Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4162/09.3TBSTB.E1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: SALAZAR CASANOVA
Descritores: CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
TRIBUNAL DE FAMÍLIA E MENORES
COMPETÊNCIA MATERIAL
PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
CÔNJUGE
CONSERVADOR DO REGISTO CIVIL
DIVÓRCIO POR MÚTUO CONSENTIMENTO
Data do Acordão: 06/07/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DA FAMÍLIA
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
DIREITO DO REGISTO E NOTARIADO
Doutrina: - Alberto dos Reis, “Comentário ao Código de Processo Civil”, 1946, Vol 3.º, págs. 140, 153.
- Antunes Varela, comentando o Ac. do S.T.J. de 18-6-1985, B.M.J. 348, págs. 292 e ss.
- Nuno de Salter Cid, “A Protecção da Casa de Morada de Família no Direito Português”, 1996, pág. 314 e segs.; “ A Alteração do Acordo sobre o Destino da Casa de Morada de Família”, in “Comemorações dos 35 Anos do Código Civil”, Vol I, Direito da Família e das Sucessões, Coimbra Editora, pág. 275.
- Revista de Legislação e de Jurisprudência, 123.º Ano, pág. 320.
- Teixeira de Sousa, “As partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa”, Lex, 1995, pág. 153.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 1778.º-A, 1793.º, N.º3.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 30.º, N.º1, 31.º, 96.º, 469.º, 470.º, N.º1, 1413.º, 1423.º.
DL N.º 272/2001, DE 13-10: - ARTIGOS 5.º, NºS 1, ALS. A) E B) E 2, 7.º, 8.º, 12.º, N.º 1, ALÍNEA B), 17.º, N.º4.
LEI N.º 3/99, DE 13-01: - ARTIGOS 77.º, 81.º, ALS. A) E F).
LEI N.º 52/2008, DE 28-08: - ARTIGOS 110.º, N.º1, 114.º, AL. A).
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 30-11-1983, B.M.J. 331-480;
-DE 20-12-1984, B.M.J. 342-330;
-DE 18-6-1985, B.M.J. 348-292;
-DE 28-5-1997; B.M.J. 467-412;
-DE 2-10-2003, C.J.,3, PÁG. 74;
-DE 15-2-2005, PROCESSO N.º 3621/2004 IN WWW.STJ.PT ;
-DE 8-11-2007, PROCESSO N.º 3372/07.
Sumário :

I - Competindo aos tribunais de família preparar e julgar processos de jurisdição voluntária relativos a cônjuges (cf. art. 81.º, al. a), da Lei n.º 3/99, de 13-01, e art. 114.º, al. a), da actual Lei n.º 52/2008, de 28-08), não são eles competentes em razão da matéria para pedidos de atribuição e de alteração da casa de morada de família que não respeitem a cônjuges salvo quando, nos termos do art. 1413.º, n.º 4, do CPC, o pedido tenha de ser deduzido por apenso à acção de divórcio que correu termos.

II - Se o divórcio por mútuo consentimento correu termos na Conservatória do Registo Civil e foi decretado por decisão do Conservador que homologou os respectivos acordos, designadamente o que incidiu sobre o destino da casa de morada de família, o novo pedido de atribuição da casa de morada de família deve ser intentado na Conservatória e sujeito, por conseguinte, ao procedimento constante do art. 7.º do DL n.º 272/2001, de 13-10, a não ser que se verifique alguma das situações a que se refere o n.º 2 do art. 5.º deste DL, designadamente a cumulação de pedidos no âmbito da mesma acção judicial.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. AA intentou no dia 8-7-2009 a presente acção declarativa com processo ordinário contra BB de quem se encontra divorciada por mútuo consentimento desde 26-1-1998 tendo sido acordado, no âmbito desse divórcio  que correu termos na Conservatória do Registo Civil, que  a casa de morada de família, bem comum do casal seja atribuída ao cônjuge marido.

2. No âmbito de inventário judicial para partilha dos bens do dissolvido casal a verba correspondente à casa de morada de família foi atribuída à autora na sequência de licitação ocorrida no dia 19-3-2004 tendo a sentença que homologou o mapa de partilha transitado em julgado no dia 19-3-2007.

3. A A. propôs contra o réu acção de reivindicação do imóvel que foi a casa de morada de família, mas a acção foi julgada improcedente por sentença de 25-4-2009 na parte em que, para além do reconhecimento da propriedade, que foi declarado, se pretendia a entrega do imóvel por se entender que, no referido acordo de atribuição da casa de morada de família, nada se estipulou no sentido de que ele vigorava até à partilha dos bens, não implicando alteração do referido acordo a atribuição da propriedade do imóvel ao outro membro do dissolvido casal.

4. Com a presente acção a autora deduz os seguintes pedidos:

- Ser alterado, por verificação de circunstâncias supervenientes, o acordo de atribuição do direito ao uso da fracção situada na Rua ............, lotes nºs .... e .....,......, Aires, 2950-330 -Palmela, passando a ser esse uso atribuído à autora com efeitos desde a data do trânsito em julgado da decisão proferida no processo de inventário ou, pelo menos, desde a data da sentença proferida nos presentes autos.

Ou , caso assim não se entenda,

-  Ser anulado o acordo celebrado entre autora e réu quanto à atribuição da casa de morada de família, por reserva mental, declaração não séria e erro nos pressupostos da declaração e na própria vontade declarada, devendo, em consequência, ser substituído por outro onde conste período temporal de vigência, até à partilha da referida casa, com os legais efeitos.

- Ser o réu , em consequência e em qualquer uma das referidas circunstâncias, condenado a devolver, de imediato, à autora, a referida casa.

- Ser o réu, em qualquer uma das referidas circunstâncias, condenado a pagar à autora a indemnização por lucros cessantes que vier a ser calculada em função do valor locativo do imóvel a apurar em juízo, valor final este que poderá vir a ser liquidado em execução de sentença mas que, desde já, não se reputa de montante inferior a 47.250€, liquidado apenas desde Abril a Julho de 2009, com base num valor locativo presumido de 750€ por mês.

- Ser o réu , em qualquer uma das referidas circunstâncias, condenado a pagar à A., a título de danos morais, uma quantia não inferior a 5,50€ (cinco euros e cinquenta cêntimos) por cada dia em que o réu permaneceu em casa depois de ela ter sido adjudicada à autora em juízo e que, decorridos até final de Julho, 1886 dias, já perfazem o montante global de 10.373€, devendo a mesma continuar a ser liquidada até que a casa seja entregue à autora com base na reserva mental e declaração não séria que o réu produziu aquando da elaboração do acordo de atribuição do direito ao uso da casa de morada de família.

- Ser o réu condenado a pagar à autora uma sanção pecuniária compulsória no valor de 50€ por dia de atraso na entrega da casa livre e devoluta à autora, após trânsito em julgado da sentença que o decretar, sanção esta cujo valor será actualizado anualmente em função da taxa de inflação aprovada oficialmente pelo INE.

- Ser o réu condenado a pagar juros de mora, vencidos e vincendos, contados à taxa legal , desde a dia de notificação da presente petição inicial, bem como em custas e procuradoria condigna.

- E, bem assim, para garantia do pagamento dos valores acima mencionados, bem como dos juros de mora que forem devidos até integral pagamento, deve ser determinada ao réu, nos termos do disposto no artigo 1468º.b) do Código Civil, a prestação de uma caução adequada cujo valor deverá ser definitivamente determinado, imediatamente antes de a mesma ser prestada, mas que não será de montante inferior a 60.000€ em função do valor atribuído à presente acção.

5. O Tribunal de 1ª instância considerou-se incompetente para conhecer do processo visando a alteração do acordo da casa de morada de família donde, constituindo a incompetência material, enquanto incompetência absoluta, uma excepção dilatória de conhecimento oficioso, obstando a que o tribunal conheça do mérito da causa, ao abrigo dos artigos 101.º, 493.º, 494.º, alínea a) e 495.º do C.P.C. absolveu o réu da instância.

6. A decisão de 1ª instância assumiu três pressupostos:

- O de que é da competência das Conservatórias do Registo Civil, de acordo com o disposto no Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de Outubro, o processo especial de atribuição da casa de morada de família que naturalmente também é aplicável às situações de alteração da atribuição previamente acordada.

- O de que, faltando o acordo no âmbito desse processo, a competência cabe ao Tribunal de Família e de Menores, nunca à Vara Cível,  visto esta questão ser uma questão de natureza eminentemente familiar, aplicando-se ao caso o disposto no artigo 81.º, alínea a) da LOFTJ (Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro), não existindo nenhuma razão particular para distinguir cônjuges de ex-cônjuges, pois a atribuição da casa de morada de família só se coloca relativamente a ex-cônjuges ou cônjuges que aguardam a dissolução do casamento.

- O de que a cumulação não seria de admitir uma vez que, desde logo, a tramitação da acção ordinária é manifestamente incompatível com a tramitação de um processo de jurisdição voluntária em que o Tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, podendo decidir de acordo com a equidade (artigo 1411.º do C.P.C.), existindo diferenças sensíveis ao nível da tramitação processual e regime de recursos.

7. O Tribunal da Relação confirmou a decisão de 1ª instância.

8. Neste acórdão considerou-se que a cumulação que a A. faz dos pedidos (principal e subsidiários) não é permitida à luz do artigo 30.º/1 do C.P.C.( causas de pedir diferentes a suportar um e outros pedidos) e, por isso, para determinar a competência material do tribunal, o acórdão apenas se fixou no pedido principal.

9. Ora, no quadro legal supra que resulta do DL 272/2001, de 13 de Outubro, o pedido de alteração do direito ao uso da casa de morada de família cabe em primeira linha à Conservatória do Registo Civil, apenas não o sendo no caso de cumulação legal com outros pedidos, no âmbito da mesma acção, que, como salientou, aqui não se verifica.

10. Significa o exposto, concluiu o acórdão ora recorrido, que “ apenas será perante o tribunal se estiver pendente acção de divórcio ou de separação judicial de pessoas e bens litigioso, a título provisório, nos termos do artigo 1407.º do C.P.C. ou a título definitivo através da acção especial prevista no artigo 1413.º do C.P.C”, não se verificando no caso dos autos nenhuma dessas situações.

11. A A. interpôs recurso de revista excepcional que foi admitido, salientando o colectivo dos juízes deste Supremo Tribunal por acórdão de 16-3-2011 que estamos diante de uma questão relevante nos termos do artigo 721.º-A/1, alínea a) do C.P.C.

12. Lê-se no referido acórdão , justificando a admissibilidade da revista excepcional, o seguinte:

“ A relevância da questão, se bem pensamos, resulta em linha recta da necessidade , sempre premente, de assegurar aos cidadãos o saber a quem devem dirigir-se para a resolução dos seus litígios ou para obter a chancela judicial dos seus interesses não litigiosos. Só assim se pode ‘ colocar a justiça ao serviço da cidadania’ um dos objectivos estratégicos afirmados no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de Outubro que, na busca da ‘tutela do direito a uma decisão em tempo útil’, procedeu à transferência de uma série de competências decisórias dos tribunais para o Ministério Público e dos tribunais para as conservatórias do registo civil.

Mas quando assim é, então, o que tem que evitar-se é que antes de qualquer outra dificuldade os cidadãos tenham de enfrentar desde logo  a de não saberem a quem se dirigir.

Ora esse é o problema que se coloca a quem, como a recorrente, viu homologado no seu processo de divórcio ( que correu termos na conservatória do registo civil) acordo sobre a utilização da casa de morada de família e, como pedido principal, o quer ver alterado por verificação de circunstâncias supervenientes.

Aonde se dirige: à conservatória do registo civil? Ao tribunal comum? Ao tribunal de família?

É uma questão relevante. Relevante do ponto de vista jurídico em si mesmo , dada a novidade do regime e a redacção legislativa que o consagra ( manifestamente não preocupado com estas questões) relevante também porque a dimensão social da questão acrescenta relevância onde a relevância já existe”.

13. Na minuta de recurso a recorrente apresenta as seguintes conclusões:

- O legislador apenas quis atribuir aos tribunais de família competência para os processos de jurisdição voluntária relativos a cônjuges desde que especificamente previstos , deixando para os tribunais comuns todos os processos que sejam relativos a ex-cônjuges.

- O campo de aplicação do processo de jurisdição voluntária regulado no artigo 1415.º restringe-se à fixação ou alteração da residência da família, durante a vigência do casamento.

- E a forma processual própria para dirimir o litígio  relativo à alteração do uso da que foi a casa de morada de família, na sequência de divórcio ou de separação de pessoas e bens, é a do processo comum, tramitado por um tribunal de competência genérica.

- O legislador não consagrou a competência dos tribunais de família quanto a todos os processos relativos a ex-cônjuges, mas tão somente o fez em relação aos processos que se encontram específica e concretamente regulados no artigo 81.º da LOFTJ, não sendo esse o caso dos autos.

- Não acolhe a lei a solução de que, esgotadas entre as partes todas as hipóteses extrajudiciais de dirimir litígios por acordo, estas sejam obrigadas a socorrer-se dos meios extrajudiciais para os dirimir, como as conservatórias do registo civil, num caso , como o dos autos, em que as partes nem sequer são casadas.

- Pois que se as partes fossem casadas poderiam socorrer-se directamente dos meios judiciais ao seu alcance para, por exemplo, dissolver o casamento.

- Os requisitos de admissibilidade dos pedidos subsidiários encontram-se previstos nas disposições conjugadas dos artigos 31.º e 469.,nº2, ambos do C.P.C.

- Os pedidos formulados não obstam, per se, à respectiva cumulação de acordo com as disposições dos artigos 31.º,nº1 e 2 e 470.º,n.º1, ambos do C.P.C., uma vez que existe um necessário e efectivo interesse na sua apreciação conjunta, bem como uma proporção de causa e efeito necessária entre os mesmos.

- Só apreciando conjuntamente os pedidos formulados será respeitado o princípio da adequação formal, da tramitação do processo, previsto no artigo 265.º-A do C.P.C.

- Como tal a vara de competência mista de Setúbal é o tribunal competente para julgar os pedidos formulados em causa pela recorrente.

- Ao decidir como decidiu o acórdão recorrido fez uma errada aplicação da lei de processo, designadamente o disposto nos artigos 31.º e 2 e 469.,n.º2, 265.-A, 1415.º todos do C.P.C. e o artigo 81.º da LOFTJ.

Apreciando:

14. A autora recorre da decisão que julgou incompetente em razão da matéria o tribunal comum tratando-se de pedido de alteração de acordo sobre a casa de morada de família que foi homologado por decisão da Conservadora do Registo Civil proferida no dia 15-1-1998 em acção de divórcio por mútuo consentimento que correu termos, por ser da sua exclusiva competência, na Conservatória dos Registos Civil (artigo 272.º/3 do Código de Registo Civil de 1995;  cf. subsequente artigo 12.º/1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de Outubro).

15. O Tribunal competente em razão da matéria, assim foi decidido pelas instâncias, será o Tribunal de Família e de Menores se, intentado procedimento na Conservatória, não for obtido acordo.

16. A decisão tem em vista a incompetência em razão da matéria que foi reconhecida, tal como já se disse, porque se considerou inadmissível, no caso, a cumulação de pedidos porque a cumulação ofende as regras de competência em razão da matéria ( um dos pedidos seria da competência do tribunal comum , o outro da competência do tribunal de família) e porque ocorre ainda uma diversidade de formas de processo ( a um dos pedidos corresponde forma de processo comum e ao outro processo de jurisdição voluntária) aplicáveis aos pedidos cuja tramitação é incompatível.

17. Por isso, ao apreciarmos a questão da competência em razão da matéria, não podemos deixar de considerar se ocorrem as demais circunstâncias apontadas visto que a autora pretende que os pedidos que deduziu (principal e subsidiários) sejam reconhecidos como sendo da competência dos tribunais comuns e compatíveis processualmente.

18. A autora deduziu pedido principal por via do qual pretende a alteração do acordo de atribuição do direito ao uso da casa de morada de família que, por acordo homologado em procedimento de divórcio por mútuo consentimento, foi atribuído ao seu ex-cônjuge.

19. A título subsidiário, pretende com fundamento em falta e vícios da vontade que seja anulado o referido acordo que foi celebrado entre o então ainda casal e, por via de tal anulação, condenado o réu a restituir o imóvel actualmente propriedade exclusiva da autora e a indemnizá-la nos termos referenciados.

20. O Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de Outubro que passou a regular os procedimentos perante o Ministério Público e perante as Conservatórias do Registo Civil prescreve no artigo 5./1, alínea b) e n.º2  o seguinte:

1- O procedimento regulado na presente secção [secção I - Do procedimento tendente à formação de acordo das partes] aplica-se aos pedidos de: […]

b) Atribuição da casa de morada de família […]

2- O disposto na presente secção não se aplica às pretensões referidas nas alíneas a) a d) do número anterior que sejam cumuladas com outros pedidos no âmbito da mesma acção judicial, ou constituam incidente ou dependência da acção pendente, circunstâncias em que continuam a ser tramitadas nos termos previstos no Código de Processo Civil.

21. A competência em razão da matéria deve ser considerada à luz do pedido deduzido.

22. Por isso, se a autora cumula pedidos, no caso pedidos subsidiários (artigo 469.º do C.P.C.) e não introduzindo a lei qualquer limitação no sentido de que o disposto na referida alínea b) do artigo 5.º, tal como nas outras mencionadas, apenas tem em vista os pedidos cumulados em que a cumulação seja válida, não pode deixar de se considerar que o procedimento previsto na referida secção do DL n.º 272/2001 não se aplica aos referidos pedidos.

23. É, pois, já no âmbito da acção judicial, a propor no tribunal que for competente em razão da matéria, que se impõe analisar se a cumulação deve ou não deve ser admitida.

24. No caso de cumulação de pedidos estes devem ser compatíveis processualmente, ou seja,  a cumulação não pode ofender “ regras de competência internacional ou em razão da matéria ou da hierarquia” (artigos 31.º/1 e 470.º/1 do C.P.C.).

25. Tenha-se em atenção que a lei, no caso de cumulação de pedidos (artigo 470.º do C.P.C.),  apenas exige compatibilidade, ou seja, compatibilidade substantiva (não podem cumular-se pedidos contraditórios) e compatibilidade processual. Há incompatibilidade processual no caso de se verificarem as circunstâncias que impedem a coligação ( artigo 470.º/1 e 31.º/1 do C.P.C.).

26. Por isso, como refere Alberto dos Reis, “ […] no caso de simples cumulação o único ponto de contacto que a lei exige entre as várias pretensões é a identidade das pessoas: o mesmo autor deduz contra o mesmo réu vários pedidos. Que entre os pedidos haja ou não qualquer nexo objectivo, que procedam do mesmo título ou da mesma causa de pedir ou procedam de causas diferentes, que versem sobre as mesmas coisas ou sobre coisas diversas, é absolutamente indiferente, contanto que sejam compatíveis” (Comentário ao Código de Processo Civil, 1946, Vol 3.º, pág. 153).

27. Assim sendo, não importa analisar se a causa de pedir atinente aos pedidos deduzidos é a mesma causa de pedir ou é diversa, requisito que tem a vista a admissibilidade de coligação de autores e de réus (artigo 30.º/1 do C.P.C.) que é alheio aos casos de cumulação de pedidos pois quanto a estes importa a inexistência dos obstáculos a que se refere o artigo 31.º do C.P.C.

28. A remissão para o preceito correspondente a este artigo 31.º era expressa no Código de 1939 (dizia o artigo 274.º sob a epígrafe cumulação de pedidos: “ pode o mesmo autor deduzir cumulativamente contra o mesmo réu, num só processo, vários pedidos que sejam compatíveis, se quanto à forma do processo e quanto à competência do tribunal não existirem os obstáculos indicados no § único do artigo 29.º); tal remissão, a partir do Código de 1961, passou a ser implícita, como é salientado por Teixeira de Sousa ( ver As partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, Lex, 1995, pág. 153).

29. Todavia, no caso vertente, porque foram deduzidos pedidos subsidiários, a incompatibilidade substantiva também não importa pois a lei expressamente refere no artigo 469.º/2 do C.P.C. sob a epígrafe “ pedidos subsidiários” que “ a oposição entre os pedidos não impede que sejam deduzidos nos termos do número anterior”.

30. E, como refere Alberto dos Reis, a propósito de pedidos subsidiários, “ embora a lei não tenha posto como condição a existência de qualquer nexo entre os dois pedidos, a verdade é que pela ordem natural das coisas há-de existir um nexo substancial entre eles. Os dois pedidos dizem respeito ao mesmo acto ou facto jurídico; denunciam uma atitude de dúvida ou hesitação do autor perante o acto ou facto. O autor começa por formular uma certa pretensão com fundamento em determinado acto jurídico; mas porque não está seguro de que essa pretensão seja legal e venha a encontrar acolhimento por parte do tribunal, deduz subsidiariamente uma outra pretensão mais sólida para ser considerada pelo tribunal no caso de não vingar a primeira” (loc. cit., pág. 140). Se nenhuma conexão ocorrer, afigura-se que o Tribunal poderá considerar que é inconveniente a instrução, discussão e julgamento conjunto:  ver Teixeira de Sousa, As partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, Lex, 1995, pág. 153).

31. Foi isto que sucedeu no caso vertente: a autora considera que o acordo de atribuição do direito ao uso daquela que foi a casa de morada de família não é válido porque houve reserva mental do réu e declaração não séria e também erro nos pressupostos da declaração e na própria vontade declarada. No entanto, porque esta pretensão pode não resultar, a autora, a considerar-se que o referido acordo é válido, pretende então que seja alterado, por verificação de circunstâncias supervenientes, que indica, passando a ser-lhe atribuído o uso da referida fracção “desde a data do trânsito em julgado da decisão proferida no processo de inventário ou, pelo menos desde a data da sentença proferida nos presentes autos”.

32. O referido acordo sobre a atribuição da casa de morada de família que a autora pretende alterado foi homologado por decisão da Conservadora que produz os mesmos efeitos da sentença judicial (artigo 1423.º do C.P.C. com a redacção do DL n.º 513-X/79, de 27 de Dezembro aplicável à decisão do Conservador por remissão expressa do artigo 272.º/3 do Código de Registo Civil de 1995 e ulteriores artigos 1778.º-A do Código Civil introduzido pelo Decreto-Lei n.º 163/95, de 13 de Julho e 17.º/4 do Decreto-Lei n.º 272/201, de 13 de Outubro).

33. Várias decisões judiciais se pronunciaram no sentido da inalterabilidade do acordo homologado por sentença judicial ( veja-se o Ac. do S.T.J. de 2-10-2003 - Ferreira Girão -  com voto de vencido de Lucas Coelho, C.J.,3, pág. 74, Ac. do S.T.J. de 15-2-2005 - Alves velho - P. 3621/2004 in www.stj.pt) embora houvesse entendimento diverso na doutrina e também na jurisprudência  (Ac. do S.T.J. de 8-11-2007 - Gil Roque - revista n.º 3372/07 - 2ª secção;  Nuno de Salter Cid “ A Protecção da Casa de Morada de Família no Direito Português”, 1996, pág. 314 e segs e do mesmo autor “ A Alteração do Acordo sobre o Destino da Casa de Morada de Família” in Comemorações dos 35 Anos do Código Civil, Vol I, Direito da Família e das Sucessões, Coimbra Editora, pág. 275). Esta questão foi resolvida na recente alteração do Código Civil introduzida pela Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro  que aditou ao artigo 1793.º do Código Civil com a epígrafe “ Casa de morada de família” o n.º 3  com a seguinte redacção: “ o regime fixado, quer por homologação do acordo dos cônjuges, quer por decisão do tribunal, pode ser alterado nos termos gerais da jurisdição voluntária”.

34. E se é certo que a atribuição da casa de morada de família se verificou no âmbito de acção de divórcio por mútuo consentimento, neste momento, dissolvido o casamento e existindo manifesto litígio sobre a validade do referido acordo, já não é uma questão estrita de família que está na base do conflito. Com efeito, o casamento está dissolvido e a autora que, por licitação obteve a propriedade do imóvel pagando as respectivas tornas ao ex-cônjuge, pretende afinal reaver a utilização do imóvel que atribuiu ao seu ex-cônjuge no âmbito de acordo tendo em vista o divórcio.

35. A letra da lei diz-nos que compete aos tribunais de família preparar e julgar (a) processos de jurisdição voluntária relativos a cônjuges (ver artigo 81.º,alínea a) da L.O.F.T.J., Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, disposição que não sofreu alteração na entretanto publicada Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto - artigo 114.º, alínea a). A lei nada diz no que toca a ex -cônjuges contrariamente ao que sucede no caso de pedido de alimentos em que a lei (artigo 81.º, alínea f) expressamente prescreve que compete aos tribunais de família preparar e julgar acções e execuções por alimentos entre cônjuges e ex-cônjuges.

36. Refira-se que este preceito - artigo 81.º,alínea a) -  não tem, quanto ao respectivo conteúdo, sofrido alteração pois já o artigo 61.º da Lei n.º 82/77, de 6 de Dezembro (Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais) prescrevia que compete aos tribunais de família preparar e julgar (a) processo de jurisdição voluntária relativos a cônjuges.

37. Alteração deu-se com a  Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais de 1987 (Lei n.º 38/87, de 23 de Dezembro). Com efeito, se a alínea e) do artigo 61.º da Lei n.º 82/77 atribuía competência às “acções de alimentos entre os cônjuges” a correspondente nova alínea f) do artigo 60.º da Lei n.º 38/87  passou a prescrever que “ compete aos tribunais de família preparar e julgar acções de alimentos entre os cônjuges, bem como entre ex-cônjuges e as execuções correspondentes”.

38. Com efeito, suscitara-se grande divergência na jurisprudência, sustentando uns que as acções de alimentos entre ex-cônjuges deviam ser também propostas nos Tribunais de Família, impondo-se uma interpretação extensiva da alínea a) do artigo 61.º da Lei n.º 82/77.

39. Antunes Varela, comentando o Ac. do S.T.J. de 18-6-1985 (Góis Pinheiro) que considerou ser competente o juízo cível para preparar e julgar acções de alimentos entre divorciados, e já num momento em que a lei tinha sido alterada nos termos expostos, referia que “ em face da lei orgânica de 77, a boa doutrina era, sem dúvida, a que foi aceite no acórdão.

Várias razões se poderiam então invocar nesse sentido.

Por um lado, os tribunais cíveis eram e continuam a ser os tribunais de competência genérica para todas as acções de natureza cível (cf. o disposto, hoje em dia, no artigo 56.º da Lei Orgânica de 87) ao passo que os tribunais de família têm a sua competência limitada às acções que especialmente lhes são confiadas na lei E entre as acções que a Lei Orgânica de 77 submetia a seu julgamento figuravam as acções de alimentos entre os cônjuges mas não as requeridas entre ex-cônjuges.

Por outro lado, nenhumas razões sérias havia para apoiar a interpretação extensiva do preceito legal que alguns autores defendiam.

O facto de a pretensão formulada na acção de alimentos entre ex-cônjuges ter ainda a apoiá-la  o antigo vínculo matrimonial, por conseguinte de carácter familiar, que uniu as partes, não justificava, por si só, a extensão da área da competência do tribunal de família, visto que vínculo de semelhante natureza subjaz às acções de alimentos a que indirectamente se referem as alíneas b) a f) do n.º 1 do artigo 2009.º do Código Civil e nem por isso elas figuram no quadro da competência própria dos tribunais (especializados) de família” (ver Revista de Legislação e de Jurisprudência, 123.º Ano, pág. 320).

40. O Supremo Tribunal já anteriormente ao referido acórdão de 18-6-1985 não vislumbrava razão para a interpretação extensiva da alínea a) desse artigo 61.º aos ex-cônjuges: Ac. do S.T.J. de 30-11-1983 (José dos Santos Silveira), B.M.J. 331-480 mas não existia efectivamente unanimidade: veja-se o Ac. do S.T.J. de 20-12-1984 (Santos Carvalho com voto de vencido de Alves Cortês) B.M.J. 342-330.

41. De igual modo também o artigo 77.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro afirma o princípio da atribuição aos tribunais de competência genérica para preparar e julgar os processos relativos a causas não atribuídas a outro tribunal, entendimento reafirmado no artigo 110.º/1 da Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto que diz: “ os juízos de competência genérica possuem competência na respectiva área territorial, tal como definida em decreto-lei, quando as causas não sejam atribuídas a juízos de competência especializada”

42. Assim, com base na leitura do artigo 81.º, alínea a) da Lei n.º 3/99 conjugada com o já referido principio de atribuição de competência aos tribunais de competência genérica, dir-se-á que não ocorre, por conseguinte, a incompatibilidade que decorre da incompetência em razão da matéria para conhecimento dos pedidos deduzidos.

43. No entanto, argumentar-se-á, a competência do Tribunal de Família - a não se aceitar a interpretação extensiva do artigo 81.º,alínea a) da Lei n.º 3/99 - deve ser tida em consideração tendo em vista a natureza incidental do pedido de atribuição ou de alteração  da casa de morada  de família quando este não deva intentado nas Conservatórias do Registo Civil.

44. Refira-se que não se afigura assistir razão à recorrente quando, relativamente a um pedido de alteração da decisão de atribuição da casa de morada de família que correu termos na Conservatória, entende que este deve ser deduzido em Tribunal quando é manifesto o conflito, considerando que à Conservatória não compete dirimir litígios.

45. É que a existência ou inexistência de acordo é um dado que não está na disponibilidade do interessado em ordem à definição da competência e , por isso, ainda que se lhe afigure que não seja possível o acordo, não pode o pedido deixar de ser proposto na respectiva Conservatória onde se deve diligenciar no sentido da tentativa de conciliação e só depois, constatada a impossibilidade de o obter (cf. artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de Outubro), será determinada a remessa ao tribunal de 1ª instância competente em razão da matéria no âmbito da circunscrição a que pertence a conservatória.

46. Deixando esta observação, que se impunha face ao entendimento da recorrente, dir-se-á então que a natureza incidental deste procedimento imporia que a competência fosse atribuída aos tribunais de família (artigo 96.º do C.P.C.).

47. Assim, por exemplo, no Ac. do S.T.J. de 28-5-1997 (Sousa Inês) decidiu-se que o tribunal de família é o competente em razão da matéria para conhecer o incidente de transmissão do direito do arrendatário, por divórcio ou separação judicial de pessoas e bens, nos termos do disposto no artigo 84.º do Regime do Arrendamento Urbano quer no caso de se encontrar pendente processo de regulação do exercício do poder paternal, quer no caso de não se encontrar pendente tal processo visto que compete aos tribunais de família as acções de separação de pessoas e bens e de divórcio conforme prescrevia o artigo 60.º, alínea b) da Lei n.º 38/87.

48. Expressamente passou a prescrever o artigo 1413.º do C.P.C.  que o pedido de atribuição da casa de morada de família é deduzido por apenso “ se tiver pendente ou tiver corrido acção de divórcio ou separação litigiosos”.

49. No entanto, no caso de divórcio por mútuo consentimento, que correu termos e foi decidido na Conservatória do Registo Civil, a natureza incidental do pedido de alteração da atribuição da casa de morada de família, se não se quiser considerar que esse pedido de alteração se inscreve no preciso âmbito do artigo 5.º/1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de Outubro, levará a que seja na Conservatória que esse pedido será deduzido.

50. A questão que se suscita é a de saber se, não havendo acordo, o tribunal competente em razão da matéria para onde o processo deve ser remetido conforme prescreve  o artigo 8.º, já mencionado, do Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de Outubro é o tribunal de família o que nos reconduz ao preceito  do artigo 81.º, alínea a) da Lei n.º 3/99 ou é o tribunal de competência genérica.

51. A aplicação da regra da competência dos tribunais genéricos, afastando a interpretação extensiva da referida alínea a) do artigo 81.º de modo a incluir na competência dos tribunais de família os processos de jurisdição voluntária de atribuição de casa de morada de família relativos a ex-cônjuges tem, por si, a letra da lei conjugada com a referida regra de competência.

52. Mas tal entendimento também tem por si o facto de a existência de vínculos familiares não serem razão suficiente para atribuição de competência aos tribunais de família pois noutras relações em que não há casamento não deixam de existir vínculos familiares e nem por isso a lei as sujeita à competência dos tribunais de família. Com efeito, a lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, que adopta medidas de protecção às uniões de facto, não deixa de prescrever, no artigo 4.º com a redacção que lhe foi dada pela lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto, que” o disposto nos artigos 1105.º e 1793.º do Código Civil é aplicável com as necessárias adaptações em caso de ruptura da união de facto”, prescrevendo o artigo 3.º/1, alínea a) da lei n.º 7/2001 que as pessoas que vivem em união de facto […] têm direito a protecção da casa de morada de família , nos termos da presente lei.

53. Por isso, e tendo em vista o caso que nos cumpre decidir, entende-se que, no caso de cumulação de pedidos um dos quais é o de alteração da atribuição da casa de morada de família, não é competente para conhecer desse procedimento a Conservatória do Registo Civil que decretou o divórcio por mútuo consentimento dado o disposto no artigo 5.º/2 do Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de Outubro; o ex-cônjuge deverá propor acção em tribunal judicial e, no que respeita à competência, não deixa de ser competente em razão da matéria o tribunal de competência genérica no que respeita a esse pedido de alteração visto que, correspondendo a esse pedido o processo de jurisdição voluntária adjectivado no artigo 1413.º do C.P.C., o tribunal de família dispõe de competência para preparar e julgar processos de jurisdição voluntária relativos a cônjuges e não a ex-cônjuges; o Tribunal de Família seria competente em razão da matéria para conhecer desse pedido  se nele tivesse corrido acção de divórcio ou de separação litigiosos conforme resulta do disposto no artigo 1413.º/4 do C.P.C.

54. A decisão de 1ª instância considerou ainda que à cumulação sempre obstaria o disposto no artigo 31.º/1 in fine e n.º2 do C.P.C. considerando que existe uma manifesta incompatibilidade formal ao nível da tramitação processual entre os pedidos quando a um corresponde processo de jurisdição voluntária e aos outros processo comum.

55. Não vemos todavia que exista  uma incompatibilidade impeditiva de adequação processual pois ela não obsta a que o Tribunal possa praticar os actos que a lei impõe em sede de jurisdição voluntária para este tipo de procedimento (v.g. convocação dos cônjuges para a tentativa de conciliação a que se refere  o artigo 1413.º/2 do C.P.C.) ou de realizar as diligências probatórias que se lhe afigurarem possíveis ou de proferir decisão quanto a esta questão com base em juízos de equidade.

56. É certo que uma tramitação conjunta dos pedidos parece prejudicar a celeridade que a lei imprime aos processos de jurisdição voluntária - que, neste momento, há-de convir-se, já está afectada -  mas não podemos deixar de atender a que a apreciação conjunta das pretensões tem no presente caso interesse relevante. A autora alegou que estava convencida de que o acordo vigoraria apenas até à partilha dos bens do casal e, por isso, licitou a casa e assinou o acordo quanto à casa de morada de família porque o réu lhe pediu para ficar com o uso da casa de morada de família até conseguir arranjar uma casa para si, recebendo tornas e continuando a fruir da casa que foi a casa de morada de família sem qualquer contrapartida, situação esta que perdura desde 1998 data em que foi homologado o acordo na Conservatória do Registo Civil.

57. A autora alegou que pagou tornas ao réu de 70.000€ para poder ficar com a casa e que alienou património seu para poder pagar as tornas e que vive actualmente com dificuldades ao contrário do réu que vive folgadamente dos proventos  das actividades , comercial e profissional, que desempenha.

58. Este conjunto de factos, e outros que constam da petição, relevam numa apreciação conjunta para que uma decisão possa, ponderando toda esta realidade, alcançar uma justa composição do litígio sendo certo que, se deduzidos autonomamente, podia inclusivamente suscitar-se a questão da prejudicialidade do pedido de anulação do acordo face ao pedido de alteração da decisão de atribuição da casa de morada de família, questão a importar eventual suspensão da instância com o protelar do litígio.

Concluindo:

I- Competindo aos tribunais de família preparar e julgar processos de jurisdição voluntária relativos a cônjuges (cf. artigo 81.º, alínea da Lei n.º 3/99 de 13 de Janeiro e artigo 114.º,alínea a) da actual Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto), não são eles competentes em razão da matéria para pedidos de atribuição e de alteração da casa de morada de família que não respeitem a cônjuges salvo quando, nos termos do artigo 1413.º/4 do C.P.C., o pedido tenha de ser deduzido por apenso à acção de divórcio que correu termos.

II- Se o divórcio por mútuo consentimento correu termos na Conservatória do Registo Civil e foi decretado por decisão do Conservador que homologou os respectivos acordos, designadamente o que incidiu sobre o destino da casa de morada de família, o novo pedido de atribuição da casa de morada de família deve ser intentado na Conservatória e sujeito, por conseguinte,  ao procedimento constante do artigo 7.º do DL n.º 272/2001, de 13 de Outubro  a não ser que se verifique alguma das situações a que se refere o n.º2 do artigo 5.º deste DL, designadamente a cumulação de pedidos no âmbito da mesma acção judicial.

Decisão: concede-se provimento ao recurso, julgando-se competente em razão da matéria para conhecimento da presente acção o Tribunal de competência específica - vara cível - em que a acção foi proposta e onde devem prosseguir os autos para apreciação dos pedidos cumulados.

Custas pelo réu

Lisboa, 07 de Junho de 2011

Salazar Casanova (Relator)
Fernandes do Vale
Marques Pereira