Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
524/10.1TTVCT.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: LEONES DANTAS
Descritores: FUNDO DE PENSÕES
ACORDO DE EMPRESA
COMPLEMENTO DE REFORMA
USOS DA EMPRESA
Data do Acordão: 09/19/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO
DIREITO DO TRABALHO - DIREITOS, DEVERES E GARANTIAS DAS PARTES - DIREITO COLECTIVO - INSTRUMENTOS DE REGULAMENTAÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO
Doutrina: - A. SANTOS JUSTO, Introdução ao Estudo do Direito, Coimbra Editora, 3.ª Edição, 2006, p. 217.
- BERNARDO DA GAMA LOBO XAVIER, Curso de Direito do Trabalho, I, Verbo, 3.ª edição 2004, p.p. 525, 526, 527 e 532.
- LUÍS GONÇALVES DA SILVA, Código do Trabalho Anotado, PEDRO ROMANO MARTINEZ e OUTROS, Almedina, 8.ª Edição, 2009, P. 92.
- MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Direito do Trabalho, Parte I – Dogmática Geral, Almedina, 2005, p. 223.
- OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito - Introdução e Teoria Geral, Fundação Calouste Gulbenkian, 1978, p. 230.
Legislação Nacional: ACORDO DE EMPRESA – O AE 2002, PUBLICADO NO BOLETIM DE TRABALHO E EMPREGO, 1ª, SÉRIE, Nº 1, DE 8 DE JANEIRO DE 2002.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 3.º, 762.º.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGO 1.º, 119.º.
CONTRATO CONSTITUTIVO DO FUNDO DE PENSÕES PUBLICADO NO D.R., 3ª SÉRIE, DE 31.12.2004,
DL N.º 12/2006, DE 20-1: - ARTIGO 6.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 14-9-2011, PROFERIDO NAS REVISTAS N.ºS 475/08.0TTVCT.P1.S1 E 255/08.2TTVCT.P1.S1 E N.º 791/08.0TTVCT.P1.S1, DISPONÍVEIS EM WWW.DGSI.PT.
Sumário :

1 – Tendo sido estabelecido no AE que a Ré «garantirá a todos os seus trabalhadores, nas condições dos instrumentos que se obriga a criar e a divulgar, d) complemento de reforma de velhice e sobrevivência; e) complemento de reforma de invalidez», daí resulta que a Ré ficou não só com a liberdade de estabelecer unilateralmente, as respectivas condições, a consignar nos instrumentos que se obrigou a criar, mas também com a de promover eventuais alterações;

2 – A aquisição do direito aos benefícios mencionados no número anterior decorre da verificação das ocorrências previstas no n.º1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de Janeiro, não sendo os participantes no fundo de pensões em causa, titulares de qualquer direito adquirido àqueles benefícios, antes da verificação daqueles factos;

3 – A atribuição de complementos de reforma, no quadro e por força de sucessivos instrumentos de regulamentação colectiva do trabalho que vinculam uma empresa onerada com aquele encargo, não integra uma prática reiterada susceptível de ser considerada como uso de empresa, relevante nos termos do artigo 1.º do Código do Trabalho.  

4 – A aquisição do direito ao complemento de pensão de reforma apenas acontece quando, além do mais, o trabalhador passe à situação de reforma por invalidez pela Segurança Social, sendo o complemento atribuível apenas a partir dessa data.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I

1 - AA instaurou no Tribunal do Trabalho de Viana do Castelo contra BB – Empresa Produtora de Papeis Industriais S.A. e CC Pensões – Sociedade Gestora de Fundos de Pensões S.A., acção emergente de contrato de trabalho «pedindo a condenação das Rés no pagamento: a) de um complemento mensal da pensão de reforma por invalidez que lhe é paga pela Segurança Social, desde 25.09.2009, no montante de € 903,70, sem prejuízo da sua actualização de acordo com as tabelas salariais em vigor na Ré; b) da quantia de € 8.359,20, a título de complemento de pensões de reforma por invalidez já vencidas, sem prejuízo das prestações vincendas e as actualizações devidas, em função das alterações anuais das retribuições que vierem a ser acordadas entre os trabalhadores e a 1ª Ré, a liquidar posteriormente, ou em sede de ampliação do pedido; c) de um quantitativo de valor igual ao complemento mensal da pensão de reforma por invalidez a pagar no mês de Novembro de cada ano; d) dos juros de mora sobre as quantias atrás referidas desde a data do seu vencimento e até integral pagamento».

Alegou, em síntese,

- que exerceu, desde 11.05.1981, a sua actividade profissional para a 1ª Ré e as sociedades que a antecederam;

- que em 25.09.2009 passou à situação de reformado por invalidez e que por força do disposto no AE e no Regulamento das Regalias Sociais que dele decorre, tem direito a um complemento de reforma que a 1ª Ré não tem pago invocando ter procedido a uma alteração do Plano de Pensões em 13.7.2007, alteração que considera aplicável ao demandante;

- que  a justificação para o não pagamento desse complemento não tem qualquer fundamento na medida em que o complemento de pensão de reforma por invalidez e o seu valor faz parte integrante do seu contrato de trabalho e, como tal, não podia ser alterado sem o seu acordo, uma vez que

- a 1ª Ré, através da circular nº. CDC/86 de 27.11.1986 apresentou a todos os trabalhadores um Plano de Segurança Social como alternativa ao seguro de vida grupo até então existente, sendo que pela circular nº. CDC9/86 de 10.12.1986 estabeleceu procedimentos quanto ao modo de adesão ao referido Plano, tendo o Autor aderido expressa e individualmente, em 16.12.1986, a esse Plano de Segurança Social da Empresa;

- que pela circular nº 6/87, emitida em 19.01.1987, e recebida pelo Autor em 22.01.1987, a 1ª Ré decidiu aplicar esse novo Plano a todos os trabalhadores que a ele aderiram, incluindo o Autor, pelo que esse direito passou a integrar o seu contrato de trabalho, a partir de 01.01.1987, por acordo individual e expresso celebrado com a 1ªRé;

- que que nos vários AE a 1ª Ré reforçou o direito dos seus trabalhadores ao Plano de Pensões que estabeleceu individualmente nas condições indicadas nos Regulamentos 8/86, 9/86, 6/87 e 8/88.

2 - A acção instaurada foi contestada pelas Rés prosseguindo normalmente seus termos, vindo a ser decidida por sentença de, nos termos da qual as Rés foram condenadas a

«a reconhecerem o direito do Autor a receber: - um complemento de reforma por invalidez que lhe é paga pela Segurança Social, desde 25.09.2009. no montante mensal de € 903,70, sem prejuízo da sua actualização de acordo com as tabelas salariais em vigor na Ré; - a quantia de € 8.359,20, a título de complementos de pensão de reforma por invalidez, já vencidos, sem prejuízo das prestações vincendas e das actualizações devidas, de acordo com as alterações salariais anuais que vierem a ser acordadas e que vierem a vigorar na Ré; - no mês de Novembro de cada ano, para além do complemento mensal da pensão de reforma por invalidez, um quantitativo igual a esse complemento; - juros de mora, vencidos e vincendos, relativamente a tais quantias, e até integral pagamento».

Inconformada com esta decisão dela recorreu de apelação a Ré BB – Empresa Produtora de Papéis Industriais S.A, para o Tribunal da Relação do Porto, que, por acórdão de (…), julgou a apelação improcedente e confirmou a sentença recorrida.

3 - Inconformadas com esta decisão dela recorrem agora ambas as Rés, de revista, para este Supremo Tribunal de Justiça, sendo as conclusões das alegações apresentadas, do seguinte teor:

3.1 - Da BB

«A) Sustenta, o Venerando Tribunal a quo, parcialmente, a manutenção do decidido na 1.ª Instância na construção da tese da incorporação de direitos obtidos por via de negociação colectiva no contrato individual de trabalho do Recorrido.

B) Constitui, ainda, fundamento do Acórdão recorrido a consideração de que o plano  de   pensões   plasmado   no   Contrato Constitutivo de 2004, constituía uso da empresa, sendo, como tal, fonte de direito e inibidor da eficácia da alteração promovida pela Recorrente relativamente ao Recorrido.

C) Ora, no caso em apreço não se poderá considerar a existência de um uso como fonte de direito em matéria de atribuição de pensões, nem se poderá admitir a aquisição de um direito já inexistente à data em que o trabalhador reúna as condições para o "adquirir", sob pena de se admitir que, afinal, se tratava de um direito adquirido e não de expectativa, adquirindo-se o direito, apenas, no momento de passagem à reforma do trabalhador.

D) Considera, o douto Acórdão, recorrido que a cláusula 87.ª n° 1 do A.E de 2002 necessitava de concretização e que tal concretização, reconhecidamente a cargo da ora Recorrente, veio a acontecer com a celebração do Contrato Constitutivo do Fundo de Pensões "G...".

E) Este reconhecimento, pelo Venerando Tribunal a quo, ocorre num quadro de facto do qual resulta inequívoco que os termos concretos desse contrato constitutivo foram subscritos pela Recorrente sem qualquer intervenção dos Sindicatos subscritores do Acordo de Empresa ou, por maioria de razão dos trabalhadores.

F) Considera, igualmente, o douto Acórdão que as condições plasmadas no texto do Regulamento de Regalias Sociais (que constitui o Anexo I do Contrato Constitutivo) não foram, sequer, negociadas com os trabalhadores, constituindo, assim, no entender do Venerando Tribunal a quo, uma proposta contratual do Empregador que, para ser executada e cumprida, necessita da adesão expressa de cada um dos trabalhadores ao serviço da empresa, traduzindo-se, assim, num verdadeiro Regulamento interno que vigora na Recorrente,

G) Ao contrário do que pretende sustentar o Venerando Tribunal a quo, o Regulamento de Regalias Sociais não constitui - por patente falta de características - um regulamento interno da empresa, que sempre seria elaborado em matéria de organização e disciplina no trabalho e que, depois de publicitado - e aceites os seus termos por ambas as partes na relação laboral (o que pode não suceder, nos termos legais!) constituí uma verdadeira fonte de obrigações,

H) Bem pelo contrário, o Regulamento em causa constitui um mero anexo ao Contrato Constitutivo do Plano de Pensões, contrato esse que, como é evidente, tem um regime legal próprio (ao /tempo em que foi elaborado, o D.L. n° 12/2006, de 20 de Janeiro), não se confundindo com o regime da contratação colectiva.

I) Neste enquadramento, as alterações ao referido contrato regem-se quanto à sua admissibilidade, termos, condições e demais aspectos conexos, pelo disposto no Decreto-lei n° 12/2006, de 20 de Janeiro.

J) É precisamente pelo facto de este plano de pensões não resultar, quanto aos seus termos, da negociação colectiva, que a legitimidade para promover quaisquer alterações ao seu conteúdo pertence aos Outorgantes desse Fundo, no caso concreto as empresas associadas e as entidades financeiras intervenientes, nem, tampouco, das Ordens de Serviço referidas no douto Acórdão emergira, em algum momento, para os trabalhadores da Recorrente, quaisquer direitos que viessem a integrar a relação individual de trabalho.

L) Na verdade, como defendem inúmeros autores, as cláusulas de uma convenção colectiva, seja ela um contrato colectivo, um acordo colectivo ou um acordo de empresa, não integram o conteúdo dos contratos individuais de trabalho, mantendo-se num outro plano normativo.

M) E dúvidas não podem subsistir quanto ao facto de se estar perante um direito (ou aparência dele) de génese colectiva e, em momento algum, de natureza individual.

N) Como bem referem os Subscritores do Parecer junto ao autos "Por outro lado, não pode ver-se no acto empresarial de instituição de um esquema de pensões um regulamento de empresa, já que se reporta a um âmbito que exorbita do contrato de trabalho. Esse acto empresarial é estritamente unilateral, no sentido de que não requer ou envolve aceitação pelo trabalhador: os efeitos que produz não dependem nem requerem de uma manifestação, expressa ou tácita, de adesão, pelo que não pode, ser perspectivado como proposta negocial".

O) As Ordens de Serviço n.° 6/87 e n.° 8/88, por si mesmas - e apesar de «aceites» pelos trabalhadores - não poderiam dar origem a um esquema previdencial válido, nem constituíam título jurídico bastante para a exigência à Empresa consulente dos complementos em causa. O mesmo se deve dizer quanto às previsões das convenções colectivas que acolheram esses esquemas de benefícios.

P) Não se afigura, assim como se possa defender, como faz o Venerando Tribunal da Relação do Porto, que se estava perante uma situação regulamentar, em sentido técnico jurídico, da qual emergiam direitos para os trabalhadores, no âmbito do seu contrato individual de trabalho e que, assim, se converteriam (o que o douto Acórdão, de forma não inteiramente clara, é certo, acaba por concluir!) em direitos adquiridos por cada trabalhador da Recorrente, ainda que cada trabalhador não passasse - como reconhece aquela decisão - de um mero destinatário, passivo, porque sem qualquer intervenção ou interferência no acto que o afecta tão seriamente (neste caso, positivamente) ou no seu conteúdo...

Q) Defende-se, ainda, no douto acórdão recorrido que esse regulamento sempre configuraria uma proposta negocial que, uma vez publicitada, sem contestação, junto dos trabalhadores, se converteria num direito dos seus destinatários, sendo assim, vedado à empresa o direito de alterar o seu conteúdo.

R) Tal entendimento do Venerando Tribunal a quo carece manifestamente de suporte na matéria assente, contradizendo mesmo os pressupostos de que parte uma vez que, como é reconhecido no douto acórdão, a empresa se reservou o direito de conformar de modo não condicionado o teor do pano de pensões.

S) Vinculando, o contrato constitutivo, como resulta dos autos, apenas a Recorrente e as entidades subscritoras do mesmo - que não são integradas pelos representantes dos trabalhadores -, necessário se torna concluir que nenhuma convenção existiu entre a Recorrente e os Sindicatos representativos dos seus trabalhadores que permita considerar, que as condições do complemento de reforma foram acordadas com os trabalhadores ou com os seus representantes, que à empresa, Recorrente, tenham sido impostos os termos dessa fórmula de cálculo, ou que, igualmente, e por maioria da razão, à empresa tenham sido imposto limites - que não os plasmados no Contrato Constitutivo e os formais, decorrentes do n° 2 da cláusula 87.ª do AE - para promover qualquer alteração ao contrato Constitutivo.

T) Não é, assim admissível defender a necessidade de concordância dos trabalhadores para que fossem alteradas determinadas condições de cálculo de pensão de reforma, quando essas mesmas condições haviam sido estabelecidas sem que os trabalhadores ou seus representantes fossem ouvidos.

U) A inscrição do direito a um concreto plano de pensões, nas relações colectivas de trabalho, radica, de acordo com o acórdão recorrido, na cláusula 87° do A.E. publicado no BTE n° 1 de 8 de Janeiro de 2002 (transcrita nas alegações) da qual resulta, bem ao contrário do que conclui o Tribunal a quo, inequívoco que a empresa deveria, apenas, criar instrumentos de regulamentação de regalias sociais, nomeadamente complemento de reforma, sendo, as condições dessas regalias, as que a empresa entendesse adequadas e, sobretudo, exequíveis, não tendo, em qualquer momento do texto acordado, as partes outorgantes, pretendido fixar os termos dessas regalias, que, aliás, expressamente foram afastados, pelos Outorgantes, do conteúdo do Acordo da Empresa.

V) A evidente diferença entre o texto desta cláusula e o da cláusula 90° do anterior AE (igualmente transcrita nas alegações) demonstra inequivocamente que as partes outorgantes do AE de 2002 eliminaram o carácter contratual das condições do Regulamento do complemento de reforma expressamente deixando de o considerar parte integrante do Acordo como previa o anterior AE.

 X) É, precisamente, por ter sido cometida à empresa a tarefa de criação do instrumento regulador das regalias sociais, que o dito "Regulamento de Regalias Sociais" veio a constar do Contrato Constitutivo do Fundo de Pensões G... (anexo I do Contrato, cfr. Doc. junto aos autos).

Z) A convenção constante da cláusula 87.ª do AE de 2002 não cria qualquer direito de o trabalhador reclamar uma concreta pensão complementar à sua reforma, não lhe conferindo sequer uma expectativa quanto ao seu montante.

K) A concretização dos termos do cálculo do complemento de reforma foi negociado entre a Recorrente e as estruturas financeiras outorgantes do contrato constitutivo, no qual não intervieram os representantes dos trabalhadores, no que constitui um obvio reconhecimento de que tal matéria fora expurgada da contratação colectiva.

L) Não assistindo aos Sindicatos - por exclusão expressa desse direito em sede de negociação colectiva - a prerrogativa de negociar os termos do cálculo dos complementos de reforma, não assistirá a qualquer trabalhador o direito de negociar tais condições concretas de cálculo da sua pensão, não sendo, assim, susceptível de integrar o quadro dos direitos do trabalhador, individualmente considerado.

M) A noção de direitos adquiridos a ter em consideração na análise da questão controvertida não pode deixar de ser, atenta a matéria em apreço, a que resulta do contrato Constitutivo e da lei aplicável - o artigo 9.º do D.L. n° 12/2006 -, segundo o qual: "1- Considera-se que existem direitos adquiridos sempre que os participantes mantenham o direito aos benefícios consignados no piano de pensões de acordo com as regras neste definidas, independentemente da manutenção ou da cessação do vínculo existente com o associado".

AD) Conforme consta do Anexo I ao Contrato Constitutivo do "Regulamento de regalias sociais" encontra-se consagrada, no seu artigo 4.º , que, precisamente regula a matéria da "Aquisição do Direito", a seguinte solução: "Só terão direito ao complemento de pensão de reforma os trabalhadores do quadro permanente da empresa que tenham sido reformados por velhice ou passado à situação de invalidez", o que exclui do benefício criado pelo regulamento qualquer trabalhador cujo contrato de trabalho viesse a cessar por motivo diverso da reforma

AE) Necessário se torna concluir, deste texto e no que à aquisição do direito respeita que no âmbito do plano de pensões constante do Anexo I do Título Constitutivo de 31 de Dezembro de 2004, o direito ao complemento de pensão de reforma, para a generalidade dos trabalhadores, como o Recorrido, se adquire com a passagem à reforma, não havendo, assim, antes dessa reforma, qualquer direito adquirido.

AF) Tendo em conta o acima referido, dúvidas não podem restar de que os termos da atribuição de um Plano de Pensões resultam, na relação da Recorrente com os seus trabalhadores, do que vem plasmado no Acordo da Empresa em apreciação nos autos, e da liberdade de conformação dos termos desse plano que à empresa é conferido por aquele Instrumento de Regulamentação Colectiva.

AG) Apesar disso considera o douto Acórdão constituir uso da empresa gerador de direitos para os trabalhadores, o que contraria a previsão de que tal fonte de direito só será admissível se não colidir com Instrumento de Regulamentação colectiva aplicável, o que manifestamente sucede.

AH) Como defenderam Pires de Lima e Antunes Varela in Código Civil, Anotado, II vol. 2.ª edição revista e actualizada, p. 579, em anotação ao art. 1128°, atribuem relevância aos usos, afirmando "Os usos não podem contrariaras disposições imperativas da Lei e só se aplicam subsidiariamente na falta de convenção".

Al) O que significa que, no caso em apreciação e ao contrário do que pretende o venerando Tribunal a quo, não será admissível a consideração do uso como fonte de direito por manifestamente existir fonte convencional - o Acordo da Empresa - que contraria a conclusão que, do uso, pretendeu extrair o Venerando Tribunal a quo.

AJ) A relação entre as partes era regulada por convenção que, a partir de 2007, estabeleceu um plano de pensões diferente do que vigorava, verificando-se, assim, uma situação de "colisão" entre o alegado uso e os termos da convenção, sendo certo que deverão ser estes (termos da convenção) a prevalecer, até porque aquilo que vem referido como "uso" mais não era do que a prática da empresa no momento da passagem à reforma por qualquer trabalhador (e não antes) em obediência a um regulamento que, até 2002, fazia parte integrante, quanto aos seus termos, da convenção colectiva, o que deixou de suceder a partir de 2002, tendo sido deixado à Recorrente a liberdade de conformação dos termos desse plano.

AL) O uso não constituiu, aliás, na Recorrente, nesta matéria, fonte de Direito, porquanto mais não traduzia do que a execução de outra fonte de direito - a convencional, exarada no seu Acordo de Empresa - que a Recorrente em momento algum desrespeitou.

AM) As soluções constantes do contrato e da lei são inteiramente coincidentes no que respeita ao direito ao complemento de reforma, o qual só se adquire aquando do preenchimento dos requisitos necessários para a respectiva atribuição.

AN) Do mesmo modo, salvo o devido respeito, a construção do douto Acórdão, suportada na teoria dita "da incorporação de direitos das convenções colectivas nos contratos individuais de trabalho", não encontra o menor suporte, não só porque tal "direito" não fora, ao tempo da alteração, adquirido pelo Recorrido, sendo desse modo um "não direito" ou um "direito inexistente", mas também porque tal matéria não integrava o "direito colectivo" não sendo, assim, preenchido um requisito necessário a essa "incorporação" que é, precisamente o de se transferir para a esfera individual do trabalhador um direito resultante de uma convenção colectiva que lhe seja aplicável.

AP) Tendo sido outorgada em 13 de Julho de 2007, alteração do contrato constitutivo do Fundo de Pensões G... e definidos como participantes todos os trabalhadores que cumprissem as condições de elegibilidade definidas nos Planos de Pensão aí melhor descritos, e sendo o Recorrido, em 13 de Julho de 2007 um trabalhador que reunia as características próprias para integrar o novo plano de pensões, criado por aquela alteração, não poderá deixar de se concluir pela aplicação ao Recorrido, do plano de pensões resultante das alterações introduzidas em 2007 - como, aliás, entendeu este Supremo Tribunal nos Acórdãos proferidos nos processos 791/08/.0TTVCT.P1.S1 e 468/09. 0TTVCT.P1.S1 - e não, como erradamente fez o Venerando Tribunal a quo, o plano de pensões constante do Anexo ao contrato constitutivo de 31 de Dezembro de 2004, revogado por aquela alteração.

AQ) O douto Acórdão recorrido fez errada interpretação da cláusula 87.ª do A.E. aplicável às relações de trabalho entre Recorrente e Recorrido e do art. 12° do Dec. Lei 12/2006 de 20 de Janeiro, e dos art.s 387° alínea c) e 392° n° 1, ambos do Código do Trabalho aprovado pela Lei n° 99/2003 de 27 de Agosto, interpretando incorrectamente os documentos constantes nos autos devendo ser revogado».

3.2 - Da Ré CC – PENSÕES – Sociedade Gestora de Fundos de Pensões

«1. A questão a decidir na presente acção, submetida em recurso de Apelação e, agora, em recurso de Revista, consiste em saber se o complemento de reforma a que o A. tem direito é aquele que decorre do contrato constitutivo do Fundo de Pensões que vigorava na R., ou se, pelo contrário, essa regalia é aquela que decorre das alterações a esse contrato assinadas em 13.07.2007;

2. O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 28.11.2011, ora em Recurso, chama a si o sentido da decisão da primeira Instância bem como a respectiva fundamentação, pelo que se mantêm na íntegra as razões de divergência que o Recorrente deixou alegadas na sua contestação;

3. Em 2002 foi outorgado entre a Ré BB e Sindicatos Representativos dos Trabalhadores, Acordo de Empresa, em que lhe foi reconhecida a competência para criar instrumentos consagradores de, entre outros benefícios, o complemento de reforma de invalidez (cfr. alínea c) do n.° 1 da cláusula 87.ª do AE), nas condições que viessem a ser plasmadas nesses instrumentos (acordo publicado no BTE n.° 22, de 15 de Junho de 2002);

4. Neste contexto se inscreve o Contrato Constitutivo do Fundo de Pensões G..., consagrando-se na cláusula 19a A, a sua capacidade para negociar alterações, ficando estas limitadas às seguintes condições: nenhuma alteração pode reduzir os valores das pensões em pagamento pelo Fundo à data da alteração nem reduzir os direitos adquiridos; nenhuma alteração poderá implicar, de alguma forma, tratamento mais oneroso para o Fundo, salvo acordo expresso dos associados, sendo certo que qualquer alteração deveria ser sujeita à aprovação prévia do Instituto de Seguros de Portugal;

5. Estavam assim as RR autorizadas a alterar ou conformar os termos de qualquer Plano de Pensões, se considerado adequado e, sem necessidade de concordância dos Trabalhadores, apenas com a limitação de terem de respeitar os direitos que, entretanto, já tivessem sido efectivamente adquiridos pelo trabalhadores visados;

6. Em Dezembro de 2006 concluiu-se que o nível de financiamento do Fundo de Pensões, considerando os termos em que se desenvolvia o anterior Plano de Pensões de benefício definido e a existência de posterior contribuição por parte da G... se situaria em 43% em 2020, o que o tornaria manifestamente insolvente (cfr. sentença - ponto 11 dos factos provados) pelo que;

7. Foi subscrito em 13.07.2007, com efeitos a partir de 01.01.2007 - e, com a aprovação do Instituto de Seguros de Portugal - o texto de alteração do contrato constitutivo do Fundo, designado por "Fundo de Pensões G..." - documento constante dos autos, passando os Trabalhadores no activo, em 31.12.2006 a serem participantes com direito ao regulado no anexo II - Plano de Pensões de Contribuição definida;

8. Impondo-se a constatação em como, vistos os factos e as regras aplicáveis ao caso dos autos, o Recorrido não tinha adquirido qualquer direito, à data da alteração em causa, senão veja-se;

9. O A. requereu a pensão por invalidez, a qual lhe foi deferida em 25.09.2009 ("cfr. sentença - ponto 5 dos "Factos Provados");

10. Posto o que, o contrato de trabalho em causa estava em vigor em 13.07.2007, data em que foi assinado o contrato de alteração do Contrato do Fundo de Pensões G..., como se viu, com efeitos retroactivos a 01 de Janeiro desse ano (cfr. sentença - ponto 9 dos "Factos Provados");

11. Por conseguinte, aquando da outorga da referida alteração do contrato constitutivo do Fundo de Pensões G..., o A. tinha o estatuto de Trabalhador efectivo da empresa, sendo definidos como Participantes, todos os Trabalhadores que cumprissem as condições de elegibilidade definidas nos Planos de Pensão aí descritos;

12. Estabeleceu-se que o Plano de Pensões de contribuição definida seria aplicável a todos os Trabalhadores efectivos em 1 de Janeiro de 2007 (que é o caso do A.) e a todos os Trabalhadores que viessem a ser admitidos para o quadro de efectivos de qualquer das empresas associadas e que cumprissem as condições de elegibilidade definidas naquele plano (cfr. clausula 6a);

13. O A., era, pois, em 13.07.2007 um Trabalhador que reunia as características próprias para integrar o plano de pensões de contribuições definidas, criado por aquela alteração, não tendo qualquer direito adquirido ao abrigo do anterior plano, nem recebendo, em data anterior a 13.07.2007 qualquer pensão paga por aquele Fundo;

14. Ora o A. alega que o direito ao complemento de reforma a que se arroga fazia parte integrante do seu contrato de trabalho e, como tal, não podia ser alterado sem o seu acordo;

15. As decisões recorridas, ao acolherem tal tese erram duplamente pois, por um lado, não ficou provado (nem poderia ficar, uma vez que não tem qualquer suporte na verdade material subjacente) que o referido complemento de reforma fizesse parte integrante do contrato de trabalho do A.; por outro lado, erram quanto ao enquadramento legal interpretativo dos instrumentos contratuais em causa;

16. Com efeito, como já se salientou, o direito ao complemento de reforma de que se trata não consubstanciava - no contrato constitutivo - um direito adquirido pelo Trabalhador. Acresce que;

17. Não convence a qualificação que o Acórdão faz em como estamos na presença de um "uso da empresa", a ser tratado como direito adquirido, pois só a ocorrência do facto - reforma - determina a aquisição do direito, antes dele apenas existe uma mera expectativa;

18. A obrigação do empregador (BB) participar num Fundo de Pensões e de criar um Plano de Pensões (por decorrência de uma contratação colectiva) não fica corporizada e estática em cada contrato de trabalho;

 19. Antes se assume ao nível colectivo e, como tal, pode ser - como foi - sujeita a revisões e alterações, tal como previsto nos instrumentos contratuais;

20. Não se está pois perante a criação de um direito (adquirido) que "para sempre" passa a incorporar cada contrato de trabalho, mas sim perante um benefício - um complemento de pensão - cujos moldes podem ser revistos e alterados, acompanhando a própria mutabilidade da vivência das relações de trabalho;

21. Posto o que é paradoxal e afigura-se inaceitável que o Acórdão determine que o A. já era credor do complemento de reforma, tal como ele estava previsto antes das alterações ao contrato;

22. Com efeito, como salientado, as alterações contemplam a aquisição de direitos anteriores ao momento da caducidade do contrato por reforma, o que não sucedia com o anterior contrato constitutivo, visto que é expressamente prevista a manutenção do direito aos benefícios acolhidos no Plano de Pensões independentemente da manutenção ou da cessação do vínculo existente com o associado (v. art. 9.º n.° 2 do DL 12/2006 de 20 de Janeiro);

23. O douto Acórdão recorrido encontra-se assim viciado por errada interpretação da Lei.

24. A aplicação da decisão agora em recurso levará a que o Autor em situação de reforma por invalidez fique a auferir uma retribuição maior do que quando estava no activo.

25. Facto que é gerador de conflitos sociais, estando neste momento as Recorrentes confrontadas com várias acções contra si interpostas em que esta mesma questão é debatida.

26. A alteração anormal de circunstâncias previstas no artigo 437° do Código Civil deve também ser aqui equacionada, tendo em conta os tempos difíceis que a sociedade portuguesa está a viver e as profundas reformas da Segurança Social que estão a ser feitas, com carácter unilateral.

27. Acresce que o douto Acórdão ora recorrido não foi proferido por unanimidade, tendo "voto de vencido" de um dos M. Juízes Desembargadores.

28. O que legitima a interposição do presente Recurso de Revista, nos termos do artigo 721°, n° 2 do Código de Processo Civil.

29. "Declaração de Vencimento" constante do Acórdão, vai em sentido contrário (naturalmente), sufragando as posições já assumidas por esse Venerando Supremo Tribunal de Justiça, proferidas no âmbito dos Acórdãos de 14.09.2011, com os n°s 475/08.0TTVCT.P1 e 791/08.0TTVCT.P1, e ainda do Acórdão do STJ proferido em 26.10.2009, no processo 255/08.2TTVCT.P1.

30. Há ainda que acrescentar também o Acórdão proferido em 14.09.2011, pelo STJ, no âmbito do processo de Recurso n° 468/09.0TTVCT.P1.S1 da 4.ª Secção, não mencionada pelo M. Juiz Desembargador que votou vencido, mas que contêm os mesmos fundamentos que os anteriores.

31. Os quais, em resumo, e transcrevendo o sumário deste último Acórdão, são:

-" II. Estando estabelecido no Acordo de Empresa que a Ré garantiria a todos os seus trabalhadores, nas condições dos instrumentos que se obriga a criar e a divulgar, as seguintes regalias: .... C) complemento de reforma .... de invalidez, resulta claro que a Ré outorgante ficou não só com a liberdade de estabelecer, unilateralmente, as condições respectivas, a consignar nos instrumentos que se obrigou a criar, mas também com a de promover eventuais alterações. III. A aquisição do direito ao complemento de pensão de reforma apenas acontece quando, além do mais, o trabalhador passe à situação de invalidez pela Segurança Social, sendo o complemento atribuível apenas a partir dessa data."

32. Ora, no caso concreto, o Autor apenas passou à situação de reforma por invalidez em 25.09.2009, tendo as alterações ao Contrato Constitutivo do Fundo de Pensões "G..." sido introduzidas em 13.07.2007, com efeitos retroactivos a 01.01.2007, e tendo tal alteração sido publicada no site da Internet do ISP, em 30.10.2007, ou seja, muito antes da passagem do Autor à situação de reforma por invalidez.

33. Pelo que, e invocando a fundamentação constante dos supra citados Acórdãos do STJ, com os quais se concorda e que aqui se dão por integralmente reproduzidos, ao Autor são aplicáveis as alterações ao contrato constitutivo do Fundo de Pensões, que vigoram na empresa desde 01.01.2007, pelo que o complemento de reforma a que tem direito é o de "contribuição definida" e não o de "benefício definido".

– Ao fazer uma errada interpretação da cláusula 87.ª do Acordo de Empresa, aplicável às relações de trabalho entre a Recorrente BB, S. A. e ao Recorrido, bem como do artigo 12.º do DL 12/2006 de 20 de Janeiro, o Acórdão em recurso violou as normas jurídicas constantes dos artigos 387.º alínea c) e 392.º, n.º 1 do Código de Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, 27 de Agosto».

Terminam pedindo que seja concedido provimento aos recursos interpostos, a revogação do Acórdão recorrido e a absolvição dos pedidos que contra si foram formulados pelo Autor.

4 - O autor respondeu a ambos os recursos defendendo o acerto e a manutenção da decisão recorrida.

O Exmº Procurador-Geral Adjunto, ouvido nos termos do artigo 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho, pronunciou-se no sentido de dever «proceder o recurso interposto pela Ré CC Pensões – Sociedade Gestora de Fundos de Pensões, S.A. e improceder o recurso interposto pela Ré BB, devendo esta ser condenada a reconhecer o direito do autor ao pagamento do complemento mensal da pensão de reforma, vencido e vincendo, a definir o montante do mesmo e providenciar, junto do Fundo, pelo correspondente aprovisionamento, tudo com base na alteração ao contrato constitutivo do Fundo de Pensões e não no Plano de Pensões celebrado em 2004».

Notificado aquele parecer às partes motivou resposta da Ré BB – Empresa Produtora de Papéis Industriais, S.A.

Sabido que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 684.º, n.º 3 e 685.º -A, do Código de Processo Civil, na versão que lhes foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, está em causa na presente revista

- Se são aplicáveis ao Autor as alterações ao contrato constitutivo do Fundo de Pensões G..., assumido pela Ré BB, na sequência do acordo de empresa de 2002, alterações essas subscritas em 13.07.2007, por aquela Ré, o referido fundo G... e a Ré CC Pensões (entidade que geria o Fundo de Pensões desde 01.10.2006), com efeitos reportados a 1 de Janeiro de 2007.


II

1 - A matéria de facto fixada pelas instâncias é a seguinte:

«1. O Autor foi admitido, em 11 de Maio de 1981, ao serviço da BB – Empresa de Celulose e Papel de Portugal E.P., nas instalações fabris de Deocriste, Viana do Castelo, para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, exercer a actividade de preparador de estudos, ficando o Autor a ter direito de usufruir de todas as regalias sociais concedidas pela entidade empregadora ao pessoal ao seu serviço, de acordo com as regras internas aplicáveis, nomeadamente seguro de vida.

2. Em Dezembro de 1990, essa empresa foi transformada em sociedade anónima, com a denominação de “ BB – Empresa de Celulose e Papel de Portugal S.A.”.

3. Na sequência do desmembramento desta sociedade anónima, em Junho de 1993, o Autor passou a desempenhar a sua actividade para a Ré.

4. O Autor auferia ultimamente a retribuição mensal ilíquida de € 3.330,04.

5. Em 25.09.2009, a Segurança Social concedeu ao Autor a reforma por invalidez.

6. Em 16.12.1986, o Autor aderiu a um Plano de Segurança Social da Empresa, com o conteúdo que resulta do documento de folhas 34 a 43, plano esse proposto pela Ré em substituição do seguro de vida.

7. Em 2002, a Ré e as associações sindicais representativas dos trabalhadores, subscreveram um Acordo de Empresa (BTE 1ªsérie, nº1, de 8.1.2002).[1]

8. Na sequência do que constava do artigo 87º, nº1, al. c) desse AE, a Ré subscreveu o contrato constitutivo do Fundo de Pensões G... com P...G... – Sociedade Gestora de Fundo de Pensões, S.A. (DR, 3ª série, de 31.12.2004).

9. Em 13.07.2007, a Ré subscreveu juntamente com G... e CC Pensões (entidade que geria o Fundo de Pensões desde 01.10.2006), uma alteração ao referido contrato constitutivo com efeitos reportados a 01.01.2007 – documento de fls.118 a 125.

10. O Autor nunca deu o seu acordo à alteração referida em 9.

11. Na projecção do nível de financiamento da responsabilidade do Fundo para os anos de 2006 a 2010, 2010 a 2015 e 2015 a 2020 (considerados os valores apresentados pela P...G..., anterior entidade gestora do Fundo), detectava-se um acumular do deficit de € 3.169 milhões, em 31.12.2005, uma vez que era de € 24.421 milhões o valor do Fundo de Pensões e de € 27.590 das responsabilidades; tais valores eram, respectivamente, de € 28.334 e € 40.775 milhões em 31.12.2010, de € 33.118 e € 60.741 milhões em 31.12.215, e finalmente de € 39.021 e € 90.671 milhões em 31.12.2020, reduzindo o nível de financiamento de 85,50% para 43,0%.

12. Do contrato de trabalho escrito junto aos autos, celebrado entre o Autor e a 1ªRé, constam, entre outras, as seguintes cláusulas: clª 8ª “O segundo outorgante terá direito a usufruir de todas as regalias sociais concedidas pela primeira outorgante ao pessoal ao seu serviço, de acordo com as regras internas aplicáveis”; clª 9ª “ Tudo aquilo em que o presente contrato for omisso será regido pelas disposições legais, regulamentares e convencionais aplicáveis, nomeadamente o Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho aprovado pelo DL 49408 de 24 de Novembro de 1969, o Acordo Colectivo de Trabalho Vertical da BB e demais legislação complementar”.»

2 - Resulta desta matéria de facto, em síntese, que em 16 de Dezembro de 1986, o «Autor aderiu a um Plano de Segurança Social da Empresa» - a Ré BB, e que em 2002, aquela Ré e as associações sindicais representativas dos trabalhadores, subscreveram um Acordo de Empresa – o AE 2002, publicado no Boletim de Trabalho e Emprego, 1ª, série, nº 1, de 8 de Janeiro de 2002;

 - que, nos termos da Cláusula 87.ª daquele acordo, «a Empresa garantirá a todos os trabalhadores, nas condições dos instrumentos que se obriga a criar e a divulgar, as seguintes regalias: c) complemento de reforma de invalidez; d) complemento de reforma de velhice e sobrevivência».

Ainda segundo a matéria de facto dada como provada, «na sequência do que constava daquela cláusula do AE, a Ré subscreveu o contrato constitutivo do Fundo de Pensões G... com P...G... – Sociedade Gestora de Fundo de Pensões, S.A» que foi publicado no D.R., 3ª série, de 31.12.2004, e que «em 13.07.2007, a Ré subscreveu juntamente com G... e CC Pensões (…) uma alteração ao referido contrato constitutivo, com efeitos reportados a 1 de Janeiro de 2007, alteração esta a que o Autor nunca deu o seu acordo.

Na decisão recorrida considerou-se que o «Regulamento de Regalias Sociais – mais concretamente, as regalias a que aludem as alíneas c) e d) do n.º 1 da cláusula 87.ª do AE de 2002 – consta do Anexo I do referido Contrato Constitutivo do Fundo de Pensões G...» e se «traduz num Regulamento Interno da recorrente, e não estando em discussão que o Autor aderiu a esse mesmo Plano é-lhe o mesmo aplicável por precisamente integrar o seu contrato de trabalho. [na verdade o que se discute na presente acção é se ao Autor lhe é aplicável o Plano de Pensões resultante da alteração operada em 2007 ou o anterior]».

Invocou-se como fundamento desta decisão, o seguinte:

«Desde logo, e tendo em conta o que se acabou de transcrever, podemos afirmar que a cláusula 87ª  nº 1 do AE de 2002, ao contrário das demais cláusulas constantes do convenção colectiva (o AE), necessitava de concretização. Tal concretização, a cargo da 1ª Ré, veio a acontecer com a celebração do Contrato Constitutivo “Fundo de Pensões G...”, publicado no DR 3ª série, de 31.12.2004 a que já fizemos alusão. Ou seja, a 1ªRé, mediante o Regulamento de Regalias Sociais constante do Anexo I do Contrato, deu «corpo» à mesma cláusula 87ª nº1 do AE, nos termos e nas condições que ela bem entendeu.

E «regulamentada» pela 1ªRé tal matéria «apresentou-a» à consideração individual de todos os seus trabalhadores no sentido de só aplicar essas Regalias àqueles que expressamente aderiam a esse Regulamento.

Mas quando afirmámos que a 1ª Ré apresentou tal matéria à consideração de todos os seus trabalhadores tal não significa que negociou com eles as condições de atribuição desse complemento de reforma. Pelo contrário, essas condições – constantes do dito Contrato Constitutivo e em especial do Regulamento de Regalias Sociais nele incorporado – não foram sequer negociadas em concreto com os trabalhadores, a significar que neste particular nos encontrámos perante uma proposta contratual do empregador (a recorrente), que, para ser executada e cumprida, necessita da adesão expressa de cada um dos trabalhadores ao serviço daquele. Ou seja, em matéria de Regalias Sociais, o Anexo I do Contrato Constitutivo Fundo de Pensões G..., traduz-se num verdadeiro Regulamento Interno que vigora na empresa Ré (a BB).

É significativo – no sentido de se tratar de um Regulamento Interno – o teor do artigo 2º do referido Regulamento (o Anexo I do Contrato Constitutivo) onde se diz que “O complemento de pensão de reforma, que faz parte integrante do plano de segurança social, desde 1.1.1987” (…). Esta afirmação permite concluir, igualmente, que tal prática na empresa, instituída desde 1987, é reveladora da vontade da atribuição desse complemento de reforma por parte da empregadora/recorrente e deste modo apta a produzir efeitos jurídico/contratuais na esfera dos trabalhadores, integrando, deste modo, os seus contratos de trabalho».

Complementarmente, referiu-se naquele acórdão que «dado que a atribuição do complemento de pensão de reforma é prática reiterada e uniforme, pelo menos desde 1987, por parte da 1ª Ré – estamos perante um verdadeiro uso da empresa que foi incorporado no dito Anexo I do Contrato Constitutivo e que deste modo passou igualmente a integrar os contratos individuais de trabalho (artigo 12º nº 2 da LCT e artigo 1º do C. do Trabalho de 2003, este último vigente na data da celebração do Contrato Constitutivo)».

Face a estas considerações, concluiu-se na decisão recorrida que «o Anexo I do Contrato Constitutivo do Fundo de Pensões G..., quer se traduza num Regulamento Interno na Empresa quer se traduza na incorporação de um uso da empresa, acabou, sempre, por tais razões, por se integrar nos contratos individuais dos trabalhadores (desde que verificados certos pressupostos: a adesão do trabalhador a esse Plano e a permanência do mesmo ao serviço da empresa na data em que se reforma) e como tal é aplicável ao Autor».

Não podemos subscrever estas considerações da decisão recorrida, uma vez que a cláusula 87.ª do Acordo de Empresa de 2002 não tem, nem o sentido, nem a natureza que lhe é imputada naquela decisão.


III

1 - Na verdade, conforme vem sendo decidido uniformemente por esta secção[2], o sentido daquela cláusula só se entende quando se compara o conteúdo da mesma com a cláusula 90.ª da versão anterior do AE, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 7, de 22 de Fevereiro de 1999.

Referiu-se, com efeito, no acórdão desta secção, de 14 de Setembro de 2011, proferido na revista n.º 791/08.0TTVCT.P1.S1, disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI, sobre essa questão o seguinte:

«B.3 – O complemento de reforma no AE de 2002.

As alterações posteriores ao contrato constitutivo do Fundo de Pensões.

(…)

Como é pacífico, é na cl.ª 87.ª do Acordo de Empresa de 2002 que se encontra estabelecida a regalia em causa.

Nos termos do seu n.º1 ‘[a] Empresa garantirá a todos os seus trabalhadores, nas condições dos instrumentos que se obriga a criar e a divulgar, as seguintes regalias: … c) complemento de reforma de invalidez’.

Na versão do anterior Acordo de Empresa a cláusula homóloga (cl.ª 90.ª/1 do AE publicado no BTE n.º 7/99, de 22 de Fevereiro, que importa convocar, como já se perceberá) dispunha de modo diverso: ‘[a] empresa garantirá a todos os seus trabalhadores, nas condições das normas constantes de regulamento próprio, que faz parte integrante deste acordo, as seguintes regalias’…

A alteração acordada é bem mais do que semântica – … e releva substantivamente – importando eleger, no plano hermenêutico, dentre as possíveis significações, a realmente querida pelos outorgantes, a decisiva.

 (Cfr. Ac. S.T.J. de 16.3.2005, in D.R., I Série -A, n.º 84, de 2.5.2005).

A importância decorre directamente da circunstância de ter de saber-se se a R. podia, unilateralmente, introduzir alterações no contrato constitutivo do Fundo de Pensões.

Na sentença da 1.ª Instância considerou-se a resposta negativa, no entendimento de que a alteração do sistema de complemento de reforma só poderia ser realizada com o acordo expresso dos trabalhadores abrangidos – e o A., por si ou por intermédio dos seus representantes, não foi parte nessa alteração.

Assim o propugna também o recorrente.

A recorrida contrapõe que, perante o quadro de significação, constituiria um verdadeiro absurdo defender a necessidade de concordância dos trabalhadores.

Conferido o texto do negociado clausulado (ponto de partida de qualquer operação hermenêutica), o que dele resulta inequivocamente é que a empresa/R. assumiu garantir aos seus trabalhadores as várias regalias elencadas (v.g. o complemento de reforma por invalidez).

Em que termos? …’Nas condições dos instrumentos que se obriga a criar e a divulgar’.

Nada ficou pré-definido relativamente a montantes, regras de cálculo, intervenção dos trabalhadores, modo de negociação, etc.

E – conforme previsto no n.º 2 da mesma cláusula 87.ª – em caso de alteração nas regalias estabelecidas até então, apenas se estabeleceu que deveria ser solicitado parecer (cujo carácter, alcance ou efeito não foi definido) aos representantes dos trabalhadores.

Donde se retira que, ressalvados os direitos adquiridos pelos trabalhadores ao abrigo de instrumentos anteriormente vigentes e reguladores destas matérias, conforme n.º3 da cláusula – e nisso acompanhamos o entendimento sustentado pela recorrida –, se afastou o carácter contratual das condições reportadas no Regulamento próprio, que expressamente deixou de ser considerado parte integrante do Acordo de Empresa.

Apresenta-se-nos, pois, clara a ideia de que, ante o novo clausulado, a R. outorgante ficou não só com a liberdade de estabelecer, unilateralmente, as condições respectivas, a consignar nos instrumentos que se obrigou a criar, (…neles se integrando, a partir de então, logicamente, o ‘regulamento de regalias sociais’ existente – instrumento este diverso do regulamento interno da empresa, em sentido próprio, normalmente vocacionado para outros fins, v.g. organizacionais e de disciplina no trabalho, como é sabido, e resulta do constante no art. 153.º/1 do Código do Trabalho/2003), mas também com a de promover eventuais alterações.

E daí que – também em nosso juízo – tenha ficado para trás a sua natureza contratual e, excluída, por isso, a reclamada intervenção, directa ou mediata, do trabalhador beneficiário na implementada alteração, como condição da sua validade.

Se por esta via fica afastada – como se deixou explicitado – a inoponibilidade das alterações ao Plano, não é a formulação genérica da garantia da regalia em causa que confere ao trabalhador um direito efectivo apenas sujeito a condição suspensiva de verificação de um facto futuro. (Sic).

Não só a mesma regalia não constitui, neste conspecto e âmbito, um ‘direito adquirido’[2], (cfr. noção constante do art. 9.º do Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de Janeiro), integrante do acervo da relação juslaboral, como a ‘aquisição do direito’ ao complemento de pensão de reforma, nos termos e para os efeitos do Regulamento que consta do Anexo I ao Contrato Constitutivo, só acontece quando, além da verificação do mais, o trabalhador tenha passado à situação de invalidez … pela Segurança Social, sendo o complemento atribuível apenas a partir dessa data – cfr. respectivo art. 4.º».

Da cláusula do AE de 2002, decorre, pois, apenas um comando dirigido à Ré, no sentido de implementar as medidas de protecção previstas naquelas alíneas, nada se especificando sobre a conformação concreta das mesmas.

Deste modo, aquela cláusula e os instrumentos de execução da mesma que vieram a ser implementados pela Ré não integram um conteúdo normativo que se tenha enquadrado nos contratos de trabalho dos trabalhadores ao seu serviço, cuja alteração careça da adesão destes.

2 - Na decisão recorrida suscita-se igualmente a questão de a atribuição do complemento de reforma ser uma prática reiterada e uniforme no âmbito da Ré, desde pelo menos 1987, o que se teria tornado um verdadeiro uso da empresa, «incorporado no dito Anexo I, do contrato constitutivo e que deste modo passou igualmente a integrar os contratos individuais de trabalho (artigo 12.º, n.º 2 da LCT e artigo 1.ª do Código de Trabalho de 2003)».

As considerações acima formuladas acerca do conteúdo da cláusula 87.ª do AE de 2002 são explícitas no sentido da dimensão normativa que das mesmas emerge, o que sempre deixaria prejudicada a conformação da atribuição dos complementos de reforma em causa como um uso da empresa juridicamente relevante, mas mesmo que assim se não entendesse ainda assim haveria que concluir que à atribuição de tais complementos de reforma não está subjacente qualquer uso juridicamente relevante.

O Código Civil integra no capítulo dedicado às «fontes do direito» um artigo, o 3.º, com a epígrafe «valor jurídico dos usos», em cujo n.º1 estabelece que «os usos que não forem contrários à lei são juridicamente atendíveis quando a lei o determine».

Por força do disposto nesta norma, os usos são uma fonte mediata do direito, uma vez que são atendíveis quando a lei o determine, não tendo deste modo uma eficácia genérica e só são atendíveis quando não forem contrários aos princípios da boa fé.

Um uso, como refere A. SANTOS JUSTO, «é uma prática mais ou menos constante e reiterada, mas desacompanhada do sentimento e convicção da sua obrigatoriedade jurídica: há um corpus, mas falta o animus para ser costume e portanto fonte autónoma do direito»[3].

A lei evidencia uma intenção claramente restritiva relativamente aos usos, uma vez que este não tem autonomia como fonte de direito, ao contrário do costume, e só vale quando a lei expressamente o permita, valendo «para esclarecer e completar o sentido da declaração da vontade das partes»[4].

O Direito do Trabalho é um dos sectores do sistema jurídico onde tradicionalmente tem sido atribuído relevo aos usos como elemento normativo de integração e concretização do vínculo laboral.

Refere o artigo 1.º do Código do Trabalho em vigor, na linha da solução que já resultava do Código de Trabalho de 2003, sob a epígrafe “fontes específicas”, que «o contrato de trabalho está sujeito, aos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, assim como aos usos laborais que não contrariem o princípio da boa fé».

O Código integra, deste modo, os usos no contexto das fontes específicas do Direito do Trabalho, desde que os mesmos não contrariem a boa fé, conferindo-lhes «(tanto [a]os empresariais como [a]os do sector) a possibilidade de conformarem o contrato de trabalho – situação que careceria de referência do legislador, pois como prescreve o artigo 3.º, n.º 1 do código civil, os “usos são juridicamente atendíveis quando a lei o determine”»[5].

Interrogando-se sobre o que são os usos laborais que não contrariem o princípio da boa fé, responde BERNARDO DA GAMA LOBO XAVIER, que «os “usos laborais” devem estar ligados a domínios relevantes para o contrato de trabalho, quer se trate de usos laborais das empresas, quer das profissões» e prossegue referindo que «os usos não serão meros hábitos, mas algo que pode valer como prática geral e padrão de conduta (prática social susceptível de juridicidade). Assim, o corpus tem a ver com a reiteração e a generalidade da prática no grupo dado, e a espontaneidade (não fundada em erro)», para concluir que o «apelo à boa fé poderá levar a distinguir o que é padrão ou mera tolerância ou liberalidade e, porventura, a desqualificar como fonte de Direito práticas abusivas, ainda que inveteradas. A origem e o desenvolvimento dos usos e as suas virtualidades para conseguir equilíbrio nas prestações, serão sempre elementos para avaliar da sua juridicidade (de acordo com a boa fé)»[6].

A consagração dos usos como fonte específica do Direito do Trabalho de forma genérica neste dispositivo terá afastado o princípio decorrente do artigo 3.º do Código Civil acima citado, no sentido de que a eficácia dos usos depende da existência de um dispositivo legal que em concreto lhes atribua relevo.

A forma como a eficácia dos usos se mostra consagrada no artigo 1.º do Código do Trabalho, dá origem ao problema da articulação dos usos com as demais fontes do Direito.

BERNARDO DA GAMA LOBO XAVIER, procurando integrar aquela solução com os princípios vigentes no sistema jurídico sobre fontes de direito conclui, no sentido de que «há que tentar uma interpretação (…) do sistema do CT, que permita a atribuição de força normativa aos usos (o que só é constitucionalmente possível no quadro da contratação colectiva) e que contribuirá para dar eficácia geral às CCT, pela superação do princípio da filiação»[7].

MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO pronuncia-se no sentido de que «dado o seu papel eminentemente integrador do conteúdo do contrato de trabalho, os usos laborais não devem prevalecer sobre disposição contratual expressa em contrário, na mesma linha não prevalecem também os usos sobre disposições de regulamento interno com conteúdo negocial (…) e por fim, podem os usos ser afastados pelos instrumentos convencionais de regulamentação colectiva do trabalho, já que estes correspondem a uma auto-regulamentação laboral. Já no que respeita à relação dos usos com a lei, parece decorrer da formulação da norma que o uso pode afastar normas legais supletivas, mas, naturalmente, não valerá se contrariar uma norma imperativa»[8].

A atribuição de complementos de reforma, pela sua natureza, sobretudo, pelos encargos de natureza económica que cria para as entidades oneradas, não é uma actividade susceptível de nascer de uma prática reiterada ao longo do tempo, sem qualquer outro suporte normativo específico que sirva de base à definição das obrigações que lhe são inerentes. Tal atribuição não decorre deste modo de uma normatividade derivada de uma prática reiterada ao longo do tempo, tal como a que é própria dos usos.

No caso dos autos, a obrigação que onera as Rés tem a sua fonte não em qualquer prática desenvolvida e sedimentada ao longo dos anos no âmbito da Ré BB, mas decorre do Acordo de Empresa, que é um do instrumento de natureza jurídica conformador das relações colectivas de trabalho na empresa.

A atribuição daqueles complementos de reforma baseia-se em actos jurídicos apoiados e enquadrados por instrumentos de regulamentação colectiva das relações de trabalho não colhendo apoio em prática reiteradas do tipo das que são inerentes aos usos juridicamente relevantes.

Essa realidade afastaria só por si a possibilidade de consideração dos usos como suporte jurídico do mencionado complemento de reforma e como fundamento específico da obrigação do pagamento do mesmo ao Autor. 

3 – Debruçando-se ainda sobre a aplicabilidade ao Autor das «alterações ao contrato constitutivo do Fundo de Pensões G..., assumido pela Ré BB, na sequência do acordo de empresa de 2002, alterações essas subscritas em 13.07.2007, por aquela Ré, o referido Fundo G... e a Ré CC Pensões (entidade que geria o Fundo de Pensões desde 01.10.2006), com efeitos reportados a 1 de Janeiro de 2007, refere-se na decisão recorrida que tal aplicação «carece do acordo do trabalhador», dada a integração do estatuto alterado no âmbito do respectivo contrato de trabalho, e prossegue-se afirmando que «a assim não se entender certo é que a igual conclusão se chega como vamos expor seguidamente».

 Apresentam-se então as seguintes considerações:

«O Contrato Constitutivo do Fundo de Pensões G..., na sua clª. 8ª, nº1, sob a epígrafe «expectativas», determina o seguinte: “Os participantes do plano de pensões G... que cessem o vínculo laboral com um dos associados por motivos que não sejam a reforma ou o falecimento ficam automaticamente excluídos do Fundo de Pensões, revertendo para este a medida do benefício que lhe caberia se aquele vínculo se mantivesse até à ocorrência de um facto gerador do direito às pensões”.

Do teor desta cláusula resulta que o direito ao recebimento da pensão complementar de reforma, ainda que sujeito a condição suspensiva, não se traduz numa «mera expectativa» (numa esperança), mas sim numa expectativa jurídica, e como tal digna de protecção. Ou seja, o Contrato Constitutivo celebrado em 2004 «garante» o recebimento desse complemento de reforma ao trabalhador que esteja ao serviço da 1ªRé e que na qualidade de trabalhador atinja a idade de reforma. Tal «garantia» abrange não só esse recebimento mas os termos em que o mesmo se processa. E tal conclusão impõe-se, em homenagem ao princípio da boa fé que deve presidir na realização dos negócios jurídicos, em especial do contrato de trabalho (artigo 762º do C. Civil e artigo 119º do C. do Trabalho de 2003). Na verdade, não podemos esquecer que o trabalhador nunca está em igualdade de condições quando negoceia com o empregador a sua força de trabalho, mesmo no que respeita, como é o caso, a matérias que se prendem, por via indirecta, com o contrato de trabalho e a sua subsistência até à data da reforma.

Também o DL 12/2006 de 20.1 – que regulamenta a constituição e o funcionamento dos fundos de pensões e das entidades gestoras – veio proteger as expectativas jurídicas ao determinar no seu artigo 100º nº2 que (…) “o presente decreto-lei aplica-se aos fundos de pensões que venham a constituir-se após a sua entrada em vigor, bem como àqueles que nessa data já se encontrem constituídos, salvo na medida em que da sua aplicação resulte diminuição ou extinção de direitos ou expectativas adquiridas ao abrigo da legislação anterior”.

Por isso, a questão em apreço coloca-se em termos de protecção da expectativa jurídica.

Assim, quando o Autor aderiu a esse Plano de Pensões – celebrado em 2004 – contava razoavelmente de que chegado à idade da reforma iria receber o complemento de reforma nos termos prescritos naquele Plano, para tanto bastando que atingisse a idade da reforma ao serviço da Ré/apelante.»

Não podemos subscrever estas considerações.

4 – O Fundo de Pensões – G... foi constituído na vigência do Decreto-Lei n.º 475/99, de 9 de Novembro, ou seja antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de Janeiro, diploma que estabelece a disciplina em vigor da «constituição e funcionamento dos fundos de pensões e das entidades gestoras de fundos de pensões».

À data em que este diploma entrou em vigor aquele fundo já tinha existência legal colocando-se por tal motivo uma questão de definição do regime que lhe é aplicável.

É efectivamente esse o âmbito do n.º 2 do artigo 100.º do Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de Janeiro, que determinou que este diploma se aplique também aos fundos existentes na data da sua entrada em vigor, «salvo na medida em que da sua aplicação resulte diminuição de direitos ou de expectativas adquiridas ao abrigo da legislação anterior».

Esta norma visa apenas resolver as questões derivadas da sucessão no tempo de regimes legais, impondo a preservação dos direitos ou expectativas jurídicas que existissem ao abrigo da legislação anterior e que pudessem ser afectados pela aplicação do novo regime aos fundos já existentes, decorrente da primeira parte daquele dispositivo.

Este dispositivo é inoperante relativamente à determinação de quais sejam os direitos ou a expectativas que poderiam ser afectadas, questão que deverá procurar-se nos vários dispositivos de ambos os diplomas.

Só perante situações onde a sujeição dos fundos ao novo regime possa afectar direitos ou mera expectativas surgidas na vigência da legislação anterior é que surge o espaço de intervenção desta norma mantendo essas situações reguladas pela legislação anterior.

Por ouro lado, a norma do n.º 1 da cláusula 8.ª do Contrato Constitutivo do Fundo de Pensões G..., que, sob a epígrafe «expectativas», estabelece «os participantes do plano de pensões G... que cessem o vínculo laboral com um dos associados por motivos que não sejam a reforma ou o falecimento ficam automaticamente excluídos do Fundo de Pensões, revertendo para este a medida do benefício que lhe caberia se aquele vínculo se mantivesse até à ocorrência de um facto gerador do direito às pensões» também é completamente inócua no sentido da definição dos direitos e expectativas dos beneficiários dos referidos fundos de pensões.

De facto, o que daquela norma decorre é que os beneficiários do fundo que cessem o vínculo laboral com um dos associados, salvo se tal cessação decorrer da reforma ou do falecimento, são automaticamente excluídos do Fundo, perdendo quaisquer direitos em relação ao mesmo. O benefício que lhes caberia se o vínculo se mantivesse até à ocorrência do facto gerador do direito às pensões reverte para o Fundo.

A comparação desta cláusula com o regime dos direitos adquiridos previsto no artigo 9.º daquele Decreto-Lei n.º 12/2006, é esclarecedora sobre a falta de fundamento das considerações tecidas na decisão recorrida.

Na verdade, decorre do n.º 1 daquele artigo 9.º que «existem direitos adquiridos», realidade que na semântica do diploma não tem o mesmo conteúdo que “direitos aos benefícios” derivados dos Fundos, «sempre os participantes mantenham o direito aos benefícios consignados no plano de pensões (…) independentemente da cessação do vínculo existente com o associado».

O artigo esclarece os casos em que a situação jurídica dos participantes no fundo derivada dessa participação no fundo, e antes de ocorrer o facto que fundamenta a atribuição dos benefícios previstos, se mantém, independentemente da manutenção do vínculo com o associado.

Nestas situações, aquela específica situação jurídica não se extingue com a cessação do vínculo, podendo a situação jurídica em causa ser transmissível, nomeadamente, nos casos referidos no n.º 2 daquele artigo.

É para estas situações que o diploma reserva o conceito de “direitos adquiridos”, inerente ao facto de os participantes, verem a sua expectativa titulada, independentemente da manutenção do vínculo com o associado inicial do fundo, o que não ocorre nas situações de mera participação no fundo.

De facto, quer no âmbito do Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de Janeiro, quer no âmbito da legislação anterior, os factos que constituem o direito aos benefícios que derivam de um plano de pensões são claramente referenciados na lei.

Na verdade, decorre do disposto no artigo 6.º, n.º 1, deste diploma, que «as contingências que podem conferir direito ao recebimento de uma pensão são a pré-reforma, a reforma antecipada, a reforma por velhice, a reforma por invalidez e a sobrevivência», devendo estes conceitos ser definidos no respectivo plano de pensões.

Um plano de pensões, por força do disposto na alínea a) do artigo 2.º daquele diploma, é o «programa que define as condições em que se constitui o direito ao recebimento de uma pensão a título de reforma por invalidez, por velhice ou ainda em caso de sobrevivência ou de qualquer outra contingência equiparável».

Por outro lado, na dinâmica dos fundos de pensões é igualmente clara a distinção entre participante, que nos termos da alínea e) do artigo 2.º do referido Decreto-Lei é «a pessoa singular em função de cujas circunstâncias pessoais e profissionais se definem os direitos consignados no plano de pensões (…) independentemente de contribuir ou não para o seu financiamento» e do beneficiário, que é a pessoa singular «com direito aos benefícios estabelecidos no plano de pensões (…) tenha ou não sido participante».

Deste modo, o direito aos benefícios previstos no plano deriva claramente da ocorrência do facto – as contingências – que geram o direito e não da obtenção da mera qualidade de participante.

É neste contexto que tem de ser lida a norma do n.º 2 do artigo 24.º do mesmo diploma quando estabelece que as alterações aos contratos constitutivos e dos regulamentos de gestão dos fundos «não podem reduzir as pensões que se encontrem em pagamento nem os direitos adquiridos à data da alteração, se existirem».

Direitos adquiridos para os efeitos desta norma são os previstos no artigo 9.º acima referido.

Para além das pensões que se encontrem em pagamento, são esses os únicos direitos que deverão ser respeitados pelas alterações que sejam introduzidas aos contratos constitutivos.

Assente a licitude das alterações introduzidas ao contrato constitutivo do Fundo de Pensões G..., a que se referem os pontos n.ºs 8 e 9 da matéria de facto fixada, importa agora determinar que Plano estava em vigor quando o reclamado direito do Autor se consolidou na sua esfera jurídica.

Como resulta da matéria de facto fixada, o Autor foi inicialmente admitido, ao serviço da sociedade que antecedeu a Ré BB – Empresa de Celulose e Papel de Portugal, SA., em 11 de Maio de 1981.

Em 25 de Setembro de 2009, o A. passou à situação de reforma por invalidez, pela Segurança Social.

Na sequência do Acordo de Empresa de 2002 (publicado no BTE n.º1/2002, de 8 de Janeiro), e, em cumprimento do que constava da sua cláusula 87.ª/1, c), a Ré BB subscreveu o contrato constitutivo do Fundo de Pensões G..., com “P...G...” – Sociedade Gestora de Fundos de Pensões, S.A.’ (publicado no D.R., III Série, de 31.12.2004).

 Em 13 de Julho de 2007, a Ré BB subscreveu, juntamente com “G...” e “CC Pensões” (entidade que geria o Fundo desde Janeiro de 2006) uma alteração ao referido contrato constitutivo, com efeitos reportados a 1 de Janeiro de 2007.

Assim, quando ocorreu o facto determinante da aquisição do direito reclamado pelo Autor, (a sua passagem à situação de reforma por invalidez, pela Segurança Social, em 25 de Setembro de 2009), já vigoravam as alterações ao referido contrato constitutivo, que por tal motivo, são aplicáveis no caso.

Impõe-se, pois, a procedência das revistas.


IV

Termos em que se acorda em conceder as revistas, revogando o acórdão recorrido e a decisão de primeira instância por ele confirmada, absolvendo-se as Rés dos pedidos que contra elas foram formulados pelo Autor.

As custas das revistas e das instâncias ficam a cargo do Autor.

Anexa-se sumário do Acórdão.

 Lisboa, 19 de Setembro de 2012

Leones Dantas, Relator

Pinto Hespanhol

Fernandes da Silva


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[1] Eliminado pela decisão recorrida nos seguintes termos: - «a matéria constante do número 7 é apenas e tão só uma conclusão, pelo que ao abrigo do artigo 646º nº4 do C. P. Civil se declara a mesma não escrita».
[2] Cfr., entre outros, os Acórdãos desta secção de 14 de Setembro de 2011, proferido nas revistas n.ºs 475/08.0TTVCT.P1.S1 e 255/08.2TTVCT.P1.S1, disponíveis nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.
[3] Introdução ao Estudo do Direito, Coimbra Editora, 3.ª Edição, 2006, p. 217.
[4] OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito -  Introdução e Teoria Geral, Fundação Calouste Gulbenkian, 1978, p. 230.
[5] LUÍS GONÇALVES DA SILVA, Código do Trabalho Anotado, PEDRO ROMANO MARTINEZ e OUTROS, Almedina, 8.ª Edição, 2009, P. 92.
[6] Curso de Direito do Trabalho, I, Verbo, 3.ª edição 2004, p.p. 525, 526 e 527.
[7] Obra citada, p. 532.
[8] Direito do Trabalho, Parte I – Dogmática Geral, Almedina, 2005, p. 223.