantia do montante investido, como tal, sem risco ( resposta ao facto controvertido nº 7 ).

33º- Os movimentos a crédito efectuados em 22/01/2008, em 29/04/2008 e em 29/07/2008 de, respectivamente, € 21.033,50, € 27.932,82 e € 3422,38 referem-se a acertos cambiais e não a juros ( resposta ao facto controvertido nº 8 ).

34°- A Autora deu instruções imediatas ao Banco réu, em Janeiro de 2008, para o resgate dos capitais depositados na mencionada conta e liquidação da conta ( resposta ao facto controvertido nº 9 ).

35º- O resgate foi negado à Autora com a informação de que os títulos tinham sofrido uma forte desvalorização (resposta ao facto controvertido nº 10 ).

36º- Em Maio de 2008, a Autora formalizou junto do Banco o pedido de liquidação da conta de Depósitos à Ordem ( resposta ao facto controvertido nº 11 ).

37°- Em Maio de 2008, foi transmitido pelo gerente do Private Banking do B..., SA, no Porto, ao procurador da Autora, que a administração do B..., SA tinha decidido honrar os compromissos assumidos, pelo que o Banco iria proceder ao pagamento do valor nominal dos títulos aos inúmeros clientes afectados, entre os quais a autora ( resposta ao facto controvertido nº 12 ).

38°- O representante da Autora continuou a insistir junto do Banco para o resgate dos títulos, pelo valor nominal, obtendo como resposta que o Banco iria proceder ao resgate dos títulos pelo valor nominal (resposta ao facto controvertido nº13 ).

39°- A Autora não deu, em momento algum, ordem de compra dos títulos «K2 Corporation» ( resposta ao facto controvertido nº 14 ).

40°- A Autora enviou diversas comunicações aos responsáveis do B..., reafirmando ordens de reembolso, solicitando informações e disponibilizando-se para reuniões ( resposta ao facto controvertido nº 15 )

Apreciando:

 Antes de mais, importa salientar que o recurso é apenas interposto pelo B... - Banco ... SA e não também pelo B... C....Limited, mas verificando-se, no caso em apreço, o circunstancialismo previsto na alínea c) do nº2 do art. 683 do CPC, o recurso do B... SA aproveita também o Réu B... Cayman.

 A presente revista, como refere o Acórdão da Formação, a que alude o art. 721-A nº3 do CPC procurará responder a duas questões:

Uma sociedade constituída num paraíso fiscal , como é caso da  recorrida, que não liquida em Portugal qualquer tipo de impostos , seja tida e tratada como um qualquer cidadão desprovido de qualquer informação em termos de mercados e produtos financeiros , com a consequência de auferir sem qualquer tributação, os rendimentos de tais operações quando eles existem, e bem acima da normal rentabilidade das aplicações tradicionais , mas não suportarem já quaisquer custos inerentes à eventual desvalorização dessas mesmas aplicações, fazendo recair ,assim , todo o risco próprio do investidor sobre o intermediário financeiro

 Outra a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido envolve que tal garantia seja, não a da entidade dele emitente , mas sim ou também do intermediário financeiro.

 Procuraremos responder em conjunto a ambas as questões, obviamente sem esquecer a realidade fáctica que vem provada.

 E a questão fulcral a decidir, no caso em apreço, consiste em saber se o banco Réu ao propor a aquisição de activos financeiros com a informação de capital garantido, nos termos que vêm provados responsabiliza também o Banco Réu, na qualidade de intermediário financeiro, pelo reembolso do capital investido pela recorrida a que aludem as conclusões 11, 12, 13

  Desde logo, importa salientar que a questão de saber se o banco Réu, se vinculou contratualmente ou não com o reembolso do capital investido pela recorrida, insere-se no domínio da matéria de facto, que como se sabe, não cabe nos poderes deste  Supremo sindicar.

 E sendo assim temos de nos ater ao que vem provado relacionado com tal matéria e que é a seguinte:

O gerente de conta do B... SA, Balcão Private Banking do Porto , responsável pelo acompanhamento da conta de depósitos à ordem, propôs à autora a realização de uma aplicação em activos financeiros, mediante a aquisição de um produto , com rentabilidade garantida e liquidez trimestral ao par, com garantia do montante de capital investido- factos controvertidos nºs 1 e 2;

O representante da autora deu a sua anuência à concretização da aplicação porque se tratava de um produto comercializado pelo Private Banking do B...... com capital garantido e em que era assegurado a liquidez trimestral do montante do capital- facto controvertido nº4;

 Atentas as relações de confiança mútuas estabelecidas entre a autora e o B...... SA confiou nas informações prestadas pelo banco, de que se tratava de aquisição de um produto com garantia do montante investido, como tal sem risco – facto controvertido nº 7.

A autora deu instruções imediatas ao banco réu, em Janeiro de 2008, para o resgaste dos capitais depositados na mencionada conta e liquidação da conta- facto controvertido nº9;

 Em Maio de 2008, foi transmitido pelo gerente do Private Banking do B... SA do Porto, ao procurador da autora, que a administração do B... SA, tinha decidido honrar os compromissos assumidos pelo que o Banco iria proceder ao pagamento do valor nominal dos títulos aos inúmeros clientes afectados, entre os quais a autora – facto controvertido nº12

 Esta factualidade traduz na verdade a existência de facto de uma actividade de intermediação financeira desenvolvida por banda do banco réu.

 Calvão da Silva in Direito Bancário, pag. 335 refere que  “ a relação de clientela é uma relação obrigacional complexa e duradoura , iniciada nas negociações de um primeiro contrato e desenvolvida continuamente por subsequentes e repetidas ou renovadas operações de negócios firmadas pelas partes , muitas quais novos contratos, em que, a par de prestações primárias ( ou secundárias) surgirão obrigações acessórias de cuidado ou deveres de protecção cominados por acordo dos contraentes, pela lei ou pela boa fé, para satisfação do interesse do credor. Deste modo, a relação de clientela não é um ( único) contrato geral, mas uma relação contínua e duradouro de negócios assentem ligações especial de confiança e lealdade mútua das partes , cuja violação na negociação conclusão, execução ou pós- extinção de uma operação financeira acarreta responsabilidade contratual .

No caso em apreço, a operação aqui em causa, insere-se precisamente  no relacionamento predominantemente de confiança existente entre  o banco réu e a autora, que,  sublinhe-se, desenvolveu-se ao longo de anos.

  E num quadro e contexto negocial do tipo que  vem provado, a operação em causa( aplicação em activos financeiros) consubstancia  da parte do banco o  exercício de uma actividade de intermediação financeira.

   A propósito da responsabilidade do intermediário financeiro Menezes Leitão in Direitos dos Valos Mobiliários , Vol II, Coimbra Editora , 2000 pag. 45 considera que “ há que ponderar , confrontando os seus pressupostos, se se deve efectuar o seu enquadramento no âmbito da responsabilidade delitual, por violação de direitos absolutos ou disposições legais de protecção ( art. 483 e segs. Do C. Civil ) ou obrigacional , pelo incumprimento das obrigações arts. 798 e sgs. do C civil ou se deve ainda inseri-la no âmbito das categorias de responsabilidade que têm contribuído para abalar a rigidez da repartição entre estas duas categorias, como a da responsabilidade pré-contratual, a responsabilidade por informações e a responsabilidade civil do gestor de negócios, em relação às quais se tem falado na esteira de Canaris de uma terceira via de responsabilidade civil.

 O regime da responsabilidade civil do intermediário financeiro está agora consagrado no art. 314 do CVM, que no seu nº1 estatui :

Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes seja imposta por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública:”

O nº2 do citado normativo estabelece uma presunção de culpa  do intermediário financeiro quando aí  expressamente se  estabelece” A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito das relações contratuais ou pré- contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação”.

Quanto aos  princípios norteadores da actividade dos intermediários financeiros estão consagrados no art. 304 do CVM , que  constituem verdadeiros deveres gerais de conduta dos intermediários financeiros, neles incluindo obviamente os deveres de informação.

 E em que se traduziu essa actividade de intermediação no caso dos autos?

Na sequência da abertura da identificada conta de depósitos á ordem, que foi fisicamente feita nas instalações do Private Banking do B...  SA ,sitas no Porto, no seguimento do relacionamento de confiança entre a autora e o Banco réu, o representante da autora deu a sua anuência  à concretização da aplicação em activos financeiros, porque se tratava de um produto comercializado pelo referido Private Banking , com capital garantido e em que era assegurada a liquidez trimestral do montante de capital.

A  aquisição dos identificados activos financeiros  com as  condições  indicadas pelo banco réu   ocorreu em 2001,  sendo certo que vem também provado que em Maio de 2008 a administração do banco Reu através dos seu gerente do Private Banking voltou a  confirmar aquelas condições quando decidiu assumir( honrar) o regaste dos títulos pelo valor nominal. 

 Trata- se de um quadro negocial, a que seguramente não é alheio todo o relacionamento contratual de confiança existente entre a autora e o banco Réu desenvolvido ao longo dos anos e que num contexto negocial do tipo do quem provado, à própria luz do art. 236 nº 1 do CPC, não pode deixar de ser interpretado como um compromisso contratual por parte do  banco réu para com a autora traduzido precisamente naquele compromisso de garantir o reembolso do capital que foi aplicado na aquisição dos identificados activos financeiros.

 E como qualificar num quadro deste tipo a informação de capital garantido que o Banco para efeitos de aquisição do identificado activo financeiro o Banco Réu prestou à autora?

Como escreve Agostinho Cardoso Guedes in  A Responsabilidade do Banco  por informações à Luz do art. 485 do Código Civil in Revista de Direito e Economia , Ano XIV , 1988 a pags. 138 e 139 “… o problema da responsabilidade por informações como problema autónomo , coloca-se , principalmente, quando o dador aparece, perante o destinatário , portador de qualidades específicas que o habilitam a fornecer tais informações , as quais induzem o mesmo destinatário a nelas fazer fé . No caso do banco, o cliente presume uma competência e organização, uma profissionalização específica , que os bancos objectivamente possuem. Portanto, e no que concerne à responsabilidade extra-contratual por informações , não se pode dispensar a mesma tutela jurídica a um destinatário de uma informação , quando esta provenha de alguém especificamente qualificado para a fornecer ( como um banco)ou quando provenha de um leigo , colocando-se a questão do nível da ilicitude e não da culpa”.

 Também Menezes Cordeiro in Manual do Direito Bancário, Almedina, 1998 considera “ a informação bancária distingue-se da comum por ser – tendencialmente – técnico jurídica, simples directa e eficaz”.

Isto para  dizer que também  os arts. 73 a 76 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras ( DL 298/ 92 de 31/12) , se exige às instituições de crédito , em todas as actividades que exerçam. Que assegurem  aos seus clientes, elevados níveis de competência técnica, dotando a sua organização empresarial com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência ( cfr.art. 73º).

 Também segundo o art. 74 se exige que, nas relações com os clientes , os administradores e empregados das instituições de crédito procedam com diligência , lealdade e respeito consciencioso dos interesses que lhe são confiados.

Para além de que o art. 76, os seus administradores e membros dos órgãos de administração, devem proceder com diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com princípio da repartição dos riscos e segurança das aplicações e tendo em conta os interesses do depositantes , dos investidores e demais credores.

As instituições de crédito devem informar os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e sobre o preço dos serviços prestados  e outros encargos prestados por  aqueles ( cfr. art. 75 nº1)

Também Agostinho Cardoso Guedes, ob cit. Pags. 147 e 148  refere: Sempre que alguém se dirige a um banco para com ele celebrar um contrato ( um depósito bancário, um empréstimo , a compra de títulos da sociedade proprietária do banco, um desconto, um empréstimo hipotecário, depósito de títulos etc. e se inicie « uma actividade comum dos contraentes destinada à análise e elaboração do projecto de negócio» não parece restar qualquer dúvida que qualquer dos contraentes fica imediatamente vinculados aos deveres  resultantes do art. 227 e consequentemente o banco pode ser obrigado a prestar informações ou conselhos ou, quando tal dever não surja por força do dever de agir com boa fé , responsabilizado , ainda assim , por informações ou conselhos inexactos ( desde que, com esse comportamento , se violem  outros deveres de conduta , tal como acontecia com os deveres laterais de origem contratual de que resultem danos”.

A este propósito Menezes Leitão in Informação Bancária e Responsabilidade , Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Inocêncio Galvão  Telles , Volume II, Direito Bancário, Almedina , 2002, a pag.230 considera “que mesmo nos casos em que o banco presta conselhos ou recomendações sobre negócios ( consultoria em relação a decisão de investimento, intermediação em operações sobre valores mobiliários , etc.)mesmo neste âmbito , sempre que a informação prestada tenha um cariz objectivo , se deve presumir a culpa do banco nos termos do art. 799 do CC que « como entidade especializada na matéria se compromete á prestação de informações exactas, cabendo a ele ilidir sempre essa presunção com a demonstração de que o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua”.

   No caso dos autos, foi  com base na“informação de capital garantido” que a autora deu o seu acordo na aquisição dos mencionados títulos , sendo certo,  como também diz  Sinde Monteiro, in Responsabilidade Por Conselhos e Recomendações ou Informações , Almedina , 1999 a pag. 49 sem essa informação a autora  dificilmente  daria o seu acordo na aquisição dos   identificados activos financeiros.

 Toda esta série de normas visa proteger a confiança dos clientes dos bancos nas informações que estes lhes prestam aquando das conversações e ou contactos preliminares à celebração de um acto / contrato bancário, a ponto de se essas informações se mostrarem inexactas, incompletas ou falsas e forma determinantes na celebração de um acto  ou contrato com o banco, este poderá ser responsabilizados pelos danos que causar , quer pela via contratual quer extracontratual ( cfr.  neste sentido também Ac.da  Relação de Coimbra de 9.10.12 acessível via www.dgsi.pt ).

Traçado o quadro em que se move a responsabilidade bancária por conselhos, informações importa fazer o confronto com a realidade negocial que vem provada.

 E neste domínio vem provado:

O gerente de conta do B... SA balcão de Private Banking do Porto, responsável pelo acompanhamento da conta de depósitos à ordem nº 000000000000 propôs à A a realização de uma aplicação financeira mediante a aquisição de um produto com rentabilidade garantida e liquidez trimestral ao par e com garantia do montante de capital investido ( cfr. respostas dos factos controvertidos nºs 1 e 2);

O representante da autora deu a sua anuência à concretização da aplicação , porque se tratava de um produto comercializado pelo Private Banking do B... SA com capital garantido e em que era assegurada a liquidez trimestral do capital( cfr. resposta ao fcato controvertido nº 4);

 Não foi apresentada qualquer ficha técnica sobre o produto ( facto controvertido nº5);

A autora não foi informada que a aplicação teria por objecto a compra de títulos com a designação «K2 Corporation» nem foi informada sobre qual a moeda que seria aplicada no investimento – facto controvertido nº 6;

Atentas as relações de confiança mútuas estabelecidas entre a autora e o B... SA  a autora confiou nas informações prestadas pelo banco de que se tratava de aquisição de um produto com garantia do  montante investido, como tal sem risco ( cfr. resposta ao facto controvertido nº 7)

 A autora deu instruções imediatas ao Banco Réu em Janeiro de 2008, para resgate dos capitais depositados na mencionada conta e liquidação da conta , resgate que foi negado à autora com a informação de que os títulos tinham sofrido um forte desvalorização ( cfr. resposta facto controvertido nº10)

Em Maio de 2008, foi transmitido pelo gerente do private Banking do B... SA no Porto ao procuradora da autora, que a administração do B... SA tinha decidido honrar os compromissos assumidos pelo Banco  iria proceder ao pagamento do valor nominal dos títulos aos inúmeros clientes afectados entre os quais a autora ( cfr. resposta ao facto controvertido nº 12) ;

O representante da Autora continuou a insistir junto do Banco para o resgaste dos títulos pelo valor nominal, obtendo como resposta que o banco iria proceder ao resgaste dos títulos pelo valor nominal ( facto controvertido nº13).

  Como acima se referiu e resulta da factualidade que vem provada e que este Supremo não pode sindicar, porque não se verifica nenhuma das excepções previstas no nº3 do art. 722 do CPC, o banco Réu, assumiu  perante a autora   aquando da aquisição do produto financeira ( 2001) ,   o compromisso da garantia do capital  que havia sido investido, compromisso,  que voltou a confirmar em Maio de 2008, conforme comunicação do gerente do Private Banking do B... SA no sentido de que a administração do B... SA tinha decidido  proceder ao pagamento do valor nominal dos títulos.( facto controvertido nº12).

Estamos, aqui, perante um compromisso assumido pelo banco Réu,  seguramente ao abrigo do contrato bancário de cobertura que  foi desenvolvendo com a autora  ao longo dos anos.

Trata-se, neste caso, de um compromisso contratual em que o banco réu assume perante a autora o pagamento do capital investido na aludida aquisição dos activos financeiros e nessa medida verifica-se uma situação de responsabilidade contratual que o banco réu não pode deixar de assumir e com as consequências decorrentes do art. 798 do C. Civil.

 Por último e relativamente à responsabilidade pelo reembolso do capital investido na aplicação financeira em causa do banco réu, na qualidade de intermediário financeiro, a mesma só existe, no caso em apreço, porque o banco réu assumiu,  segundo o que vem provado, proceder ao pagamento do valor nominal dos títulos  em causa  o que consubstancia um compromisso contratual,  ao qual  não pode fugir, como acima já se referiu.

No caso dos autos, o banco réu na qualidade de intermediário financeiro em que aqui operou , não podia deixar de pautar o seu comportamento contratual em nome do relacionamento de confiança existente entre o banco réu e autora que, note-se , se desenvolveu ao longo de anos  pelos princípios de boa fé( cfr. art. 762 nº2 do C. Civil) .

 A responsabilidade do banco Réu, pelo reembolso do capital investido só existe, porque o banco réu se comprometeu perante a autora que se tratava de uma aplicação de activos financeiros , mediante a aquisição de um produto  com garantia do montante do capital investido( cfr. respostas aos  factos controvertidos nºs 1 e 2), proposta que recebeu o acolhimento da autora, por se tratar de um produto comercializado pelo private Bankingdo B... SA com o capital garantido( cfr. resposta ao facto controvertido nº4), compromisso que  foi confirmado em Maio de 2008 quando o referido gerente comunicou á autora que  a administração do B...SA tinha decidido honrar os compromissos assumidos através do pagamento do valor nominal, parece não haver dúvidas que nestas circunstâncias   negociais a autora pode reclamar do banco réu o reembolso do capital investido.

  Estamos, aqui no domínio da responsabilidade contratual feito em nome do relacionamento anterior de clientela existente entre a autora e o banco Réu e nessa perpectiva o banco réu tem assumir contratualmente o reembolso do capital investido ( cfr. art. 798 e segs. do C. Civil).

Embora a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilize em primeira linha a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda também ao intermediário financeiro, nomeadamente se  no relacionamento contratual com o investidor ( cliente)    assumir também   o pagamento do valor nominal dos títulos financeiros adquiridos, conforme  aconteceu no caso em apreço.

 Acontece também que o banco réu também pode ser responsabilizado pela via extra-contratual:

 Efectivamente, esta realidade negocial configura também  o exercício por banda do banco Réu o exercício de intermediação financeira, só que a  sua execução violou de forma  ostensiva os mais elementares princípios orientadores dessa actividade consagrados no citado art. 304  do CVM, como sejam os ditames da boa fé,  exigentes padrões de diligência , lealdade e transparência, os  deveres de informação a que estava adstrito por força do relacionamento contratual existente os referenciados no art. 312 nº1 do CVM  e nessa medida incorreu também na responsabilidade, a que alude o citado art. 314 nº1 do CVM que  estatui expressamente :

 Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitante ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

 Efectivamente, tendo o banco réu avançado para a aquisição do produto financeiro aqui em causa, à revelia de qualquer ordem escrita da autora no sentido dessa aquisição e sem a assinatura de qualquer contrato nesse sentido e sem observar os mais elementares princípios orientadores da actividade de intermediação financeira,  assim como os  deveres de informação junto da autora, não obstante tratar-se de uma sociedade sediada num paraíso fiscal, a que estava obrigado na  qualidade de intermediário financeiro em que interveio, torna-se   responsável pelos prejuízos causados à autora,  nos termos do art. 314 nº1 do CVM sendo certo também que não se mostra ilidida a presunção a que alude o nº2 do citado art. 314 que impendia sobre o banco Réu, como bem observa o Acórdão recorrido.

 No que concerne ao nexo de causalidade entre a violação dos deveres resultantes da lei e nomeadamente os deveres de informação a que o banco Réu está obrigado pelo relacionamento de cliente existente entre a autora e o banco réu e os danos que a autora reclama, parece não haver dúvidas quanto à conexão, porquanto uma coisa parece ser certa, se o banco réu não tivesse dado a garantia do retorno do capital investido seguramente a autora não teria dado a sua anuência na aquisição dos identificados activos financeiros ( cfr. art. 563º do C. Civil).

E também o banco réu em toda esta realidade negocial teve um comportamento culposo, nomeadamente quando durante toda a vigência do produto de 2001 a 2008 não teve uma palavra sobre as características do produto, sobre os riscos, não prestando á autora qualquer tipo de informação e não obstante  avançou para uma aplicação de um montante na ordem dos  100.000 contos ( €500.000,00) sem a diligência devida para uma operação com essa envergadura de capital.

 Sublinhe-se, neste particular que o art. 304 nº2 do CVM introduziu um novo padrão de aferição da culpa que transcende na sua exigência, o do bom pai de família constante do art. 487 nº2 do CC ex vi do art. 799 nº2 do C Civil.( cfr. Gonçalo André Castilho dos Santos in a Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro perante o cliente pag.208 e segs.

 O citado nº2 do art 304 prescreve:

 Nas relações com todos os intervenientes no mercado , os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé de acordo com elevados padrões de diligência , lealdade e transparência.

O citado autor refere que  o art. 304 nº2” estabelece, com efeito, um padrão de diligentíssimus pater famílias, em que , para efeitos de definição da forma de conduta negligente , estão em causa os cuidados especiais que só as pessoas muito prudentes observam”.

Também o citado art. 312 nº1 do CVM   no que concerne  à observação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação é bem explícito quando estatui:

O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada , incluindo nomeadamente as respeitantes:

a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;

b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar ;

c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar;

d) O custo do serviço a prestar.

O que está subjacente a tão exaustivo elenco de deveres informativos é a protecção dos investidores.

No dizer de Sofia Nascimento Rodrigues este princípio nuclear deve ser dividido em três grandes pilares que se complementam entre si. O interesse público, a segurança nos mercados e a igualdade entre os vários agentes de mercado. ( cfr. Sofia Nascimento Rodrigues , a Protecção dos investidores em Valores Mobiliários, Almedina Coimbra 2001 pp23 e segs.)

Fazendo o confronto com a factualidade que vem provada resulta :

 Não foi apresentada qualquer ficha técnica sobre o produto ( facto controvertido nº5);

A autora não foi informada que a aplicação teria por objecto a compra de títulos com a designação «K2 Corporation» nem foi informada sobre qual a moeda que seria aplicada no investimento – facto controvertido nº 6;

 Atentas as relações de confiança mútuas estabelecidas entre a Autora e o B...... SA  a autora confiou nas informações prestadas pelo banco, de que se tratava de aquisição de um produto com garantia do montante investido , como tal, sem risco- facto controvertido nº7

 A autora não deu, em momento algum , ordem de compra dos títulos «K2 Corporation»- facto controvertido nº14

  Como bem observa o Acórdão recorrido, os bancos RR não deram ao procurador da autora informação escrita ou oral sobre o produto em causa, sobre as suas características sobre a estruturação, alavancagem e a real valia quer nas conversas havidas com o gerente da conta, comercial do Private Banking do B...  SA , quer ao longo do período de vivência do instrumento financeiro durante o qual nunca foi explicado á autora que se tratava de um produto de risco.

Estamos, aqui, perante uma flagrante violação não só dos princípios orientadores da actividade de intermediação financeira,  consagrados no art. 304 do CVM, como sejam os ditames da boa fé, elevados níveis de  padrão de diligência , lealdade e transparência, como também  dos mais  elementares deveres de informação, referenciados dos citados art. 7 nº1 e 312 nº1 do CVM, comportamento  esse que foi decisivo e causal na produção dos danos, porque avançou  para um aplicação financeira  num montante considerável  em  dinheiro ( €500.000,00), à revelia de qualquer ordem escrita por parte da autora e sem qualquer cobertura contratual e sem alertar das características e riscos que o produto em causa encerrava  incorrendo, assim, o banco réu também por essa via na responsabilidade,  a que alude o art. 314 nº1 do CVM.

Em conclusão:

1- Embora a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilize em primeira linha a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda também ao intermediário financeiro,  se no relacionamento contratual  que  desenvolve com o cliente, assumir  em nome  desse relacionamento contratual também  o reembolso do capital investido.

2-E provando-se, no caso em apreço, que o gerente do banco em 2001 propôs á autora uma aplicação financeira mediante a aquisição de um produto com garantia do capital investido e que a autora deu a sua anuência à concretização da aplicação, por se tratar de um produto comercializado pelo Private Banking do B... SA com capital garantido , informação de capital garantido  que veio posteriormente  a ser confirmada pela administração do B... SA, quando em Maio de 2008 decidiu honrar os compromissos assumidos pelos banco,  através do pagamento do valor nominal dos títulos aos inúmeros clientes afectados entre os  quais a autora, constitui uma realidade negocial que   configura da parte do banco um compromisso  feito seguramente em nome desse relacionamento contratual existente entre a autora e o banco réu que se desenvolveu ao longo dos anos e nomeadamente durante a vigência dos títulos financeiros adquiridos ( 2001 a 2008) e,  como tal,   o banco é responsável pelas obrigações contratuais assumidas, como seja, o reembolso do capital investido nessa aquisição dos identificados activos financeiros.

3- Além desta responsabilidade contratual nos termos descritos existe também responsabilidade extra-contratual por parte do banco réu, em consequência  da violação dos deveres  não só  do exercício da sua actividade de intermediário financeiro, nomeadamente os princípios orientadores consagrados no art. 304 do CVM, como sejam os ditames da boa fé,  elevado padrão de diligência, lealdade e transparência , como também  da violação dos mais elementares deveres de informação a que aludem os art.s 7º nº1 e 312 nº1 ambos do CVM, fazendo, assim, incorrer o banco réu na responsabilidade, a que alude  o  art. 314 nº1 do CVM , sendo certo também que o banco Réu não ilidiu a presunção legal de culpa do  nº2 do citado art. 314,  constituindo-se por essa via também na obrigação de indemnizar os danos causado á  autora .

  

   Improcedem, deste modo, as conclusões do recorrente.

III- Decisão:

 Nestes termos e considerando o exposto, acordam os Juízes deste Supremo em negar a revista, confirmando o Acórdão recorrido.

 Custas pelo recorrente

Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 10 de Janeiro de 2013

Tavares de Paiva (Relator)

Abrantes Geraldes, com (declaração de voto)

Bettencout de Faria

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Declaração de voto

1. Ainda que de natureza informal, foi celebrado entre a Autora e o Private Banking do B..., com intervenção formal do B... Cayman, Limited, um contrato de intermediação financeira que se traduziu na aplicação da quantia de € 500.000,00 registada numa conta de depósitos à ordem. A iniciativa de tal aplicação foi do gerente de conta do balcão de Private Banking, mas obteve a concordância da Autora, ainda que não totalmente esclarecida.
Em divergência com a tese que fez vencimento, considero que a matéria de facto apurada não permite afirmar que naquela ocasião qualquer das RR. tenha assumido perante a Autora o compromisso de, no final do período de maturidade do produto financeiro, proceder ao reembolso do capital aplicado. Devendo a interpretação das declarações negociais tomar em conta essencialmente os elementos percepcionáveis na data da sua prestação, em 2001, a matéria de facto provada a tal respeito apenas permite concluir que foi proposta pela intermediária financeira à Autora a aplicação da quantia depositada na aquisição de um produto cujas características envolvia, em termos objectivos, para além da remuneração periódica, o reembolso ou resgate do respectivo capital. Característica que permitia diferenciar o produto de outros de maior rentabilidade, mas também de risco mais elevado, em que o reembolso não estaria acautelado.

Por outras palavras, tendo sido proposta a aquisição, a favor da Autora, de um produto financeiro com “capital garantido”, a matéria de facto apurada não me permite afirmar que a entidade bancária, excedendo o âmbito da correlativa actividade de intermediária financeira, se tenha vinculado à obrigação de proceder ao reembolso ou resgate dos títulos, obrigação que, como é natural, impendia sobre a respectiva entidade emitente (sobre a distribuição do risco nos contratos de intermediação financeira, cfr. Carneiro da Frada, Revista da Ordem dos Advogados, ano 69º, vol. III/IV, págs. 656 e segs., em artigo intitulado “Crise financeira mundial e alteração das circunstâncias: contratos de depósito vs. contratos de gestão de carteiras”).

Com estas características, uma vez concretizada a aplicação financeira, tal produto passou a surgir discriminado no extracto mensal da conta que periodicamente foi enviado à Autora sob a designação de “K2 Corporation Capital 500.000,00”. Descrição que se manteve durante cerca de 6 anos, durante os quais a Autora foi regularmente remunerada com taxa de juro que, além do mais, beneficiava de isenção de impostos.

Durante tal período, jamais foi posto em causa que, atingida a maturidade dos títulos, a Autora poderia proceder ao seu resgate, obtendo o reembolso do capital investido. Resultado que eventualmente teria ocorrido se outras circunstâncias de todo em todo ignoradas naquela ocasião não se tivessem verificado.

Por conseguinte, considero a matéria de facto insuficiente para fundar a constituição da obrigação contratual de reembolso por parte das RR. que, nos termos referidos por Carneiro da Frada, se tenha traduzido na “assunção contratual do risco” referente à devolução do capital (ob. cit., pág. 665).

2. Discordo igualmente da sustentação de semelhante obrigação na responsabilidade civil das RR.

É verdade que a referida aplicação financeira não foi acompanhada da subscrição de qualquer documento escrito (a não ser da referência que surgiu na conta à ordem da ocorrência de uma transferência monetária e da simultânea creditação de títulos “K2 Corporation Capital”) e que nem sequer foi apresentado à Autora qualquer ficha técnica do produto, limitando-se esta a concordar com a aquisição de um produto que, segundo informações do gerente de conta do Private Banking, tinha “capital garantido”.

Na apreciação da quebra de deveres legais, deve ponderar-se o circunstancialismo legal e regulamentar que existia na data em que se operou o investimento, diferente daquele que agora existe, depois das alterações legais posteriores a 2008 introduzidas no CVM (maxime através do Dec. Lei nº 211-A/08, de 3 de Novembro) ou das alterações regulamentares emanadas da CMVM e que agora estão condensadas no Regulamento nº 1/09 sobre a informação e publicidade inerente à comercialização de produtos financeiros. Modificações posteriores ao desabar da crise que ainda continua a afectar o sistema financeiro global e nacional.

A respeito dos níveis de informação que na altura eram exigíveis, não pode ser desconsiderado ainda o maior ou menor empenho revelado pelo interessado tanto na ocasião da concretização do investimento, como no período subsequente (sobre a matéria cfr. Felipe Canabarro Teixeira, Os deveres de informação dos intermediários em relação aos seus clientes e a sua responsabilidade civil, em Caderno de Mercado dos Valores Mobiliários, nº 31, de Dezembro de 2008, págs. 74 e segs.), sendo que, no caso, se travava de um investidor que efectuava um avultadíssimo investimento através de uma sociedade-veículo para o efeito constituída em “paraíso fiscal” (Belize).

Sem embargo, concordo que houve incumprimento, por parte das RR., de deveres inerentes à actividade de intermediação financeira, nos termos que resultavam dos arts. 7º (qualidade da informação), 8º (conteúdo das recomendações), 304º e 312º (dever de informação) do CVM. Porém, em meu entender, tal não basta para sustentar a constituição da obrigação de indemnização correspondente ao reembolso do capital investido, já que não foi essa a causa que despoletou a situação danosa na esfera jurídica da A.

Com efeito, malgrado o referido incumprimento, a aquisição do produto financeiro concretizou-se e produziu efeitos durante um prolongado período de 6 anos, sem que a Autora alguma vez tenha posto em causa a execução da referida aplicação que lhe garantiu efectivamente a rentabilidade procurada.

Sendo insofismável e do conhecimento geral que no mercado de capitais não existem investimentos de risco nulo (afinal, até os depósitos bancários, que são considerados dos investimentos mais seguros, estão sujeitos ao risco de insolvência das entidade bancárias), não fora a crise financeira do sub prime que se propagou a todo o sistema financeiro, atingindo o produto K2 Corporation Capital, a Autora teria porventura procedido ao resgate dos títulos, sem que as falhas de informação inicial se projectassem negativamente na sua esfera patrimonial.

Deste modo, para além de não encontrar na matéria de facto provada a assunção originária da obrigação de reembolso do capital garantido, também considero que a actuação dos RR. é insuficiente para a sua responsabilização, já que a causa dos danos correspondentes à desvalorização absoluta dos títulos se encontra num factor que lhes era estranho (a crise financeira global despoletada em 2007), sem que algo permita concluir que em 2001 pudesse ser antecipada a sua ocorrência.

Assim, sendo verdade que houve incumprimento de deveres legais e contratuais (ilicitude) e que não foi elidida a presunção de culpa que recai sobre o intermediário financeiro, nos termos do art. 314º do CVM, para que se possa afirmar a existência de responsabilidade civil a partir da actuação inicial dos RR., falta, em meu entender, o nexo de causalidade entre o incumprimento de deveres inerentes à actividade de intermediação financeira e a desvalorização dos títulos (sobre a matéria cfr. Castilho dos Santos, A Responsabilidade Civil dos Intermediários Financeiros Perante o Cliente, pág. 222 e segs.).

4. A única justificação para a condenação dos RR. encontro-a nos factos que ocorreram em Maio de 2008, já depois de se ter verificado a desvalorização dos títulos, mas ainda antes de ter sido decretada a nacionalização do B..., SA.

Não subsistem dúvidas quanto ao carácter definitivo da matéria de facto que foi considerada provada e não provada, não sendo sequer sindicável por este Supremo Tribunal a decisão que considerou provados factos reportados a Maio de 2008 (respostas aos pontos 12º e 13º) traduzindo a assunção do compromisso de reembolso do valor nominal dos títulos comunicado à Autora pelo gerente do Private Banking.

Sobre tais factos apenas é legítimo constatar que ocorreram numa altura em que a crise financeira motivada pelo sub-prime já se reflectira negativamente na actividade desenvolvida pelo B..., SA, sem que as mudanças operadas na sua Administração tivessem evitado a posterior nacionalização decretada ao abrigo do Dec. Lei nº 62-A/08, de 11 de Novembro. Compromisso tanto mais estranho quanto é certo que não existia, em meu entender, qualquer obrigação de proceder ao reembolso do valor dos títulos transaccionados 7 anos antes.

Ainda que não se encontre na matéria de facto explicação para a atitude que então foi tomada pelo gerente do Private Banking, numa ocasião em que a crise financeira, com epicentro nos Estados Unidos da América, já se reflectira na sua actividade e em que se preparava a intervenção que acabou na nacionalização do B..., SA, deparamo-nos com uma realidade que é incontornável e que se traduziu na assunção, por parte do B..., SA, da responsabilidade pelo reembolso do valor nominal dos títulos que haviam sido adquiridos pela Autora, tal como resulta da resposta aos pontos 12º e 13º da base instrutória.

É, pois, neste exclusivo fundamento que, em meu entender, deveria assentar a confirmação do julgado

Abrantes Geraldes