Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
102/15.9YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO DO CONTENCIOSO
Relator: OLIVEIRA MENDES
Descritores: VIOLAÇÃO DE DEVERES FUNCIONAIS
EXERCÍCIO DE DIREITO
DEVER DE CORRECÇÃO
DEVER DE RESERVA
DEVER DE PROSSECUÇÃO DO INTERESSE PÚBLICO
Data do Acordão: 01/27/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO CONTENCIOSO
Área Temática:
ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA - ESTATUTOS PROFISSIONAIS / MAGISTRADOS JUDICIAIS.
DIREITO ADMINISTRATIVO - PROCEDIMENTO DISCIPLINAR.
DIREITO PENAL - FACTO ILÍCITO / CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - INQUÉRITO / NOTÍCIA DO CRIME / DENÚNCIA.
Doutrina:
- Bettiol, Instituições de Direito e Processo Penal, 138/139, 140/141.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ( CPP): - ARTIGO 244.º.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 31º, N.ºS 1 E 2, ALÍNEA A).
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 20.º.
ESTATUTO DISCIPLINAR DOS TRABALHADORES QUE EXERCEM FUNÇÕES PÚBLICAS (LEI N.º 58/08, DE 9 DE SETEMBRO): - ARTIGOS 1.º, 2.º, ALÍNEAS A) E H), 3.º, N.º 2, ALS. A) E H), E N.º 3, 10.º, 40.º,
ESTATUTO DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS (EMJ): - ARTIGOS 12.º, 85.º, N.º 1, ALÍNEA D) E 94.º, 131.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 08.11.18, 08.12.18 E 10.04.21, PROFERIDOS NOS PROCESSOS N.ºS 3227/08, 2680/08 E 1/09.3YGLSB.S2.
Sumário :
«O comportamento eventualmente lesivo dos deveres de reserva, correcção e de prossecução do interesse público, deve-se ter por justificado, quando verificado no exercício de um direito (concretamente o direito de denúncia), no enquadramento previsto no artigo 31º, n.ºs 1 e 2, alínea a), do Código Penal, designadamente, quando assumido com o propósito de pugnar pelo independente, imparcial e correcto funcionamento dos tribunais, e pelo direito à liberdade de quem dela está privado».
Decisão Texto Integral:

   

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Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

AA, Juíza Desembargadora Jubilada, por deliberação do Plenário do

Conselho Superior da Magistratura de 16 de Junho de 2015, foi condenada pela prática de uma infracção disciplinar consubstanciada na violação dos deveres de reserva, de correcção e de prossecução do interesse público e de criar no público a confiança na administração da justiça, prevista e punível pelos artigos 1º, 2º, alíneas a) e h) e 10º, do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, e 12º, 85º, n.º 1, alínea d) e 94º, do Estatuto dos Magistrados Judiciais, na sanção de perda da pensão pelo período de 40 dias.

É do seguinte teor aquela deliberação[1]:

I. Relatório

1. Por deliberação de 7 de Maio de 2013, o Plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM) deliberou a instauração de inquérito “…sobre todos os factos relatados…” nas denúncias apresentadas pela Ex.ma Desembargadora Dr.ª AA e pela Ex.ma Dr.ª BB, Ex-Ministra da Justiça da República Democrática de .... Inquérito que, na sua vertente subjectiva, se circunscreveu à atuação dos juízes portugueses com ligação aos factos participados, em concreto os Ex.mos Desembargadores CC, DD e AA (fls. 90 a 92).

 

2. Realizado o inquérito e elaborado o correlativo relatório, por deliberação de 6 de Maio de 2014 do Plenário do CSM, aderindo à proposta formulada pelo Ex.mo Senhor Conselheiro Instrutor, foi determinada a conversão do inquérito em procedimento disciplinar contra os Ex.mos Desembargadores AA e CC e que o seu segmento instrutório fosse constituído pelo inquérito. Mais foi determinado, também em conformidade com a proposta, o arquivamento no tocante ao Ex.mo Senhor Desembargador DD (fls. 563 a 715).

 

3. Deduzida acusação contra a Ex.ma Desembargadora AA, foi-lhe imputada a prática de três infrações disciplinares, consubstanciadas na violação do dever de reserva, previsto no artigo 12.º n.º 1 do EMJ, e dos deveres de correcção e de criação no público a confiança na administração da justiça, previstos pelos artigo 3.º, 1, 2 h), e 10 e 3.º, 3, do EDTEFP[2], e punidas nos termos dos artigos 82.º, 85.º, 1, d), e 94.º do EMJ.

 

4. A Ex.ma Desembargadora apresentou tempestiva contestação, contrariando frontalmente o laudo acusatório e reclamando não ter violado qualquer dever funcional, antes alegando ter agido por obrigação deontológica e no estrito cumprimento da lei. Arrolou prova testemunhal e documental.

Solicitada à embaixada de ... a inquirição das testemunhas Drs. EE e FF, atenta a delonga no cumprimento do rogado, por despacho de 24 de Abril de 2015 o Ex.mo Conselheiro instrutor deu sem efeito a inquirição. Entretanto, após a conclusão do relatório final, foi junto aos autos o depoimento prestado pela testemunha Dr. EE (fls. 1042 a 1048).

Notificada a Senhora Desembargadora do teor do depoimento da indicada testemunha, vem a mesma alegar que parece não ter sido transmitida à testemunha o conjunto de perguntas sugeridas pela defesa, apelando à relevância do conteúdo do depoimento quando explicita que não recebeu qualquer informação da parte da arguida nem divulgou qualquer dado que lhe tenha sido fornecido na qualidade de defensor público (fls. 1057 a 1062).

Quanto à primeira das objeções apresentadas, foram remetidas às autoridades ... as questões indicadas pela defesa como objeto do depoimento da testemunha (fls. 800 a 803). Quanto ao demais, não obstante ter sido dada sem efeito a sua inquirição, como a mesma foi, entretanto, cumprida, o seu depoimento será oportunamente valorado em sede de apreciação da prova.

II. Fundamentação de facto

A. Factos provados

1. Em 21 de Agosto de 2008, foi celebrado um Protocolo entre o Ministério da Justiça de ..., o Ministério da Justiça de Portugal e o PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – destinado a estabelecer as condições do desempenho de missão profissional em ... por parte de Magistrados Judiciais e do Ministério Público Portugueses.

2. Nos termos desse Protocolo:

- Os magistrados que sejam seleccionados para o exercício da referida missão mantêm os vínculos contratuais em Portugal, com os consequentes direitos e deveres, profissionais e salariais, que lhes cabem por virtude desses vínculos – artigo 2º;

- o processo de selecção inicia-se com a remessa, por parte do PNUD e do Conselho de Coordenação para a Justiça de ..., dos “termos de referência” às autoridades portuguesas previstas no Protocolo, de cujos instrumentos constará, designadamente, “a indicação detalhada das tarefas a desempenhar em ...” – artigos 5º e 6º;

- a selecção dos candidatos é efectuada pelas autoridades de ... – artigo 7º;

- o desempenho de cada uma das missões terá a duração de um ano, com a possibilidade de renovação por iguais períodos, desde que o Conselho de Coordenação para a Justiça de ... e o magistrado em causa manifestem uma vontade nesse sentido e as autoridades portuguesas competentes – Conselho Superior da Magistratura ou Procuradoria-Geral da República –, bem como o PNUD, expressem concordância na prorrogação da missão – artigo 8º.

3. Os Senhores Juízes Desembargadores Portugueses CC e DD iniciaram missões profissionais junto do Tribunal de Recurso de ..., respectivamente, em 01 de Setembro de 2008 e em 01 de Janeiro de 2012, cujo exercício se mostra enquadrado no sobredito Protocolo.

4. A Senhora Juíza Desembargadora Portuguesa AA iniciou missão profissional naquele País, na qualidade de Inspectora Judicial e de Assessora no Tribunal de Recurso, em 02 de Fevereiro de 2009.

5. Por ofício datado de 20 de Novembro de 2013 e dirigido ao Senhor Presidente do Conselho Superior da Magistratura de Portugal, o Ex.mo Senhor Ministro da Justiça de ... comunicou “(…) que decidi não renovar os contratos dos Senhores Juízes Portugueses DD e CC, que têm estado a trabalhar para o sector da Justiça de ... no termo dos seus atuais contratos no próximo Dezembro”.

6. A Senhora Desembargadora AA foi jubilada em 05 de Abril de 2010, permanecendo, todavia, no exercício da sua missão em ..., que cessou em Junho de 2012.

7. A Senhora Dr.ª BB exerceu as funções de Ministra da Justiça de ... entre Agosto de 2007 e Setembro de 2012.

8. O Ministério Público de ... instaurou dois inquéritos contra a Senhora Dr.ª BB, no âmbito dos quais veio a ser acusada, respetivamente, da prática de um crime de corrupção, previsto e punível pelo artigo 2º da “Lei da Corrupção” ..., e de um crime de abuso de poder, previsto e punível pelo artigo 423º do Código Penal Indonésio.

9. Tais inquéritos deram origem, respectivamente, aos processos n.ºs 580/2011/TDDIL e 622/2011/TDDIL, que foram apensados e julgados em conjunto pelo Tribunal Distrital de ....

10. Por acórdão de 8 de Junho de 2012, este Tribunal absolveu-a do crime de abuso de poder, que lhe era imputado no processo n.º 622/2011/TDDIL, e condenou-a, relativamente ao processo n.º 580/2011/TDDIL, pela prática de um crime de participação económica em negócio, previsto e punível pelo artigo 299º do Código Penal de ..., na pena de 5 anos de prisão efetiva e no pagamento, ao Estado ..., de uma indemnização no valor de 4.325,00 USD, acrescidos dos respectivos juros de mora.

11. A Arguida interpôs recurso desta decisão para o Tribunal de Recurso, pedindo a anulação do acórdão e a suscitando a inconstitucionalidade de diversas normas aplicadas, na interpretação que lhes conferiu o Tribunal a quo.

12. O M.ºP.º também recorreu da decisão, pedindo, na parte ora útil, que a Arguida fosse igualmente condenada pela prática do crime de abuso de poder, que lhe era imputado no Processo n.º 622/2011/TDDIL e que, a final, lhe fosse aplicada a pena única de 12 anos de prisão e agravado o montante indemnizatório a favor do Estado ....

13. O Tribunal de Recurso negou provimento aos dois recursos, por Acórdão lavrado em 11 de Dezembro de 2012, confirmando integralmente, nessa parte, a decisão da 1ª instância.

14. O coletivo decisor foi constituído pelo Relator, Senhor Juiz GG – Juiz ... – e pelos Adjuntos Senhores Juízes DD – Juiz Internacional – e HH – Juiz ....

15. A Arguida reagiu por duas vias contra a decisão do Tribunal de Recurso:

- mediante requerimento em que arguiu a sua nulidade “… por omissão de pronúncia e por falta de fundamentação”;

- mediante recurso para fiscalização concreta da constitucionalidade, reclamando que o mesmo fosse apreciado por Formação diversa daquela que proferira o Acórdão ora recorrido.

16. Em decisão conjunta, datada de 18 de Janeiro de 2013, o mesmo coletivo de juízes que apreciara o recurso dirigido ao acórdão da 1ª instância arrogou-se competência para decidir todas as questões suscitadas pela Arguida nos dois instrumentos reativos mencionados no ponto 15. Depois de emitir pronúncia sobre todos os vícios ordinários que lhe foram colocados, rejeitando a sua verificação, considerou que o sistema judiciário ... não permite um 2º grau de recurso no âmbito constitucional, pelo que as decisões do Tribunal de Recurso são definitivas (também) nesse domínio, sem prejuízo da sempre facultada arguição de nulidades, designadamente por omissão de pronúncia, a apreciar pelo mesmo Coletivo Decisor.

17. A Arguida foi presa no dia 22 de Janeiro de 2013, mantendo-se, desde então, em cumprimento da pena que lhe foi aplicada.

18. No dia 23 de Janeiro de 2013, a Arguida ajuizou no Tribunal de Recurso uma providência de habeas corpus, por prisão ilegal, sob o duplo fundamento de que a decisão, ao abrigo da qual fora detida, ainda não transitara em julgado e que tal decisão “(…) está ferida de várias nulidades que põem em causa o inquérito e o julgamento”, tendo sido proferida por um colectivo que não tinha competência para o efeito.

19. Por decisão maioritária de 30 de Janeiro de 2013, o Tribunal de Recurso decidiu indeferir o pedido formulado. Depois de explicitar que “… a providência de habeas corpus não pode ser utilizada para impugnar outras irregularidades ou para conhecer da bondade das decisões judiciais, que têm o recurso como sede própria de reapreciação”, o Acórdão considerou que a decisão de 11 de Dezembro de 2012 – motivadora da prisão da Arguida – tinha transitado em julgado a partir do momento em que ficou decidida a reclamação que sobre ele incidira, uma vez que não é legalmente admissível qualquer outra reacção às decisões do Tribunal de Recurso, mesmo no âmbito da fiscalização da constitucionalidade.

20. A formação coletiva que assim decidiu integrou o Senhor Presidente do Tribunal, II, e os Senhores Juízes JJ – Juiz Internacional - e LL – Juíza .... Por vencimento do Senhor Presidente, o acórdão veio a ser relatado pelo Senhor Juiz JJ.

21.No seu voto de vencido, o Senhor Presidente do Tribunal expressou o entendimento de que a decisão em causa ainda não transitara em julgado, face à interposição de um recurso para a fiscalização concreta da constitucionalidade, dirigido às decisões da 1ª instância e do Tribunal de Recurso que sobre aquela se pronunciara. Mais em concreto, sustenta que as decisões do Tribunal de Recurso também estão, elas próprias, sujeitas à fiscalização concreta da constitucionalidade, sendo passíveis de recurso, a apreciar por uma outra formação colectiva. No caso, porque o recurso de fiscalização foi apreciado pelo mesmo colectivo, o respectivo acórdão é nulo e, por isso, não transitou, devendo ser ordenada a imediata libertação da Arguida.

22. Em paralelo, a Arguida dirigiu ao Senhor Presidente e ao Plenário do Tribunal de Recurso duas novas peças processuais:

- a primeira integrava a arguição de nulidades imputadas ao segundo acórdão daquele Tribunal – 18 de Janeiro de 2013 – e a segunda tinha por objecto um novo recurso para fiscalização concreta da constitucionalidade.

23. Sufragando tese idêntica à que fora acolhida nesse acórdão de 18 de Janeiro de 2013, o tribunal julgou inadmissível aquele novo recurso, mediante decisão liminar proferida em 1 de Fevereiro de 2013.

24. O coletivo que assim decidiu foi constituído pelo Relator, Senhor Juiz JJ, e pelos Adjuntos Senhores Juízes CC – Juiz Internacional – e LL.

25. Mantendo-se irresignada, a Arguida veio imputar a este último acórdão duas nulidades:

- a omissão de audição do M.º P.º;

- a prolação da decisão sem que o Tribunal tivesse aguardado a apresentação de um Parecer Jurídico que a ora Reclamante protestara juntar.

Por acórdão de 15 de Fevereiro de 2013, o Tribunal rejeitou os vícios apontados, sob o duplo fundamento de que uma decisão liminar de rejeição não pressupunha a prévia audição do Ministério Público e que, prevenindo a eventualidade de uma decisão dessa natureza, a Reclamante deveria ter junto o anunciado Parecer com a minuta correspondente.

26. Em 31 de Janeiro de 2013, o Senhor Desembargador CC enviou, de ..., em e-mail endereçado à Senhora Desembargadora AA, que o rececionou em Lisboa.

27. Esse e-mail tem o seguinte teor:

“Olá AA

Confirmaram-se as suspeitas.

O Dr. II apresentou um projecto de deferimento do Habeas Corpus.

Ainda tentou com o envolvimento do JJ fazer passar o Projecto.

ALL (no seu melhor) foi ameaçar o JJ porque agora faz parte do Conselho e não lhe renovavam o contrato se ele subscrevesse o Projecto.

O JJ falou comigo e dei-lhe também a minha opinião.

Apenas eu rebati os argumentos do Dr. II (a quem pedi desculpa por tomar posição contra a dele), mas todos votaram contra.

Eu elaborei o Projecto para o JJ (que ficou Relator) e conseguiu (com ajuda do DD e do FF) [convencer] a LL a entrar no Colectivo para não ficarem só Internacionais contra os Políticos.

Enfim, uma novela que teve um final feliz.

Só tenho pena que o Dr. II tenha ficado ainda mais isolado dos Juízes Nacionais.

Mas eu e o DD ficámos mais credibilizados (que é o lado bom desta situação).

O Dr. II apresentou o seu Projecto com voto de vencido.

Como o voto de vencido vem no fim o EE fez uma festa na Defensoria pensando que o pedido tinha sido deferido (nem se deu ao trabalho de ler).

Mais uma história de ...

Dá notícias.

Beijos”.

28. A Senhora Desembargadora AA subscreveu a carta reproduzida a fls. 9 a 11 dos autos, datada de 27 de Fevereiro de 2013, que endereçou aos Ex.mos Senhor Presidente do Conselho Superior da Magistratura Judicial de ... e respetivos Vogais, com conhecimento ao Ex.mo Defensor Público Geral de ... – Sr. Dr. EE - e ao Ex.mo Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura de Portugal, Juiz Conselheiro Dr. ..., fazendo acompanhar essa carta do e-mail reproduzido supra.

29. Nessa carta, a sua signatária refere, além do mais:

“(…) AA, Juiz Desembargadora Jubilada, tendo conhecimento do teor das decisões da Primeira Instância e do Tribunal de Recurso, relativas ao processo da Arguida BB, Ex-ministra da Justiça e tendo verificado, no meu modesto entendimento, que as mesmas padecem de erros jurídicos suscetíveis de contender com a Justiça, no caso concreto e com o sistema de Justiça no seu todo, vem expor o seguinte:

Após a prolação da decisão do habeas corpus, recebi um email do Dr. CC, cujo teor dou como reproduzido e que junto em anexo.

Considerando o conteúdo das decisões que, sublinhe-se, no meu entender, enfermam de erros técnicos graves, conjugado com o teor do e-mail, sou forçada a concluir que a independência dos Tribunais pode ser posta em causa.

Atentando aos factos de que um dos juízes que figura como Relator, o Dr. JJ (embora o acórdão tenha sido elaborado por um dos adjuntos, o Dr. CC), decidiu sob ameaça de não ver o seu contrato renovado e que um outro juiz do coletivo, a Dr.ª LL, acabou por integrar aquele coletivo, por influência de dois juízes internacionais, o Dr. DD, o Dr. JJ e, alegadamente, pelo Dr. FF, que julgo ser o marido daquela magistrada, constato um comportamento inadmissível, porque necessariamente afeta todo o sistema judicial e viola vários deveres éticos e deontológicos, como sejam, os deveres de independência, reserva, isenção e imparcialidade.

Convém frisar que a gravidade dos factos não se circunscreve ao caso concreto, e muito menos por a arguida ter sido uma destacada figura do anterior governo de ..., mas porque compromete de forma irremediável o sistema judicial no seu todo, sobretudo num País em que o sistema de justiça está numa fase embrionária e de consolidação. (…)

Acresce que, mesmo do ponto de vista jurídico, qualquer das decisões encerra verdadeiros erros judiciários, não se tratando apenas de interpretações jurídicas diferentes, antes configurando decisões ao revés da independência e livre arbítrio dos Julgadores.

A conduta sobretudo dos Srs. Juízes Internacionais, quer pelos erros técnicos detectados nas decisões da Primeira Instância e Tribunal de Recurso, de que não se pode encontrar nenhuma justificação porque qualquer dos magistrados tem experiência e excepcional qualidade técnica, quer os comportamentos referidos no email (o Dr. CC ofereceu-se para relatar o acórdão do Dr. JJ para contra argumentar a decisão proferida pelo Sr. Presidente, Dr. II, enquanto o Dr. DD e Dr. JJ, alegadamente com o Dr. FF, convenceram uma Juíza Nacional, a Dr. LL, a integrar o Colectivo), ao arrepio das normas que presidem à composição dos Colectivos junto do Tribunal de Recurso, comprometem também o papel do Juiz Internacional na sua qualidade de assessor e formador, uma vez que transmitem práticas eticamente censuráveis e erradas.

Permitam-me ainda destacar duas frases constantes do e-mail e passo a citar: “uma novela com final feliz” e “é pena que o Dr. II esteja cada vez mais isolado dos Juízes Nacionais, mas eu e o DD estamos mais credibilizados, sendo esta a parte boa da situação”, que deverá permitir a V. Excelências retirar as necessárias ilações”.

30. Esse expediente, de par com aquele que a Senhora Dr.ª BB também enviou ao Conselho Superior da Magistratura de Portugal, reproduzido a fls. 15 a 28, motivaram a deliberação de instauração de inquérito.

31. Tendo por fundamento o e-mail enviado pelo Senhor Desembargador CC à Senhora Desembargadora AA, a Arguida Senhora Dr.ª BB ajuizou, no Tribunal de Recurso, um recurso extraordinário de revisão, cujo objecto integra “(…) todas as decisões do Tribunal de Recurso quer em sede de recurso ordinário [quer] de apreciação de nulidades e de apreciação concreta da constitucionalidade”, pretendendo a anulação de todas essas decisões e “(…) a libertação imediata da Recorrente”.

32. Na respectiva motivação, a Senhora Dr.ª BB explicita, além do mais:

- “(…) Perante tais erros técnicos crassos de juízes experientes, a Recorrente, face às evidentes conotações políticas do processo, sempre desconfiou que haveria outras motivações para além da realização da justiça”;

- “(…) Essas suas desconfianças foram claramente confirmadas quando, no passado dia 27 de Fevereiro de 2013, um dos mandatários da Recorrente, o Dr. EE, recebeu uma carta da Dr.ª AA, a qual foi inspectora judicial em ..., que lhe dava conhecimento de uma mensagem de correio electrónico do Dr. CC, onde este lhe dava conhecimento da forma como as supra referidas decisões têm sido tomadas …”;

- (…) Ora, de forma evidente, se verifica que estes novos elementos probatórios demonstram cabalmente que os recursos interpostos nos presentes autos não foram apreciados com a justiça e imparcialidade a que o Tribunal de Recurso e os Magistrados aqui implicados estavam obrigados”.

33. Com base no mesmo e-mail e na carta identificada nos pontos 28 e 29 da matéria de facto, a Senhora Dr.ª BB também apresentou, junto do Ministério Público de ..., uma queixa-crime contra os Senhores Juízes do Tribunal de Recurso CC, JJ, DD e LL, e ainda contra o Senhor Dr. FF, imputando-lhes:

- a todos, a prática de um crime de denegação de justiça, previsto e punível pelo artigo 282º do Código Penal de ...;

- à Senhora Juíza LL, a prática de um crime de coação sobre magistrado, previsto e punível pelo artigo 283º do mesmo Código;

- ao Senhor Juiz JJ, a prática de um segundo crime de denegação de justiça.

34. Por decisão de 3 de Maio de 2013, o Ministério Público determinou:

- “(…) Nos termos do disposto no artigo 235º n.º 1 alínea a) do CPP, o arquivamento dos autos por absoluta falta de indícios da prática pelos arguidos dos crimes denunciados”;

- a extração de certidões para instauração de procedimento criminal contra as Senhoras Dr.ªs BB e AA pelos crimes de denúncia caluniosa, previstos e puníveis pelo artigo 285º do Código Penal de ....

35. Motivando tais decisões, o Ministério Público começa por expressar que o e-mail “(…) não pode ser valorado na investigação porque é uma prova proibida e portanto nula”, para, a final, concluir:

“(…) Da análise da prova produzida e do explanado ficam desde logo afastadas a credibilidade e a veracidade da denúncia;

os elementos apurados indiciam, sim, que os arguidos foram apenas denunciados por terem feito parte de Coletivos que decidiram os recursos interpostos pela denunciante em sentido contrário ao por ela pretendido”;

a Senhora Desembargadora AA só divulgou o e-mail e a carta “(…) com o intuito de contra eles [ou seja, contra os Arguidos identificados supra] instaurar procedimento criminal, que conseguiu, e procedimento disciplinar, cujo destino é ainda desconhecido”.

36. Em paralelo com o objeto identificado no ponto 31 da matéria de facto, a Arguida utilizou o recurso extraordinário de revisão para também peticionar a suspeição dos Senhores Juízes CC, DD, JJ, LL, GG e HH.

37. Os juízes recusados, à excepção do Senhor Presidente II, integram todo o elenco do Tribunal de Recurso.

38. Tal pedido tem por fundamento a dedução da queixa-crime referenciada no ponto 33 da matéria de facto, também ela com motivação factual idêntica à que suporta o recurso extraordinário de revisão:

- os “erros técnicos crassos” cometidos por aqueles magistrados nas sucessivas decisões do Tribunal de Recurso, agora finalmente “compreendidos” pelo teor do e-mail enviado pelo Senhor Dr. CC à Senhora Dr.ª AA.

39. O incidente de suspeição foi cindido em tantos incidentes autónomos quantos os magistrados em causa, os quais foram decididos pelo Plenário do Tribunal de Recurso, de que apenas se excluiu o concreto juiz visado em cada incidente.

40. Todas as decisões, proferidas em 4 de Julho de 2013, indeferiram os respectivos pedidos de suspeição, com o voto de vencido do Senhor Juiz Presidente, e os votos favoráveis dos restantes cinco juízes que integraram as formações plenárias.

41. As decisões que fizeram vencimento sustentam, em suma, que “os factos relatados” traduzem “afirmações gratuitas e irreais, sem qualquer consistência”, conforme se atesta pelo despacho de arquivamento que recaiu sobre a queixa-crime apresentada pela Senhora Dr.ª BB.

42. Por decisão proferida em 16 de Agosto de 2013, o Tribunal de Recurso entendeu deferir o pedido de suspeição deduzido contra o Ex.mo Presidente desse Tribunal, Senhor Dr. II, afastando-o de quaisquer decisões que, no futuro, venham a ser tomadas no âmbito do processo em que é Arguida a Senhora Dr.ª BB.

43. O acórdão, votado por unanimidade, foi relatado pelo Senhor Juiz DD, em coletivo que também integrou os Senhores Juízes HH, JJ, CC e GG.

44. O Senhor Dr. FF é Deputado e Líder do Grupo Parlamentar da ....

45. O Senhor Dr. EE assumiu, em simultâneo com outros causídicos mandatados pela Arguida, a defesa da Sr.ª Dr.ª BB no processo crime de que resultou a prisão daquela Arguida.

46. Os Magistrados Judiciais Portugueses, a exercer funções em ..., que tenham sido selecionados, para o efeito, ao abrigo do Protocolo referenciado no ponto 1 da matéria de facto, conservam obediência aos deveres consagrados no Estatuto Profissional do seu País de origem – artigo 2º do mesmo Protocolo. Simultaneamente, nos termos do artigo 111º do Estatuto dos Magistrados Judiciais de ..., aprovado pela Lei n.º 8/2002, de 20 de Setembro, ficam vinculados aos deveres impostos por esse Estatuto.

47. No âmbito do Tribunal de Recurso de ...:

- a constituição, em concreto, de cada formação coletiva não obedece, na fase actual de consolidação do sistema, a critérios pré-determinados, sofrendo ajustamentos casuísticos, decorrentes da necessidade de serem integrados, em cada formação e sempre que possível, Juízes Nacionais e Juízes Internacionais;

- é prática corrente a colaboração técnica entre todos os juízes que elencam aquele órgão, independentemente de serem juízes nacionais ou internacionais. Estes procedimentos são conhecidos de todos os magistrados que, pelo menos desde 2010, exerceram, ou exercem, funções em órgãos de cúpula do sistema judiciário ....

48. O processo de constituição do tribunal coletivo que julgou a providência de habeas corpus – ponto 20 da matéria de facto – foi supervisionado, desde o princípio, pelo Senhor Presidente II, que afirmou no inquérito não ter “(…) qualquer dúvida de que não houve, nem tal seria possível, qualquer intervenção de terceiros no processo de constituição desse Coletivo” (sublinhado nosso).

49. Os Senhores Desembargadores AA e CC mantinham entre si uma relação de grande amizade desde há, pelo menos, trinta anos.

50. Todas as notícias referentes ao processo em que é Arguida a Senhora Dr.ª BB têm ampla cobertura mediática em ....

51. Na sequência da informação documental prestada pela Senhora Desembargadora AA ao Senhor Dr. EE, referenciada no ponto 28, os Senhores Advogados da Senhora Dr.ª BB deram uma conferência de imprensa e, a par disso, distribuíram uma “Nota à Comunicação Social”, com o seguinte teor:

(…)

NOTA BA KOMUNIEASAUN SOSIAL

NOTA À COMUNICAÇÃO SOCIAL

 

Prova hatudu katak juiz sira ne'ebé mantein pena prizaun tinan iima ba Eis-Ministra Justisa Dra. BB, halo ida ne'é tuir akordu ne'ebé sira iha, no kontra lei.

Defeza Dra. BB nian iha asesu ba e-mail ne'ebé juiz intemasional CC haruka iha loron 31 fulan Janeiru tinan 2013. Iha e-mail refere, nia konfesa katak juiza LL halo ameasa ba juiz intemasional JJ, se karik nia {juiz JJ] fó apoio ba rekursu habeas corpus ne'ebé eis-Mtnistra hatama, juiza LL la renova juiz JJ nia kontratu (Anexu 1).

lia e-mail refere, juiz CC fó mos konfisaun katak grupu juiz (koletivu) ne'ebé halo desizaun iha kazu Eis-Ministra nian, organiza-an atu konsegue fó kondenasaun ba Dra. BB. Sira la ruir justisa no viola lei.

E-mail refere fó evidensia ba saída defeza BB nian sempre hatete: Tribunal Recursu la haree kazu ida ne'é ho justa, sira organiza-an deit atu haruka nia ba kadeia.

Tamba hetan prova ida ne'é, Dra. BB nia defeza sei halo ohin loron keisa krime kontra Juíza LL, Juiz intemasional CC, Juiz intemasional Gd DD no Deputado FF. Juiza LL halo krime coacção de magistrado (artigo 283° Kódigu Penal). Juiza LL, Juiz CC, Juiz DD  no Deputado FF halo krime denegação de justiça (art 282°Kódigu Penal, ho agravasauntuir numeru 3).

Aktu sira ne'é, ne'ebé prova ona klaramente iha e-mail refere,signifika katak juiz sira tenke lakon sira nia pozisaun hanesan juiz, no tenke hetan pena ba krime sira ne'ebé sira halo ona.

Juiz Desembargadora Jubilada AA (ema ne'ebé uluk iha knar hanesan juiz inspetor iha ...) simu e-mail refere no deside atu fo sai email ne'é ba públiku hanesan denunsia. Desizaun ne'é rnerese respeita boot (Anexo 2).

Ho prova ida ne'é, no tau iha konsiderasaun prosesu ne'é tomak, tribunal labele nafatin rai Dra. BB iha prizaun …. Nia defeza husu ba Orgaun Sobarania tomak atu hola medida atu koriji injustisa boot ne'ebé Eis-Ministra Justisa hetan.

 

Provas demonstram que juízes que mantiveram a condenação da Dra. BB, ex-Ministra da Justiça, a 5 anos de prisão pela prática de um crime de participação económica em negócio agiram de forma concertada e contra a lei.

 

A defesa da Dra. BB teve acesso a um e-mail, enviado pelo juiz internacional CC, no dia 31 de Janeiro, em que este confessa que ajuíza LL ameaçou o Juiz internacional JJ com a não renovação do seu contrato caso este libertasse a ex-Ministra da Justiça como pretendia fazer através da aceitação do pedido de habeas corpus (ANEXO 1).

Neste mesmo e-mail o mesmo juiz internacional CC confessa ainda que os colectivos de juízes que apreciaram o caso, foram por eles organizados por forma a obter a condenação da Dra. BB, desrespeitando os mais básicos princípios de isenção em clara violação da lei.

Este e-mail prova também aquilo que a defesa da Dra. BB sempre alegou, que os juízes do Tribunal de Recurso nunca apreciaram este processo de forma isenta, mas que se organizaram para, contra a lei a condenar.

Tendo em conta as provas em anexo, a defesa da Dra. BB apresentará no dia de hoje uma queixa crime contra ajuíza LL, o Juiz internacional CC, o Juiz Internacional DD e o Deputado FF, a primeira pelo crime de coacção de magistrado, e os restantes pelo crime de denegação de justiça (um crime de coacção sobre magistrado, previsto e punido pelo art 283° do CP, com a agravação do n° 2 e 3 do mesmo artigo e quatro crimes de um crime de denegação de justiça, previsto e punido pelo artigo 282° do CP, com a agravação do n° 3).

O comportamento deste juízes, claramente provado pelo e-mail do juiz internacional CC tem que resultar na expulsão dos juízes envolvidos da magistratura judicial, bem como na sua condenação penal pelos crimes que praticaram.

O e-mail a que a defesa da Dra. BB teve acesso, corresponde a uma denúncia feita pela destinatária do mesmo, a juiz desembargadora jubilada AA (que exerceu funções de juiz inspectora em ...), que num louvável acto cívico tornou público o conteúdo do mesmo (ANEXO 2).

Face ao exposto, às provas em anexo e à forma como todo o processo foi conduzido, a defesa considera inadmissível que os órgãos judiciais mantenham a Dra. BB reclusa na prisão de …, apelando a todos os órgãos de soberania que solucionem a grave injustiça cometida contra a ex-Ministra da Justiça. (…)”.

52. Na sequência do convite que lhe foi endereçado para, além do mais, “…dizer o que se lhe oferecer em suposto complemento dos factos denunciados” e “…indicar quaisquer elementos probatórios que, eventualmente, ainda possua em abono da sua tese”, a Ex.ma Senhora Dr.ª BB veio juntar aos autos:

- cópia de uma decisão do Tribunal de Recurso, datada de 16 de Agosto de 2013, cuja formação coletiva, integrando os Ex.mos Juízes DD – Relator – HH e CC – Adjuntos – decidiu, por unanimidade, rejeitar liminarmente o “…recurso extraordinário de revisão do acórdão proferido no âmbito do processo de habeas corpus n.º 01/4C/2013/TR”;

- cópia de um “Comunicado à imprensa”, com data de 27 de Fevereiro de 2014 e subscrito pelo Ex.mo Presidente do Tribunal de Recurso II, no qual o seu signatário informa que pediu ao Ex.mo Presidente da República de ... a sua resignação dos cargos de Presidente do Tribunal de Recurso e de Presidente do Conselho Superior da Magistratura Judicial daquele País, pedido esse que foi aceite;

- cópia das queixas que apresentou contra o Estado ... e contra o Estado Português, respectivamente junto do “Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas” e do “Tribunal Europeu dos Direitos do Homem”.

A queixa contra o Estado Português fundamenta-se em alegado atraso na conclusão do inquérito ordenado pelo CSM em 7 de Maio de 2013 e em decisões pretensamente censuráveis do ponto de vista ético e deontológico, proferidas por Juízes Portugueses no exercício das funções que lhes estavam cometidas em ....

53. Ao divulgar os documentos referidos no ponto 28 junto de um dos defensores forenses da Arguida, exorbitando o círculo das entidades competentes para conhecer o seu teor, a Ex.ma Desembargadora AA revelou a um terceiro matéria respeitante ao processo da citada Arguida e que, ao tempo, corria termos no Tribunal de Recurso, cujo conhecimento lhe adviera por intermédio de uma mensagem privada.

54. Ao formular, nas denúncias que apresentou, juízos técnicos depreciativos sobre as decisões então já proferidas pela 1.ª Instância e pelo Tribunal de Recurso, a Ex.ma Desembargadora AA desrespeitou os seus Colegas que intervieram naquelas decisões, ofendendo a consideração pessoal e profissional que lhes é devida.

55. Ao proceder do modo descrito no ponto 53, a Ex.ma Desembargadora AA criou as condições objetivas para que os Ex.mos Mandatários da Arguida divulgassem os respetivos documentos junto da comunicação social, tornando o seu teor conhecido do público.

56. Essa divulgação causou prejuízos, não apenas às entidades visadas nos documentos, mas também à Administração da Justiça em geral – abalando a confiança dos cidadãos na sua imparcialidade e eficácia – e à Cooperação Portuguesa em particular, tanto mais que a categoria profissional da Senhora Desembargadora e as funções que exerceu em ..., num passado recente, dotam as suas opiniões de especial credibilidade junto da população ....

57. Sabia a Ex.ma Desembargadora AA que não podia facultar a terceiros a documentação identificada no ponto 28, nem tecer comentários depreciativos sobre a actuação técnica dos seus Colegas. Também lhe cabia configurar, perante a realidade judiciária ... - que bem conhecia - que o defensor forense da Arguida, a quem endereçou a citada documentação, poderia vir a fazer dela o uso que lhe aprouvesse, designadamente divulgá-la e, assim, desencadear os retratados prejuízos.

58. Em qualquer das descritas vertentes, a Ex.ma Desembargadora agiu de forma livre, voluntária e com perfeito conhecimento de que a sua conduta contrariava os deveres profissionais a que um Magistrado Judicial Jubilado continua adstrito, e que, daí, violava a lei e incorria na prática de ilícitos disciplinares.

59. A Senhora Desembargadora AA já foi visada em anterior processo disciplinar – Processo Contencioso n.º 138/92, instaurado em 15 de Junho de 1993 – tendo sido condenada na pena única de 13 dias de multa por infracções entretanto amnistiadas. As duas últimas inspeções ao seu desempenho profissional mereceram a notação de “Bom com Distinção”.

60. Tendo em conta as informações constantes do e-mail reproduzido no ponto 27, o Senhor Dr. NN declarou à Senhora Desembargadora, a pedido desta e em data anterior à formalização das denúncias, que concordava com ela no sentido de que “…tinha sido exercida pressão sobre os Juízes, que a composição do Tribunal não respeitou o princípio do Juiz natural e que também o projeto do acórdão não teria sido feito pelo próprio relator, factos estes que considerei gravíssimos”.

61. Em face disso, o Senhor Dr. NN expressou à Senhora Desembargadora o entendimento de que esta “…deveria entrar em contacto com o advogado da Arguida, que era quem podia e devia fazer tudo o que estivesse na sua mão para emendar a injustiça”, acrescentando:

“Estava fora de causa comunicar esses factos directamente à Arguida, a qual não está vinculada aos deveres deontológicos que incumbem aos Advogados”.

62. O Senhor Dr. NN afirmou nos autos “…nada saber sobre as práticas seguidas em ..., no que respeita à formação dos Tribunais Colectivos e à eventual colaboração técnica entre os respectivos Juízes”.

63. Também o Senhor Professor .... e o Senhor Bastonário ...., que expressaram nos autos a sua concordância com a comunicação feita pela Senhora Desembargadora ao Senhor Dr. EE, esclareceram que essa concordância se baseava na análise objetiva do e-mail, sem ponderação das “…especificidades da Justiça em ...” e das “…circunstâncias concretas de modo como as coisas efetivamente ocorreram”, especificidades e circunstâncias que não conhecem.

64. O Juiz Português Senhor Dr. MM exerceu funções judiciais em ... Leste, inicialmente na 1.ª instância e, mais tarde, no Tribunal de Recurso.

65. Aquando do seu exercício funcional no Tribunal de Recurso, foi relator de um acórdão que tinha por objeto a fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade da Lei do Orçamento de Estado de 2008, tendo esse aresto declarado inconstitucionais algumas normas do referido diploma.

66. No dia em que foi tornada pública essa decisão, “…o CSMJ reuniu-se e decidiu, sem mais, prescindir das funções” que o Senhor Dr. MM exercia em ....

67. Nesse caso concreto, “…O Conselho foi presidido pelo Vice-presidente OO, que era o Secretário-geral do partido do governo (....), acompanhado de um assessor do Primeiro Ministro e outros dois Membros”.

68. Durante o tempo de permanência do Senhor Dr. MM no Tribunal de Recurso, nunca existiu colaboração técnica entre os dois únicos Juízes que, ao tempo, integravam esse Órgão: ele próprio, e o Senhor Dr, JJ, também Juiz Internacional.

69. Nessa altura, existia uma Diretiva, elaborada pelo Senhor Presidente II, que organizava a formação dos Coletivos com recurso a Juízes da 1.ª instância, sempre que houvesse falta ou impedimento de algum dos titulares.

70. A Senhora Desembargadora é tida como uma Magistrada independente e corajosa.

71. Em 09 de Fevereiro de 2013, a Senhora Dr.ª BB formalizou uma denúncia junto do CSMJ de ..., cujo teor se desconhece.

72. Por virtude dessa denúncia, o CSMJ convocou uma sessão extraordinária para o dia 04 de Março de 2013, com a presença da Denunciante.

73. Nesse ato, o Senhor Presidente do CSMJ perguntou à Denunciante se tinha provas sobre o objeto da referida denúncia, ao que a mesma respondeu afirmativamente, dizendo que iria apresentar a “prova escrita e testemunhal” que possuía sobre a matéria.

74. Na ocasião, acrescentou ainda ter tido conhecimento de que a Senhora Juíza LL pressionara o seu Colega JJ, ameaçando-o de que não assinaria a renovação do respectivo contrato se ele concordasse com a posição assumida pelo Presidente do Tribunal de Recurso no sentido de deferir o pedido de Habeas Corpus.

75. Nos serviços do Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça corre termos o processo de inquérito criminal n.º 10/13.8YGLSB, instaurado com base em denúncia apresentada pelos Senhores Drs. LL, JJ, DD e CC, que se constituíram assistentes nos autos, contra a Senhora Dr.ª AA, a quem imputam a prática dos crimes de difamação e de denúncia caluniosa.

76. No dia 16 de Janeiro de 2015 foi proferido despacho de acusação no mencionado inquérito.

77. A Senhora Desembargadora veio arguir a nulidade do inquérito, cujo requerimento foi indeferido pelo Senhor Conselheiro Instrutor. Dessa decisão a Senhora Desembargadora interpôs recurso para o Pleno da Secção e, em paralelo, requereu a abertura da fase de instrução.

B. Motivação probatória

Os factos dados por demonstrados fundam-se na valoração global da prova produzida, à luz das regras da experiência comum e da vida, designadamente:

- os factos consignados nos pontos 53, 54, 55, 57 e 58;

- factos ínsitos aos pontos 1 a 47 e 49 a 52, documentos de fls. 69, 107 a 110, 361, 382, declarações da arguida e peças processuais do processo crime movido contra a Ex-Ministra da Justiça de ..., Dr.ª BB;

- o facto mencionado no ponto 48 foi unanimemente afirmado por todos os Senhores Juízes do Tribunal de Recurso, designadamente pelo seu Presidente;

- os prejuízos elencados no ponto 56 encontram respaldo na denúncia apresentada pela Senhora Dr.ª BB e da “Nota à Comunicação Social” e do “Comunicado à Imprensa”, reproduzidos a fls. 76 a 78 e 82 e 83;

- os factos exarados no ponto 59, documento de fls. 724;

- os factos mencionados nos pontos 60, 61 e 62, depoimento prestado do Senhor Dr. NN;

- os factos mencionados no ponto 63, depoimentos dos Senhores Professor ... e Ex-Bastonário da OA, Dr. ...;

- os factos reproduzidos nos pontos 64, 65, 66, 67, 68 e 69, depoimento do Senhor Dr. MM;

- o facto constante do ponto 70, depoimentos das testemunhas arroladas pela defesa;

- os factos reproduzidos nos pontos 71 a 74, documento de fls. 917 a 920;

- os factos constantes dos pontos 75 e 76, certidão de fls. 915;

- os factos constantes do ponto 77, fls. 926 a 943).

Factos cuja materialidade a Senhora Juiz Desembargadora não questiona, antes defendendo representarem um legítimo exercício de cidadania.

Os factos alegados pela defesa e que não resultaram apurados não obtiveram qualquer suporte testemunhal ou documental que convencesse da sua realidade nem as normas da lógica e da vida sustentam a sua inferência. A este juízo valorativo da prova produzida nada de relevante adita o depoimento da testemunha Dr. EE, mesmo quando refere que “desconhece de que assunto a arguida trata. O depoente não divulgou qualquer facto de que tenha tomado conhecimento enquanto defensor público e a arguida não era pessoa das suas relações”. Na verdade, é a Dr.ª AA que, na sua carta de 27 de Fevereiro de 2013, endereçada ao Senhor Presidente do Conselho Superior da Magistratura de ... e respetivos vogais, referencia dar dela conhecimento ao Defensor Público Geral de ..., a indicada testemunha. Facto que é corroborado pela afirmação da Dr.ª BB que, na motivação do recurso extraordinário de revisão, assevera que o seu mandatário, exatamente a indicada testemunha, recebeu aquela carta, enviada pela Dr.ª AA. Aliás, atentando no conteúdo do depoimento da testemunha, ela não nega o recebimento da carta nem a não divulgação das informações nela contidas; antes se limita a afirmar que “não divulgou qualquer facto de que tenha tomado conhecimento enquanto defensor público”. Com efeito, a divulgação do conteúdo da carta foi feita pelos advogados da Dr.ª BB, dentre os quais se contava a testemunha, incluindo na comunicação à imprensa, conforme prova documental junta aos autos. Estanha-se que o ordenamento jurídico ... possa contemplar essa amálgama funcional das qualidades de advogado e de defensor público. E a verdade é que o D.L. n.º 12/2008, de 30 de Abril, que consagra o “Estatuto Orgânico do Ministério da Justiça”, estabelece, nos seus artigos 15.º, alínea a), e 16.º, n.º 1, que a Defensoria Pública é um organismo dotado de autonomia técnica, sob tutela do Ministério da Justiça, “…responsável por prestar assistência jurídica, judicial e extrajudicial, integral e gratuita, aos DDadãos com insuficientes recursos económicos”. Por seu turno, o D.L. n.º 38/2008, de 29 de Outubro, que incorpora aquele Estatuto, preceitua, no seu artigo 1.º, que “A Defensoria Pública é um serviço público, responsável pela prestação de assistência jurídica, judicial e extrajudicial, integral e gratuita, aos mais necessitados” e sob a epígrafe “Beneficiários”, estatui que “Salvo disposição legal em contrário, tem direito à assistência da Defensoria Pública, nos termos deste diploma, todo aquele que o solicitar a esta instituição e declare não possuir meios suficientes para suportar as despesas com advogado” (artigo 5.º, n.º 1, desse diploma). E o seu artigo 47.º, alínea a), dispõe que “Aos defensores é vedado…Exercer a advocacia privada”. Portanto, não obstante a fase de consolidação do ordenamento jurídico ..., o normativizado proscreve esta bipolaridade funcional assumida pela testemunha e revelada pelos próprios termos processuais do processo crime em que é visada a Senhora Dr.ª BB. Com efeito, o acórdão do Tribunal de Recurso, de 18 de Janeiro de 2013, foi notificado aos Senhores Drs. PP, QQ e RR, todos na qualidade de “Defensor Público”, e ao Senhor Dr. SS, na qualidade de “Advogado” (fls. 1 do documento n.º 8 do Dossier B). O acórdão do Tribunal de Recurso, de 1 de Fevereiro de 2013, foi notificado ao Senhor Dr. PP, na qualidade de “Defensor Público”, e ao Senhor Dr. SS, na qualidade de “Advogado” (fls. 1 do documento n.º 1 do Dossier B). O acórdão do mesmo Tribunal, de 15 de Fevereiro de 2013, foi notificado apenas ao Senhor Dr. SS, na qualidade de “Advogado” (fls. 1 do documento n.º 13 do Dossier B). O despacho proferido em 14 de Maio de 2013 pelo Presidente do Tribunal de Recurso, que ordenava o exercício do contraditório sobre o incidente de suspeição em que ele próprio era visado, foi notificado ao Senhor Dr. SS, na qualidade de “Advogado” (fls. 1 do documento n.º 15 do Dossier B). As decisões do Tribunal de Recurso sobre o incidente de suspeição deduzido pela arguida, cindido em seis incidentes, foram notificadas ao Senhor Dr. SS, na qualidade de “Advogado” (fls. 156, 173, 185, 200, 212 e 225). Dados que patenteiam a dualidade da intervenção funcional da testemunha no processo crime em causa e que, associados ao teor da “nota à comunicação social”, não deixam dúvidas quanto à ocorrência do facto ínsito sob o artigo 28.º do relatório que, por isso, se mantém intocado.

 

III. Enquadramento jurídico

1.      A defesa

O relatório final elaborado pelo Ex.mo Senhor Juiz Conselheiro Instrutor do processo disciplinar encerra uma pormenorizada, completa e judiciosa análise de todas as questões aportadas pelo processo disciplinar, pelo que é avisada a adoção de toda a estruturação e fundamentação nele aduzidas, o que se fará, data venia.

Respigando o que está em causa neste processo disciplinar, verifica-se que o seu objeto se circunscreve ao apuramento da responsabilidade disciplinar da Senhora Desembargadora AA ao divulgar o e-mail que lhe foi remetido pelo Senhor Desembargador CC, sendo, por isso, incompreensível que a defesa insista nos “erros grosseiros” supostamente cometidos pelos Senhores Desembargadores nas decisões proferidas no processo crime da Ex-Ministra da Justiça ..., Dr.ª BB. Matéria que, apreciada pelo Plenário do CSM, constitui caso resolvido no sentido da inverificação desses erros, designadamente com arquivamento do procedimento disciplinar instaurado contra o Senhor Desembargador DD.

Ainda assim, usufruindo do rigor do Ex.mo Senhor Conselheiro Instrutor que, benevolamente, voltou a enfrentar essa temática, sempre se referencia que as incidências objetivas evidenciadas pelos acórdãos recorridos e as opções técnico-jurídicas neles assumidas enquadram o regime legal vigente em ..., conforme, lata e profusamente, escalpelizado no relatório de conclusão do inquérito. É escusado repetir, por fastidioso, toda a expressiva argumentação produzida a propósito e que o relatório do inquérito expõe com exuberância, dando azo à rejeição da imputada censura. Por isso, se associa este CSM ao desabafo do Ex.mo Senhor Conselheiro Instrutor no sentido de que a Senhora Desembargadora, num juízo profundamente injusto e inadmissível, escamoteia essa meridiana realidade e tem o atrevimento de censurar um facilitismo irresponsável.

Na mesma linha, a defesa parece contestar que o exercício, em ..., das funções acometidas aos Senhores Desembargadores CC e DD se mostre enquadrado no Protocolo celebrado, em 21 de Agosto de 2008, entre o respetivo Ministério da Justiça, o Ministério da Justiça de Portugal e o PNUD. Estranhamente, porque o facto está documentalmente provado pela informação prestada pelo próprio CSM a fls. 69, que enquadra a situação desses magistrados no sobredito Protocolo. E os factos, a esse respeito, dados por demonstrados descrevem, com precisão, a situação resultante dessa informação quanto aos juízes portugueses em causa, designadamente quanto ao Senhor Desembargador CC, que iniciou a sua missão em ... em 1 de Setembro de 2008, já à luz do indicado Protocolo, datado de 21 de Agosto de 2008.

Identicamente, são deturpadoras da verdade as considerações efetuadas quanto à não deslocação dos serviços de instrução a ..., inviabilizada pela deliberação de 5 de Fevereiro de 2014 do CSMJ desse país, que revogou a autorização, anteriormente concedida, para a inquirição dos Senhores Juízes do Tribunal de Recurso, conforme, plena e clarificada, motivação exposta nos autos (fls. 457, 468 e 469). Ademais, tal como explicitado no relatório final, o Ex.mo Senhor Conselheiro Instrutor, na avaliação dos elementos disponíveis, validou a suficiência dos dados constantes dos autos para a elaboração de um estruturado relatório final. Com efeito, os documentos facultaram a cabal apreciação dos vícios apontados às decisões em causa e, embora inexistissem as atas das diligências, os elementos factuais que as mesmas poderiam fornecer não teriam a virtualidade de enjeitar a solução alcançada, tanto mais que o inquérito e o subsequente procedimento disciplinar não poderiam fiscalizar a conformidade jurídica das correspondentes decisões, mas apenas indagar se os juízes em causa teriam assumido, à luz da realidade jurídica ..., condutas que conjeturavam prevaricação. Todas as demais práticas, ainda que indesejáveis e incompreensíveis no plano do ordenamento jurídico português, na linha do pensamento expresso pelo Ex.mo Conselheiro Instrutor, quadram-se no sistema jurídico ... e são alheias ao objeto deste processo disciplinar, eventualmente averiguáveis pelas autoridades ...s.

Similar é a resposta dada às interjeições da Senhora Juíza Desembargadora quanto aos erros judiciários que assinala às decisões questionadas. Verificado que o acórdão proferido pelo Tribunal de Recurso, em 11 de Dezembro de 2012, omitiu pronúncia sobre muitas das questões colocadas pela recorrente na sua alegação, esse vício foi sanado pelo subsequente acórdão 18 de Janeiro de 2013, facto que a Senhora Desembargadora omite na sua defesa, persistindo no que apelida de “verdadeiro erro judiciário”, por “recusa de julgamento”. Mal se compreende a indignação da Senhora Desembargadora quando a omissão de pronúncia é reparada pela concreta apreciação, no momento processual próprio, das questões omitidas, ficando a arguida nulidade sanada por ato jurisdicional do órgão que proferiu a decisão viciada.

Continuando a insistir numa flagrante violação das garantias de imparcialidade devido à identidade do tribunal coletivo que decidiu o recurso para fiscalização concreta da constitucionalidade e do que exarou a decisão recorrida, a primeira correção que cumpre aportar à posição da Senhora Desembargadora é que o coletivo prolator da decisão recorrida não decidiu de meritis o recurso interposto para fiscalização concreta da constitucionalidade; antes se limitou a proferir despacho de não admissão do recurso, em clara observância das normas adjetivas a propósito estabelecidas. Ainda que essa decisão de inadmissibilidade possa constituir, como defende a Senhora Desembargadora, um “erro grave”, por violar o duplo grau de jurisdição, não aduz consistentes argumentos que o sustentem; antes reduz a sua apreciação a juízos valorativos sem substrato normativo, como seja a afirmação que é “do mais elementar conhecimento e bom senso jurídico que outro tribunal aprecie aquela matéria”. De todo o modo, tal como explicita o Ex.mo Conselheiro Instrutor, não proibindo a Constituição ... o questionado recurso, como inexiste lei reguladora do processo constitucional, o regime recursivo estabelecido encontra cobertura normativa no mecanismo adotado.

A solução gizada pela Senhora Desembargadora é a de que as decisões de um coletivo devem ser sindicadas por um outro coletivo do mesmo tribunal, posicionamento já afrontado no relatório do inquérito, onde se expressam as razões patenteadoras da inexistência de erro jurídico, e que a Senhora Desembargadora persevera no processo disciplinar. Ora, a evocação do regime da fiscalização abstrata da constitucionalidade não introduz a solução propugnada, porque, como superiormente explica o Ex.mo Instrutor, só o processo de fiscalização concreta visa defender direitos ou interesses particulares. Todas as demais modalidades de fiscalização se reconduzem a um processo de natureza objetiva, que visa garantir, em abstrato, o respeito pela Constituição.

Admitindo a legítima discordância das decisões tomadas pelo tribunal, o desiderato deste processo disciplinar, como sucessivamente foi afirmado pelo Ex.mo Conselheiro Instrutor, não tinha o propósito de sindicar as decisões, mas apenas de verificar se as mesmas refletiam erros jurídicos grosseiros devidos a comportamentos ética e deontologicamente censuráveis. Só esse desiderato poderia ser também convocável para os incidentes de suspeição opostos a seis dos sete Juízes do Tribunal de Recurso. Porém, como o conhecimento dos incidentes está deferido ao Plenário do Tribunal, foi imprescindível decidir o modo de constituição da formação plenária indispensável ao conhecimento dessas questões.

O sistema judiciário de ..., na fase incipiente e fragmentada em que ainda se encontra, suscita questões de solução duvidosa, mesmo para os Juízes Internacionais, de quem se espera uma sólida preparação técnica, mas cuja experiência não abarca as especificidades de um sistema em conceção. A solução encontrada compagina-se com a omissão normativa, conseguiu evitar o bloqueio do sistema de justiça e nela não se vislumbra qualquer erro grosseiro que possa suscitar censura ética ou deontológica. Aceita-se que a solução também poderia passar pela avocação de seis juízes de primeira instância, por o quadro da magistratura ... não comportar outros, tese defendida, no depoimento prestado nos autos, pelo Senhor Desembargador II, ao tempo Presidente do Tribunal de Recurso. De qualquer modo, essa ou outra solução, per se, não permitiria extrair a ilação edificada pela Senhora Desembargadora de que os juízes se conluiaram para afastar a suspeição que sobre eles recaía e a consequente denegação de justiça. Aliás, a Senhora Desembargadora limita-se construir a sua tese num discurso explanativo que encerra num juízo conclusivo sem qualquer substrato factual que o sustente.

No tocante à invocada contradição dos depoimentos em inquérito com os prestados por algumas das testemunhas inquiridas em audiência de julgamento do processo crime, cabalmente explicou o Ex.mo Conselheiro Instrutor a impossibilidade de a comprovar, uma vez que os serviços de inspeção se não deslocaram a ..., o que impediu a consulta dos autos. Esclareceu, porém, que a alegação recursiva da Senhora Dr.ª BB esbate a sinalizada contradição.

Similarmente, também não ocorre a apontada violação de segredo profissional por parte do Senhor Advogado Dr. ... ao depor como testemunha no processo crime. O próprio acórdão inscreve que não estava ligado à arguida por qualquer patrocínio judicial nem os factos sobre que depôs decorreram de algum mandato anterior, assim enjeitando a afirmação da Senhora Desembargadora de que terá revelado factos cujo conhecimento lhe adveio de mandato forense. Asseveração para a qual a Senhora Desembargadora não apresenta qualquer prova, antes se limitando a especular sobre o assunto.

Também a contestada valoração probatória dos “SMS’s” dirigidos à Senhora Dr.ª BB não encontra sustentáculo nos acórdãos proferidos pelo Tribunal de Recurso, que afiançam que os mesmos não foram utilizados para formar a convicção probatória do tribunal recorrido. Donde a irrelevância da adução da Senhora Desembargadora de que aquela afirmação do Tribunal de Recurso é uma mentira e uma falácia, numa proposição, no mínimo audaciosa, absolutamente insustentada em qualquer dado de facto.

Ainda quanto à decorrência processual resultante da inquirição de três indivíduos na qualidade de testemunhas quando deveriam ter sido interrogados como arguidos, tal como resulta do relatório do inquérito, não constitui nulidade insanável a falta de constituição de arguidos pelo Ministério Público durante o inquérito. Mesmo que alguma censura mereça a condução do inquérito pelo Ministério Público, ela não contenderá com o âmbito deste processo disciplinar, no qual sempre seria impossível uma análise de todos os elementos de prova recolhidos, imprescindíveis à extração da pretendida conclusão de que havia indícios suficientes para a constituição como arguidos dos tais indivíduos. De todo o modo, como expõe o Ex.mo Senhor Conselheiro Instrutor, não obstante a Senhora Desembargadora compaginar o seu juízo valorativo na mera afirmação de que “os mesmos teriam tomado parte do alegado plano engendrado pela arguida e pelo seu marido, sendo verdadeiros coautores do crime”, ainda que ocorresse tal vício, ele constituiria uma nulidade sanável por falta ou insuficiência de inquérito, com esgotamento do prazo para a sua arguição.

Adita ainda um conjunto de considerandos genéricos que traduzem uma enunciação crítica de diversificados aspetos já defrontados no relatório do inquérito e, relativamente aos quais, a Senhora Desembargadora emite, mais uma vez, a sua reprovação, num conjunto de desabafos destituídos de qualquer conteúdo factual.

 

2. O ilícito disciplinar

2.1. Constituem infração disciplinar os factos, ainda que meramente culposos, praticados pelos magistrados judiciais com violação dos deveres profissionais e os actos ou omissões da sua vida pública ou que nela se repercutam incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções (artigo 82.º do EMJ).

A infração disciplinar corresponde, pois, ao desrespeito por um dever geral ou especial decorrente da função, isto é, traduz o incumprimento de um dever funcional[3]. Vale por dizer que, sendo atípica a infração disciplinar, pode ser, como tal, qualificada qualquer comportamento do agente que caiba na definição legal, sendo “disciplinarmente ilícita qualquer conduta do agente que transgrida a conceção dos deveres funcionais válida para as circunstâncias concretas da sua posição de atuação.”[4]. A infração disciplinar desdobra-se, pois, na conduta ativa ou omissiva do agente (o facto), com carácter ilícito (a ilicitude), revestida de censurabilidade, a título de dolo ou mera culpa (o nexo de imputação).

A par com os deveres específicos dos magistrados judiciais, de imanência estatutária (artigos 3.º, 7.º, 8.º, 10.º a 13.º do do Estatuto dos Magistrados Judiciais[5]), os juízes estão igualmente sujeitos aos deveres gerais que impendem sobre os trabalhadores que exercem funções públicas (artigos 32.º e 131.º do EMJ), dentre os quais se salientam os deveres de isenção, zelo, obediência, lealdade, sigilo, correção, assiduidade e pontualidade [artigo 3.º, 2, a) a j), do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas [6]].

A acusação imputa à Ex.ma Juíza Desembargadora a violação dos deveres gerais de correção e de prossecução do interesse público e o dever especial de reserva, aqueles definidos pelo artigo 3.º, 2, a) e h), do EDTEFP e este estatutariamente imposto pelo artigo 12.º do EMJ. Aquele diploma foi, entretanto, revogado pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho[7], que entrou em vigor no dia 1 de Agosto de 2014, mas é ele que continua a ter integral aplicação ao caso dos autos, por este novo regime se não revelar mais favorável à arguida (artigos 11.º, n.º 2, 42º, n.º 1, e 44º da LGTFP).

A violação do dever de reserva está consubstanciada na comunicação das denúncias e do e-mail a um dos defensores da Senhora Dr.ª BB, do dever de correção aos juízos técnicos depreciativos emitidos sobre as decisões proferidas pela 1.ª instância e pelo tribunal de recurso ...s e do dever de prossecução do interesse público, criando a confiança na administração da justiça, na circunstância da comunicação efetuada ter criado condições objetivas para que os mandatários da Senhora Dr.ª BB divulgassem os documentos e a informação, como fizeram, junto da comunicação social.

A Senhora Desembargadora rejeita a ilicitude da sua conduta porque defende ter agido no exercício do direito de transmitir a informação ao advogado da arguida, para garantir a cabal defesa da sua mandante, e, sobretudo, do dever deontológico, por “determinação de consciência e em estrito cumprimento da lei”. Mais aduz que o Senhor Dr. EE não era um “terceiro” face ao processo, pois tinha a qualidade de mandatário da arguida, com legitimidade para impugnar a decisão condenatória. Defesa que remete para a problemática de saber se o e-mail poderia constituir uma prova e, na afirmativa, se a arguida poderia, naquela fase processual, extrair algum efeito útil da sua utilização no processo.

Estando em causa uma mensagem privada, a sua divulgação pelo destinatário só deve ser consentida quando o mesmo tenha nisso um interesse legítimo e relevante, aqui, como propugna a arguida, a “reposição da justiça” no dito processo crime em que era visada a Ex-Ministra da Justiça de ..., Dr.ª BB. Consabido que a comunicação de um facto criminoso deve ser efetuada às autoridades designadas pela lei (artigos 242.º e 244.º do CPP português e 210.º a 213.º do CPP ...), a arguida, para repor a verdade material naquele processo crime, deveria realizar essa comunicação ao Ministério Público e, para acautelar os interesses da magistratura, fazê-la junto dos órgãos de disciplina e gestão dos juízes portugueses e ...s, uma vez que as suspeitas eram dirigidas aos dois grupos.

O texto do e-mail, desprovido de outros meios de prova, não constitui prova nem de infração criminal nem de infração disciplinar, podendo eventualmente reconduzir-se a um indício de práticas infracionais da indicada natureza, com aptidão para desencadear os procedimentos reativos das autoridades competentes, como ilustra o Ex.mo Conselheiro Instrutor. Apesar destas constatações, que a Senhora Desembargadora não podia ignorar, ademais devido à sua formação jurídica, não se inibiu de divulgar o teor do e-mail junto do Dr. EE, mandatário da arguida nesse processo crime. Ora, a Senhora Desembargadora não deixou de antever as previsíveis reações dos mandatários da Senhora Dr.ª BB que, na posse daqueles dados, deduziram queixa crime contra os visados no e-mail e interpuseram um recurso extraordinário de revisão, com dedução de incidentes de suspeição contra todos os juízes do Tribunal de Recurso, à exceção do seu presidente, então o Senhor Dr. II. Também como realça o Senhor Conselheiro Instrutor, todas essas providências se fundaram exclusivamente no teor do e-mail.

A interposição, pela Dr. BB, do recurso extraordinário de revisão representa o reconhecimento de que as decisões do Tribunal de Recurso já haviam transitado em julgado, dado insofismável que a Senhora Desembargadora não podia ignorar, atenta a sua formação jurídica e a sua experiência profissional no meio forense ..., designadamente não podia deixar de saber que o teor do e-mail não tinha a virtualidade de alterar a decisão revidenda. Como estavam em causa vícios apontados ao coletivo decisor, a decisão só podia ser abalada se existisse uma outra sentença, transitada em julgado, que declarasse a atuação criminosa dos seus membros (artigo 315.º, n.º 1, alínea b), do CPP ...). Como explicita, de forma sublime, o Ex.mo Conselheiro Instrutor, o e-mail não continha “novos factos” nem constituía um “novo meio de prova” que pudessem abalar a decisão anterior, donde a consciência da Senhora Desembargadora da inutilidade do e-mail para o que designa de “reposição da verdade material”.

Quanto à queixa crime, também a Senhora Desembargadora não podia deixar de conhecer que, estando em causa crimes de natureza pública, a denúncia deveria ser realizada junto do MP, sendo escusada, para esse efeito, a comunicação por si efetuada ao Dr. EE. Então, a conclusão só pode ser a de que a transmissão do e-mail ao Senhor Dr. EE foi ilegítima, desde logo porque a Senhora Desembargadora bem sabia ou, ao menos, não podia ignorar que qualquer iniciativa do Senhor Advogado, no âmbito do processo em causa e a partir da informação prestada, não tinha a virtualidade de qualquer êxito, tudo a enjeitar o evocado interesse legítimo na divulgação. E inexistindo um interesse legítimo e relevante, prevalece o direito à privacidade da mensagem e à proibição da sua divulgação.

A Senhora Desembargadora, na qualidade de jubilada desde 05 de Abril de 2010, mantém-se vinculada aos deveres estatutários (artigo 67.º, 2, do EMJ) e, por isso, adstrita à observância do dever de reserva, no âmbito do qual os magistrados judiciais não podem fazer declarações ou comentários sobre processos, salvo quando autorizados pelo CSM para defesa da honra ou para a realização de outro interesse legítimo (artigo 12.º EMJ). Portanto, a regra é a de que o processo não consente ingerência externa, abarcando, como acentua o Ex.mo Senhor Conselheiro Instrutor, a simples transposição de informações ou comentários para o exterior. Como se antecipou, a legitimidade da divulgação do e-mail só poderia encontrar-se na sua transmissão às entidades com competência para acionar os mecanismos sancionatórios adequados, procedimentos criminal e disciplinar, o que justifica a comunicação efetuada aos Conselhos Superiores de Magistratura, ... e português, e ao MP, mas nunca ao Senhor Advogado Dr. EE, defensor da Dr.ª BB. Destarte se ajuíza que o quadro factual descrito não enquadra qualquer circunstância dirimente da responsabilidade disciplinar da Senhora Desembargadora, que não agiu no exercício de um direito nem no cumprimento de um dever e, por isso, não preenche a correspondente causa de exclusão da ilicitude (artigo 21.º, e), do EDTEFP).

Sobre o dever de reserva muita pronúncia tem havido da parte deste CSM, designadamente a deliberação do Plenário de 11 de Março de 2008, na acentuação de que “os valores protegidos e o fundamento do dever de reserva, para além das áreas de reserva ou segredo acauteladas pela Lei, são a proteção da imparcialidade, da independência, da dignidade institucional dos tribunais, bem como da confiança dos DDadãos na justiça, e do respeito pelos direitos fundamentais, em conjugação com a liberdade de expressão (…) abrange, na sua essência, as declarações ou comentários (positivos ou negativos), feitos por juízes, que envolvam apreciações valorativas sobre processos que têm a seu cargo” ou que disso tenham conhecimento “mesmo que não sejam os titulares dos processos”[8]. Trata-se, como densifica o Ex.mo Conselheiro Instrutor, de um dever instrumental do dever de imparcialidade e do dever de manutenção e reforço da confiança da comunidade no sistema judicial. É que os juízes, para além de estarem obrigados a julgar numa relação de equidistância com as partes, obedecendo exclusivamente à Constituição e à lei, devem atuar por forma a que o Povo, em nome de quem administram a Justiça, os represente como titulares de um poder independente dos demais poderes do Estado e como garantes da imparcialidade, desideratos só alcançáveis com a edificação do prestígio inerente à sua condição e com a assunção de éticos e moralizantes padrões de conduta. E lançar para terceiros (Dr. EE) e para a opinião pública (com a subsequente nota à comunicação social) suspeições e juízos valorativos sobre decisões judiciais e decisores enodoa a confiança da comunidade na instituição judiciária. Independentemente da violação gratuita da confiança que o emissor do e-mail lhe merecia, só censurável dos pontos de vista ético e de relacionamento interpessoal, a sua atitude é grosseira e frontalmente violadora do dever de reserva a que estava adstrita como juiz com o estatuto de jubilada.

A situação judicial funciona como um lugar neutro e a justiça repousa não só na racionalidade do sistema e no formalismo das leis, mas também em algo de mais difuso e menos objetivo: a confiança[9]. Neutralidade, contenção e recato que perdeu a Senhora Desembargadora, minando a credibilidade e a confiança dos cidadãos no sistema de justiça, fundamento da autorictas dos juízes, ao lançar sobre eles suspeições de parcialidade e de falta de independência.

2.2. As suas atitudes são também violadoras do dever geral de correção. No que tange aos reparos que a Senhora Desembargadora dirigidos ao conteúdo do e-mail, embora encerrem extrapolações inapropriadas do respetivo suporte material, tal como conclui o Ex.mo Conselheiro Instrutor, são insuficientes para justificar, só por si, uma reação sancionatória. Já são suscetíveis de um juízo subjetivo de censura os comentários que produziu sobre as decisões judiciais, dirigidos à decisão da 1.ª instância e ao acórdão do tribunal de recurso, nomeadamente que “padecem de erros jurídicos suscetíveis de contender com a justiça no caso concreto e com o sistema de justiça no seu todo”, de “erros técnicos graves”, “do ponto de vista jurídico, qualquer das decisões encerra verdadeiros erros judiciários, não se tratando apenas de interpretações jurídicas diferentes, antes configurando decisões ao revés da independência e livre arbítrio dos Julgadores”, erros que não podem “encontrar nenhuma justificação, porque qualquer dos magistrados tem experiência e excecional qualidade técnica”, as respetivas decisões foram tomadas “ao revés da independência e livre arbítrio dos Julgadores”.

A suspeita que projeta sobre o comportamento ético dos juízes em causa, fazendo crer que os “erros técnicos” foram conscientemente cometidos, a coberto de uma qualquer motivação extraprocessual, é inaceitável. Ademais, a sua especial qualificação impor-lhe-ia prudência e comedimento nas suas afirmações, tanto mis que, como juiz, não podia ignorar que a maior ofensa que pode atribuir-se à honra e consideração de um juiz é imputar-lhe a “insuportável subversão dos princípios elementares que devem nortear a sua atividade, mormente a sua imparcialidade e a sua independência, na impressiva terminologia usada pelo Ex.mo Conselheiro Instrutor.

Como os comentários não estão factualmente particularizados, não se dirigem a uma concreta intervenção processual, sufraga-se o entendimento plasmado no relatório final: não está aqui em causa o dever de reserva, mas o dever de correção. Sob a capa de pretensos “erros técnicos”, sem qualquer correspondência com a realidade retratada nas decisões, a Senhora Desembargadora lançou suspeição sobre os magistrados judiciais nelas envolvidos, questionou a sua independência e a sua integridade moral e fez recair sobre os mesmos o anátema da falta de honradez e seriedade. E fê-lo de uma forma tão ostensiva e leviana que mal se compreende a sobriedade e a contenção que alega ter usado nas correlativas menções. Em contraponto, considera-se que a sua atuação se traduziu em tratar com desrespeito os seus colegas, exteriorizando opiniões e, decerto, sentimentos, violando patentemente o dever de correção a que estava vinculada, ademais aproveitando a aura e o prestígio inerente à sua qualidade de juiz [artigo 3.º, 2, h), e 10 do EDTEFP].

Consistindo o dever de correção em tratar com respeito os utentes dos serviços públicos, os colegas e os superiores hierárquicos [artigo 3.º, 2, h), e 10, do EDTEFP]), é axiomático ter a Senhora Desembargadora violado esse dever de modo ostentativo.

 

2.3. Paritariamente, inobservou o dever de prossecução do interesse público, traduzido na sua defesa, no respeito pela Constituição, pelas leis e pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos [artigo 3º, 2, a), e 3, do EDTEFP].

Uma breve reflexão sobre as consequências da atitude da Senhora Desembargadora, que desencadeou a polémica que envolveu o Presidente do Tribunal de Recurso, Senhor Dr. II, o Senhor Deputado FF, líder da ..., a “Nota à Comunicação Social” dos advogados da Dr.ª BB e as reações do Senhor Presidente do Tribunal de Recurso através de uma conferência de imprensa por convocada para o tribunal (documentos de fls. 82 a 86 e 329 a 333), logo permite concluir que determinou que viessem a público e fossem discutidos factos de cariz endoprocessual, criando a desconfiança generalizada sobre o sistema de justiça ... e sobre os juízes particularmente visados, na sua imparcialidade e integridade moral, devido à propalada “grave injustiça cometida contra a Ex-Ministra da Justiça”, a ponto de os órgãos de soberania de natureza política terem também intervindo publicamente, nas judiciosas palavras do Ex.mo Senhor Conselheiro Instrutor, “ultrapassando, sem mais, o intocável princípio da separação de poderes”.

A Senhora Desembargadora AA, como observadora privilegiada da sociedade ..., porque a conheceu de perto, no âmbito das relevantes funções que exerceu na estrutura judiciária daquele país, não podia deixar de admitir as consequências expostas quando divulgou o teor do e-mail. Tanto mais que ela própria fala em “pressões” exercidas pelo poder político sobre os juízes, que não são de agora, e até exemplifica com as incidências que rodearam a parte final do mandato exercido pelo Senhor Juiz Dr. MM, que terminou a sua comissão de serviço em Março de 2009 (ponto 109 da contestação), e acompanhou, com grande proximidade, o processo da Senhora Dr.ª BB. Donde não pudesse ignorar, como acentua o Ex.mo Conselheiro Instrutor, a “nebulosa convivência” entre a defensoria pública e os advogados constituídos no processo e a apetência inusitada de muitos operadores, judiciários e políticos, pelo recurso à comunicação social. Circunstancialismo que lhe exigia cuidados redobrados quanto ao indispensável silêncio sobre o e-mail. Aliás, a Senhora Desembargadora estava disso tão consciente que, nas denúncias, in fine, inscreveu “Reservo-me o direito de tornar público o conteúdo desta carta e documento anexo, quando e se o entender por conveniente”, no fundo, predizendo que se as suas denúncias não tivessem o adequado prosseguimento jurídico, torná-las-ia públicas.

Aspetos explicitados com absoluta clareza logo no relatório que encerrou o inquérito e que, ainda assim, não obstaram a que a Senhora Desembargadora, deploravelmente, insinue a intencionalidade do Ex.mo Conselheiro Instrutor em omitir a referida “Nota”. Instilação que excede a discordância, essa sempre legítima, e que se reconduz, no que há plena associação à visão do Ex.mo Senhor Conselheiro, à “torpe acusação de desonestidade intelectual”, atitude revestida de absoluta intolerabilidade, mormente quando provém de um juiz.

Das instituições da administração pública em geral e da administração judiciária em particular esperam os cidadãos e os potenciais beneficiários dos seus serviços o prosseguimento do interesse público, de sagração constitucional (artigo 266.º). Mais uma vez, na criteriosa apreciação do Senhor Conselheiro Instrutor, a Senhora Desembargadora criou um confronto que é devastador para a imagem da justiça e, distanciada de quaisquer preocupações de proteção da imagem de uma administração da justiça proba, isenta e imparcial, assumiu comportamentos que macularam a figuração esperada, reprováveis nos planos ético e disciplinar.

Assim, verificando-se o facto, a ilicitude e o nexo de imputação, a Senhora Desembargadora preencheu os elementos das infrações disciplinares imputadas pela acusação. Sabia que todas as afirmações produzidas traduziam suspeitas e imputações dirigidas a essas entidades e às pessoas que nelas exercem funções, as quais constituem acusações que contribuem para o seu descrédito, quando, pela dignidade da função, lhe era exigido que acautelasse o alcance das suas declarações por forma a não colocar em causa a respeitabilidade dos visados e a credibilidade das instituições.

 

3. A sanção disciplinar

Na determinação da medida da pena atende-se à gravidade do facto, à culpa do agente, à sua personalidade e às circunstâncias que deponham a seu favor ou contra ele (artigo 96º do EMJ). A culpa é pressuposto e limite da medida disciplinar e a sua função “reside não em fundamentar a aplicação de uma medida disciplinar, mas unicamente em evitar que uma tal aplicação possa ter lugar onde não exista culpa ou numa medida superior à suposta por esta.”[12].

As sanções disciplinares estão elencadas no artigo 85.º, n.º 1, do EMJ e, à luz do princípio da proporcionalidade, impõe-se um ponderado balanceamento entre as vantagens decorrentes do interesse público e os inerentes sacrifícios dos interesses privados por forma a que o juízo de censura seja calculado entre a dimensão externa da conduta e o circunstancialismo que a rodeou.

Revisitados os factos, no tocante aos comentários que a Senhora Desembargadora fez sobre o comportamento técnico e ético dos seus colegas, não há dúvida que proferiu comentários, de cujo conteúdo depreciativo estava consciente, gravemente ofensivos para os visados e para as próprias instituições judiciárias ...s, agravados pela publicidade alcançada. A circunstância de se não ter provado que a Senhora Desembargadora podia prever essa consequência como efeito necessário da sua conduta apenas enjeita o preenchimento da circunstância agravante especial da produção efetiva de resultados prejudiciais ao órgão ou serviço ou ao interesse geral, nos casos em que o agente possa prever essa consequência como efeito necessário da sua conduta [artigo 24.º, n.º 1, b), do EDTEFP].

A gravidade do comportamento global da Senhora Desembargadora, decorrente do seu completo alheamento das nefastas consequências da sua conduta para os juízes envolvidos e para a imagem dos tribunais ...s, é reveladora do “grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres profissionais”, o que integra a sua atuação na previsão sancionatória da suspensão do exercício de funções (artigo 94.º, n.º 1, do EMJ).

A seu favor relevam as duas classificações de mérito que encerraram o seu percurso judicativo - “Bom com Distinção”. Não há, contudo, quadro factual que sustente atenuação especial da sanção disciplinar e como a Senhora Desembargadora está jubilada, a sanção de suspensão de exercício de funções é substituída pela perda de pensão pelo tempo correspondente (artigo 100.º do EMJ).

A moldura abstrata da suspensão de exercício é de vinte a duzentos e quarenta dias (artigo 89.º, n.º 2, do EMJ), pelo que a ponderação de todo o circunstancialismo envolvente torna equilibrada e proporcional a proposta do Ex.mo Conselheiro Instrutor, que se adota, aplicando-se-lhe uma sanção de 40 (quarenta) dias de suspensão de exercício, substituída pela correspondente perda de pensão. A operada qualificação jurídica dos factos, revertendo a conduta global da Senhora Desembargadora a uma única infração, não esbate a gravidade dos factos, globalmente considerados, continuando a justificar-se a sua punição com a sanção proposta pelo Ex.mo Conselheiro Instrutor.

 

IV. Dispositivo deliberativo

Na defluência do expendido, o Plenário do Conselho Superior da Magistratura delibera sancionar a Ex.ma Senhora Desembargadora AA, pela prática de uma infração disciplinar consubstanciada na violação dos deveres de reserva, de correção e de prossecução do interesse público e de criar no público a confiança na administração da justiça, previstos pelos artigos 1º, 2º, a) e h), 3 e 10, do EDTEFP e 12.º, 85.º e 94.º do EMJ, na sanção disciplinar de perda da pensão pelo período de 40 (quarenta) dias.

*

Foi interposto recurso desta deliberação pela arguida, Senhora Desembargadora Jubilada AA, sendo do seguinte teor a motivação apresentada:

 

I – Das considerações iniciais sobre a decisão recorrida

 

1.      A Recorrente não se conforma com a decisão final proferida no âmbito do presente procedimento disciplinar, porquanto a mesma, salvo o devido respeito pela posição nela sufragada, não pondera nem aprecia objectiva e subjectivamente toda a prova produzida nos autos, tão pouco dá cabal resposta à defesa apresentada, violando o princípio de decisão consagrado no artigo 9.º do CPA (actual artigo 13.º).

2.      Por outro lado, sobretudo no Relatório final - que a decisão recorrida dá por reproduzido dela fazendo parte integrante - é frequente o recurso a juízos presuntivos, desabafos de índole estritamente pessoal, em tom estranhamente defensivo, e, infelizmente, claramente parcial. Sendo evidente o sarcasmo inerente em diversas passagens, usualmente no início de cada ponto de análise:

3-6

A Senhora Desembargadora conhece, como é patente, os mecanismos processuais apontados, designadamente a oportunidade da sua dedução e os fundamentos que podem conduzir ao seu sucesso.

Ademais, a Senhora Desembargadora evidencia um conhecimento minucioso do processo, que não é de agora, pois remonta já ao tempo das denúncias.

De outro modo, não teria feito os comentários que fez.”

(...)

“Para quem tanto enfatiza os erros dos Juízes envolvidos e a ligeireza instrutória do Inquérito, não podemos levar esse silêncio à conta de ocasional omissão

Em vez de se refugiar em vagas abstracções, melhor seria que a Senhora Desembargadora explicasse a utilidade dos mecanismos utilizados no processo pela Senhora Doutora BB

(...)

“Sendo uma pessoa especialmente qualificada e sujeita a um Estatuto especial – que lhe exige prudência e equilíbrio nos seus comportamentos – impunha-se que a Senhora Desembargadora factualizasse as suas afirmações

(...)

Onde reside, afinal, a contradição da nossa tese?

De bom grado acolheríamos uma explicação, talvez mais simples, que nos permitisse apreender tão inovador argumento

 

3.      E é de tal modo evidente a escusada e essa sim inusitada pessoalização da questão sub judice, no relatório final, que mais não restava à decisão recorrida do que reconhecê-la, acompanhando (quase ipsis verbis) o estilo adoptado em prol da “unidade de acção”:

Por isso se associa este CSM ao desabafo do Ex.mo Senhor Conselheiro Instrutor no sentido de que a Senhora Desembargadora, num juízo profundamente injusto e inadmissível, escamoteia essa meridiana realidade e tem o atrevimento de censurar um facilitismo irresponsável”. vide 1.º Parágrafo de fls. 23 da decisão recorrida e últimos parágrafos do ponto 1-2 a fls. 30 do relatório final.

4.      Não deixa de ser curioso que uma decisão condenatória se alicerce em desabafos e em imputações como a transcrita, sem qualquer concretização, por sinal, sem o mínimo fundamento e com manifesta e incompreensível animosidade em relação à Recorrente e à defesa por si apresentada, violando assim o princípio da justiça e da imparcialidade a que estava adstrita, desde logo por força do disposto no artigo 6.º do CPA (artigos 8.º e 9.º na actual versão). Sobretudo quando se critica a Recorrente por emitir “desabafos destituídos de qualquer conteúdo factual” – vide última expressão do ponto 1, a fls. 27, da decisão recorrida.

5.      É talvez o momento indicado para referir - não vá a Recorrente ser novamente mal interpretada quanto àquilo que diz e às razões por que o diz - que os reparos e objecções que doravante fará na decisão contra si proferida não resultam de qualquer automatismo crítico ou pré-juízo em relação ao labor de terceiros, seus pares, tão pouco consubstanciam arrogância ou pretenso saber acrescido e mais acertado. Longe disso. Pretende-se, tão só, demonstrar, com a honestidade intelectual e a verticalidade de processos de que a Recorrente não abdica, que ao aresto recorrido faltou argúcia, sensibilidade e, talvez, a noção de perspectiva de quem é destinatário de uma comunicação escrita onde tão gratuita e despreocupadamente se publicita o mais profundo desrespeito pela Justiça Portuguesa, desrespeito por quem a prossegue diariamente, o juiz honesto, isento e trabalhador, mas fundamentalmente, desrespeito por quem nela confia, e deve confiar, seja magistrado, funcionário, advogado, político, varredor de rua, empregada de limpeza ou taxista.

6.      A decisão de um Tribunal não pode depender de preconceitos, de conciliações, de condições, de ameaças, de pressões, de sentidos pré-determinados. Muito menos a liberdade de uma pessoa que espera uma decisão rigorosa, fundada, justa e imparcial. Como bem referiu o Exmo. Procurador TT, que bem conhece ... e o caso, “...do teor do e-mail e da leitura que do mesmo se poderia faz, afigurava-se-me ter havido um conluio no sentido de retirar qualquer possibilidade de defesa ao Recurso da Dr.ª BB. Conluio esse que ia no sentido de, ao arrepio do direito constituído, encontrar uma fundamentação subscrita por outros Magistrados, forçando-os a aceitar uma decisão já preparada. Baseio essa minha declaração na percepção de que o julgamento e a condenação da Dr.ª BB tinha um cariz político. Em primeiro lugar, pela informação que me foi pessoalmente transmitida pelo Procurador, de Nacionalidade Brasileira, inicialmente destacado para a realização do inquérito. O mesmo referiu-me que entendia não haver factos que indiciassem a prática de qualquer ilícito de natureza penal. Este Procurador foi afastado do inquérito após manifestar essa sua opinião à Sr.ª Procuradora Geral da República. O processo foi destacado para um outro Procurador, que deduziu acusação. Na minha opinião, a acusação não continha factos que se pudessem subsumir, objectiva e subjectivamente, às incriminações legais imputadas à Sr.ª Ministra da Justiça e, designadamente em termos de prova, entendi existir uma nulidade na prova ao basear-se o inquérito numa troca de SMS que previamente correram no jornal.”

Prosseguindo,

7.      A decisão recorrida alicerça-se ainda em conclusões, meras opiniões e estados de alma, ao invés de factos concretos, como mais adiante aprofundaremos com mais acuidade.

8.      Veja-se, para já, a título de exemplo, a matéria de facto julgada provada nos pontos 53, 54 a 58, flagrantemente conclusiva e não factual. Sendo que o teor do ponto 46 consubstancia verdadeira matéria argumentativa, nem sequer de direito e muito menos de facto, como indevidamente se apresenta.

De resto,

9.      Em momento algum do aresto condenatório proferido se procurou, verdadeiramente, compreender a cautelosa e ponderada actuação da Recorrente, indagar da sua justa e real motivação pessoal, o seu enquadramento legal e profissional e, por fim, valorar devidamente a sua actuação apreciando toda a referida realidade, como se impunha.

10.   Ficou por apreciar o legítimo interesse objectivo, a boa e meritória intenção da Recorrente, a repercussão da sua conduta no plano da suas expectativas de uma justiça sã, e o conjunto das consequências que anteviu para a sua vida pessoal e profissional e que ainda assim não a demoveram de fazer aquilo que estava certo! E, mais, que se lhe impunha, como se imporia a qualquer juiz digno desse nome.

11.   Interessava apreciar na decisão recorrida se a Recorrente agiu movida por qualquer interesse pessoal menos próprio, ou, em alternativa, para salvaguarda de um interesse comum, supra-individual, tanto mais que a só a sua conduta era a adequada a prosseguir este último propósito.

12.   Como aliás bem refere o Exmo. Senhor Bastonário Dr. ...: “Do meu ponto de vista ao agir como agiu, a Sr.ª Desembargadora fez aquilo que lhe competia. Se em todos os processos se deve administrar a melhor justiça, mais ainda assim deverá ser quando estão em causa valores primaciais como o são o direito à vida e à liberdade.

Em termos práticos colocavam-se à Sr.ª Desembargadora duas opções: ou guardava aquilo que conhecera no segredo do seu conhecimento, ou, tal como o fez, comunicava a quem de direito o que então se lhe afigurou como sendo de tal forma errado, que o considerou capaz de por em causa a própria independência do Tribunal.

Por outro lado os factos relatados à Dr.ª Juíza Desembargadora interferiam directamente com a integridade das regras processuais aplicáveis no caso concreto. Pelo menos foi essa a representação que deles fez. Parece-me por isso absolutamente justificada e correcta atitude da Sr. Juíza Desembargadora, quando de forma leal, clara e em documento por si subscrito, relatou o que conhecera ao Defensor Público Geral, que, como já se referiu era também mandatário da Arguida visada pelo processo criminal.

Não se encontraria justificação para que uma magistrada Judicial, confrontada com factos que considerou graves e atentatórios da boa administração da justiça, os guardasse para si própria, ou, tendo optado pela sua divulgação, os sonegasse à defesa. Recordo que, em ..., tal como aliás em Portugal, os Advogados estão sujeitos a regras quanto ao exercício do patrocínio e nomeadamente a guardarem segredo profissional.

Os tribunais existem, para que os cidadãos saibam e sintam que, quando forem julgados, o serão por Juízes independentes, na busca de soluções justas em cada processo. Ora, essa procura da justiça no caso concreto impõe, por vezes, que algumas regras prevaleçam sobre outras, nos quadros que habitualmente designamos por conflito de deveres e pelo relevo do interesse preponderante.

Pelo que sei foi o que a Sr.ª Juíza Desembargadora fez, precisamente ao não guardar para si aquilo que entendeu divulgar, para que, naquele caso concreto pudesse ser feita a melhor justiça e garantido, quer o cumprimento das regras, quer a lealdade processual, quer a plenitude do contraditório.”

13.   Surpreendida que foi pelo email recebido, sabendo o que sabia, podia a Recorrente confortavelmente fingir que nada tinha acontecido. Se o fizesse nada lhe aconteceria. O seu interesse pessoal poderia ser manifestação da cobardia, da preguiça, da subserviência, da transacção dos princípios, sucumbindo à tentação da facilidade em virar a cara para o lado. Escolheu o caminho difícil, do cumprimento do dever. Da defesa da profissão. Do respeito pela Lei. Da defesa da Liberdade. E da salvaguarda da Justiça.

14.   Tal ponderação e análise, do comportamento alternativo, calar e esconder, ou relatar e denunciar, eram fundamentais e são completamente omissas na decisão recorrida.

15.   Por outro lado, a decisão recorrida parece não extrair quaisquer consequências da atitude de ponderação, de cuidado, de zelo da Recorrente, devidamente comprovada nos autos, após a recepção do email redigido pelo Senhor Juiz Desembargador CC, em 31/01/2013.

16.   Nomeadamente, o pedido de aconselhamento prévio ao Advogado Dr. NN, a fim de obter o necessário aviso e conselho jurídico relativamente ao modo de actuação devido após tomada de conhecimento de informação tão sensível e grave. Aconselhamento e actuação cuja correcção e bondade foram corroboradas e acompanhadas in totum pelas testemunhas, Senhor Professor Doutor ... e Senhor Bastonário Dr. ..., ouvidas nos autos, conforme se sintetiza, por defeito, no ponto 63 da matéria de facto provada, de que, salvo o devido respeito, não se retira a devida e imediata conclusão: a Senhora Juiza Desembargadora fez o que devia, como se lhe impunha.

17.   Ou seja, a decisão recorrida não analisou de forma crítica toda a prova produzida, abstendo-se, nomeadamente, de extrair quaisquer consequências da matéria de facto julgada provada constante dos pontos 60 a 63 da mesma.

Aliás,

18.   A decisão proferida e bem assim o procedimento disciplinar instaurado fazem o percurso inverso na apreciação disciplinar da conduta da Recorrente. Em boa verdade, sem nunca o admitirem expressamente, partem da repercussão mediática do processo judicial em que é arguida a Senhora ex-Ministra da Justiça e da decisão tomada pelo Senhor Ministro da Justiça em 20/11/2013, em busca de um responsável, in casu, a Recorrente, enxertando à força e sem razão uma tese de responsabilização.

19.   Só assim se explica a necessidade de inclusão na matéria de facto provada, dos pontos 5 e 50:

5. Por ofício datado de 20 de Novembro de 2013 e dirigido ao Senhor Presidente do Conselho Superior da Magistratura de Portugal, o Exmo. Senhor Ministro da Justiça de ... comunicou “(...) que decidi não renovar os contratos dos Senhores Juízes Portugueses DD e CC, que têm estado a trabalhar para o sector da Justiça de ... no termos dos seus atuais contratos no próximo Dezembro.

(...)

50. Todas as notícias referentes ao processo em que é Arguida a Senhora Dr.ª BB têm ampla cobertura mediática em ...”.

20.   Factos que, de per si, são absolutamente inócuos, que nada têm que ver com a Recorrente e a que esta é completamente alheia. E o contrário não resulta da decisão recorrida. Pelo que a sua inclusão na decisão Recorrida só faz sentido se com isso se pretender, de modo enviesado, um putativo ou ficcionado nexo causal entre a actuação da Recorrente e a referida matéria de facto. Nexo causal que a Recorrente repudia, sobretudo na vertente de mera, vaga, não concretizada, mera insinuação, que visa fazer de si um bode expiatório de culpas alheias.

Vejamos porquê.

21.   Decorre do procedimento disciplinar e da decisão recorrida uma preocupação clara com a boa imagem pública da Justiça Portuguesa, ou pelo menos, com a boa imagem dos Juízes que exerciam funções ao abrigo do protocolo aludido no ponto 1 da matéria de facto provada.

22.   Mas, sufraga-se um raciocínio perigoso assente na ideia de que a boa imagem pública deve preservar-se, a todo o custo, em detrimento de outros bens jurídicos ou valores fundamentais, maxime, o direito à liberdade, a uma decisão justa, imparcial, séria e honesta. Há, como diz o Povo, que separar o trigo do joio e isso faz-se com a peneira, com crivo, e não com peneiras e com a arrogância do altivo... que esconde as misérias próprias.

23.   Não é em vão que a Constituição da República Portuguesa consagra o direito à liberdade e à segurança, apenas admitindo em regra, a privação da primeira, mediante decisão judicial condenatória prévia, nos termos do disposto no n.º 1 e n.º 2, do artigo 27.º da CRP. Decisão independente e não sujeita a pressões. Quaisquer que elas sejam, venham de onde vierem.

24.   Ora, a decisão recorrida perpassa o entendimento de que nada deve beliscar a imagem (ainda que virtual... e, já agora, diga-se, não muito real) que o cidadão tem da Justiça, e a ideia de que ela e o aplicador do Direito devem ser vistos como um só: sempre impolutos e sem mácula, enfim, sem erro, nem engano.

25.   Parece recear-se que, tomando o cidadão conhecimento de que o aplicador do Direito, quer pela prática involuntária de erros numa decisão, ou pela prolação de um aresto decisório motivado por um interesse pessoal ou colectivo, ou por pressão política ou outra, todo o sistema colapse e com ele a (alguma) fé que (ainda) resta no sistema judicial.

26.   É o que parece resultar, em particular do ponto 6 do relatório final (fls. 68 e 69 do mesmo) Essa estranha ilusão e a deturpação da escala dos valores fundamentais permite que se vá instalando a ideia de contenção de estragos, de resguardo da informação do exterior, da opinião pública.

27.   Simultaneamente, espalha-se um sentimento de camaradagem, criado e alimentado pelo interesse corporativo, adequado a estabelecer laços de confiança recíproca, assentes em verdadeiros pactos de silêncio. Em síntese, “ouve e cala”, senão... É, posteriormente, o interesse corporativo que procede à filtragem e que selecciona o que é tornado público. Como um arbusto, à porta de uma casa, em que deliberadamente se mantém à vista dos transeuntes a folhagem verde, e se ocultam junto à parede os galhos mortos por podar. Esse interesse reconhece que a poda é necessária, mas ela faz-se à noite, quando ninguém está a olhar, assim se mantendo a aparência, e apenas essa, da perfeição (do sistema judicial).

28.   É precisamente essa conivência silenciosa, perversa, geradora de (des)confiança e de uma omertá entre elementos da corporação, que parecia esperar-se da Recorrente e que esta se recusou a seguir, a acatar, reagindo como sabia, podia e como foi, aliás, aconselhada a agir. Comportamento que, subtil mas distorcidamente, a decisão recorrida subsumiu à violação do dever de reserva, mas mal. Ora, o email recebido pela Recorrente em 31/01/2013 é, na verdade, a prova mais irrefutável da conivência silenciosa, oculta, que era esperada da Recorrente e com a qual esta não quis compactuar.

29.   Até porque é no referido email que o seu subscritor partilha, sem qualquer reserva ou receio de qualquer espécie, factos graves de que tem conhecimento, em que participou, esperando – sem o dizer, ou pedir confidencialidade - que a Recorrente nada fizesse.

30.   Repare-se, em particular, no à vontade, na confiança, na despreocupação que o autor do referido email, não obstante o teor do mesmo, evidencia. O à vontade no tom descontraído em que se encontra redigido apesar da informação objectiva e subjectivamente grave dele constante, que evidencia a ignóbil privação da liberdade, porque parcial, injusta e ilegal, de um cidadão, determinada por critérios e interesses meramente pessoais e mesquinhos, mais a mais ajurídicos. A confiança e a expectativa de que, não obstante a gravidade dos factos relatados, estes nunca seriam divulgados ou escalpelizados.

31.   O Autor do email, Juiz Desembargador amigo da Recorrente há pelo menos cerca de 30 anos vide ponto 49 da matéria de facto provada esperava que esta nada fizesse na posse da referida informação. Esperava conivência na confidência. Esperava que à confissão do ilícito se seguisse o encobrimento!

32.   E não é a Recorrente que o diz, mas o próprio relatório final (fls. 76, in fine):

E a verdade é que na origem da polémica que se gerou, estiveram aqueles dois Magistrados Portugueses: um, porque redigiu e enviou o “e-mail”; o outro porque o divulgou nos moldes já conhecidos.

Temos para nós que ambos devem ser responsabilizados pelos comportamentos que assumiram.

Mas, no plano da censurabilidade – e é aqui se releva a apontada omissão – estamos em crer que as diferenças são notórias:

- O Senhor Desembargador CC não previu, nem lhe era exigível que previsse, a reacção protagonizada pela sua Colega e amiga;

- A Senhora Desembargadora AA ignorou todo um contexto que, patentemente, lhe indicava as iniciativas a promover antes de reagir externamente.”

(negrito nosso)

33.   Muito gostaria a Recorrente que fosse avançada qualquer razão atendível – que não a da expectativa de conivência - para justificar a não previsibilidade da conduta da Recorrente pelo Senhor Desembargador CC, mas o Senhor Inspector não se alonga em mais considerandos, tão pouco a decisão recorrida esclarece. Fica por, pois, por saber porque não previu nem lhe era exigível que previsse, no entendimento da decisão recorrida.

34.   Parece-nos estranho, até contrário ao Estatuto a que os Magistrados devem obediência, a tomada de conhecimento de factos de natureza disciplinar que não é acompanhada de imediato reporte. Esse é o impulso legalmente exigível, logo expectável para qualquer Magistrado.

35.   Sobretudo no caso da ora Recorrente que, tal como era do conhecimento do autor do referido email, exerceu (embora já não exercesse, à data dos factos) as funções de Inspectora Judicial – ponto 4 da matéria de facto provada - e que, por via das suas funções, não raras vezes, apurou a idoneidade cívica, a independência, a isenção e a dignidade da conduta dos seus pares e ainda, o seu relacionamento com outro magistrados vide alíneas a), b) e c), do Regulamento da Inspecções Judiciais.

36.   Como deveria agir a Recorrente, senão do modo como agiu? A decisão recorrida não esclarece. Ou melhor, esclarece de modo incompreensível, através do Relatório final, exigindo vagamente à Recorrente a assunção das funções de investigador, já que, na tese sufragada, a Recorrente deveria ter procedido ao que apelida de prévio escrutínio”, accionando uma “iniciativa em ordem a clarificar o teor da mensagem”, nos termos descritos a fls. 72 a 77 do relatório final.

37.   Salvo o devido respeito, nada havia a investigar ou a apurar, pelo menos por parte da Recorrente, já que a ela não competia assumir esse papel, tão só reportar a factualidade de que foi informada, de forma escandalosamente clara, perceptível, e disciplinarmente repudiável através do email em apreço e evitar que alguém fosse privado da sua liberdade ilegítima e infundadamente, estando ao seu alcance evitá-lo.

38.   Em todo o caso, caberia à Decisão Recorrida compreender a razão de ser da sua actuação, para que pudesse valorá-la convenientemente, ao invés de sistematicamente referir que à Recorrente era exigível um comportamento diverso do que assumiu.

39.   A decisão recorrida não só não o fez, como esboçou, sem concretizar ou concluir, uma tese meramente especulativa para a sua conduta alicerçada nas declarações, defensivas e alijadoras de responsabilidades próprias, do Juiz Desembargador CC e nos depoimentos dos Magistrados visados no email por este redigido. Conveniente.

40.   A este propósito a decisão recorrida, através do Relatório final – fls. 74 e 75 do mesmo - refere o seguinte:

Finalmente – por nos parecer que tem uma conexão relevante com o mencionado contexto – não podemos deixar de aludir ao relacionamento que, após a ocorrência dos factos, passou a existir entre os interlocutores da mensagem e os Juízes do Tribunal de Recurso que ali eram acusados de prevaricação.

Esse relacionamento é surpreendente.

Perante a gravidade dos factos relatados, o que seria normal é que esses Juízes não tivessem tolerado o comportamento do Senhor Desembargador CC e que, em contrapartida, nada os movesse conta a Senhora Desembargadora AA no que respeita à divulgaçãoo do “e-mail” junto dos CSM´s, visto que uma tal iniciativa teria até a virtualidade de, porventura, vir a contrariar a versão reproduzida neste documento como os mesmos juízes seguramente desejariam.

Como entender então que esses juízes se tenham coligado com o Senhor Desembargador CC para, em conjunto, intentarem providências judiciais contra a Senhora Desembargadora AA conforme já noticiava a Senhora Doutora LL a fls. 454 das suas declarações e se mostra comprovado agora pela certidão de fls. 915?

Como entender também o Sr. Desembargador CC tenha solicitado, em abono da sua defesa, o depoimento de todas as personalidades que no “e-mail” em causa eram acusadas de prevaricação?

A disparidade do apontado relacionamento só entendível se tiver subjacente um juízo de harmonia com o qual os Magistrados em causa terão como “justificável” o comportamento do Senhor Desembargador CC e como “inaceitável” co comportamento da Senhora Desembargadora AA.

(sublinhado e negrito nossos)

41.   Julgamos fácil explicar tal alinhamento de agulhas, temos aliás vindo a discorrer sobre ele: a expectativa de conivência e a pressão do interesse corporativo em conter a informação e em mantê-la do exclusivo conhecimento interno.

42.   Repare-se que a Recorrente foi a única de entre os Juízes conhecedores dos factos a não se conformar e a não conter, entre pares, a informação. Assumiu-se como dissidente, pela Justiça e em defesa da Lei, e como tal foi e tem vindo a ser tratada, com injustiça e violação de Lei.

43.   Em todo o caso, normal seria antes, ao contrário do entendimento transcrito, que à luz da unidade e da camaradagem, os referidos Senhores Juízes adoptassem, ulteriormente, uma posição uniforme, bem como versões unívocas sobre os factos, procurando fornecer uma versão em sintonia e aparentemente mais sólida e mais convincente de molde a deles afastar qualquer suspeição, ou pelo menos, responsabilidade acrescida. Mas só na aparência tal versão se apresenta mais credível, como vamos demonstrar.

44.   Retomando a tese especulativa, esta assenta – especulamos também – na existência de um alegado relacionamento muito próximo entre a Recorrente e a Doutora BB no âmbito do processo em que esta era Arguida. Tendo sido essa - especulam - a verdadeira motivação da Recorrente.

45.   De facto, afirmam os referidos Magistrados que suspeitavam que em momento anterior à formalização das denúncias junto do CSM’s, já a Senhora Desembargadora AA teria alegadamente prestado informações à Senhora Doutora BB.

46.   O Senhor Juiz Desembargador CC veio corroborar a referida suspeita e inclusivamente apresentar um documento para fundá-la.

Apreciando.

47.   Basta uma leitura atenta dos autos para facilmente compreender que o depoimento prestado pelo Senhor Desembargador CC não merece credibilidade, sobretudo no ponto em que afirma ter tido suspeitas de proximidade com a Senhora Doutora BB ou com a sua defesa.

48.   Fazendo uso da perplexidade que o Senhor Instrutor invoca para formular as suas conclusões, não podemos deixar de achar surpreendente a manifesta incongruência e contradição entre a conduta do Senhor Juiz Desembargador CC e as suas declarações sintetizadas no Relatório final. E isto por uma razão simples.

49.   É que se o Senhor Juiz Desembargador CC já suspeitava de esse pretenso e por afirmdo relacionamento muito próximo entre a Recorrente e a Senhora Doutora BB, não se percebe então porque remeteu justamente à Recorrente um email com aquele teor.

50.   A ser verdade ou minimamente credível o que diz, era para o Senhor Juiz Desembargador CC mais do que expectável a posterior divulgação do mesmo à defesa da Senhora Doutora BB, contrariando assim claramente o raciocínio ínsito na conclusão a fls. 76 do relatório, in fine, por lhe ser exigível que esperasse tal actuação da Recorrente.

51.   A não ser que, o que também não é aceitável, apesar da gravidade do relatado e de entender existir uma alegada proximidade da Recorrente com a defesa da Senhora Doutora BB, o Senhor Desembargador CC esperasse, ainda assim, a aludida conivência da Recorrente. Não, claro que não. O que não (se) esperava era a atitude vertical, digna e corajosa que deu origem a esta injusta condenação de que ora se recorre.

52.   Em qualquer dos cenários possíveis, a conduta do Senhor Desembargador CC é censurável não merecendo as suas declarações qualquer credibilidade, sobretudo na parte em que desenvolvem uma verdadeira especulação, e uma tentativa de fuga à realidade e de desresponsabilização própria.

53.   A decisão recorrida não cuidou de analisar a referida contradição, permanecendo no domínio do vago e da suspeição para sancionar precipita e ilegitimamente a conduta da Recorrente, o que não tem valor argumentativo e sustento probatório algum e revela procedimento grave e que não deve ser branqueado.

54.   Não no entendimento da Recorrente, mas do próprio Relatório final de que nos socorremos, in casu, pela sua aplicabilidade:

A gravidade do comportamento assumido (...) passa, não apenas por aquilo que disse, mas sobretudo, pelo que não disse mas deixou implícitovide último parágrafo de fls. 58 do relatório final.

Avançando.

55.   Na análise dos deveres estatutários que entende indevidamente violados, a decisão recorrida incorre, surpreendentemente, num discurso que aflige e faz entristecer qualquer profissional que haja dedicado algumas décadas a servir a Justiça e os homens e mulheres que dela ainda não abdicam e que rejeitam solução mais céleres que a vindicta privada atrevidamente propõe.

56.   É a desumanização do sistema judicial que o aresto recorrido parece descrever e, pacificamente, dar como assente, baseado numa visão inflexível, absolutamente previsível mas enviesada do direito substantivo e adjectivo.

57.   De ordem tal que parece querer afirmar-se que a testemunha de um crime ou alguém que tome conhecimento de um facto grave dele indiciador, deve resignar-se à imobilidade, ao silêncio, à cumpliDDade, à inacção, sobretudo se for Magistrado e os alegados autores do ilícito também o forem. Uma renovada manifestação do dever de contenção, não do dever de reserva, sob a forma do “ouve e cala” ou do “vê e silencia”.

58.   Só assim se consegue entender, mas não aceitar sem reagir, o tom e o teor das afirmações seguintes – constantes do 2.º Parágrafo, de fls. 30, da decisão recorrida e do último parágrafo de fls. 53 do Relatório final elaborado - que são graves:

Quanto à queixa crime, também a Senhora Desembargadora não podia deixar de conhecer que, estando em causa crimes de natureza pública, a denúncia deveria ser realizada junto do MP, sendo escusada, para esse efeito, a comunicação por si efectuada ao Dr. EE. Então, a conclusão só pode ser a de que a transmissão do e-mail ao Senhor Dr. EE foi ilegítima, desde logo porque a Senhora Desembargadora bem sabia ou, ao menos, não podia ignorar que qualquer iniciativa do Senhor Advogado, no âmbito do processo em causa e a partir da informação prestada, não tinha a virtualidade de qualquer êxito, tudo a enjeitar o evocado interesse legítimo na divulgação. E inexistindo um interesse legítimo e relevante, prevalece o direito à privaDDade da mensagem e à proibição da sua divulgação”.

(...)

“ Tudo conjugado, somos a concluir que a Senhora Desembargadora não podia ignorar que qualquer iniciativa da Senhora Doutora BB, no âmbito do processo em causa e ao tempo da informação prestada iria necessariamente fracassar.

(negrito e sublinhado nosso)

59.   As afirmações proferidas são preocupantes, por um lado, porque se atêm a uma visão manifestamente restritiva dos meios de reacção possíveis. Por outro, porque precisamente pela sensibilidade do assunto ele foi comunicado a quem devia ser comunicado, para que, quem tem especiais deveres, os pudesse exercer em conformidade, ou seja, os Conselhos e o Defensor-Público Geral.

60.   Recordemos um relato prestado no processo precisamente pelo Professor Doutor Germano Marques da Silva

Parece-me inteiramente adequado que, tendo feito a denúncia aos Conselheiros Superiores, tenha também comunicado os factos de que tinha conhecimento ao Sr. Defensor, para que ele pudesse promover o que entendesse por conveniente à reposição da legalidade.

Os dilemas éticos são sempre de solução muito difícil; são essencialmente uma questão de consciência.

Só posso acrescentar que, não hesitaria em fazer o que fez a Sr.ª Desembargadora, ou seja, alertar o advogado defensor para as eventuais irregularidades cometidas, para que ele pudesse promover o que entendesse necessário à defesa dos interesses patrocinados, tanto mais que o Defensor Público é também um Órgão da administração da justiça.”

61.   Tudo isto independentemente de, no caso concreto, ser ou não viável qualquer acção de natureza jurídica, porque havia sempre a possibilidade de recursos para Tribunais Internacionais ou, mesmo, eventuais acções contra o Estado ....

 

62.  É que, precisamente pela natureza pública do crime, o Defensor-Público Geral, o Sr. Advogado EE, porque conhecedor do processo judicial em curso, tinha em seu poder mais elementos e estaria em melhor posição do que a Recorrente para aferir da viabilidade e dos meios de prova adicionais da denúncia a realizar junto do Ministério Público. E para fazê-lo em termos racionais e estritamente profissionais.

63.   Mas, por outro lado ainda, o afirmado é ainda particularmente grave porque sustenta a previsibilidade do sentido da decisão final desde logo no momento em que o procedimento é instaurado, o que é impossível.

64.   Veja-se que a decisão recorrida nega, surpreendentemente, ao processo judicial a vertente humana que lhe é característica, descrevendo-o como um procedimento automático, formatado, cujo resultado é facilmente adivinhável e não a consequência de uma investigação cuidada à charge e à décharge, muito mais profunda ou aprofundada que um mero eco de qualquer participação por mais circunstanciada que seja.

65.   Ao contrário do que é sustentado, a Recorrente não tinha a obrigação de adivinhar e antever a falta de êxito dos procedimentos, das iniciativas, das suas e dos advogados invocados. Nem tal passa, ou deveria passar, pela cabeça de quem não se conforma com uma decisão injusta depois de conhecer as razões ajurídicas que a determinaram.

66.   Discordamos, pois, da ideia veiculada de que é possível circunscrever o exercício de direitos e a resposta da Justiça a fórmulas tabeladas de actuação pré-determinada e de resultados pré-concebidos, certos ou expectáveis.

67.   Compreendemos o desejo em ver abolido o erro judiciário, mas negar a sua existência é negar a natureza humana e, por seu turno, eliminar a possibilidade de a decisão recorrida ter incorrido em qualquer erro. Quem é que agora, afinal, se arroga titular do conhecimento absoluto e da perfeição?

68.   Mas se adoptássemos, e não o fazemos, o raciocínio sufragado na decisão recorrida supra transcrito, mais aviltante e mais inaceitável se qualificaria a factualidade descrita, por email, pelo Senhor Desembargador CC.

69.   Veja-se que, tomando como boa a informação por este então transmitida por escrito, em condições normais o Sr. Advogado EE teria visto o pedido de HABEAS CORPUS deferido e promovido a libertação da sua cliente. Ou pelo menos seriamente discutida a posição por si sustentada!

70.   Mas a expectativa legítima que tinha, ao deduzir o referido pedido, foi gravemente abalada pelo interesse pessoal dos Magistrados envolvidos por força da notória coacção a que foram sujeitos. E a que se deixaram sujeitar, Quer antes, quer sobretudo depois...

71.   Ora socorremo-nos do seguinte juízo comparativo que entendemos útil à discussão, uma vez que pelo menos à luz do Direito Administrativo tal decisão sempre ficaria ferida de manifesta nulidade, nos termos do disposto nas alíneas c) e e), do n.º 2, do artigo 133.º do CPA (actual alínea f), do n.º 2, do artigo 161.º).

72.   Para que se perceba, definitivamente, a conduta da Recorrente, na posse da referida informação, reproduzimos a propósito a posição de Mário Esteves Oliveira, expressa in Código do Procedimento Administrativo comentado, 2.ª edição, anotação XII, ao artigo 133.º do CPA:

A livre manifestação da vontade do Poder, da vontade jurídico-pública, é, contudo um valor ou princípio da dignidade constitucional inalienável: a sua violação é tão chocante, para nós, no caso da coacção resistível, como o é na irresistível. Nesta, em rigor, nem sequer há decisão (acto administrativo), enquanto ali, embora a haja, o acto em que ela se fez sentir não é da vontade do titular do órgão administrativo, da Administração, mas do coactor; de qualquer maneira o acto praticado sob coacção relativa envolve a prática de crime e por aí, em nosso critério, já seria nulo (cfr. Nota IX supra).

Finalmente,

73.   Sem prejuízo de um análise mais aprofundada adiante, sempre se dirá, quanto aos deveres estatutários que a decisão recorrida entendeu violados - o dever de reserva, dever de correcção, dever de criação no público de confiança na Administração da Justiça - que não foi apreciada, como se exigia, toda a factualidade invocada na defesa e bem assim a prova produzida, sendo que a conduta da Recorrente não é passível de configurar a respectiva violação pelas razões sumárias que se seguem:

74.   O Dever de Reserva, consagrado no artigo 12.º do EMJ, não se encontra minimamente beliscado pela conduta da Recorrente, pois a Recorrente não se pronunciou publicamente sobre quaisquer processos de que fosse titular ou atribuídos a outros Magistrados. Mais, a Recorrente não divulgou – elementos, peças processuais - de um qualquer processo judicial.

75.   O email do Senhor Desembargador CC consubstancia uma mensagem escrita trocada entre duas pessoas, sendo a actividade profissional da Recorrente, para o caso, absolutamente irrelevante, pelo que o seu teor não estava sob qualquer tipo de reserva.

76.   A Recorrente recebeu a mensagem não por ser Magistrada Judicial, mas por ser amiga do respectivo autor. A mensagem, repita-se, que é da exclusiva responsabilidade do respectivo autor. A mensagem, relembre-se, não se encontra sob segredo de justiça, nem faz parte de qualquer processo judicial pendente ou transitado em julgado.

77.   Quanto ao dever de correcção, previsto à data dos factos, no n.º 1, n.º 2, alínea h), e n.º 10, do artigo 3.º do EDTEFP, também não vislumbramos como possa tê-lo violado.

78.   A Recorrente não fez, em privado ou publicamente, comentários depreciativos sobre processos, ou sobre o trabalho de outros Magistrados: identificou erros que entendeu estranhos tendo em conta os Magistrados em causa. É muito diferente, porque evidencia o reconhecimento da competência técnica daqueles, que tornaria improvável a verificação do erro incorrido detectado.

79.   Basta ler o depoimento do Exmo. Senhor Juiz Desembargador II para compreender a imediata percepção da ora Recorrente: “Relativamente aos comentários tecidos na carta sobre a actuação técnica dos Juízes envolvidos, entende o depoente que se justificava a sua adução para contextualizar a denúncia apresentada. Considera, por isso, perfeitamente razoáveis os comentários em causa.

Relativamente aos erros que o depoente entende terem sido cometidos. Por ter consultado todo o processo, já que interveio em decisões que nele foram proferidas (habeas corpus e incidentes de suspeição), pôde constatar que o mesmo foi desencadeado a partir de sms de que se fala no processo. Sabe que esses sms nunca foram retirados do processo até ao momento em que o depoente o compulsou, sendo certo que o Código de Processo Penal ... impõe que documentos daquela natureza sejam retirados do processo, sob pena de nulidade.

Entende o depoente que o Colectivo do Tribunal de Recurso que apreciou o Recurso de Apelação, ao verificar que estava interposto um recurso para a fiscalização concreta da constitucionalidade, deveria ter remetido o processo para um outro Colectivo do mesmo Tribunal.

Questões de constitucionalidade, suscitadas a propósito da decisão proferida no Tribunal Superior, terão que ter sempre possibilidade de recurso para outro Colectivo.

No que respeita aos incidentes de suspeição, na falta de outros juízes contra os quais não tenha sido deduzido o incidente de suspeição, a solução seria ir buscar juízes da primeira instância para integrar o colectivo que iria decidir a questão de suspeição, como já tem acontecido em casos de falta de juízes do Tribunal de Recurso.”

80.   Ora, a este respeito, o relatório final tem uma posição curiosa, pois que por um lado puniu a Recorrente por ter apontado erros nas decisões aludidas, mas por outro sentiu a necessidade de averiguar a sua razão de ser, procurando escalpelizá-los.

81.   Em suma, o envio pela Recorrente da comunicação por ela subscrita, remetida exclusivamente aos destinatários conhecidos, não consubstancia acto incompatível com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções, nem violou o dever de correcção para com os autores das decisões invocadas, com quem aliás, não teve qualquer contacto.

82.   A comunicação por si subscrita foi contida; sóbria nos termos e justificada pelas circunstâncias; e necessariamente enviada no exercício de um direito e, mais, no cumprimento de um dever.

83.   Ademais, não pode negar-se ou amputar-se, no caso vertente, o direito que assiste e assistia à Recorrente, de liberdade de expressão, e o dever que lhe assistia de, estando ao seu alcance, promover da forma possível, sem tornar pública a informação, a reparação de erros de procedimento e, em consequência, de uma decisão judicial injusta.

84.   Pelo que, em qualquer caso, a Recorrente pretendeu, única e exclusivamente, prosseguir um interesse legítimo em defesa da independência do poder judicial e, por consequência, do direito constitucional que assistia à Doutora BB, o direito a um julgamento justo, a um processo leal, e, consequentemente, o direito à liberdade e a uma decisão isenta.

85.   É irrelevante se o email em questão servia ou não de elemento probatório adicional no processo crime em que foi ordenada a prisão da referida Arguida, ou sequer se tal email consubstanciava fundamento probatório bastante para a instauração de recurso, pois a sua simples existência obrigava a denúncia e à realização de uma investigação, bem como à tomada de decisão pelos órgãos competentes.

86.   O teor do email da Autoria do Senhor Desembargador CC, não levanta questões concretas sobre a substância apreciada no Habeas Corpus deduzido, mas afecta a decisão, no seu todo, porquanto do email resulta que a sua prolação foi destituída de análise material, séria, honesta, justa, isenta, do teor do pedido formulado, mas sim dele resulta a capitulação do poder judicial perante pressões externas.

87.   Pelo que sendo verdade que o email redigido não traz (mais) novos elementos probatórios a lume relativamente à questão de fundo discutida no processo crime em apreço visando pôr em causa a decisão condenatória, afecta no entanto, de modo indelével, a seriedade, a dignidade e a imparcialidade de quem proferiu a decisão sobre o Pedido de Habeas Corpus, invalidando-a insanavelmente. E explica o porquê dos erros, singularidades e irregularidades, isto mesmo no uso das expressões eufemísticas com que se pretendeu tapar o sol com uma peneira.

88.   Por fim, pelo menos pela Senhora Desembargadora, também não foi violado o dever de criação no público, de confiança na Administração da Justiça, nos termos invocados, muito antes pelo contrário!

89.   O fito pretendido pela Recorrente foi, como já vimos, precisamente a reafirmação da confiança na realização da Justiça e no funcionamento interno dos mecanismos de controlo da legalidade, da supervisão, da fiscalização.

90.   A Recorrente nunca quis tornar pública a mensagem recebida, conforme decorre aliás da nota final por si subscrita: “Reservo-me o direito de tornar público o conteúdo desta carta e documento anexo, quando e se o entender por convenientevide últimos parágrafos de fls. 67 do Relatório final. O Senhor Dr. EE tomou conhecimento da referida nota pelo que sabia, ou não podia ignorar, que a Recorrente não pretendia tornar público o teor do email recebido e da sua comunicação. Ao fazê-lo, actuou contra lei expressa e contra a vontade da Recorrente.

91.   Caso contrário, o que seria se a Recorrente nada tivesse feito, na posse da referida informação? E se a Recorrente nada fizesse para interromper a lesão à realização da Justiça, já que a informação prestada, que se reputou imediatamente fidedigna, era demonstrativa de que um cidadão estaria privado da sua liberdade por força de uma decisão injusta, condicionada, parcial, interessada? Recorde-se que o email remetido afirmava que um pedido de HABEAS CORPUS só não havia sido deferido por prevalência do interesse pessoal dos magistrados envolvidos. Não estaria hoje a Recorrente a responder por tão grave omissão? A decisão Recorrida não responde a nenhuma destas questões, nem às perguntas formuladas na Defesa apresentada, o que redunda numa omissão de pronúncia grave.

92.   Face aos referidos antecedentes, era expectável que a Recorrente agisse de modo distinto daquele que agiu? A resposta só pode ser negativa. É, talvez precisamente por isso, “...tida como uma Magistrada independente e corajosa” – vide ponto 70 da matéria de facto provada. decidiu mal, o aresto recorrido, como adiante veremos mais pormenorizadamente, ao atribuir à recorrente a violação dos referidos deveres. Pelo que expressamente se impugna a argumentação expendida na decisão recorrida, constante de fls. 27 a 36, sob a epígrafe “2. ilícito disciplinar.”

Mas não só,

93.   A decisão recorrida não apreciou verdadeiramente os depoimentos prestados pelas testemunhas por si arroladas. Com efeito, dos depoimentos prestados no âmbito dos presentes autos, a sua conduta não só foi julgada consoante com o direito, foi louvada. Revisitemos, pois, alguns trechos dos depoimentos prestados antes de passarmos à análise concreta dos vícios da decisão proferida:

Juiz Conselheiro ...

“A maior qualidade que se exige a um Juiz é a de ser corajoso, a de ter aquela coragem que, então sim, o faz isento e imparcial nas suas decisões.”

Considero que a Sr.ª Juíza Desembargadora Dr.ª AA foi corajosa.”

 

Juiz Conselheiro ...

“Em várias ocasiões em que teve troca pessoal de impressões com a Sr.ª Desembargadora AA, o depoente ficou com a acentuada impressão de que a mesma entedia – como na opinião do depoente o devia entender – que o desempenho das funções de Juiz Internacional deveria obedecer, primordialmente, para além dos deveres inerentes à administração da justiça, a um espírito de missão, a prosseguir num Estado ainda recentemente saído dum conflito armado, que intentava assumir a postura de um Estado de Direito Democrático.”

 

Juiz Desembargador II

“Relativamente aos comentários tecidos na carta sobre a actuação técnica dos Juízes envolvidos, entende o depoente que se justificava a sua adução para contextualizar a denúncia apresentada.

Considera, por isso, perfeitamente razoáveis os comentários em causa.”

 

Juiz de Direito MM

“Ao formalizar as denúncias, não tem o depoente dúvidas ter sido propósito da Sr.ª Desembargadora dar conhecimento das irregularidades retratadas no seu e-mail para procurar da defesa da independência dos Tribunais e dos princípios estruturantes dum Estado de Direito e de um julgamento justo.”

 

Procuradora ...

“Durante este ano de trabalho, foi-me dado apreciar a independência, a coerência e a coragem da Dr.ª AA, que tanto é capaz de adoptar, num ambiente institucional e político, um discurso lúcido e corajoso, alertando para os riscos das estruturas judiciárias ainda não completamente solidificadas, como também de ser encorajadora, mas exigente, em relação aos Magistrados do terreno, presos à vida real onde a Justiça não pode ser feita.

[…] parece-me que terá sido a procura firme da defesa da independência dos tribunais que a terá movido, sem qualquer intenção de atingir outros fins que não este.”

 

Procurador ...

“A indignação manifestada pela Dr.ª AA em nada me surpreendeu, conhecendo a sua personalidade, e o seu carácter, quer como pessoa, quer como Magistrada Judicial, de extrema verticalidade e rectidão. Efectivamente, e no período de 2008 até à minha saída por cessação de funções, em que tive a oportunidade de privar o mais directamente possível com a Dr.ª AA, esta revelou-se uma pessoa frontal, que não pactuava com quaisquer compadrios, iniquidades ou injustiças. […]

Na minha opinião pessoal, do teor do e-mail e da leitura que do mesmo se poderia faz, afigurava-se-me ter havido um conluio no sentido de retirar qualquer possibilidade de defesa ao Recurso da Dr.ª BB. Conluio esse que ia no sentido de, ao arrepio do direito constituído, encontrar uma fundamentação subscrita por outros Magistrados, forçando-os a aceitar uma decisão já preparada. Baseio essa minha declaração na percepção de que o julgamento e a condenação da Dr.ª BB tinha um cariz político. […]

Pelo que entendi, é perfeitamente justa a indignação manifestada pela Dr.ª AA. Acresce que a mesma, quando aceitou a comissão em ... Leste, o fez por espírito de ajudar ... a desenvolver um sistema de justiça, pelo que uma decisão deste teor e nestas circunstâncias ia contra tudo aquilo em que a Dr.ª AA acreditava pelo qual sempre lutou.”

 

Bastonário ...

“Do meu ponto de vista ao agir como agiu, a Sr.ª Desembargadora fez aquilo que lhe competia. […]

Os tribunais existem, para que os cidadãos saibam e sintam que, quando forem julgados, o serão por Juízes independentes, na busca de soluções justas em cada processo.

Ora, essa procura da justiça no caso concreto impõe, por vezes, que algumas regras prevaleçam sobre outras, nos quadros que habitualmente designamos por conflito de deveres e pelo relevo do interesse preponderante.

Pelo que sei foi o que a Sr.ª Juíza Desembargadora fez, precisamente ao não guardar para si aquilo que entendeu divulgar, para que, naquele caso concreto pudesse ser feita a melhor justiça e garantido, quer o cumprimento das regras, quer a lealdade processual, quer a plenitude do contraditório.”

 

Professor Doutor ...

“Parece-me inteiramente adequado que, tendo feito a denúncia aos Conselheiros Superiores, tenha também comunicado os factos de que tinha conhecimento ao Sr. Defensor, para que ele pudesse promover o que entendesse por conveniente à reposição da legalidade.

Os dilemas éticos são sempre de solução muito difícil; são essencialmente uma questão de consciência.”

 

Dr. NN

Pelas informações constantes desse e-mail, concordei com a Dr.ª AA de que tinha sido exercida pressão sobre os Juízes, que a composição do Tribunal não respeitou o princípio do Juiz Natural e que também o projecto do acórdão não teria sido feito pelo próprio relator, factos estes que considerei gravíssimos.”

 

94.   Com o máximo respeito, não se compreende porque motivo a decisão recorrida não acompanhou o entendimento sufragado nos depoimentos supra, e dizemo-lo não por força da especial seriedade, competência e verticalidade das testemunhas ouvidas, mas porque, o depoimento por elas prestado reproduz com total clareza e rigor, a motivação da Recorrente, e o fito da sua conduta: agir de acordo com a Lei e pugnar pela realização da Justiça.

95.   Ao invés, a decisão recorrida desconsiderou os referidos depoimentos amputando-os do seu valor probatório, o que naturalmente se impugna, porquanto ao fazê-lo violou, no mínimo, o princípio da livre apreciação da prova e as regras de experiência comum e de vida. Não restam, pois, dúvidas de que a decisão recorrida violou o princípio da verdade material, incorrendo em erro notório de julgamento na apreciação dos elementos probatórios, com violação dos princípios da decisão, da justiça e da imparcialidade.

96.   Ainda assim, à cautela, passamos a esmiuçar a decisão proferida, identificando os vícios de que, insanavelmente enferma, a fim de promover o efeito jurídico pretendido com a presente impugnação: a anulação da decisão proferida e, a considerar-se admissível a cumulação de pedidos, a condenação do Autor do Acto na prolação de decisão que determinasse o arquivamento do processo disciplinar.

II - Dos vícios da decisão recorrida: da impugnação da fundamentação de facto e de direito

 

97.   A Recorrente não se conforma com a análise realizada da prova produzida tão pouco aceita a decisão tomada sobre a matéria de facto provada, porquanto a mesma encerra juízos e presunções ou invés de factos, fazendo enfermar naturalmente a decisão proferida de vício insanável.

98.   Sendo que a prova correctamente apreciada conduziria a um resultado bem distinto que não a condenação da Recorrente, razão pela qual se promove a anulação da decisão recorrida, após devida “reponderação da razoabilidade narrativa factual face aos elementos probatórios recolhidos”.

Da fundamentação de facto

99.   A decisão recorrida começa por elencar um conjunto de factos (77, mais precisamente) que são dados como provados.

100.                   Uma parte significativa deste segmento não nos merece reparo, na medida em que o julgador se limita a descrever objectivamente uma cadeia de acontecimentos, sem os contaminar com opiniões ou lhes associar consequências que só podem ser determinadas pela apreciação do Direito aplicável.

101. Contudo, este elogio não é extensível a todos os pontos de facto elencados, como passaremos a verificar.

102. No ponto 53., é dado como provado que, ao “divulgar os documentos referidos no ponto 28 junto de um dos defensores forenses da Arguida, exorbitando o círculo das entidades competentes para conhecer o seu teor, a Ex.ma Desembargadora AA revelou a um terceiro matéria respeitante ao processo”.

103. Isto não é um facto – é a antecipação de um juízo de direito (errado, por sinal) que carece de qualquer fundamentação factual.

104.                   Na realidade, compulsados os 77 “factos” dados como provados, não há rigorosamente nada que nos permita, sem mais, dar por assente que a Desembargadora, ao enviar a missiva em causa a um dos defensores forenses da arguida, “exorbitou o círculo das entidades competentes” e revelou a um “terceiro” matéria respeitante àquele processo.

105.No ponto 54., diz-se que ao “formular, nas denúncias que apresentou, juízos técnicos depreciativos sobre as decisões então já proferidas pela 1.ª instância e pelo Tribunal de Recurso, a Ex.ma Desembargadora AA desrespeitou os seus Colegas que intervieram naquelas decisões, ofendendo a consideração pessoal e profissional que lhes é devida”.

106. Mais uma vez, somos colocados perante um (errado) juízo de direito, e não (uma constatação) de facto. É que, mesmo aceitando que a Ilustre Desembargadora emitiu um juízo sobre as decisões proferidas, daí não se pode retirar, sem mais, que desrespeitou ou ofendeu quem quer que fosse.

107. No ponto 55., diz-se que ao “proceder do modo descrito no ponto 53, a Ex.ma Desembargadora AA criou as condições objectivas para que os Ex.mos Mandatários da Arguida divulgassem os respectivos documentos junto da comunicação social”.

108.                   Faltou dar como provado que, de acordo com a lei, os Ex.mos mandatários da Arguida estavam proibidos de o fazer. Não se percebe como é que este “pormenor” é omitido do elenco de factos provados, tanto mais que resulta de lei.

109.Terá, pois, necessariamente que ser dado como provado, atenta, além do mais, a evidente relevância que assume na discussão sobre a eventual violação do dever de não discussão pública de casos.

110. No ponto 57., diz-se que a Desembargadora sabia que “não podia facultar a terceiros a documentação identificada no ponto 28, nem tecer comentários depreciativos sobre a actuação técnica dos seus Colegas”.

111. Quanto ao conceito de terceiro, voltamos a sublinhar que não há rigorosamente nada, no elencos de factos dados como provados, que nos permita aceitar a qualificação de “terceiro” que é atribuída a um dos advogados da Arguida.

112. Mas aquilo que deve ser destacado é a afirmação de que a Desembargadora sabia que não podia tecer comentários sobre actos e decisões! É extraordinário! A lei da mordaça chegou a Portugal e ninguém nos avisou!

113.A frase tem, no entanto, o condão de confirmar aquilo que já intuíamos: a verdadeira preocupação do Conselho Superior de Magistratura, ao longo de todo este processo, não foi verificar se a actuação dos magistrados portugueses em ... se revelou digna e respeitadora dos deveres a que estão adstritos; foi, sim, proteger a imagem da magistratura a todo o custo, castigando a Desembargadora por ter tido o atrevimento de a questionar.

114. Diz-se, também, que “lhe cabia configurar […] que o defensor forense da Arguida, a quem endereçou a citada documentação, poderia vir a fazer dela o uso que lhe aprouvesse, designadamente divulgá-la”.

115. Reiteramos: o defensor em causa estava deontológica e legalmente proibido de divulgar a documentação; era (e é) também Defensor Público da República de ...; as informações constantes do e-mail eram suficientes para justificar, no mínimo, a dedução de um incidente de suspeição contra os membros do colectivo.

116.E, no entanto, deu o CSM como provado que a Desembargadora devia ter previsto a possibilidade de o Defensor Público de ... violar os deveres a que estava adstrito e, por essa razão, omitir-lhe informação relevante e potencialmente decisiva para o desfecho do processo-crime em causa!

117.Por fim, no ponto 58., diz-se que “a Ex.ma Desembargadora AA agiu de forma livre, voluntária e com perfeito conhecimento de que a sua conduta contrariava os deveres profissionais a que um Magistrado Judicial Jubilado continua adstrito, e que, daí, violava a lei e incorria na prática de ilícitos disciplinares”.

118.É falso: a Desembargadora agiu de forma livre e voluntária, sim, mas com a profunda convicção de que os seus deveres profissionais não proibiam, antes impunham, que agisse desta forma. Era essa a sua convicção, como demonstra de forma inequívoca, entre outros, o depoimento do Dr. NN. E continua a ser.

119.Em todo o caso, a eventual contrariedade da conduta da Desembargadora aos deveres profissionais que a vinculam não é matéria de facto, mas matéria de direito. Todos estes considerandos podem parecer secundários, mas não o são.

120.   É que, ao contaminar a fundamentação de facto com afirmações, opiniões e interpretações, o CSM está necessariamente a condicionar indevidamente o juízo de direito que se lhe segue, pré-determinando-o de forma encapotada. Pelo que devem os referidos pontos da decisão ser extirpados de todas as considerações, interpretações e qualificações que só podem ter lugar na análise do Direito aplicável.

Do enquadramento jurídico

121.A decisão do CSM baseia-se fundamentalmente no relatório final elaborado pelo Ex.mo Instrutor, para o qual aliás remete expressamente – “é avisada a adoção de toda a estruturação e fundamentação nele [relatório] aduzidas”. Não se coíbe, no entanto, de fazer algumas considerações a propósito da defesa apresentada pela Desembargadora, que merecem resposta.

122. É, aliás, por aí que iremos começar, antes de nos debruçarmos sobre as conclusões do relatório. Diz o CSM: “Respigando o que está em causa neste processo disciplinar, verifica-se que o seu objecto se circunscreve ao apuramento da responsabilidade disciplinar da Senhora Desembargadora AA ao divulgar o e-mail que lhe foi remetido pelo Senhor Desembargador CC, sendo, por incompreensível que a defesa insista nos “erros grosseiros” supostamente cometidos pelos Senhores Desembargadores nas decisões proferidas no processo crime da Ex-Ministra da Justiça ..., Dr.ª BB”.

123.                   É falso. É falso que o objecto deste processo disciplinar esteja circunscrito à divulgação do e-mail: se assim fosse, não teria havido forma de sustentar uma acusação (e, agora, uma condenação) por violação do dever de correcção.

124.                   Não: o que está em causa, para além da divulgação do e-mail, é a carta que foi enviada aos conselhos superiores de magistratura ... e português, e ao Defensor Público ..., também mandatário da Arguida, e as considerações aí tecidas a propósito daquele processo-crime.

125.                   É, por isso, absolutamente compreensível que a defesa insista nos “erros grosseiros” sucessivamente cometidos no âmbito desse processo, pois foram estes que, juntamente com o teor inequívoco do e-mail, justificaram a denúncia apresentada pela Desembargadora.

126.                   Diz o CSM que esta matéria já foi apreciada pelo CSM e “constitui caso resolvido no sentido da inverificação desses erros”. Pois bem, isso não significa – nem pode significar – que todos estejamos obrigados a concordar com essa decisão, nem que estejamos impedidos de manifestar esta discordância e, mais, que os erros não se tenham verificado.

127.                   A liberdade de pensamento e de expressão não se esgotam com a prolação de uma decisão. Nem a realidade pode ser escamoteada por um caso julgado. De outro modo não existiriam erros judiciários. E os juízes alcançariam o estatuto divino. Omniscientes e omnipotentes. Nunca errariam!

128.                   Sucede que esta é, precisamente, uma decisão que a Desembargadora considera estar errada. E uma discussão na qual a Desembargadora não deixará de justificar devidamente a sua posição (cfr., infra, os motivos da discordância).

129.                   De resto, a Desembargadora AA sempre foi conhecida por prezar a sua independência e manter um espírito crítico face a todas as práticas e todas as decisões de que teve conhecimento: e não será certamente agora que deles vai abdicar.

130.                   Quanto a esta matéria, o CSM optou por remeter para o relatório elaborado pelo Ex.mo Instrutor. Em traços largos, defendeu que “as incidências objectivas evidenciadas pelos acórdãos recorridos e as opções técnico-jurídicas neles assumidas enquadram o regime legal vigente em ...” e que “todas as demais práticas, ainda que indesejáveis e incompreensíveis no plano do ordenamento jurídico português, […] quadram-se no sistema jurídico ... e são alheias ao objecto deste processo disciplinar”. Não é assim, como se passará a demonstrar.

131.Primeiro erro em discussão: no recurso interposto da decisão do Tribunal Distrital de ..., a defesa da arguida suscitou variadíssimas questões para apreciação do Tribunal de Recurso, resumindo-as, a final, em 278 conclusões.

132.O Tribunal de Recurso, no entanto, não se pronunciou sobre a esmagadora maioria das mesmas. Na verdade, alegando que “o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação”, só se pronunciou sobre os últimos sete pontos das conclusões, ignorando os 271 pontos que os antecediam.

133. Confrontado com o facto (indisputado e indisputável) de que o acórdão proferido pelo Tribunal de Recurso em Dezembro de 2012 omitiu pronúncia escudando-se numa justificação flagrantemente falsa, o CSM contrapõe que “esse vício foi sanado pelo subsequente acórdão [de] 18 de Janeiro de 2013, facto que a Senhora Desembargadora omite”.

134. Em primeiro lugar: a Senhora Desembargadora não omitiu este facto. Uma leitura atenta da defesa por si apresentada ou do próprio relatório de inquérito teria bastado para o confirmar.

135. Em segundo lugar, é importante sublinhar que esse segundo acórdão não surgiu de forma espontânea: foi, sim, provocado por um recurso posterior da arguida BB, que incluía questões de constitucionalidade. Aliás, como se verá, é bastante discutível que esse segundo acórdão pudesse ter sido proferido pelo mesmo colectivo.

136.                   Recorde-se o relato do Exmo. Juiz de Direito MM:

Ao tempo, existia uma Directiva , da autoria do Sr. Presidente II, que organizava a formação dos Colectivos com recurso a Juízes da primeira instância, sempre que houvesse falta ou impedimento de algum dos titulares.

137.                   Em todo o caso, pergunta-se: em que medida é que a posterior sanação do vício invalida a qualificação da decisão original como um “verdadeiro erro judiciário”? Em que medida é que uma decisão péssima deixa de ser péssima apenas porque aquela que se lhe seguiu a vem contrariar? É suposto passarmos uma esponja sobre o assunto e fingir que não se passou nada?

138.                   Não: o que se passou foi grave, e é importante notá-lo porque não foi caso isolado. E mais importante é sublinhá-lo (e não escondê-lo): porque se pode repetir.

139.  Segundo erro em discussão: inconformada com a decisão do Tribunal de Recurso, a arguida arguiu as correspondentes nulidades e interpôs recurso de fiscalização de constitucionalidade concreta das interpretações normativas aplicadas, quer pelo Tribunal Distrital de ..., quer pelo próprio Tribunal de Recurso.

140.                   Mas o colectivo que decidiu este recurso foi o mesmo colectivo que havia proferido a decisão recorrida.

141.Contrapõe o CSM: “Continuando a insistir numa flagrante violação das garantias de imparcialidade devido à identidade do tribunal colectivo que decidiu o recurso para a fiscalização concreta da constitucionalidade e do que exarou a decisão recorrida, a primeira correcção que cumpre aportar à posição da Senhora Desembargadora é que o colectivo prolator da decisão recorrida não decidiu de meritis o recurso interposto para fiscalização concreta da constitucionalidade; antes se limitou a proferir despacho de não admissão do recurso”.

142.                   Antes de responder a este reparo, é imprescindível descrever, de forma sucinta, o desenrolar do processo, para que se perceba bem o que é que estava em causa neste recurso.

143.                   Em Junho de 2012, o Tribunal Distrital de ... condenou a arguida BB a uma pena de prisão efectiva de cinco anos pela prática de um crime de participação económica em negócio.

144. A Arguida recorreu desta decisão: tratou-se de um recurso ordinário (dito “de apelação”), relativo a matéria de facto e de direito, no qual se apontavam diversas nulidades e inconstitucionalidades de que enfermava o acórdão de 1.ª instância.

145.                   Em Dezembro de 2012, o Tribunal de Recurso recusou provimento a esta apelação, mantendo a condenação da Arguida. Omitiu, no entanto, pronúncia sobre os variadíssimos vícios alegados pela recorrente (como já vimos).

146. Em virtude desta decisão a Arguida apresentou um requerimento no qual arguia a nulidade do acórdão do Tribunal de Recurso, por omissão de pronúncia sobre os já referidos vícios do processo.

147.                   Simultaneamente, apresentou um recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade relativa à decisão do Tribunal Distrital de ... e à decisão do Tribunal de Recurso.

148.Como é evidente, trata-se de duas peças processuais perfeitamente autonomizáveis entre si: uma é dirigida ao próprio colectivo recorrido para que corrija os defeitos evidentes da sua decisão (tomada no âmbito da cadeia ordinária de recurso), a outra é dirigida a outro colectivo para que sindique autonomamente a constitucionalidade das decisões tomadas por ambos os colectivos recorridos.

149.                   Aliás, não fosse o facto de, à data, o Supremo Tribunal de Justiça ... ainda não estar instalado, e teriam sido enviadas a dois tribunais diferentes – até porque a autonomia do recurso de constitucionalidade face aos recursos ordinários está consagrada pela Constituição da República Democrática de ... (cfr. artigo 152.º da CRDT). Ora, perante este quadro, que faz o Tribunal de Recurso?

150.    Emenda a mão, pronunciando-se sobre os vícios (em especial, nulidades e inconstitucionalidades) sobre os quais omitira pronúncia, mas não admite o recurso de constitucionalidade com o argumento de que “actualmente, o Tribunal de Recurso constitui a única instância de recurso para conhecer das questões de arguição de nulidades suscitadas pelos sujeitos processuais, bem como das questões de constitucionalidade levantadas em sede de recurso. Pelo que, as questões de constitucionalidade levantadas são definitivamente julgadas por este Tribunal de Recurso e por este Colectivo”.

151.Ou seja, ignorando de forma ostensiva o quadro constitucional em que se move, o Tribunal de Recurso decide que “a apreciação da constitucionalidade ou inconstitucionalidade das normas, no caso da apreciação concreta da constitucionalidade das normas, ocorre no âmbito do recurso ordinário”.

152.Mas faz mais do que isso: por exemplo, quanto à qualidade em que foram ouvidos determinados indivíduos (como testemunhas e não como arguidos) e quanto à valoração do respectivo depoimento, o Tribunal recusa que tenha havido qualquer omissão de pronúncia, transcrevendo as passagens do primeiro acórdão em que diz ter avaliado a questão. E no entanto, não se coíbe de se pronunciar de forma “definitiva” sobre a constitucionalidade do seu próprio entendimento!

153. Inconformada, a Arguida interpôs recurso de fiscalização concreta desta segunda decisão, pretendendo ver sindicada, nomeadamente, a interpretação normativa segundo a qual o recurso de constitucionalidade não tem autonomia face ao recurso ordinário.

154. O Tribunal de Recurso vem confirmá-la: “Cabe recurso da decisão do colectivo do Tribunal de Recurso relativamente às questões de inconstitucionalidade suscitadas relativamente à interpretação e aplicação das normas penais e processuais penais? Aqui, a resposta não pode deixar de ser negativa”.

155.   É uma decisão que esbarra frontal e inequivocamente na letra do artigo 152.º, n.º 1, al. b), da CRDT. Se o Supremo Tribunal de Justiça ... já estivesse instalado, seria impensável afirmar uma coisa destas. Como dizia a Desembargadora, trata-se de um erro que não se pode compreender.

156.  E acrescenta: “em Portugal cabe recurso das decisões proferidas pelo Tribunal Constitucional daquele país relativamente à alegada aplicação inconstitucional de normas por esse Tribunal Constitucional? É evidente que não”.

157.Respondemos nós: o que é evidente é que tal comparação não tem o mínimo sentido. E não tem o mínimo sentido pelo simples facto de que em Portugal o Tribunal Constitucional não aprecia recursos ordinários: quem o faz é o Supremo Tribunal de Justiça. E, sim, da alegada aplicação inconstitucional de normas por esse Supremo Tribunal de Justiça, cabe recurso autónomo para o Tribunal Constitucional.

158.                   Por isso, quando o CSM sustenta que “Ainda que essa decisão de inadmissibilidade possa constituir, como defende a Senhora Desembargadora, um “erro grave”, por violar o duplo grau de jurisdição, não aduz consistentes argumentos que os sustentem; antes reduz a sua apreciação a juízos valorativos sem substrato normativo, como seja a afirmação que é “do mais elementar conhecimento e bom senso jurídico que outro tribunal aprecie aquela matéria””, só nos resta responder: “mas é”.

159.  Que a existência de um duplo grau de jurisdição e a autonomia da fiscalização da constitucionalidade das decisões face ao processo em que são proferidas fazem parte do catálogo básico de um Estado de Direito democrático, ninguém o pode disputar.

160.Que a Constituição da República de ... o prevê expressamente, já o demonstrámos. Que o CSM português não seja capaz de o reconhecer, é muito preocupante.

161.Vejamos, agora, um pouco mais em pormenor, os alegados vícios que originaram o requerimento de fiscalização de constitucionalidade.

162.                   Terceiro erro em discussão: quanto à leitura proibida de declarações prestadas em sede de inquérito, a arguida assinalou que o confronto com essas declarações havia sido feito com preterição das formalidades exigidas pelo artigo 267.º, n.º 3, do Código de Processo Penal ..., o que consubstanciava uma nulidade insanável extensível a todo o processado subsequente.

163.                   Sobre esta questão, no entanto, limitou-se o Tribunal de Recurso a apreciar a constitucionalidade das disposições em causa, não se preocupando em verificar se as mesmas haviam sido respeitadas.

164.O Ex.mo Instrutor parece, no entanto, admitir que assistia razão à arguida – pelo menos diz não ter como negá-lo. Assim como não nega que o Tribunal de Recurso se escusou a apreciar os concretos contornos da questão.

165. Quarto erro em discussão: quanto ao uso de prova proibida, a arguida protestou contra a valoração do depoimento da testemunha …, na medida em que o mesmo se baseou em informações que lhe advieram “da sua posição de advogado da empresa, da Recorrente [a arguida] e do seu marido”, e portanto reveladas em violação do sigilo profissional, pelo que a sua valoração implicava a nulidade do acórdão.

166.                   Sobre esta questão, respondeu o Ex.mo Instrutor que tal pressuposto está por demonstrar, e que em todo o caso só o advogado pode pedir a dispensa da obrigação de guardar segredo. Só o advogado pode pedir dispensa? É falso. Pode haver dispensa e pode haver quebra do sigilo. Certo é que não houve uma nem outra!

167.                   Leiamos, então, a resposta do Tribunal de Recurso: “mesmo partindo-se do pressuposto que a testemunha estava ao abrigo do segredo profissional, não se escusou a depor sobre os factos alegadamente abrangidos por aquele segredo”.

168. De uma penada só, e com uma sinceridade mas uma ignorância jurídica desarmante, o Tribunal de Recurso admite que: 1) não se preocupou em verificar se as informações estavam ou não cobertas por sigilo; 2) mesmo que estivessem, tal facto não implicaria qualquer consequência porque o advogado não pediu escusa. Não há assim, por decreto judicial, sigilo profissional! De uma penada revoga-se a lei por decisão judicial contra legem. Onde se chega para defender o indefensável! É uma vergonha.

169.Não se trata, pois, de “especulação pura”: tudo aponta no sentido de ter havido falta de diligência e desrespeito pelas normas vigentes da parte do Tribunal de Recurso. E violação clara de lei.

170.                   Quinto erro em discussão: ainda dentro da temática da prova proibida, também mereceu destaque o uso de SMS’s dirigidas à arguida no processo-crime, o que é proibido pelo artigo 111.º do CPPT.

171.O Ex.mo Instrutor “fez fé” nos acórdãos do Tribunal de Recurso, segundo os quais esses SMS’s não foram valorados. Esqueceu a lei. E diz que o artigo 102 da nossa defesa “Dito assim, sem mais, vale o que vale!”. Ou, nas palavras do CSM, que se trata de um proposição audaciosa, “absolutamente insustentada em qualquer dado de facto”. O que vale afinal? A lei? Ou a violação de lei?

172. Sucede que o artigo 102 da defesa, apodando a argumentação do Tribunal de Recurso de mentirosa e falaciosa, não foi “dito assim, sem mais”, nem foi desacompanhado de “qualquer dado de facto”. Pelo contrário, remeteu-se especificamente para o recurso de apelação, onde estão identificadas e transcritas passagens da gravação do julgamento nas quais esses SMS’s serviram de base ao interrogatório/inquirição da arguida/testemunhas.

173.  Sexto erro em discussão: quanto à audição de três indivíduos na qualidade de testemunhas e não de arguidos, diz-se que tal constituiria somente uma nulidade sanável e não insanável. Mas nulidade!

174.  Mais: da factualidade dada como provada em 1.ª instância não restam dúvidas de que tais testemunhas deveriam ter sido constituídas e julgadas na qualidade de arguido – o seu envolvimento é demasiado evidente e intrínseco ao plano criminoso para que a decisão de as inquirir como testemunhas se pudesse justificar ao abrigo da discricionariedade do Ministério Público.

175.Ora, tal facto tem implicações enormes, desde logo pelo facto de as testemunhas, ao contrário dos arguidos, estarem obrigadas a responder com verdade a todas as perguntas que lhes são feitas. O que justifica que a mesma gere a nulidade do processo, que foi devidamente invocada (e diafanamente recusada com base na ideia, como já vimos indefensável, de que o MP podia não considerar as pessoas em causa suspeitas da prática daquele crime).

176.                   Quanto às restantes questões constantes do ponto 107 da defesa, os restantes erros, continuamos a considerar ser desnecessário aprofundá-las. No entanto, e uma vez que a decisão remete para o relatório de inquérito (que reproduz acriticamente os acórdãos ...s fazendo deles dogma de fé), remetemos também nós para o teor do recurso de apelação interposto da decisão do Tribunal Distrital de ..., onde todas essas questões são já ilustradas.

177.                   Decisão essa na qual se condenou a arguida BB a uma pena de prisão de 5 anos e a uma indemnização no valor de 4325 dólares. Repetimo-lo: 5 anos de prisão, 4325 dólares. A desproporcionalidade é por demais evidente.

178.                   Mas o mais extraordinário estava para vir: na sequência da denúncia feita pela Desembargadora, a arguida provocou um incidente de suspeição quanto aos três juízes que formaram aquele concreto colectivo, e ainda contra os três juízes que rejeitaram o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade do segundo acórdão por eles proferido (dois dos quais também integraram o colectivo que recusou provimento à providência de habeas corpus).

179. O incidente de suspeição foi cindido em tantos incidentes autónomos quantos os magistrados em causa, os quais decidiram reunidos em plenário, de que apenas foi excluído o concreto juiz visado em cada incidente. Uma espécie de justiça de gamela... Ou seja: um único incidente, deduzido contra seis juízes, pelos mesmos factos, acabou artificialmente dividido em seis incidentes individuais, de cuja decisão foi somente afastado o juiz em causa – mas não os restantes cinco, sobre os quais recaíam as mesmíssimas suspeitas.

180. A decisão, obviamente, foi de indeferimento (tendo a unanimidade sido quebrada pelo único juiz do Tribunal de Recurso que não foi alvo do incidente, o Presidente II). Ou seja, mais uma vez, o julgado e o julgador confundiram-se na(s) mesma(s) pessoa(s).

181.Perante isto, sustentar que o sistema judiciário ..., “na fase incipiente e fragmentada em que ainda se encontra, suscita questões de solução duvidosa”, ou falar na “singularidade da solução é usar um eufemismo: esta solução não é duvidosa nem “singular”, é pura e simplesmente inadmissível num Estado que se quer de Direito e de Direito democrático.

182.Persistir, perante esta evidência, na ideia de que “a Senhora Desembargadora limita-se [a] construir a sua tese num discurso explanativo que encerra num juízo conclusivo sem qualquer substrato factual que o sustente” raia o insulto e a calúnia. O substrato factual está aí para quem o queira ver. E pior cego é aquele que não quer ver.

183. A “fase incipiente e fragmentada” em que se encontra a Justiça ... não pode servir de justificação a este tipo de conduta, que só contribui para a manutenção desse estado de incipiência e fragmentação.

184.  Tanto mais que, como se veio a ver (cfr. declarações do Juiz Desembargador II, confirmadas pelas declarações do Juiz MM), havia outras formas, consentâneas com os princípios e regras gerais do Direito, de resolver o problema: nomeadamente, chamando juízes da 1.ª instância para formar o colectivo. Ou juízes internacionais, para formar um colectivo “ad hoc”, como aliás está previsto nalguns regulamentos ainda em vigor em ....

185. Sobre esta matéria, a fundada opinião da Desembargadora é corroborada por variados depoimentos de que se destacam os seguintes:

- Juiz Desembargador II, então Presidente do Tribunal de Recurso de ...:

Relativamente aos erros que o depoente entende terem sido cometidos […]:

- por ter consultado todo o processo, já que interveio em decisões que nele foram proferidas (habeas corpus e incidentes de suspeição), pôde constatar que o mesmo foi desencadeado a partir de sms de que se fala no processo. Sabe que esses sms nunca foram retirados do processo até ao momento em que o depoente o compulsou, sendo certo que o Código de Processo Penal ... impõe que documentos daquela natureza sejam retirados do processo, sob pena de nulidade.

[…] entende o depoente que o Colectivo do Tribunal de Recurso que apreciou o Recurso de Apelação, ao verificar que estava interposto um recurso para a fiscalização concreta da constitucionalidade, deveria ter remetido o processo para um outro Colectivo do mesmo Tribunal.

[…] questões de constitucionalidade, suscitadas a propósito da decisão proferida no Tribunal Superior, terão que ter sempre possibilidade de recurso para outro Colectivo.

- no que respeita aos incidentes de suspeição, na falta de outros juízes contra os quais não tenha sido deduzido o incidente de suspeição, a solução seria ir buscar juízes da primeira instância para integrar o colectivo que iria decidir a questão de suspeição, como já tem acontecido em casos de falta de juízes do Tribunal de Recurso.

- Juiz Conselheiro ...:

Na mera opinião do depoente, as considerações tecidas no indicado e-mail seriam as resultantes da maneira como a Sr.ª Desembargadora AA vislumbrava a forma como as funções de Juiz Internacional deveriam ser desempenhadas, e a que atrás o depoente já se reportou, não lhe assacando nenhum intuito persecutório ou denunciante de alguém em particular.

- Juiz de Direito MM:

Ao tempo, existia uma Directiva, da autoria do Sr. Presidente II, que organizava a formação dos Colectivos com recurso a Juízes da primeira instância, sempre que houvesse falta ou impedimento de algum dos titulares.

- Procurador TT:

Em primeiro lugar, pela informação que me foi pessoalmente transmitida pelo Procurador, de Nacionalidade ..., inicialmente destacado para a realização do inquérito. O mesmo referiu-me que entendia não haver factos que indiciassem a prática de qualquer ilícito de natureza penal. Este Procurador foi afastado do inquérito após manifestar essa sua opinião à Sr.ª Procuradora Geral da República. O processo foi destacado para um outro Procurador, que deduziu acusação. Na minha opinião, a acusação não continha factos que se pudessem subsumir, objectiva e subjectivamente, às incriminações legais imputadas à Sr.ª Ministra da Justiça e, designadamente em termos de prova, entendi existir uma nulidade na prova ao basear-se o inquérito numa troca de SMS que previamente correram no jornal.

 

Dos inexistentes ilícitos disciplinares

186. Importa agora sindicar a subsunção dos factos ao Direito aplicável. Citemos, pois, a decisão:

A acusação imputa à Ex.ma Juíza Desembargadora a violação dos deveres gerais de correcção e de prossecução do interesse público e o dever especial de reserva, aqueles definidos pelo artigo 3.º, 3, a) e h), do EDTEFP [Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas] e este estatutariamente imposto pelo artigo 12.º do EMJ [Estatuto dos Magistrados Judiciais]. […]

A violação do dever de reserva está consubstanciada na comunicação das denúncias e do e-mail a um dos defensores da Senhora Dr.ª BB, do dever de correcção aos juízos técnicos depreciativos emitidos sobre as decisões proferidas pela 1.ª instância e pelo tribunal de recurso ...s e do dever de prossecução do interesse público, criando a confiança na administração da justiça, na circunstância da comunicação efectuada ter criado condições objectivas para que os mandatários da Senhora Dr.ª BB divulgassem os documentos e a informação, como fizeram, junto da comunicação social.

187. Fica assim (bem) delimitado o âmbito da discussão sobre a existência, ou não, de infracções disciplinares.

188. A decisão conclui que a acção da Desembargadora se consubstanciou, efectivamente, em todas as violações de deveres funcionais pelas quais vinha acusada. A nossa posição é a contrária – os deveres que vinculam a Desembargadora não proibiam, antes impunham, que fizesse, e que fizesse como fez, a denúncia que está na base desta condenação. Recorde-se o relato do Exmo. Juiz de Direito MM: “ao formalizar as denúncias, não tem o depoente dúvidas ter sido propósito da Sr.ª Desembargadora dar conhecimento das irregularidades retratadas no seu e-mail para procurar da defesa da independência dos Tribunais e dos princípios estruturantes dum Estado de Direito e de um julgamento justo.”

189. Mantendo o esquema adoptado ao longo de todo o processo, comecemos pela alegada violação do dever de reserva.

190. O essencial da fundamentação adoptada pelo CSM pode resumir-se da seguinte forma:

·        uma mensagem privada só deve ser divulgada pelo destinatário quando o mesmo tenha nisso um interesse legítimo e relevante – in casu, a reposição da justiça e a averiguação de responsabilidades criminais;

·        a comunicação de um facto criminoso deve ser feita ao Ministério Público e, neste caso, também aos órgãos de disciplina e gestão dos juízes portugueses e ...s alegadamente envolvidos;

·        apesar disto, a Desembargadora também o divulgou junto do Dr. EE, mandatário da arguida julgada naquele processo-crime;

·        mas a Desembargadora tinha que saber que o e-mail não era suficiente para alterar a decisão condenatória, nos termos do artigo 315.º do CPPT;

·        sabia também que, para efeitos de responsabilidade criminal, era desnecessária a comunicação ao Dr. EE, bastando a denúncia junto do MP;

·        logo, ao divulgar o teor do e-mail junto do advogado da arguida BB, a Desembargadora não estava a prosseguir qualquer interesse legítimo;

·        violando, pois, o dever de reserva que a vincula.

191.Porém, erra o julgador, e erra redondamente, ao asseverar que “a Senhora Desembargadora bem sabia ou, ao menos, não podia ignorar que qualquer iniciativa do Senhor Advogado, no âmbito do processo em causa e a partir da informação prestada, não tinha a virtualidade de qualquer êxito”. Não só tinha, como teve: BB já se encontra em liberdade.

192.                   Vejamos: com base na carta da Desembargadora, o mandatário da Arguida podia, desde logo, deduzir um incidente de suspeição contra os juízes mencionados no e-mail. E fê-lo. Como aliás o fez o Ministério Público quanto ao Juiz Presidente.

193.                   Ora, nos termos do artigo 43.º do CPPT, a decisão de deferimento de um incidente de suspeição é susceptível de afectar a eficácia dos actos praticados, mesmo daqueles que foram praticados antes de suscitado o incidente.

194.                   É certo que o incidente acabou por ser indeferido (já vimos em que singulares circunstâncias), mas esse não era um desfecho que a Desembargadora devesse ou sequer pudesse antecipar. Era aliás um desfecho impossível de antecipar!

195. A mera possibilidade de suscitar um incidente de suspeição e, assim, eventualmente afectar a eficácia das decisões tomadas pelos juízes recusados, ou impedi-los de continuar a tomar parte no processo, é, em si, um interesse legítimo, e justifica a acção da Desembargadora.

196.Assim como a justifica a possibilidade de nele basear um recurso extraordinário de revisão ao abrigo da alínea d) do n.º 1 do artigo 315.º do CPPT. O que também foi feito.

197. Tendo o mesmo sido rejeitado liminarmente por um colectivo formado por três dos juízes contra quem tinha sido suscitado o incidente de suspeição. O que, mais uma vez, se trata de um desfecho que a Desembargadora não tinha obrigação de antecipar.

198. Certo é, no entanto, que apesar da alegada impossibilidade de êxito de qualquer iniciativa, a arguida BB veio mesmo a ser libertada em Agosto de 2014, em virtude de um indulto concedido pelo Presidente da República Democrática de ....

199.                   Nem foi necessário recorrer às instâncias internacionais e também esse era um possível caminho e, mais uma vez, demonstrativo da existência de um interesse legítimo.

200.                   A conduta da Desembargadora é validada por variados depoimentos:

- Professor Doutor ...:

Só posso acrescentar […] que não hesitaria em fazer o que fez a Sr.ª Desembargadora, ou seja, alertar o advogado defensor para as eventuais irregularidades cometidas, para que ele pudesse promover o que entendesse necessário à defesa dos interesses patrocinados, tanto mais que o Defensor Público é também um Órgão da administração da justiça.

Tudo isto independentemente de, no caso concreto, ser ou não viável qualquer acção de natureza jurídica, porque havia sempre a possibilidade de recursos para Tribunais Internacionais ou, mesmo, eventuais acções contra o Estado ....

- Dr. NN:

Na minha opinião, conforme disse na altura, deveria entrar em contacto com o advogado da Arguida, que era quem podia e devia fazer tudo o que estivesse na sua mão para emendar a injustiça.

[…]

Porém, parecia-me que haveria sempre a possibilidade de recurso a instâncias internacionais […], bem como, não só a eventual revisão do processo-crime, como também a invocação de medidas de clemência, tais como amnistias, perdões ou indultos.

Julgo saber agora que a iniciativa da Sr.ª Desembargadora não foi inútil, porque terá contribuído para a promulgação de um indulto, o que permitiu a restituição à liberdade da antiga Ministra da Justiça de ....

201.                   Quanto ao dever de correcção, o CSM considera que:

·        os alegados “erros técnicos” não têm qualquer correspondência com a realidade;

·        a suspeita lançada sobre o comportamento ético, fazendo crer que os erros foram propositadamente cometidos, é inaceitável;

pelo que

·        são susceptíveis de censura os comentários tecidos pela Desembargadora sobre as decisões dos tribunais ...s;

·        que assim violou de forma ostensiva e leviana o dever de correcção que a vincula.

202.                   Mais uma vez, o CSM parte de uma premissa errada: a de que os “erros técnicos não têm qualquer correspondência com a realidade”. Como se demonstrou supra, o processo-crime que culminou na condenação da antiga ministra da Justiça de ..., BB, está repleto de vícios, ilegalidades e violações dos mais elementares princípios do direito processual penal e das garantias do arguido.

a.       É esta a opinião da Desembargadora, que a fundamentou devidamente. Foi esta, também, a opinião do Presidente do Tribunal de Recurso ... à data dos factos. O próprio CSM admite a existência de soluções “duvidosas” e “singulares”. Pelo que desde logo se revelam espúrias as acusações de leviandade que são apontadas à Desembargadora: poder-se-á discordar da sua opinião, mas não pode, em boa-fé, sustentar-se que ela foi manifestada de forma leviana ou sem qualquer fundamento.

203.                   Quanto à “suspeita lançada sobre o comportamento ético” dos colegas, é verdadeiramente inacreditável que se omita que o primeiro responsável pelo aparecimento dessa suspeita foi, precisamente, um desses colegas: o Senhor Desembargador CC.

204. Foi o Senhor Desembargador CC, e não a Desembargadora, quem, de forma espontânea e inequívoca, revelou que:

·        dois de três juízes que julgaram um pedido de habeas corpus estiveram envolvidos (de forma activa e passiva) numa tentativa de coacção do colectivo decisor;

·        dois desses colegas tentaram condicionar a formação desse mesmo colectivo;

·        o verdadeiro relator do acórdão foi o próprio CC, que não fazia parte, sequer, do colectivo.

205.                   O mesmo Senhor Desembargador CC que vem agora negar tudo, dizer que só se tratava de uma brincadeira, e apresentar queixa-crime contra a Desembargadora por denúncia caluniosa!

206.                   É, aliás, com genuína estupefacção que vimos o Ex.mo Instrutor defender que o comportamento do Dr. CC é menos censurável que o da Ilustre Desembargadora. Vale tudo! Que tristeza.

207.                   Estamos a falar de um e-mail que deixou o Juiz de Direito MM, que exerceu funções em ... entre 2006 e 2009, “chocado”.

208.                   Como chocada estava (e não podia deixar de estar) a Desembargadora, como foi alegado na defesa e confirmado pela prova testemunhal (e omitido na decisão):

- Procurador TT:

Em data que não preciso, fui contactado pela Dr.ª AA e, segundo creio telefonicamente, que me relatou o teor de um “e-mail” enviado pelo Dr. CC.

A Dr.ª AA estava visivelmente incomodada com o teor do mesmo, creio que iria aguardar ainda mais uma semana e julgo que terá respondido ou que iria responder ao Dr. CC manifestando a sua indignação e esperando que o mesmo rectificasse a situação […]

- Dr. NN:

Em data que não posso confirmar, mas que foi em 2013, encontrei a Dr.ª AA que estava muito preocupada.

Explicou-me ela que estava muito angustiada, porque tinha recebido informações de um colega, que esteve em ..., via e-mail, as quais punham em causa a regularidade de um processo-crime que levara à condenação de uma antiga Ministra da Justiça de ... em cinco anos de prisão efectiva.

- Juiz de Direito MM:

Tem conhecimento do e-mail questionado nos autos, que terá sido redigido e enviado pelo Sr. Desembargador CC à Sr.ª Desembargadora AA.

Aquando dessa recepção, a Sr.ª Desembargadora contactou o depoente, mostrando-lhe o e-mail e demonstrando-lhe a sua preocupação e angústia perante o que aí se relatava.

209.                   Um e-mail que, no dizer do Dr. NN, revelava factos “gravíssimos”. E que deixou o Procurador TT, que exerceu funções em ... entre 2010 e 2012, convicto de “ter havido um conluio no sentido de retirar qualquer possibilidade de defesa ao Recurso da Dr.ª BB” e com a “percepção de que o julgamento e a condenação da Dr.ª BB tinha um cariz político”.

210.                   Em suma:

·        perante soluções que a Desembargadora considera contrárias aos mais elementares princípios do processo penal e que o próprio CSM eufemisticamente qualifica de “duvidosas” ou o relator “singulares”;

·        perante a formação e experiência dos magistrados envolvidos, que, por si só, já tornaria difícil de explicar que as mesmas se tratassem de meros erros;

·        perante, por fim, um testemunho presencial e verosímil, prestado de forma espontânea e desinteressada, que assevera sem margem para dúvidas que, numa das decisões em causa, houve tentativas externas de influenciar a formação do colectivo decisor, houve tentativas de coacção dentro do próprio colectivo com o objectivo de assegurar uma decisão de indeferimento, e que esse mesmo colectivo acabou por adoptar um acórdão que não foi relatado por nenhum dos membros que o compunham;

É censurável que a Desembargadora tenha considerado não haver outra explicação que não fosse o facto de as decisões terem sido tomadas “ao revés da independência e livre arbítrio dos Julgadores”?

Por fim,

211.Quanto ao dever de prossecução do interesse público, o CSM considera que o mesmo foi violado uma vez que, afirma, a conduta da Desembargadora teve como consequência a criação de desconfiança generalizada sobre o sistema de justiça ... e sobre os juízes particularmente visados.

212.                   Uma primeira nota é devida quanto à “torpe acusação de desonestidade intelectual” que o Ex.mo Instrutor diz não admitir. Neste ponto, como já ficou dito, o que está em causa é saber se a Desembargadora criou, ou não, condições objectivas para que os mandatários da Senhora Dr.ª BB divulgassem os documentos e a informação, como fizeram, junto da comunicação social”.

213.                   Ora, neste contexto, assume cimeira relevância o conteúdo da nota final que encerrava a carta da Desembargadora: “reservo-me o direito de tornar público o conteúdo desta carta e documento anexo, quando e se o entender por conveniente”. Que se discuta o seu verdadeiro alcance, é uma coisa: que se omita a mesma da acusação, é outra.

214.                   Portanto, a crítica mantém-se. Se ela é, ou não, sintoma de desonestidade intelectual, não é algo que nos preocupe: afinal, não fomos nós que assim a definimos. Discutamos, então, o verdadeiro alcance desta nota.

215.                   Já deixámos bem claro, nos pontos 119 e seguintes da defesa, que a Desembargadora não previu, nem tinha que prever, que o advogado da arguida BB iria tornar público o conteúdo da carta e do documento anexo. A isso estava obrigado pela deontologia, por estatuto e por lei.

216. Ainda assim, para que não restassem dúvidas, a Desembargadora teve o cuidado de expressamente reservar para si o direito a torná-lo público. No fundo, diz a decisão, “predizendo que se as suas denúncias não tivessem o adequado prosseguimento jurídico, torná-las-ia públicas”.

217. Sucede, contudo, que não foi por intenções eventuais nunca concretizadas que a Desembargadora foi acusada. Nem podia. Não: a Desembargadora está acusada de ter criado as “condições objectivas” para que as denúncias viessem a público.

218.                   Não está aqui em julgamento o que a Desembargadora poderia, eventualmente, se se reunissem determinadas circunstâncias, ter feito, mas sim o que a Desembargadora fez. Ora, o que a Desembargadora fez foi transmitir ao defensor de uma arguida em processo-crime (pelas razões já acima aduzidas) o conteúdo das suas suspeitas face a esse mesmo processo.

219.                   Fê-lo sabendo que o defensor estava proibido de levar essas informações para além dos fóruns competentes e com uma nota expressa de confidencialidade. Ainda assim, entende o CSM que tal não foi suficiente. Que se pretende então que tivesse sido feito? Ocultar a verdade? Esconder o opróbrio? Que mais poderia fazer? Não fazer?

220.Quanto ao advogado, diz-se não podia deixar de conhecer que a Defensoria Pública “não observava os princípios estruturantes que decorrem do seu “Estatuto”” e não podia ignorar a “apetência inusitada de muitos operadores, judiciários e políticos, pelo recurso à comunicação social”.

221.  Quanto ao primeiro aspecto, apesar das críticas à actuação dos defensores públicos, alegando que a mesma é incompatível com a assistência simultânea de um mandatário, o Ex.mo Instrutor admite não ter “forma de saber em que circunstâncias a Defensoria Pública interveio no caso vertente”. Nada que valha a pena, portanto, comentar.

222.                   Quanto ao segundo aspecto, sendo inegável, fica por demonstrar que o Dr. EE fosse um desses “operadores”.

223.                   Quanto à nota de confidencialidade, dando provas de notável omnisciência, o Ex.mo Instrutor concluiu que a mesma se dirigia somente aos CSM’s de cada país, e não ao Dr. EE. Usando uma expressão que já vimos algures nestes autos: vale o que vale.

224.                   Dê-se novamente a palavra aos profissionais do foro, um deles já com mais de meio século de vida profissional e todos com basta e comprovada seriedade e experiência profissionais e, mais, total distância face a este caso:

- Dr. NN:

Estava fora de causa comunicar esses factos directamente à Arguida, a qual não está vinculada aos deveres deontológicos que incumbem aos Advogados.

[…] esclarece que era de esperar que o advogado da Arguida fizesse tudo o que estivesse na sua mão para defender os legítimos interesses que lhe estavam confiados mas, sem violação das regras deontológicas a que estava vinculado.

- Juiz Conselheiro ....:

Que, na perspectiva do depoente, que necessariamente é iluminada por uma paridade de direitos e deveres das instituições e dos deveres deontológicos que devem presidir aos respectivos suportes humanos, não lhe repugna que a Drª AA tivesse dado conhecimento ao Advogado da Sr.ª ex-Ministra da Justiça – facto que só agora o depoente sabe – do e-mail recebido do Dr. CC e da “denúncia” ao CSM e ao CSMJ.

- Bastonário ...:

Parece-me por isso absolutamente justificada e correcta atitude da Sr. Juíza Desembargadora, quando de forma leal, clara e em documento por si subscrito, relatou o que conhecera ao Defensor Público Geral, que, como já se referiu era também mandatário da Arguida visada pelo processo criminal.

Não se encontraria justificação para que uma magistrada Judicial, confrontada com factos que considerou graves e atentatórios da boa administração da justiça, os guardasse para si própria, ou, tendo optado pela sua divulgação, os sonegasse à defesa.

Recordo que, em ..., tal como aliás em Portugal, os Advogados estão sujeitos a regras quanto ao exercício do patrocínio e nomeadamente a guardarem segredo profissional […]

- Procurador TT:

Em minha opinião, à Sr.ª Desembargadora não pode ser assacada qualquer responsabilidade pela divulgação do e-mail.

225.Fica, pois, demonstrado que a prova produzida não foi devidamente apreciada e valorada, pois caso contrário teria permitido concluir em sentido absolutório.

226.  Demonstrada está, contraditoriamente, a inexigibilidade de conduta diversa, pois que a Recorrente determinou e orientou a sua conduta de modo juridicamente adequado, em harmonia com o Homem médio, cumpridor da Lei, do Direito, da Justiça e da Ética.

227.A decisão proferida, pelo seu cariz condenatório, consubstancia de per si, manifesto excesso ou desproporcionalidade tendo em consideração a conduta da Recorrente, a sua motivação, os interesses em jogo, as normas aplicáveis, e os princípios a que estava adstrita, bem como e principalmente tendo em conta o próprio conselho jurídico que recebeu do Dr. NN, conforme aliás se retira do seu depoimento: “Em data que não posso confirmar, mas que foi em 2013, encontrei a Dr.ª AA que estava muito preocupada. Explicou-me ela que estava muito angustiada, porque tinha recebido informações de um colega, que esteve em ..., via e-mail, as quais punham em causa a regularidade de um processo-crime que levara à condenação de uma antiga Ministra da Justiça de ... em cinco anos de prisão efectiva. Pelas informações constantes desse e-mail, concordei com a Dr.ª AA e que tinha sido exercida pressão sobre os Juízes, que a composição do Tribunal não respeitou o princípio do Juiz Natural e que também o projecto do acórdão não teria sido feito pelo próprio relator, factos estes que considerei gravíssimos. Na minha opinião, conforme disse na altura, deveria entrar em contacto com o advogado da Arguida, que era quem podia e devia fazer tudo o que estivesse na sua mão para emendar a injustiça. Estava fora de causa comunicar esses factos directamente à Arguida, a qual não está vinculada aos deveres deontológicos que incumbem aos Advogados. Porém, parecia-me que haveria sempre a possibilidade de recurso a instâncias internacionais, bem como, não só a eventual revisão do processo-crime, como também a invocação de medidas de clemência, tais como amnistias, perdões ou indultos. Julgo saber agora que a iniciativa da Sr.ª Desembargadora não foi inútil, porque terá contribuído para a promulgação de um indulto, o que permitiu a restituição à liberdade da antiga Ministra da Justiça de .... Esclarece que era de esperar que o advogado da Arguida fizesse tudo o que estivesse na sua mão para defender os legítimos interesses que lhe estavam confiados mas, sem violação das regras deontológicas a que estava vinculado.”

228.A Recorrente com a sua conduta revelou especial ponderação, zelo e lealdade para com a prossecução da Justiça e do interesse público, em conformidade com os deveres a que está adstrita por força do disposto nas alíneas a) e g), do n.º 2, do artigo 3.º do EDTEFP,

229. E, acrescente-se, não sendo acolhido o critério normativo defendido quanto ao conteúdo funcional do magistrado judicial, verificar-se-á inconstitucionalidade por violação do artigo 202º, nº 2, da CRP, da norma constante do artigo 82º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, singularmente considerada ou em conjugação com qualquer outro artigo, quando interpretada no sentido de consubstanciar violação dos deveres profissionais comportamento devido levada a cabo por magistrado judicial que, ainda que não esteja no exercício das suas funções, reprima, por meio de denúncia obrigatória ao Conselho Superior da Magistratura competente e a Advogado, a violação da legalidade democrática, e, assim, assegure ou vise assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos DDadãos.

230. Não praticou, pois, os ilícitos de natureza disciplinar por que foi condenada, não se encontrando preenchidos os requisitos constantes do disposto no artigo 82.º do EMJ, o que faz enfermar a decisão recorrida de vício de violação de lei, violando ainda o princípio da proporcionalidade, da imparcialidade, de justiça, da decisão, previstos nos artigos 3.º, 5.º, 6.º e 9.º do CPA (actuais artigo 3.º, 7.º, 8.º, 9.º e 13.º).

 Termos em que atento tudo o acima exposto, e demonstrada que está a existência, na decisão recorrida, de flagrantes contradições, insuficiência de prova, erros notórios na respectiva apreciação, que reconduziram à manifesta ausência de razoabilidade e coerência da matéria de facto fixada, requer a V. Exas, ao abrigo do disposto nos artigos 50.º do CPTA e, bem assim, dos artigos 135.º e 136.º do CPA (actual 163.º) declarar a invalidade da decisão condenatória proferida, com fundamento na violação:

- do dever de fundamentação, consagrado nos artigos 124.º e 125.º do CPA (actuais 152.º e 153.º), e no artigos 268.º, n.º 3, da CRP, sendo evidente a omissão de pronúncia relativamente à integralidade das questões suscitadas pela Defesa e a não ponderação adequada dos depoimentos prestados pelas testemunhas nela arroladas;

- do dever de isenção, do princípio da proporcionalidade, da imparcialidade, de justiça, da decisão, previstos nos artigos 3.º, 5.º, 6.º e 9.º do CPA (actuais artigo 3.º, 7.º, 8.º, 9.º e 13.º),

requer a V. Exas se dignem anular a decisão recorrida nos termos do disposto no artigo 135 e 136.º do CPA.

O Conselho Superior da Magistratura apresentou a seguinte resposta:

 

I. Enquadramento

 

Os factos em jogo prendem-se com o e-mail de 31 de Janeiro de 2013 endereçado pelo Senhor Desembargador CC, de ..., à Senhora Desembargadora AA, que o rececionou em Lisboa, com o seguinte teor:

Olá AA

Confirmaram-se as suspeitas.

O Dr. II apresentou um projecto de deferimento do Habeas Corpus.

Ainda tentou com o envolvimento do JJ fazer passar o Projecto.

A Natércia (no seu melhor) foi ameaçar o JJ porque agora faz parte do Conselho e não lhe renovavam o contrato se ele subscrevesse o Projecto.

O JJ falou comigo e dei-lhe também a minha opinião.

Apenas eu rebati os argumentos do Dr. II (a quem pedi desculpa por tomar posição contra a dele), mas todos votaram contra.

Eu elaborei o Projecto para o JJ (que ficou Relator) e conseguiu (com ajuda do DD e do FF) [convencer] a LL a entrar no Colectivo para não ficarem só Internacionais contra os Políticos.

Enfim, uma novela que teve um final feliz.

Só tenho pena que o Dr. II tenha ficado ainda mais isolado dos Juízes Nacionais.

Mas eu e o DD ficámos mais credibilizados (que é o lado bom desta situação).

O Dr. II apresentou o seu Projecto com voto de vencido.

Como o voto de vencido vem no fim o EE fez uma festa na Defensoria pensando que o pedido tinha sido deferido (nem se deu ao trabalho de ler).

Mais uma história de ...

Dá notícias.

Beijos”.

 

Com base no aludido e-mail a Senhora Desembargadora AA subscreveu uma carta datada de 27 de Fevereiro de 2013, que endereçou aos Ex.mos Senhores Presidente do Conselho Superior da Magistratura Judicial de ... e respetivos Vogais, com conhecimento ao Ex.mo Defensor Público Geral de ... – Sr. Dr. EE - e ao Ex.mo Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura de Portugal, Juiz Conselheiro Dr. ..., fazendo acompanhar essa carta do e-mail supra reproduzido. Carta em que refere, além do mais:

(…) AA, Juiz Desembargadora Jubilada, tendo conhecimento do teor das decisões da Primeira Instância e do Tribunal de Recurso, relativas ao processo da Arguida BB, Ex-ministra da Justiça e tendo verificado, no meu modesto entendimento, que as mesmas padecem de erros jurídicos suscetíveis de contender com a Justiça, no caso concreto e com o sistema de Justiça no seu todo, vem expor o seguinte:

Após a prolação da decisão do habeas corpus, recebi um email do Dr. CC, cujo teor dou como reproduzido e que junto em anexo.

Considerando o conteúdo das decisões que, sublinhe-se, no meu entender, enfermam de erros técnicos graves, conjugado com o teor do e-mail, sou forçada a concluir que a independência dos Tribunais pode ser posta em causa.

Atentando aos factos de que um dos juízes que figura como Relator, o Dr. JJ (embora o acórdão tenha sido elaborado por um dos adjuntos, o Dr. CC), decidiu sob ameaça de não ver o seu contrato renovado e que um outro juiz do coletivo, a Dr.ª LL, acabou por integrar aquele coletivo, por influência de dois juízes internacionais, o Dr. DD, o Dr. JJ e, alegadamente, pelo Dr. FF, que julgo ser o marido daquela magistrada, constato um comportamento inadmissível, porque necessariamente afeta todo o sistema judicial e viola vários deveres éticos e deontológicos, como sejam, os deveres de independência, reserva, isenção e imparcialidade.

Convém frisar que a gravidade dos factos não se circunscreve ao caso concreto, e muito menos por a arguida ter sido uma destacada figura do anterior governo de ..., mas porque compromete de forma irremediável o sistema judicial no seu todo, sobretudo num País em que o sistema de justiça está numa fase embrionária e de consolidação. (…)

Acresce que, mesmo do ponto de vista jurídico, qualquer das decisões encerra verdadeiros erros judiciários, não se tratando apenas de interpretações jurídicas diferentes, antes configurando decisões ao revés da independência e livre arbítrio dos Julgadores.

A conduta sobretudo dos Srs. Juízes Internacionais, quer pelos erros técnicos detectados nas decisões da Primeira Instância e Tribunal de Recurso, de que não se pode encontrar nenhuma justificação porque qualquer dos magistrados tem experiência e excepcional qualidade técnica, quer os comportamentos referidos no email (o Dr. CC ofereceu-se para relatar o acórdão do Dr. JJ para contra argumentar a decisão proferida pelo Sr. Presidente, Dr. II, enquanto o Dr. DD e Dr. JJ, alegadamente com o Dr. FF, convenceram uma Juíza Nacional, a Dr. LL, a integrar o Colectivo), ao arrepio das normas que presidem à composição dos Colectivos junto do Tribunal de Recurso, comprometem também o papel do Juiz Internacional na sua qualidade de assessor e formador, uma vez que transmitem práticas eticamente censuráveis e erradas.

Permitam-me ainda destacar duas frases constantes do e-mail e passo a citar: “uma novela com final feliz” e “é pena que o Dr. II esteja cada vez mais isolado dos Juízes Nacionais, mas eu e o DD estamos mais credibilizados, sendo esta a parte boa da situação”, que deverá permitir a V. Excelências retirar as necessárias ilações”.

 

A impugnante atribui diversas invalidades à deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 16 de Junho de 2015, proferida no âmbito do processo disciplinar 2014-264/PD, que a sancionou na perda da pensão pelo período de 40 (quarenta) dias, pela prática de uma infração disciplinar consubstanciada na violação dos deveres de reserva, de correção e de prossecução do interesse público e de criar no público a confiança na administração da justiça, previstos pelos artigos 1º, 2º, a) e h), 3 e 10, do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas (EDTEFP)[13] e 12.º, 85.º e 94.º do EMJ.

A Dr.ª AA, porque beneficia do estatuto de magistrada jubilada, continua vinculada aos deveres estatutários dos magistrados judiciais e aos poderes de disciplina do CSM (artigos 67º, 2, e 136º do EMJ). Jubilada em 05 de Abril de 2010, permaneceu no exercício de missão em ..., que cessou em Junho de 2012, tendo os factos que lhe são imputados no processo disciplinar em causa ocorrido em momento ulterior à cessação daquela missão.

 

 

II. Matéria não controvertida

 

Embora o CSM entenda não ser necessária a negação dos factos relevantes, por cautela, aceita as considerações genéricas expendidas pela impugnante nas apelidadas “considerações iniciais sobre a decisão recorrida” em tudo o que não contraria a fundamentação de facto e de direito plasmada na deliberação impugnada, designadamente o alegado nos artigos 5º, 6.º, 12º na medida em que reproduzem posições de terceiros ou testemunhas inquiridas nos autos, 23º, 40º, 54º, 58º, 60º, 61º, 72º, 79º, 93º na medida em que expressem os depoimentos prestados nos autos, 99º a 102º, 105º, 107º, 110º, 114º, 117º.

 

No domínio do “enquadramento jurídico”, também se aceitam as genéricas alegações produzidas a propósito dos vícios dos atos administrativos e seus efeitos invalidantes, mas rejeita-se a verificação de qualquer dos vícios e das consequências assacadas, bem como todos os extratos do relatório final ou da deliberação impugnada e dos depoimentos citados ao longo do texto alegatório, como os enunciados nos artigos 121º a 122º, 130º, 136º, 141º, 150º, 154º, 156º, 158º, 181º, 182º, 185º, 200º, 208º, 224º.

 

III. Impugnação

 

1. Considerações Gerais

 

Quanto ao mais alegado, impugnam-se especificadamente, ainda por cautela, todas as demais considerações expendidas pela impugnante, muitas delas meramente conclusivas, incluindo as vertidas nos artigos 1º a 4º, 6º, última parte, 13º a 18º, 20º a 22º, 24ºa 39º, na parte excedente aos considerandos feitos no relatório pelo Ex.mo Senhor Juiz Conselheiro Instruor e pela deliberação impugnada, 41.º a 53º a 57º, 59º, 62º a 71º, 73º a 78º, 80º a 92º, 94º a 98º, 103º a 104º, 106º, 108º a 109º, 111º a 113º, 115º a 116º, 118º a 120º, bem como o entendimento jurídico extraído dos factos apurados.

 

A impugnante atribui à deliberação contradições, insuficiências de prova, erros na sua apreciação, falta de fundamentação, omissão de pronúncia quanto à integralidade da defesa apresentada, não ponderação adequada dos depoimentos das testemunhas arroladas pela defesa e os vícios de violação de lei e dos princípios do inquisitório, proporcionalidade, imparcialidade, justiça e decisão.

É axiomático que o CSM, enquanto órgão de Estado integrado na administração judiciária (artigos 217.º, n.º 1, e 218.º da CRP), está constitucionalmente subordinado aos princípios administrativos fundamentais (artigo 266.º da CRP) e aos princípios gerais do direito administrativo e do procedimento administrativo, designadamente adstrito à prossecução do interesse público e ao respeito dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.

 

10º

A impugnação contenciosa do ato administrativo em causa, consubstanciado na sanção disciplinar aplicada à Senhora Juíza Desembargadora, está circunscrita à sua anulação, declaração de nulidade ou de inexistência, sendo vedado reapreciar o seu mérito para o substituir por outro [artigo 50.º, n.º 1, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA)][14], apenas legitimando indagar se a deliberação impugnada obedeceu às exigências externas da ordem jurídica ou se afronta alguns dos invocados princípios, sem imisção na conveniência ou oportunidade da sua atuação.

 

2. Vícios invocados pela impugnante (cuja apreciação será feita segundo a sua própria sistematização)

2.1. Nulidade decorrente de “matéria de facto” recondutível a opiniões e conclusões

 

11º

O regime de recurso das deliberações deste CSM (artigos 168º a 178º do EMJ) tem de conjugar-se com a previsão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que exclui dos poderes de apreciação dos tribunais administrativos, no respeito pelo princípio da separação e interdependências de poderes, a conveniência ou oportunidade da atuação da administração, permitindo-lhes apenas julgar do cumprimento das normas e princípios jurídicos que a vinculam (artigo 3º, 1). Afirmação que o STJ tem vindo a destacar no sentido de que a norma “restringe a atuação dos tribunais administrativos à apreciação do cumprimento das normas e princípios jurídicos que vinculam a administração, e não da conveniência ou oportunidade da sua atuação”. Preserva dos poderes de condenação dos tribunais administrativos os “espaços de valoração próprios do exercício da função administrativa”, pelo que a “impugnação de um ato administrativo tem por objeto a anulação ou a declaração de nulidade ou inexistência desse ato[15].

 12º

Em função do estatuído no artigo 192.º do CPTA, o recurso das deliberações do CSM, como atos formalmente administrativos que são, é regulado pelas normas que disciplinam o recurso de revista para o STA e, supletivamente, pelo disposto no Código de Processo Civil, regime que restringe o conhecimento dos tribunais de revista, como é o caso do STJ, ao conhecimento da matéria de direito e só admite reapreciação da matéria de facto quando a entidade administrativa tenha dado como provado um facto para o qual não tenha produzido a prova legalmente indispensável para o efeito ou tenha desrespeitado normas que fixem a força probatória dos meios de prova (artigo 150.º, 4, in fine, do CPTA).

 

13º

Tem sido esse o sentido uniforme da jurisprudência do STJ ao decidir que, enquanto tribunal de revista, tem, por via de regra, os seus poderes de cognição limitados a matéria de direito, só se podendo imiscuir no conhecimento de matéria de facto quando ocorram erros manifestos e grosseiros que impossibilitem uma decisão correta e rigorosa do aspeto jurídico da causa. Deste modo, com exceção de erros patentes, manifestos ou grosseiros, não compete ao STJ proceder à reapreciação da matéria de facto que o órgão administrativo deu por provada, seja no sentido da exclusão de factos que, de acordo com uma diferente leitura ou valoração da prova produzida, foram incorreta ou indevidamente considerados como provados, seja no sentido inverso, isto é, na não inclusão de matéria de facto alegada pelo arguido[16].

14º

Portanto, nesta sede de impugnação contenciosa da deliberação do CSM não caberá ao STJ reapreciar a factualidade nela fixada, salvo para corrigir contradições ou suprir insuficiências que inviabilizem a rigorosa decisão do aspeto jurídico da causa [artigo 682.º do novo Código de Processo Civil (NCPC)], o que, antecipando, não se verifica. Contudo, não se deixa de afrontar especificamente todos os segmentos que, nesse domínio, são particularizados pela impugnante.

 

15º

Aduz que a matéria de facto dada por provada sob os pontos 53, 54 a 58 é conclusiva e a referida sob o ponto 46 é argumentativa. Efetivamente as referências neles mencionadas encerram juízos conclusivos de um lato conjunto de circunstâncias factuais exaradas sob a égide da factualidade provada. E se é certo que a boa técnica descritiva da fundamentação fáctica deve conter apenas a nudez dos factos, não se podem ignorar as dificuldades linguísticas de expressar a determinação envolvente fora de juízos de ordem valorativa que relativiza ou intensifica a conduta descrita. Ainda assim, nesse concreto vetor da exposição factual, o procedimento administrativo é bem mais permissivo do que os regimes processuais penal e civil.

 

16º

Mesmo as fórmulas legais definidoras do ilícito disciplinar são muito amplas e genéricas, deixando praticamente em branco os respetivos conteúdos que acabam por ser corporizados com os códigos de ética ou de conduta. Afirma-se que o juiz deve cultivar, em permanência, determinadas qualidades, as apelidadas “virtudes judiciais”, como a verdade, a coragem, a lealdade, a prudência, a contenção, a discrição, todas elas funcionais dos seus deveres de independência e imparcialidade[17].

 

17º

Na verdade, a confiança dos cidadãos nos Tribunais é sustentada pela conduta ética dos juízes, a quem se exigem determinados standards de comportamento, tanto dentro como fora do tribunal, “manifestando sentimentos de honra que imponham ao público sentimento de respeito pela sua profissão”. É, pois, imperativo que os juízes evitem situações, públicas ou até da sua vida privada, que “possam razoavelmente causar menos respeito pela sua profissão ou dúvidas sobre a sua imparcialidade[18].

18º

Donde a necessária contextualização da crueza dos factos com um conjunto de valorações que preenchem e enquadram a imprescindível densificação disciplinar dos factos apurados, a tornar compreensíveis os “desabafos” do relatório e da deliberação impugnada censurados pela Senhora Desembargadora, num mimetismo percorrido pela sua petição, não obstante sejam opostas as conclusões extraídas. A título de exemplo, a propósito da decisão que condenou a Senhora Dr.ª BB, escreve: “A decisão de um Tribunal não pode depender de preconceitos, de conciliações, de ameaças, de pressões, de sentidos pré-determinados” e a respeito da deliberação impugnada “a decisão recorrida parece não extrair quaisquer consequências da atitude de ponderação, de cuidado, de zelo da recorrente, devidamente comprovada nos autos” (…), “partem repercussão mediática do processo judicial em que é arguida a Ex.ma Senhora ex-Ministra da Justiça e da decisão tomada pelo Senhor Ministro da Justiça em 20-11-2013, em busca de um responsável, in casu, a recorrente, enxertando à força e sem razão uma tese de responsabilização”.

 

19º

Contesta a impugnante alguns dos factos dados por demonstrados e atribui à deliberação sindicada a omissão de devida apreciação dos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela defesa, identificando trechos de diversos depoimentos, por si identificados, relativamente aos quais ”não se compreende porque motivo a decisão recorrida não acompanhou o entendimento sufragado nos depoimentos”. E a razão pela qual a deliberação não acolheu esses depoimentos é alegada pela própria impugnante. Eles não contêm qualquer descrição factual, apenas encerram as posições pessoais dos diversos depoentes acerca da conduta da Senhora Desembargadora Dr.ª AA, como, por exemplo, o extrato do depoimento do Senhor Desembargador Dr. II: “Relativamente aos comentários tecidos na carta sobre a atuação técnica dos juízes envolvidos, entende o depoente que se justificava a sua adução para contextualizar a denúncia apresentada”. Ou do Senhor Dr. ...: “Do meu ponto de vista ao agir como agiu, a Senhora Desembargadora fez aquilo que lhe competia”.

 

20º

Àquela concreta alegação faz a impugnante corresponder a violação do princípio da livre apreciação da prova e das regras da experiência comum e da vida. Ora, respeitadas as garantias de audiência e defesa e o princípio de presunção de inocência, o instrutor do processo disciplinar e o decisor gozam de ampla margem de liberdade na apreciação da prova, decidindo em função da sua livre convicção. Por isso, na valoração das diversas provas produzidas, concatenadas com as regras da experiência comum, a administração conclui pelos factos que reputa de demonstrados ou indemonstrados sem que isso signifique a desconsideração da defesa, mas tão só uma diferente visão e avaliação das provas em causa[19].

 

21º

Compulsada a motivação probatória, encontram-se especificados os fundamentos que determinaram à prova dos factos descritos e à falta de prova dos que foram alegados pela defesa. Não sendo aplicável no procedimento disciplinar o dever de fundamentação sobre a matéria de facto provada e não provada que decorre do estipulado no ordenamento jusprocessual penal (artigo 374º), a credibilidade dos relatos das testemunhas é apreciada em concreto, face às circunstâncias envolventes e à consistência que as regras da lógica e da experiência lhes confere. E, no caso, nem a credibilidade e idoneidade de qualquer testemunha foram postas em causa nem se intui qualquer incoerência ou fragilidade na versão factual a que aderiu a deliberação impugnada. Ao invés, as apuradas circunstâncias objetivas, sustentadas por prova documental que a impugnante não questiona, suportam a convicção do instrutor e do decisor.

 22º

 Pelo menos quanto aos factos essenciais, normativamente relevantes, é patente a suficiência da prova e da matéria de facto em que se fundamenta a decisão punitiva. Ainda que assim se não entendesse, o controlo da suficiência probatória pelo STJ não pode consistir na reapreciação da prova nem na formulação de nova e diferente convicção perante os elementos de prova constantes do processo, mas antes se remete à apreciação da razoabilidade e coerência da relação entre os factos considerados provados e os elementos de prova que lhe serviram de fonte de convicção, no que respeite aos factos relevantes delimitados pela acusação disciplinar ou incluídos no modelo pertinente de defesa.[20]

23º

             Vale por dizer que ao STJ é vedado sindicar a apreciação e a valoração da prova produzida, mas apenas, num juízo de legalidade, averiguar se o “órgão da administração, na apreciação que realizou e na factualidade que fixou, teve por base elementos probatórios que, conjugados entre si e à luz do princípio da livre apreciação da prova, são suscetíveis de conduzir a tal fixação, nos precisos termos em que o foi[21]. Em suma, o STJ só pode aferir do cumprimento dos princípios e regras que presidem à apreciação da prova e ponderar da razoabilidade do veredicto factual, ficando afastada a possibilidade de, nesta sede, efetuar uma reapreciação dos elementos de prova que constam do processo para fundar e dar por demonstrada uma nova versão.

 

24º

Tal como tem sido reafirmado pela jurisprudência do STJ, o mesmo “não pode substituir-se ao Órgão Administrativo competente na aquisição dos factos – material probatório -, a considerar no ato impugnado; apenas tem competência para anular a decisão recorrida, a fim de que a autoridade recorrida efetue algum ato de instrução do procedimento administrativo e, a seguir, reaprecie o caso[22]. Também em sentido similar, foi reafirmado que o “STJ, enquanto tribunal de revista, tem, por via de regra, os seus poderes de cognição limitados a matéria de direito, só se podendo imiscuir no conhecimento de matéria de facto quando ocorram erros manifestos e grosseiros que impossibilitem uma decisão correta e rigorosa do aspeto jurídico da causa. Deste modo, com exceção de erros patentes, manifestos ou grosseiros, não compete ao STJ proceder à reapreciação da matéria de facto que o órgão administrativo teve por provada, seja no sentido da exclusão de factos que, de acordo com uma diferente leitura ou valoração da prova produzida, foram incorreta ou indevidamente considerados como provados, seja no sentido inverso, isto é, no da inclusão de matéria de facto que acabou por não ficar vertida na decisão da autoridade administrativa[23].

 25º

Tal como são insustentáveis os preditos argumentos aduzidos pela impugnante, também não tem consistência a anotada violação dos princípios da verdade material, da decisão, da justiça e da imparcialidade, na defesa de que a deliberação encerra “a preocupação da boa imagem pública da justiça portuguesa ou pelo menos da boa imagem dos juízes que exerciam funções ao abrigo do protocolo” com ..., sufragando a ideia de que essa imagem deve preservar-se a todo o custo, em detrimento de outros valores fundamentais como o direito à liberdade, a uma decisão justa e imparcial, numa ideia de contenção de estragos, de resguardo da informação da opinião pública, de uma “conivência silenciosa, perversa, geradora de (des)confiança e de uma omertá entre elementos da corporação”.

 

26º

Não deixa de gerar perplexidade a forte densidade semântica com que a impugnante edifica o juízo de desconfiança a respeito de um órgão de feição constitucional como é o CSM, de constituição compósita, maioritariamente integrado por membros estranhos à “corporação” – os membros laicos, dois designados pelo Presidente da República e sete eleitos pela Assembleia da República (artigo 137º, 1, do EMJ) – que dão suporte a uma extensa e intensa legitimação política e social e a um expressivo contributo de experiências e mentalidades de elementos estranhos à ordem judiciária[24].

 

2.2. Violação do princípio do inquisitório

27º

Aceita-se que os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da legalidade, prossecução do interesse público e da proteção dos direitos dos cidadãos, igualdade e proporcionalidade, justiça e imparcialidade, boa fé, colaboração com os particulares, participação, decisão, desburocatrização e eficiência, gratuitidade e acesso à justiça, que encontram arrimo no regime do procedimento administrativo (artigos 266.º , 2, da CRP e 3º a 6º, 6º-A, 7º a 12º do CPA).

 

28º

O princípio do inquisitório, como princípio geral do procedimento administrativo, coloca sobre a administração uma atitude ativa e oficiosa de dupla dimensão: uma de cariz formal ou ordenadora e outra de cariz material ou de conhecimento (artigo 56.º do CPA). Da primeira deriva que é ao órgão administrativo que compete a ordenação da sequência procedimental, expressa no poder oficioso de imprimir o ritmo de desenvolvimento do percurso procedimental, concretizado numa ampla e sucessiva atividade de impulso ou de iniciativa dos trâmites do procedimento. A segunda prende-se com o dever de procura, seleção e valoração dos factos relevantes e da lei aplicável ao caso jurídico-administrativo, impondo sobre a administração o ónus de proceder à investigação necessária ao conhecimento dos factos essenciais ou determinantes da decisão, a descoberta e ponderação de todas as dimensões de interesses públicos e privados que se liguem com a decisão a produzir[25].

 

29º

Princípio que não desvaloriza a participação e colaboração dos interessados no auxílio à pesquisa dos factos que lhes interessa que sejam verificados e que a Dr.ª AA exerceu amplamente, requerendo os meios de prova que considerou ajustados, produzidos sem limitação e na perspetiva de descoberta de toda a factualidade relevante para a decisão da questão. Talvez por isso tenha reduzido a apontada violação do princípio da verdade material à sua mera evocação, sem concretizar qualquer falha investigatória que tenha obstado à aquisição de qualquer facto relevante para a decisão. Ao contrário, foram observados os princípios gerais das garantias de defesa, da investigação ou da verdade material e da livre apreciação da prova, constitucionalmente consagrados como princípios estruturantes do direito processual penal e que têm também aplicação nesta sede de procedimento administrativo de natureza disciplinar.

 

2.3. Violação do princípio da decisão

 

30º

O princípio da decisão consagra um dever genérico de pronúncia ou de resposta da administração nos procedimentos administrativos desencadeados por particulares ou de iniciativa pública, mesmo nos procedimentos oficiosos, ainda que o procedimento não vise a produção de um ato favorável para todos ou alguns dos seus destinatários (artigo 9.º do CPA). Nos procedimentos tendentes à prática de ato desfavorável continua a merecer proteção o potencial interesse do destinatário como, no presente caso de procedimento disciplinar, em que a Senhora Juíza Desembargadora tinha direito a obter uma decisão final expressa, condenatória ou não (artigo 107º do CPA).

 

31º

Decisão que consubstancia a manifestação de vontade do órgão administrativo e que tanto pode consistir numa decisão de fundo, sobre a valia jurídica da questão, como numa decisão sobre o não conhecimento do mérito por inverificação dos respetivos pressupostos procedimentais, a significar que a decisão final expressa contém “o juízo da instância decisória acerca do merecimento jurídico-administrativo (substantivo e/ou procedimental) da pretensão nele formulada[26].

 

32º

A deliberação impugnada observou esse dever de decisão, afrontando todas as questões suscitadas no procedimento disciplinar e pronunciando-se sobre todas as vertentes da defesa, designadamente sobre o invocado exercício legítimo de um direito quando a Senhora Juíza Desembargadora optou por divulgar o conteúdo do mail que lhe foi remetido pelo Senhor desembargador CC. Em boa verdade, a impugnante nunca questionou a materialidade dos factos, antes defendeu que representam um legítimo exercício de cidadania. Matéria que alcançou a expressa pronúncia da deliberação impugnada, embora em sentido diverso do sufragado pela defesa.

 

2.4. Violação dos princípios da justiça e da imparcialidade

 

33º

O e-mail recebido pela impugnante continha uma mensagem privada, pelo que a sua divulgação só seria consentida se nisso tivesse um interesse legítimo e relevante, no seu dizer a “reposição da justiça” no processo crime em que era visada a ex-Ministra da Justiça de ..., Dr.ª BB. Estando convicta da verificação de factos suscetíveis de integrar infrações criminais, a reposição da verdade no dito processo crime impunha a sua comunicação às autoridades competentes, ao Ministério Público (artigos 242.º e 244.º do CPP português e 210.º a 213.º do CPP ...) e, para acautelar os interesses da magistratura, aos órgãos de disciplina e gestão dos juízes portugueses e ...s. Só que a Senhora Desembargadora não se inibiu de divulgar o teor do e-mail junto do Dr. EE, advogado da arguida nesse processo crime, dando azo às correspondentes e previsíveis reações dos mandatários da Senhora Dr.ª BB na dedução de queixa crime contra os visados da sua comunicação e interposição de recurso extraordinário de revisão e dedução de incidentes de suspeição contra todos os juízes do tribunal de recurso, à exceção do seu presidente, então o Senhor Dr. II. O teor do e-mail não tinha a virtualidade de alterar a decisão revidenda. Tendo a decisão transitado em julgado, ela só poderia ser abalada por uma outra sentença, transitada em julgado, que declarasse a atuação criminosa dos membros do coletivo decisor (artigo 315.º, n.º 1, alínea b), do CPP ...). Nem o e-mail continha “novos factos” nem constituía um “novo meio de prova” que pudessem abalar a decisão anterior, tornando-se irrelevante para a invocada “reposição da verdade material”. E sendo escusada a comunicação efetuada ao Dr. EE, foi ilegítima a divulgação, prevalecendo o direito à privacidade da mensagem e à proibição da sua divulgação.

 

34º

A impugnante introduz a alegação de que o Dr. EE, tendo também a qualidade de Defensor Público da República de ..., estava deontológica e legalmente proibido de revelar a documentação. Compulsado o Estatuto da Defensoria Pública, aprovado pelo decreto-lei n.º 38/2008, de 29 de outubro, verifica-se que a Defensoria Pública é um serviço público, responsável pela prestação de assistência jurídica, judicial e extrajudicial, integral e gratuita, aos mais necessitados, assegurando o acesso aos tribunais e o acesso ao direito a todos os que a ela recorram, designadamente prestando o patrocínio judiciário em qualquer tribunal de ..., qualquer que seja a natureza do processo e qualquer que seja a posição processual das partes (artigos 1º a 30).

 

35º

Serviço que é, portanto, independente do Ministério Público, cuja magistratura constitui um dos pilares essenciais em que assenta a administração da justiça, cabendo-lhe exercer a ação penal, garantir a legalidade democrática e promover o cumprimento da lei (artigos 1º a 3º, 1, d), do Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 14/2005, de 16 de setembro, alterada pela lei n.º 11 /2011, de 28 de setembro). Daqui resulta que ao Dr. EE não cabia o exercício da ação penal e, por isso, na qualidade de defensor público e no exercício do patrocínio da Dr.ª BB, não lhe deveria ter sido feita a comunicação. Para efeito de participação crime bastaria à Senhora Desembargadora dirigir a sua comunicação ao Ministério Público, o que não fez, antes a divulgou junto do Dr. EE para lhe fornecer dados que entendeu relevantes para a defesa, usáveis como lhe aprouvesse, facto indesmentível e que continua a afirmar na sua petição, por entender que estava legitimada a contribuir para a libertação da Dr.ª BB, na sua perspetiva presa injustamente. O Dr. EE só estaria inibido de os divulgar se os mesmos estivessem sujeitos a segredo de justiça. A Senhora Desembargadora dissente da opção decisória do CSM, mas não pode apontar à sua deliberação omissão de pronúncia ou recusa de decisão.

 

36º

Os princípios da justiça e da imparcialidade adscrevem a administração a tratar de forma justa e imparcial todos os que com ela entrem em relação (artigo 6.º do CPA). Não é, contudo, por referência aos critérios subjetivos dos envolvidos que se alcança o parâmetro do que é um ato justo, mas “por referência aos critérios e valores de justiça plasmados no ordenamento jurídico, sobretudo ao nível constitucional. (...) Ele constitui ... a última ratio da subordinção da administração ao Direito, permitindo invalidar aqueles atos que, não cabendo em nehuma das condicionantes jurídicas expressas da atividade administrativa, constituem, no entanto, uma afronta intolerável aos valores elementares da ordem jurídica, sobretudo aos plasmados em normas respeitantes à integridade e dignidade das pessoas, à sua boa fé e confiança no Direito[27]

 

37º

O princípio da imparcialidade, ligado à postura da administração, constitui um meio para a realização de uma exigência de objetividade final da atividade administrativa. Sendo parte interessada na aplicação da norma, a administração deve ponderar, nas suas opções, todos os interesses juridicamente protegidos e envolvidos no caso concreto, mantendo-se equidistante em relação aos interesses particulares e abstendo-se de os considerar em função de valores estranhos à sua função ou munus[28]. Crê-se que a deliberação impugnada ponderou equilibradamente os interesses em jogo, designadamente todos os que foram evocados pela Senhora Desembargadora na defesa, num exigível distanciamento de quaisquer interesses que não espelhassem a prossecução do interesse público. Aliás, a impugnante não materializa essa sua afirmação em qualquer concreta atitude do CSM reveladora de falta de isenção ou de atuação veiculada por interesses diversos do prosseguido interesse público, limitando a sua posição a juízos conclusivos e valorativos, despidos de qualquer conteúdo fáctico real, como, por exemplo, “a verdadeira preocupação do CSM, ao longo de todo este processo, não foi a de verificar se a atuação dos magistrados protugueses em ... se revelou digna e respeitadora dos deveres a que estão adstritos; foi, sim, proteger a imagem da magistratura a todo o custo, castigando a Desembargadora por ter tido o atrevimento de a questionar”.

 

38º

Insiste nos erros jurídicos cometidos no âmbito do processo crime em que era visada a ex-Ministra da Justiça de ..., na omissão de pronúncia do acórdão do tribunal de recurso, que não deveria ter sido pronunciado pelo coletivo que proferiu o anterior e que a ulterior sanação do vício não deixa de o qualificar como “um verdadeiro erro judiciário”, no ostensivo erro de rejeitar o recurso de inconstitucionalidade e na sucessiva preterição de normas jurídicas que, na sua ótica, justificam a sua atitude de divulgar o conteúdo do e-mail (artigos 121º a 185º da petição de recurso). Versão que, no domínio do direito disciplinar se reconduz à circunstância dirimente da responsabilidade disiciplinar – o exercício de um direito ou o cumprimento de um dever – que constitui uma causa de exclusão da ilicitude (artigo 21.º, e, do EDTEFP).

39º

Ainda defende que o seu impulso correspondeu ao legalmente exigível, mormente a quem exerceu funções de inspeção, que foi o de participar, para efeitos de responsabilização disciplinar, os factos que lhe foram comunicados através do e-mail, designadamente quando estava em causa a privação ilegítima e infundada da liberdade de alguém. Ao revelar-se “como dissidente, pela Justiça e em defesa da Lei”, tem vindo a ser tratada “com injustiça e violação da lei” (artigos 225º a 226º). Alegação que se reconduz à circunstância dirimente “não exigibilidade de outra conduta”, que constitui uma causa de exclusão da culpa, reconduzível à verificação de circunstâncias externas que não deixem ao agente a possibilidade de se comportar diferentemente [artigo 21º, d), do EDTEFP]. Para a emissão de tal juízo cabe perguntar se, nas mesmas circunstâncias, um bom pai de família atuaria do mesmo modo. E a resposta só pode ser negativa.

 

40º

O perfil ético e cultural do juiz adquire uma certa e inevitável transcendência normativa, o que lhe confere um relevo singular e transporta o assunto para além do padrão exclusivo dos profissionais do setor, convertendo as questões implicadas nesta dimensão do judicial em objeto que merece a atenção pública[29]. Aspeto que deveria ter inibido a Senhora Desembargadora de divulgar o teor do e-mail junto do Dr. EE, o que, aliás, fez, como alega, consciente de que com base nessas informações ele ficaria em condições de atacar a decisão proferida no dito processo crime. Um qualquer juiz médio, colocado na posição da Senhora Desembargadora, ciente do desconforto que a criminalização dos fenómenos de corrupção geram em distintos meios de poder (formal e informal), propensos a manipulações ideológicas, assumisse idêntica atitude, descuidando totalmente a imagem da independência e imparcialidade da magistratura e pervertendo a confiança dos DDadãos no sistema de justiça.

 

41º

Hoje perde-se em ética de responsabilidade e solidariedade o que se ganhou na afirmação egocêntrica do Homem como centro do Mundo e fica-se olimpicamente indiferente ao meio circundante. Na ausência de valores, ou no seu relativismo, tornou-se comum o recurso aos tribunais como definidores dos critérios que deixaram de estar inscritos nas consciências. A justiça tornou-se uma referência do quotidiano e é aos tribunais que se pede a definição do que é o bem ou o mal, pois que tal tarefa não pode ser alcançada num universo de relativização de valores[30]. A perceção dessa mundividência tem de gerar condutas protetivas do sistema de justiça, que dignifiquem e fortaleçam os seus atores aos olhos do Povo em nome de quem administram a justiça. Nessa linha de pensamento, não colhe qualquer justificação, ou sequer compreensão, a conduta da Senhora Desembargadora, que, em completo alheamento do prestígio da magistratura judicial, divulga circunstâncias que a ensombram, sem que daí possa resultar qualquer efeito útil real, nomeadamente para o devir do processo crime em causa.

 

42º

Não olvidava a Senhora Desembargadora que hoje se vive numa sociedade de informação, em que um facto ou acontecimento ocorrido num certo local poderá, em escassos minutos, transversalizar o mundo. E embora constitucionalmente todos tenham o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de serem informados, sem impedimentos nem discriminações, o estatuto do juiz terá sempre de contê-lo na observância de todos os seus deveres funcionais. “É que a harmonização, a concordância prática, que se faz entre bens jurídicos, implica normalmente que, em cada caso, haja um interesse que acaba por prevalecer e outro por ser sacrificado” e, no caso, prevalece a confiança dos cidadãos na administração da justiça[31]. Na situação em apreço, como se viu, a Senhora Desembargadora violou culposamente os seus deveres estatutários, do que se não penitencia, e declinou os seus deveres éticos e deontológicos. Na verdade, “a deontologia não é uma ciência mas antes uma consciência, um estado de espírito”[32].

 

 

2.4. Inexistência de infração disciplinar

 

43º

Pugna a Senhora Desembargadora pela inverificação de qualquer ilícito disciplinar, nomeadamente pela violação do dever de reserva, porque a divulgação teve a virtualidade de determinar a dedução dos incidentes de suspeição, alterar a situação da Dr.ª BB, que já se encontra em liberdade desde Agosto de 2014, em virtude de indulto do Presidente da República de ..., e originar a interposição de um recurso de revisão, tal como o validado por vários depoimentos citados (artigo 187º a 200º da petição de recurso).

 

2.4.1. Dever de reserva

44º

O dever de reserva veda aos magistrados judiciais a emissão de declarações sobre processos, salvo quando, autorizados pelo CSM, para defesa da honra ou para a realização de interesses legítimos (artigo 12º, 1, do EMJ). Dever que a impugnante entende não ter sido infringido por ter denunciado crimes públicos e condutas suscetíveis de censura disciplinar e tê-lo feito perante os CSM e o Defensor Público Dr. EE, que cumulava também o papel de advogado da Senhora Dr.ª BB, facto confirmado pelo Prof. ..., que reputou de adequada a denúncia aos Conselhos Superiores e ao Defensor ”para que ele pudesse promover o que entendesse por conveniente à reposição da legalidade”, pois “O Defensor Público é um órgão da administração pública”, tudo a significar que não se pronunciou publicamente sobre qualquer processo – a mensagem não se encontra sob segredo de justiça, nem faz parte de qualquer processo judicial.

 

45º

Como já decantado na deliberação impugnada, sabia a Senhora Desembargadora que a divulgação do e-mail não assegurava qualquer efeito útil no processo crime em que era visada a Dr.ª BB. A interposição do recurso extraordinário de revisão não tinha a virtualidade de alterar a decisão revidenda. Apontados vícios ao coletivo decisor, a decisão só podia ser abalada com a prolação de sentença, transitada em julgado, que declarasse a atuação criminosa dos seus membros (artigo 315.º, n.º 1, alínea b), do CPP ...). Mesmo acumulando as funções de Defensor Público, o Senhor Dr. EE, como advogado da Dr.ª BB, só poderia ter acesso aos dados do processo para ele disponíveis mas não ao teor do e-mail, que revelava aspetos do funcionamento do coletivo, de que a Senhora Desembargadora teve conhecimento, apesar de o processo não estar a seu cargo.

 

46º

Não consentindo o processo ou o funcionamento do coletivo ingerência externa, a transposição daquelas informações ou comentários para o exterior contaminou a imparcialidade, a independência, a dignidade institucional dos tribunais e a confiança dos cidadãos na justiça. Por isso afirma a deliberação impugnada que lançar para a opinião pública, o que era expectável que sucedesse com a divulgação do e-mail junto do Dr. EE, suspeições de parcialidade e de falta de independência sobre decisões judiciais e decisores mina a confiança da comunidade na instituição judiciária. 

 

47º

O Plenário do CSM, na sua sessão extraordinária de 11 de Março de 2008, deliberou que os valores protegidos e o fundamento do dever de reserva, para além das áreas de reserva ou segredo acauteladas pela Lei, são a proteção da imparcialidade, da independência, da dignidade institucional dos tribunais, bem como da confiança dos cidadãos na justiça, e do respeito pelos direitos fundamentais, em conjugação com a liberdade de expressão. Dever de reserva que abrange, na sua essência, as declarações ou comentários (positivos ou negativos), feitos por juízes, que envolvam apreciações valorativas sobre processos que têm a seu cargo ou ainda sobre processos de que não sejam os titulares.

 

48º

Não se questiona que os juízes, enquanto cidadãos, gozam dos direitos correspondentes, mas veem limitados alguns desses seus direitos e liberdades, quando ponham em causa os direitos fundamentais daqueles que recorrem à justiça. A justiça é uma instituição fulcral para qualquer sociedade democrática, pelo que é essencial que a comunidade escrutine a atividade dos tribunais e dos seus titulares no desempenho das suas funções, exigindo-lhes elevados padrões éticos de conduta. Ora, a degradação da imagem do juiz é fator de erosão que, no limite, pode acabar por deslegitimar a sua atuação e, por arrastamento, todo o sistema de justiça[33].

 

49º

É na ponderação casuística dos direitos e deveres em jogo, que não podem deixar de salientar-se as representações sociais, pois tão relevante como manter uma conduta irrepreensível é que ela também assim se apresente aos olhos de uma pessoa razoável, imparcial e de boa fé, sendo inquestionável que, em qualquer circunstância, o juiz deve emprestar à sua intervenção elevação, rigor, serenidade, contenção, independência de espírito e distância de ardor ideológico. Distanciamento que a Senhora Desembargadora não criou, antes se envolvendo pessoalmente numa contenda dirimida nos tribunais e, ainda assim, sem lograr alcançar a interrupção do que apelida de “lesão à realização da justiça”. Se é certo, como o afirma, que a Dr.ª BB foi já libertada, a sua libertação ocorreu por indulto do Presidente da República e não por força do reconhecimento de uma condenação por decisão injusta.

 

2.4.2. Dever de correção

 

50º

Referencia ainda que não violou o dever de correção, porque que não fez comentários depreciativos sobre o trabalho dos magistrados, antes se limitou a identificar erros e a tecer considerações necessárias para contextualizar a denúncia, tal como confirmado pelo depoimento do Dr. II. Mais uma vez, a Senhora Desembargadora dá nota que o dito processo crime estava eivado de ilegalidades e violações dos mais elementares princípios de direito processual penal e de garantias do arguido, o que a determinou a desencadear a divulgação do e-mail, no estrito exercício de um direito e no cumprimento de um dever, prosseguindo o seu direito à liberdade de expressão (artigos 201º a 210º).

 

51º

O dever de correção impõe ao juiz que trate todos os profissionais do foro, partes e público em geral com respeito, esmerada polidez e com elevação, independentemente da conduta do destinatário. O forte conteúdo semântico, a intensidade das palavras usadas pela Senhora Desembargadora, é muito censurável num magistrado judicial, quer em vista do prestígio social que acompanha a função, quer na garantia dos direitos dos cidadãos, de que está incumbido como titular de órgão de soberania. A liberdade de expressão assegurada pelo direito constitucional e pelo direito europeu (artigos 37.º, 1, da CRP e 10.º da CEDH) é limitada pelos demais direitos constitucionalmente protegidos. Na busca da concordância prática de todos esses direitos de sagração constitucional, mediante o respetivo sacrifício, é indispensável que a sua colisão se resolva pela prevalência na credibilidade e na confiança comunitária na administração da justiça[34].

 

52º

No fundo, é o quadro constitucional que traça a linha a partir da qual os direitos fundamentais de cidadania, como o da liberdade de expressão, têm de ser concertados ou restringidos em razão de outros valores constitucionalmente protegidos, como sejam os da independência, da imparcialidade e da confiança da comunidade nas instituições estruturantes da democracia, preservando o núcleo essencial de cada um deles. Desde que as características desses direitos não apontem para a existência de relações de generalidade e especialidade entre eles, para a existência de um menor grau de limitação de uns face a outros, ou para a existência de elementos que, na respetiva estrutura, coloquem uns direitos em posição de detenção de mais ou maior extensão fáctica, ao nível de pressupostos, relativamente a outros, deve efetuar-se uma casuística ponderação de molde a harmonizarem-se os direitos em confronto ou, se necessário, à “prevalência (ou razão de prevalência) de um direito ou bem em relação ao outro[35].

 

53º

Nesta ponderação não é olvidável que os magistrados judiciais se inserem nas chamadas “relações especiais de poder”, pelo que sobre eles recaem especiais deveres de disciplina para salvaguarda de interesses e bens comunitários ligados à função que lhes é acometida, o que justifica a compressão dos direitos de participação pública e de liberdade de expressão[36]. Estes direitos não aprovam que um juiz, sujeito ao dever de reserva, contribua para traçar na praça pública um retrato negativo de outros magistrados e da condução de um determinado processo, concorrendo para a quebra da confiança no sistema de justiça[37].

 

2.4.3. Dever de prossecução do interesse público e de criar no público a confiança na administração da justiça

54º

Entende a impugnante não ter infringido o dever de criar no público a confiança na administração da justiça porque inseriu na comunicação a referência “reservo-me o direito de tornar público o conteúdo desta carta e documento anexo, quando e se o entender por conveniente”, predizendo que se as denúncias não tivessem o almejado prosseguimento as tornaria públicas, assim introduzindo uma nota de expressa confidencialidade (artigos 211º a 224º da petição).

 

55º

Não se intui da referência aposta no texto da comunicação da Senhora Desembargadora o alcance que defende – a nota expressa de confidencialidade. Ainda assim, mesmo que a menção aposta possa conduzir ao sentido pretendido, nunca teria a virtualidade de a desligar da violação do dever de atuar de forma a incutir no público confiança na administração da justiça. Ao divulgar o teor do e-mail junto do advogado da Dr.ª BB, a Senhora Desembargadora aceitou a sua difusão pública, como veio a acontecer, nomeadamente na imprensa. Aquela menção poderá, quando muito, referir-se à entrega da carta e do e-mail aos órgãos de comunicação social, nas circunstâncias que viesse a reputar de convenientes, a denotar a sua total abertura para a divulgação junto de tais órgãos.

 

2.5. Violação do princípio da proporcionalidade

 

56º

Ainda que sem apertada determinação, aponta também o manifesto excesso ou desproporcionalidade da opção decisória do CSM, imputando a violação do princípio da proporcionalidade, de assento constitucional (artigos 266.°, 2, da CRP e 5.°, 2, do CPA), segundo o qual a atividade da administração pública, no exercício dos seus poderes discricionários, deve prosseguir os seus fins legais justificadores da concessão destes poderes, os interesses públicos, primários e secundários, segundo o princípio da justa medida, adotando, dentre as medidas necessárias e adequadas para atingir esses fins e prosseguir esses interesses, aquelas que impliquem menos gravames, sacrifícios ou perturbações à posição jurídica dos administrados[38].

57º

Numa ideia de proporcionalidade em sentido estrito impõe-se que a escolha entre as diversas maneiras de resolver a “preferência concreta” se faça em termos de comprimir o menos possível cada um dos valores em causa segundo o seu peso na situação, isto é, segundo a intensidade e a extensão com que a sua compressão afeta a proteção que lhes é constitucionalmente concedida[39].

58º

Esse tem sido o sentido prosseguido pela jurisprudência constitucional na defesa de que a liberdade de expressão e de informação, porque tem de coexistir com outros direitos fundamentais de igual dignidade constitucional, não pode deixar de sofrer os limites exigidos pelas necessidades de convivência social ordenada[40]. Limites excedidos pela comunicação efetuada e que só a envolvência pessoal no caso pode levar a perceber os excessos cometidos.

 

59º

No campo do direito administrativo sancionatório, em concreto no âmbito do procedimento disciplinar, a sindicância da proporcionalidade em sede contenciosa limita-se a apreciar se à factualidade fixada foi dado um relevo ostensivamente desadequado, traduzido na punição, na escolha e medida da sanção aplicada. Essa desadequação será ostensiva quando a administração se socorre de critérios estranhamente exigentes, em violação grosseira dos princípios que regem a atividade administrativa em matéria disciplinar. Aplicando estes conceitos ao caso em apreço, crê-se que nenhuma censura há a fazer à deliberação impugnada, nem na punição nem na medida da sanção[41]. Nesse sentido tem decidido a jurisprudência do STJ, balizando a sua intervenção quando ocorrem erros manifestos, crassos ou grosseiros ou a adoção de critérios ostensivamente desajustados ou violadores de princípios, posto que o juízo emitido pelo CSM a esse respeito se insere na ampla margem de apreciação e avaliação que lhe cabe enquanto órgão administrativo[42].

2.6. A inconstitucionalidade do artigo 82º do EMJ por violação do artigo 202º, 2, da CRP

60º

A definição de infração disciplinar recorre a fórmulas amplas (artigo 82º do EMJ) e o CSM goza de ampla margem de discricionariedade no juízo de densificação da cláusula geral que consta da norma e fá-lo de acordo com as circunstâncias concretas do caso e as exigências ético-deontológicas da função. Por isso, apenas é possível ao STJ sindicar o juízo de relevância disciplinar dos factos nos casos de erro grosseiro ou manifesto. Como se tem afirmado, “o juízo sobre responsabilização disciplinar do magistrado, reclama-se de exigências ético-deontológicas, tal como o CSM as concebe, e da experiência vivida (ou conhecida) de integração no meio onde se é chamado a exercer funções, por parte dos membros do mesmo Conselho. Esse juízo não está determinado, antes tão-só, enquadrado por critérios jurídicos; perante a pluralidade de sentidos que as expressões da lei comportam, o legislador espera, por um lado, uma tomada de posição individual do órgão decisor e, por outro, que essa tomada de posição ilustre uma orientação do mesmo órgão decisor[43].

 

61º

De todo o modo, a infração disciplinar reconduz-se ao desrespeito de deveres comportamentais e funcionais de cariz geral, que impendam sobre qualquer trabalhador que exerce funções públicas, ou especial, que compreende os que decorrem do exercício da função judicial e que visem assegurar o bom e regular funcionamento da instituição. Engloba, portanto, uma multiplicidade de condutas censuráveis, delimitadas por conceitos indeterminados e tipificadas por referência a um concreto dever violado, por ser atípica.

62º

A tipicidade das infrações, tal quale, vale apenas no direito penal mas não nos demais ramos do direito sancionatório público, como no direito disciplinar, e, por isso, o artigo 82.º do EMJ não é impreciso ao ponto de violar os princípios constitucionais da legalidade e da tipicidade, antes baliza como elementos essenciais da infração disciplinar a conduta ativa ou omissiva do agente, a ilicitude e o nexo de imputação do facto ao agente[44]. In casu, a impugnante infringiu os sinalizados deveres gerais e especiais, num agir desconforme a tais deveres e censurável no plano subjetivo, avaliado à luz das regras da experiência quotidiana, que permitem formular um juízo de relação entre os factos e a vontade subjacente à culpa, assim preenchendo todos os elementos da infração disciplinar, o que deu azo ao seu sancionamento.

 

63º

Com efeito, a doutrina é unâ­nime em considerar que, atenta a atipicidade da infração disciplinar, pode normalmen­te ser como tal qualificada qualquer conduta do agente que caiba na definição legal. Assim, “é disciplinarmente ilícita qualquer conduta do agente que transgrida a conceção dos deveres funcionais válida para as circunstâncias concretas da sua posição de atuação[45]. O ilícito disciplinar convoca, pois, uma pluralidade de potenciais comportamentos que têm o denominador comum da violação de deveres funcionais e caracteriza-se por uma diversidade e multipliciade de comportamentos insuscetíveis de serem concretamente tipificados por outra forma que não a referência a um juízo concreto da existência de um determinado dever[46].

 

64º

Diferentemente do que sucede no direito criminal, o direito disciplinar, de natureza e com finalidades bem diversas, admite a existência de inúmeros deveres inominados e atípicos que têm por finalidade permitir à administração atingir os fins para que foi instituída. A criação de “típicos” tipos legais, fixos e concretos, teria até o risco de deixar “de fora muitas condutas disciplinarmente relevantes, que ficariam impunes, com o sacrifício da igualdade e da justiça”. A enumeração é não taxativa e o bem jurídico reporta-se a todos os atos ou omissões incompatíveis com a dignidade do exercício da função soberana de Julgar, conferindo ao aplicador do direito uma certa margem de manobra no preenchimento desses critérios[47].

2.7. Invalidade da deliberação

65º

Consabido que a impugnação de um ato administrativo tem por objeto a anulação ou a declaração de nulidade ou inexistência desse ato, traduzido num contencioso de mera anulação, que não de mérito, como, de forma reiterada, vem sendo asseverado pela jurisprudência do STJ, está afastada a possibilidade deste apreciar o conteúdo da deliberação impugnada e de sobre ela fazer juízos valorativos, apenas lhe cabendo pronunciar-se sobre a sua legalidade[48].

2.7.1. Violação de lei

66º

A impetração da impugnante emerge dum equívoco, porque o vício de violação de lei ocorre quando há uma discrepância entre o conteúdo do ato administrativo e as normas jurídicas que lhe são aplicáveis e com as quais o mesmo se devia conformar, o que não sucede na deliberação impugnada. “A ofensa não se verifica aqui nem na competência do órgão, nem nas formalidades ou na forma que o ato reveste, nem no fim tido em vista, mas no próprio conteúdo ou no objeto do acto[49]. Cônscia de que a mesma não padece de tal vício, não concretiza sequer qualquer desconformidade entre o ato e as normas legais convocadas. A sua posição, itera-se, antes se reconduz à discordância da solução adotada.

2.7.2. Falta de fundamentação

67º

No tocante à evocada falta de fundamentação do ato impugnado, cumpre afirmar a exigência do dever de fundamentação dos atos administrativos, enquanto decorrência da previsão constitucional que assegura os direitos e garantias dos administrados (“os actos administrativos…carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos e interesses legalmente protegidos” - artigo 268º, 3, da CRP), tal como se mostra concretizado na correspondente legislação infraconstitucional (artigos 125.º do CPA).

 

68º

A fundamentação deve ser expressa através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, mas pode consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão, neste caso, parte integrante do respetivo ato, e equivalendo à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato[50].

 

69º

Exigindo-se apenas uma fundamentação expressa em sucinta exposição dos motivos, isso não dispensa, enquanto direto corolário dos princípios da transparência e da justiça, a (devida) explicitação e justificação da vontade/motivação do órgão decisor, por forma a que seja razoavelmente apreensível por um destinatário normal/cidadão médio, colocado na posição do real destinatário, em termos claros, coerentes e congruentes, que viabilizem a perfeita compreensão do respetivo iter cognoscitivo. Com efeito, a centralidade e essencialidade da fundamentação (formal) exige à administração a justificação do exercício do poder e da decisão tomada, impondo-se-lhe, por isso, “um verdadeiro dever de externação das razões que sustentam o acto, o que obriga a considerar a fundamentação um elemento essencial daquele”.[51]

 

70º

As exigências a que deve responder a externação dos motivos são resumidamente as seguintes:

a) tornar transparente a actividade administrativa;

b) facilitar, consentindo percorrer substantivamente o iter lógico e jurídico da formação do acto, a compreensibilidade e o controlo do mesmo, seja em sede administrativa seja em sede jurisdicional;

c) tornar mais eficaz a tutela do recorrente, a par da garantia de um correcto exercício da função administrativa[52].

 

71º

A exigência de fundamentação dos atos administrativos prossegue, pois, dois objetivos fundamentais: um, de natureza endoprocessual, que visa permitir aos interessados o conhecimento das razões de facto e de direito que enformaram a decisão que lhes respeita, convencendo-os da sua bondade/acerto ou habilitando-os a reagir, fundadamente, se for essa a opção; outro de ordem extraprocessual, diretamente decorrente dos princípios da legalidade, da justiça e da imparcialidade, visa assegurar a sua adequada sindicabilidade[53].

 

72º

Daí que se entenda que a fundamentação não pode obedecer a um modelo único, pré-definido, dado que depende de “actores múltiplos, diversos e interativos. Há-de ser variável conforme a matéria, consoante o tipo de ato, mas sobretudo segundo a satisfação concreta no contexto e no modo como se apresentam os interesses, públicos e privados, relevantes para a decisão[54]. Quando muito, a fundamentação aduzida seria deficiente, mas a insuficiência de fundamentação apenas constituirá vício de forma, em bom rigor, se e quando for manifesta, no sentido de ser tal que fiquem por determinar os factos ou as considerações que levaram o órgão ou a tomar aquela decisão[55]. “De facto, existindo uma declaração do autor que pretenda fundamentar o acto, só não estará cumprido o dever formal respetivo se essa declaração não puder ser considerada uma fundamentação daquele ato – (…) por impossibilidade de determinação do seu conteúdo, por falta evidente de racionalidade ou por manifesta inaptidão justificativa – sendo dado que a fundamentação visa aqui esclarecer concretamente as razões que determinaram a decisão tomada e não encontrar a base substancial que porventura a legitime[56].

 

73º

Enjeita-se igualmente a insuficiência da fundamentação, antes se pugna por reputar cumprido esse dever do ato administrativo, porque o mesmo contém “as razões de facto e de direito em que se fundou”, as quais são “compreensíveis (nomeadamente por via das sucessivas remissões operadas para elementos procedimentais) a um destinatário médio colocado na situação concreta[57]. Tudo a repelir o aportado fundamento de anulação da deliberação impugnada.

73º

No caso presente, fazendo uso, dentro dos limites da Constituição e da lei, dos poderes que lhe são acometidos no âmbito da ação disciplinar, o CSM não beliscou nenhum dos princípios constitucionais ou legais apontados, observando a deliberação todos os preceitos legais.

 

 

Por tudo o exposto e sem prejuízo da superior apreciação dos Venerandos Juízes Conselheiros desse Supremo Tribunal de Justiça, considera-se que a presente impugnação contenciosa está votada ao insucesso.

 

*

A recorrente apresentou as alegações seguintes:

 

I – Questão prévia: da resposta apresentada pelo Conselho Superior da Magistratura

 

1.      A resposta apresentada pelo Conselho Superior da Magistratura limita-se, quase exclusivamente, a dar por reproduzida a decisão recorrida, remetendo para os argumentos nela expendidos e pugnando pela sua manutenção.

 

2.      Embora o estilo de redacção seja distinto, é evidente, até para o mero leitor, que a intervenção processual do Recorrido, por contraponto com a alegação da Recorrente, omite por completo a pronúncia quanto às questões essenciais que são objecto deste procedimento.

 

3.      Acresce, ainda, que a cópia da resposta (Doc. 1) nem sequer vem assinada pel “A Jurista designada”, o que pode até significar que tal Jurista nem sequer concorda com o projecto elaborado pela “Exma Vogal Dr.ª ...” tanto mais que se fica a saber que foi lavrado despacho pelo Exmo. Senhor Vice-Presidente do CSM do seguinte teor: “Designo a Exma. Vogal Dr.ª ... para elaborar projecto e a Dr.ª ... para, como jurista, subscrever a peça processual a apresentar no STJ” (Doc. 2)

 

II – Ainda assim, à cautela e brevitatis causa

 

4.      Não são considerações genéricas os factos que a Recorrente alegou, e que são aceites no ponto 5.º da intitulada matéria não controvertida da resposta, o que por si só, seria suficiente para pôr imediatamente fim ao processo.

 

5.      É também incontornável a verificação dos vícios dos actos administrativos e dos seus efeitos invalidantes, não bastando, pura e simplesmente, uma declaração de rejeição dos mesmos, sem qualquer apreciação, fundamentação ou discussão sequer.

 

6.      A deliberação impugnada não só é um atentado à Verdade e à Justiça, como nem sequer obedece às exigências externas da ordem jurídica, tanto mais que viola os Princípios elencados na impugnação e sintetizados nos artigos 8.º, 9.º, 25.º, 27.º, 36.º e 37.º da resposta.

 

7.      O Supremo Tribunal de Justiça, para utilizar uma expressão da resposta, não está inibido de verificar o cumprimento das normas e princípios jurídicos que vinculam administração, assim como não lhe está vedado conhecer as violações de lei o desvio de poder, ou o mau uso ou abuso do Direito, naquilo a que se chama “espaços de valoração próprios do exercício da função administrativa”.

 

8.      Assim como, a talho de foice, a Recorrente não estava inibida de cumprir um dever, bem como não lhe era vedada a conduta exigível quer do ponto de vista ético quer do ponto de visa legal.

 

9.      Tanto bastaria para afirmar urbi et orbi os “erros patentes, manifestos ou grosseiros” da decisão recorrida.

 

10.    Regista-se que o Recorrido assume que os pontos 46, 53, 54 a 58 da pretensa matéria de facto dada como provada “encerram juízos conclusivos” e esse é o vício maior da decisão recorrida e tanto assim é que a própria resposta, como se de um mea culpa se tratasse, acaba por citar que “a boa técnica descritiva da fundamentação fáctica deve apenas conter a nudez dos factos”.

 

11.    Na nudez dos factos a Recorrente fez o que tinha de fazer, não podia deixar de fazer o que fez sob pena de cobardia e de cumplicidade, sob pena de cometer um ilícito grave, esse sim, de encobrimento ou como hoje se diz de favorecimento pessoal.

 

12.    Os juízes não favorecem, os juízes não encobrem, os juízes não são cobardes, os juízes enfrentam as suas maiores dificuldades não dobrando a espinha.

 

13.    Estes são os “standards de comportamento, tanto dentro como fora do tribunal”.

 

14.    Não há honra no compadrio; não há respeito quando os juízes não se respeitam a si próprios, nem à função que exercem.

 

15.    A ampla margem de liberdade na apreciação da prova, seja a liberdade do instrutor, seja a liberdade do decisor, não pode prescindir de critérios de normalidade, de experiência comum e, já agora, de senso e de bom senso.

 

16.    E já agora também como “nem a credibilidade e idoneidade de qualquer testemunha foram postas em causa”, não se percebe então como é que factualmente se condena uma inocente e insistentemente se tenta manter a injustiça do mal decidido.

 

17.    É, aliás, muito curioso que no artigo 25.º da resposta se volte a insistir na ideia de que a “imagem deve preservar-se a todo o custo” quando e ainda que “em detrimento de outros valores fundamentais como o direito à liberdade, a uma decisão justa e imparcial...”.

 

18.    A confiança gera-se precisamente quando as instituições e as profissões, mormente as jurídicas, têm a hombridade de se confrontar, de assumir e de denunciar os seus próprios erros e falhas.

 

19.    Por isso se repete que a Recorrente mais do que o “exercício legítimo de um direito” se limitou a cumprir um dever.

 

20.    Dever esse que decorria de um “interesse legítimo e relevante” de “reposição da justiça” sendo que é espantoso que se diga que “nem o e-mail continha “novos factos” nem constituía um “novo meio de prova”, quando nele se diz o que diz.

 

21.    E o que se diz? Que houve ameaças da “LL” a um juiz “o JJ”, especificando-se mesmo que “não lhe renovavam o contrato se ele subscrevesse o projecto”.

 

22.    Onde é que antes existia este facto? Não é novo? E devia ser escondido, ignorado?

 

23.    Também pré-existia a informação de que não fora o relator a elaborar o projecto? Não era este também um facto novo? E inexistia efeito útil para a comunicação, para todas as comunicações efectuadas? Não vamos por aí...

 

24.    Nem sequer tenhamos a veleidade de dizer que era “escusada a comunicação efectuada ao Dr. PP”, quando se constata o que se constatou no ponto 43.º da resposta e se afirma, no ponto 45º um absurdo jurídico o de que “a interposição do recurso extraordinário de revisão não tinha a virtualidade de alterar a decisão revidenda”, isto já para não falar de novo das medidas de graça e dos remédios internacionais.

 

25.    Ou de dizer que a Recorrente violaria o dever de reserva quando espantosamente, bem sabendo que o dever de reserva só se aplica a processos pendentes, é o próprio relator e a própria decisão recorrida a assumir o trânsito em julgado da decisão objecto da pronúncia.

 

26.    Mais a mais quando o legítimo interesse, rectius, os legítimos interesses estão bem plasmados nos pontos 33.º e 43.º da própria resposta do Recorrido, legítimos interesses esses que não eram apenas de cariz substantivo mas também tinham, como tiveram, eficácia processual.

 

27.    Um bom pai de família ou, já agora, uma boa mãe de família teria actuado como a Recorrente actuou.

 

28.    Com a “elevação, rigor, serenidade, contenção, independência de espírito e distância de ardor ideológico” e de que é prova a sua seca e factual denúncia e prova comprovada bastando-a comparar com a decisão recorrida que tem, essa sim, muitos juízos opinativos, argumentativos e conclusivos.

 

29.    Imaginem que era o subscritor desta peça a perceber que um juiz capitulava por um contrato ou que uma decisão se tomava por compadrio. Poderão ter a certeza de que a linguagem a usar pelo signatário seria violenta.

 

30.    Não foi, pois, a Recorrente quem se mostrou, como outros, “propensos a manipulações ideológicas” e, muito menos, quem agiu “descuidando totalmente a imagem da independência e imparcialidade da magistratura e pervertendo a confiança dos cidadãos nos sistema de justiça”.

 

31.    Foi a Recorrente, sim, quem agiu “em ética de responsabilidade e solidariedade” contra a “afirmação egocêntrica do Homem (leia-se, do juiz) como centro do Mundo (do judiciário)”.

 

32.    Explicite-se: responsabilidade não é seguidismo acrítico e solidariedade não é pacto de silêncio.

 

33.    Mais, o juiz, o magistrado do Ministério Público e o advogado não são o centro do judiciário; são, sim, o seu suporte, e como suporte que são devem ser exemplo e exemplares.

 

34.    Finalmente, centro do judiciário é o cidadão, seja ele o cidadão arguido, o cidadão vítima ou o cidadão mero interveniente processual.

 

35.    Quem não percebe tudo isto não é digno de ser profissional do foro. Quem assim não age não prestigia a Justiça.

 

36.    Vivemos um estado de crise no qual paulatinamente “se pe(r)de a definição do que é o bem ou o mal” quando não se atalham as injustiças graves como é o caso desta condenação.

 

37.    A resposta a esta injustiça grave é deste Supremo Tribunal de Justiça.

  Por sua vez o Conselho Superior da Magistratura apresentou alegações nas quais formulou as seguintes conclusões:

 

1. O regime de impugnação das deliberações do CSM, regulado pelos artigos 168.º a 178º do EMJ, determina a aplicação, como lei subsidiária, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que supletivamente convoca, com as necessárias adaptações, as normas processuais civis.

2. Por isso, em conformidade com o disposto no artigo 11º do CPTA, para o patrocínio judiciário foi designada pelo Ex.mo Senhor Vice-presidente deste CSM a Jurista Dr.ª ....

3. Por manifesto e lamentável lapso, a Jurista designada omitiu a assinatura da resposta apresentada pelo CSM, o que constitui uma mera irregularidade que nem sequer influi no exame ou na decisão do recurso contencioso (artigo 195°, 1, do NCPC).

4. Como essa irregularidade corresponde a uma deficiência formal de um ato praticado por este CSM, ela admite suprimento ou correção à luz do estabelecido no artigo 146º do NCPC.

5. O lapso, atenta a sua natureza, não inculca dolo ou culpa grave do CSM e o seu suprimento ou correção não implica prejuízo relevante para o regular andamento do recurso contencioso, sendo, por isso, suprível.

6. Para o efeito e como mecanismo confirmatório da anuência da Jurista designada ao texto do articulado de resposta, junta-se a respetiva cópia, agora devidamente assinada.

7. Por cautela, se esse for o entendimento do Venerando Supremo Tribunal de Justiça, requer-se a concessão e a fixação de prazo para a aposição da assinatura no original do articulado então apresentado pelo CSM.

8. Também por precaução, procede-se ao suprimento da falta juntando o despacho de ratificação do processado, proferido pelo Ex.mo Senhor Vice-Presidente deste CSM (artigo 48º do NCPC).

9. Quanto ao demais, não estando alegados factos novos, remete-se para a resposta apresentada.

 

Por tudo o exposto e sem prejuízo da superior apreciação dos Venerandos Juízes Conselheiros desse Supremo Tribunal de Justiça, itera-se que a presente impugnação contenciosa está votada ao insucesso.

 

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seguinte parecer:

 

I

 

1. A Senhora Juiz Desembargadora, jubilada, AA (doravante Recorrente), não se conformando com a deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura (doravante Recorrido), de 16 de Junho de 2015, que lhe aplicou a pena de suspensão do exercício de funções por 40 dias, pela prática de uma infração disciplinar, consubstanciada na infracção aos deveres de reserva, de correcção e dever de criação no público, de confiança na administração da justiça, prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 12º e 82º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), aprovado pela Lei nº 21/85, de 30 de Julho[58], artigo 3º, nºs 1 e 2, al. h), e 10, e pelo artigo 3º, nºs 1, 2, al. a) e 3, do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas (EDTEFP), aprovado pela Lei nº 52/2008, de 9 de Setembro[59], respectivamente, dela interpõe recurso para este Supremo Tribunal, nos termos dos artigos 168.º e seguintes do EMJ.

2. Pretende a Recorrente que seja anulada a deliberação impugnada, por inexistência de infracção disciplinar, alegando não ter sido praticada qualquer violação aos deveres de reserva correcção e de criação no público, de confiança na administração da justiça, sustentando, em síntese, que, ao invés, com a sua conduta prosseguiu não só um interesse legítimo como se limitou a cumprir um dever.

3.        Na resposta que apresentou nos termos do artigo 174.º, n.º 1, do EMJ, o CSM pronuncia-se pela improcedência do recurso, sustentando que a deliberação recorrida não ocorre nos vícios que lhe são imputados pela Recorrente.

4. Notificados nos termos do artigo 176º do EMJ o recorrido Conselho Superior da Magistratura e a Recorrente apresentaram alegações, nas quais ambos reiteraram a sua posição.

5. Neste contexto, em obediência ao disposto no artigo 176.º do EMJ, cumpre exprimir a posição do Ministério Público, o que se faz nos termos seguintes.

II

A Senhora Juiz Desembargadora recorrente foi punida disciplinarmente, pela prática de uma infracção ao dever de reserva previsto no artigo 12º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, consubstanciada no facto de ter comunicado a denúncia apresentada, por carta de 27 de Fevereiro de 2013, e o e-mail, de 31 de Janeiro de 2013, recebido do Senhor Desembargador CC, a um dos defensores da arguida Dra. BB, Dr. EE, do dever de correcção previsto no 3º, nºs 1 e 2, al. h), e 10 do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas (EDTEFP), aprovado pela Lei nº 52/2008, de 9 de Setembro, pelo facto de na denúncia efectuada ter formulado juízos técnicos depreciativos sobre as decisões proferidas em 1ª instância e no Tribunal de recurso ...s, pelos magistrados nas mesmas intervenientes, e do dever de prossecução do interesse público, traduzido no dever de criação no público de confiança na administração da justiça, previsto pelo artigo 3º, nºs 1, 2, al. a) e 3 do EDTEFP, por, ao fazer a referida comunicação, ter criado as condições para que os mandatários da Sra. BB divulgassem os referidos documentos junto da comunicação social, criando nos DDadãos a desconfiança sobre o sistema de justiça ... e sobre os juízes visados, na sua imparcialidade e integridade moral.

 

III

Invoca a Recorrente os vícios de violação de lei, do princípio da imparcialidade, da justiça e da decisão, previstos nos artigos 3º, 5º, 6º e 9º do CPA (actuais 3º, 7º, 8º, 9º e 13º), alegando que não praticou os ilícitos disciplinares por que foi condenada, por não se encontrarem preenchidos os requisitos constantes do disposto no artigo 82º do EMJ, e os vícios de omissão do dever de fundamentação, omissão de pronúncia relativamente às questões suscitadas pela defesa e não ponderação adequada dos depoimentos prestados pelos testemunhas nela arroladas, do dever de isenção, do princípio da proporcionalidade, de justiça e da decisão, previstos nos artigos 3º, 5º, 6º e 9º do CPA (actuais artigos 3º, 7º, 8º, 9º e 13º), alegando que a decisão recorrida enferma de flagrantes contradições, insuficiência de prova e erros notórios na apreciação da prova, que se reconduzem à manifesta coerência da matéria de facto fixada.

1. Defende a Senhora Juiz Desembargadora Recorrente a inexistência de ilícito disciplinar alegando que não praticou os ilícitos disciplinares por que foi condenada, por a sua conduta não ser passível de configurar a respectiva violação. Vejamos,

a. dever de reserva

Defende a Senhora Juiz Desembargadora recorrente que não se mostra preenchido o elemento objectivo de tal infracção disciplinar, do dever de reserva, sustentando que não se pronunciou publicamente sobre quaisquer processos de que fosse titular ou atribuídos a outros magistrados, nem divulgou peças ou elementos processuais de um processo judicial (artº 74º da petição inicial), sustentando, igualmente, que o teor do e-mail recebido não estava sob qualquer tipo de reserva.

 

O dever de reserva dos magistrados judiciais encontra-se consagrado no artigo 12º do respectivo Estatuto que dispõe o seguinte:

1. Os magistrados judiciais não podem fazer declarações ou comentários sobre processos, salvo, quando autorizados pelo Conselho Superior da Magistratura, para defesa da honra ou para realização de outro interesse legítimo;

2. Não são abrangidos pelo dever de reserva as informações que, em matéria não coberta pelo segredo de justiça ou pelo sigilo profissional, visem a realização de direitos ou interesses legítimos, nomeadamente o acesso à informação.

O dever de estatutário de reserva imposto aos magistrados judiciais tem como fundamento a defesa e protecção dos valores da imparcialidade, da independência, da dignidade institucional dos tribunais, bem como a como a confiança dos cidadãos na justiça, e do respeito pelos direitos fundamentais, em conjugação com a liberdade de expressão.

Na delimitação do conceito do dever de reserva consagrado no artº 12º do EMJ o CSM, na sua deliberação de 11.3.2008, explicitou que:

“III - O dever de reserva abrange, na sua essência, as declarações ou comentários (positivos ou negativos) feitos por juízes, que envolvam apreciações valorativas sobre processos que têm a seu cargo.

IV – Todos os juízes, mesmo que não sejam titulares dos processos, podem ser agentes da violação do dever de reserva”.

Esta última asserção encontra eco na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que, reportando-se aos deveres gerais que vinculam os magistrados judiciais, concretamente ao dever de correcção, já teve ocasião de afirmar que “as funções” do juiz também abrangem uma componente fora do exercício do acto processual, que passa por outros vectores, como o relacionamento funcional[60], entendimento que é extensível a todos os deveres estatutários a que estão obrigados os magistrados judiciais, incluindo o dever de reserva.

O e-mail recebido pela Senhora Juiz Desembargadora jubilada recorrente, que havia exercido funções de juiz internacional em ..., proveniente de um Senhor Juiz Desembargador que então aí exercia funções no tribunal de recurso, dando nota da votação e composição do colectivo que veio a julgar um pedido de habeas corpus deduzido pela Dra. BB, ex-Ministra da Justiça de ... , então arguida e detida à ordem do processo em que foi deduzido o referido pedido de habeas corpus, inscreve-se nesse relacionamento funcional e, veiculando informação confidencial, transcende o mero escrito particular, não coberto pelo dever de reserva. A divulgação desse e-mail, acompanhada da carta com o teor constante do ponto 29º da matéria de facto provada, além dos Senhores Presidente do Conselho Superior de Magistratura Judicial de ... e respectivos vogais, e do Senhor Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura de Portugal – facto que não foi censurado à Senhora Juiz recorrente nem considerado integrador de infracção disciplinar -, a um dos defensores da arguida, alguém que era interessado, ou seu representante, no processo e não exercia qualquer função nos órgãos de gestão e disciplina dos magistrados a quem incumbia investigar, analisar e, sendo caso disso, corrigir a situação, integra, salvo melhor opinião, integra, objectivamente, a violação do dever de reserva a que estava adstrita a Senhora Juiz Recorrente, como considerou a deliberação impugnada.

 

b. dever de correcção

O dever de correcção, configurando um dos deveres gerais que impendem sobre a generalidade dos agentes do Estado, neles se incluindo os magistrados judiciais (artºs 32º e 131º do EMJ), consiste, na definição legal, “em tratar com respeito os utentes dos órgãos ou serviços e os restantes trabalhadores e superiores hierárquicos” (art. 3.º,1, h), e 10 do EDTEFP).
Seguindo a lição de Maria Fernanda Neves (O Direito Disciplinar da Função Pública, II, Lisboa: FDUL, 2007, ps. 215 e ss.) citada no Ac. do STJ, de 16.6.2015, Procº 7/15.3YFLSB, aresto que seguiremos de perto, o dever de correcção é o dever do trabalhador se relacionar, no exercício das suas funções, com os titulares dos órgãos que corporizam o empregador, outros trabalhadores e terceiros com urbanidade e respeito.

- Não se trata da mera observância das regras da boa educação próprias do relacionamento social.

- Tratando-se de um dever funcional é na perspectiva funcional que tem que ser analisado.

- Concretamente, reclama no exercício funcional:

i)    trato correcto, isto é, cordialidade, atenção e objectividade no atendimento e prestação de serviços aos cidadãos, utentes ou destinatários da actividade administrativa;

ii)   objectividade e colaboração entre trabalhadores com um mesmo empregador e com um mesmo enquadramento finalístico-institucional;

iii)    bem assim essa mesma objectividade, colaboração e deferência adequada às relações hierárquicas ou não paritárias.


O dever de correcção postula também a adopção de "comportamento conforme à dignidade das próprias funções" ou actividade funcional do trabalhador e o seu posicionamento na organização.

No caso vertente, resultou provado, e não é controvertido, que a Senhora Juiz Desembargadora Recorrente, acompanhando o e-mail recebido do seu colega, dirigiu aos Senhores Presidente do Conselho Superior de Magistratura Judicial de ... e respectivos vogais, Senhor Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura de Portugal e a um dos defensores da arguida, a carta cujo teor vem descrito no ponto 29º da matéria de facto provada, na qual, além de considerações sobre a actuação dos magistrados reportada à decisão do pedido de habeas corpus, afirma, referindo-se aos “erros técnicos detectados nas decisões de Primeira Instância e Tribunal de Recurso, de que não se pode encontrar nenhuma justificação”, que “mesmo do ponto de vista jurídico, qualquer das decisões encerra verdadeiros erros judiciários, não se tratando apenas de interpretações jurídicas diferentes antes configurando decisões ao revés da independência e livre arbítrio dos Julgadores”, o que equivale a dizer que os Senhores Juízes Desembargadores que nas mesmas intervieram agiram parcialmente, de forma interessada, contra direito, questionando a sua probidade moral e intelectual.

Sem particularizar ou concretizar nesse escrito em que consistiam os alegados “erros judiciários”, que não cabe no âmbito do presente recurso contencioso apreciar, a Senhora Juiz Desembargadora Recorrente, numa postura de sobranceria intelectual, não se coibiu de assim apelidar as decisões dos seus Colegas, afirmando que as mesmas foram adoptadas ao arrepio da independência e livre arbítrio do julgador, o que, sem qualquer concretização no escrito dos erros judiciários a que se referia, reportados estes a decisões da 1ª instância e do Tribunal de Recurso, que não apenas à decisão do pedido de habeas corpus, lançando sobre os mesmos a suspeita, gratuita e não fundamentada, de, no exercício das suas funções, terem agido contra direito de forma interessada, infringe objectivamente, salvo melhor opinião, o dever de correcção, que, como se sublinha no acórdão deste Supremo Tribunal já citado, não é só compaginável quando existe um carácter ofensivo da honra ou dignidade.

c. dever de prossecução do interesse público e de criar no público a confiança na administração da justiça

Estando provado, e não sendo controvertido, que na sequência da informação documental prestada pela Senhora Juiz recorrente (a carta acompanhando o e-mail) ao defensor da arguida Dr. EE os advogados deram uma conferência de imprensa e distribuíram à comunicação social um comunicado com o teor que consta do ponto nº 51 da matéria de facto provado, no contexto de um jovem país com um regime democrático balbuciante, em que, como se deu como provado, no ponto 52 da matéria de facto provada, todas as notícias referentes ao processo em que era arguida a ex-ministra da Justiça tinham ampla cobertura mediática, não é, do ponto de vista objectivo, questionável o efeito, devastador para a imagem da Administração da justiça em geral, da divulgação ao público das suspeitas formuladas pela Senhora Juiz recorrente na referida carta, e, portanto, a verificação do elemento objectivo da infracção, restando apurar do elemento subjectivo da mesma, que a seguir se abordará.

2. Vícios de omissão do dever de fundamentação, omissão de pronúncia relativamente às questões suscitadas pela defesa e não ponderação adequada dos depoimentos prestados pelos testemunhas nela arroladas, do dever de isenção, do princípio da proporcionalidade, de justiça e da decisão, previstos nos artigos 3º, 5º, 6º e 9º do CPA (actuais artigos 3º, 7º, 8º, 9º e 13º)

Invoca a senhora Juiz Desembargadora recorrente os vícios mencionados alegando que a decisão recorrida enferma de flagrantes contradições, insuficiência de prova e erros notórios na apreciação da prova, que se reconduzem à manifesta coerência da matéria de facto fixada.

No que tange aos factos considerados provados a generalidade dos vícios invocados reconduzem-se à discordância manifestada pela Recorrente quanto à apreciação que na decisão recorrida foi feita relativamente aos factos que lhe foram imputados, como resulta claro da conclusão vertida no artigo 95º da petição inicial, divergência de apreciação de que faz derivar a alegada violação do princípio da verdade material, erro notório de julgamento na apreciação dos elementos probatórios, violação dos princípios da decisão da justiça e da imparcialidade, e do dever de fundamentação, nomeadamente pelo facto de não terem sido devidamente valorados os depoimentos por si mencionados.

Acontece que os depoimentos transcritos pela Senhora Juiz Desembargadora Recorrente transmitem a opinião das testemunhas sobre a personalidade e conduta da Recorrente, opinião que não se sobrepõe à convicção da entidade recorrida, fundada nos factos objectivos que foram imputados à Senhora Juiz Recorrente, e não abalam o elemento subjectivo da infracção, elemento esse que ressalta da matéria de facto apurada analisada à luz das regras gerais e da experiência comum.

É no mesmo enfoque que a Senhora Juiz recorrente invoca a violação do princípio da omissão de pronúncia, relativamente às questões suscitadas pela defesa, do dever de isenção, do princípio da proporcionalidade, de justiça e da decisão, previstos nos artigos 3º, 5º, 6º e 9º do CPA (actuais artigos 3º, 7º, 8º, 9º e 13º), que, pela mesma razão, se não verificam: o órgão decisor pronunciou-se sobre o que tinha de apreciar[61], decidiu o que havia a decidir, não se alcançando que a divergência manifestada pela Recorrente quanto à valoração da prova integre os demais vícios que imputa à decisão recorrida.

A discordância de apreciação manifestada pela Recorrente, pretendendo sobrepor o seu juízo pessoal ao juízo que foi feito na deliberação recorrida, não equivale a qualquer vício desta, por erro nos pressupostos de facto, que se traduz numa desconformidade entre os factos em que assentou a prolação do acto impugnado e os factos reais, quando foram considerados na decisão factos não provados ou desconformes com a realidade, vício esse que não se verifica, posto que nenhuma desconformidade entre os factos que foram imputados à Senhora Juiz Recorrente e a realidade se verifica.

Por outro lado, quando “impugna” a “fundamentação” de facto, e os pontos 53 a 55, 57 e 58 da mesma, a Recorrente insurge-se, sem razão, contra o que, na acusação e na deliberação recorrida, configura a descrição do elemento objectivo e subjectivo da infracção disciplinar, resultando o último dos factos descritos e de uma presunção ligada ao princípio da normalidade ou da regra geral, as chamadas máximas da vida e regras da experiência, nenhuma censura merecendo nesta vertente, a decisão recorrida.

III

 

Termos em que se emite parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso e mantida a deliberação recorrida, por ter feito correta interpretação e aplicação da lei, ao caso em apreço.

 

 

*

Cumpre agora decidir.

A recorrente Juíza Desembargadora jubilada AA impugna a deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 16 de Junho de 2015, que a condenou pela prática de uma infracção disciplinar consubstanciada na violação dos deveres de reserva, de correcção e de prossecução do interesse público e de criar no público a confiança na administração da justiça, prevista e punível pelos artigos 1º, 2º, alíneas a) e h) e 10º, do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas (Lei n.º 58/08, de 9 de Setembro), e 12º, 85º, n.º 1, alínea d) e 94º, do Estatuto dos Magistrados Judiciais, na sanção de perda da pensão pelo período de 40 dias.

De acordo com a deliberação impugnada a recorrente cometeu aquela infracção, em síntese, porquanto, com data de 27 de Fevereiro de 2013, subscreveu e enviou aos Exmos. Senhor Presidente do Conselho Superior da Magistratura Judicial de ... e respectivos Vogais, com conhecimento ao Exmo. Defensor Público Geral de ..., Sr. Dr. EE, e ao Exmo. Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura de Portugal, Juiz Conselheiro Dr. ..., uma carta, que fez acompanhar de cópia de um e-mail a si endereçado por CC, Juiz Desembargador[62] (cujo teor mais adiante se reproduzirá), carta na qual, para além do mais, consignou:

 

“(…) AA, Juiz Desembargadora Jubilada, tendo conhecimento do teor das decisões da Primeira Instância e do Tribunal de Recurso, relativas ao processo da Arguida BB, Ex-ministra da Justiça e tendo verificado, no meu modesto entendimento, que as mesmas padecem de erros jurídicos suscetíveis de contender com a Justiça, no caso concreto e com o sistema de Justiça no seu todo, vem expor o seguinte:

Após a prolação da decisão do habeas corpus, recebi um email do Dr. CC, cujo teor dou como reproduzido e que junto em anexo.

Considerando o conteúdo das decisões que, sublinhe-se, no meu entender, enfermam de erros técnicos graves, conjugado com o teor do e-mail, sou forçada a concluir que a independência dos Tribunais pode ser posta em causa.

Atentando aos factos de que um dos juízes que figura como Relator, o Dr. JJ (embora o acórdão tenha sido elaborado por um dos adjuntos, o Dr. CC), decidiu sob ameaça de não ver o seu contrato renovado e que um outro juiz do coletivo, a Dr.ª LL, acabou por integrar aquele coletivo, por influência de dois juízes internacionais, o Dr. DD, o Dr. JJ e, alegadamente, pelo Dr. FF, que julgo ser o marido daquela magistrada, constato um comportamento inadmissível, porque necessariamente afeta todo o sistema judicial e viola vários deveres éticos e deontológicos, como sejam, os deveres de independência, reserva, isenção e imparcialidade.

Convém frisar que a gravidade dos factos não se circunscreve ao caso concreto, e muito menos por a arguida ter sido uma destacada figura do anterior governo de ..., mas porque compromete de forma irremediável o sistema judicial no seu todo, sobretudo num País em que o sistema de justiça está numa fase embrionária e de consolidação. (…)

Acresce que, mesmo do ponto de vista jurídico, qualquer das decisões encerra verdadeiros erros judiciários, não se tratando apenas de interpretações jurídicas diferentes, antes configurando decisões ao revés da independência e livre arbítrio dos Julgadores.

A conduta sobretudo dos Srs. Juízes Internacionais, quer pelos erros técnicos detectados nas decisões da Primeira Instância e Tribunal de Recurso, de que não se pode encontrar nenhuma justificação porque qualquer dos magistrados tem experiência e excepcional qualidade técnica, quer os comportamentos referidos no email (o Dr. CC ofereceu-se para relatar o acórdão do Dr. JJ para contra argumentar a decisão proferida pelo Sr. Presidente, Dr. II, enquanto o Dr. DD e Dr. JJ, alegadamente com o Dr. FF, convenceram uma Juíza Nacional, a Dr. LL, a integrar o Colectivo), ao arrepio das normas que presidem à composição dos Colectivos junto do Tribunal de Recurso, comprometem também o papel do Juiz Internacional na sua qualidade de assessor e formador, uma vez que transmitem práticas eticamente censuráveis e erradas. Permitam-me ainda destacar duas frases constantes do e-mail e passo a citar: “uma novela com final feliz” e “é pena que o Dr. II esteja cada vez mais isolado dos Juízes Nacionais, mas eu e o DD estamos mais credibilizados, sendo esta a parte boa da situação”, que deverá permitir a V. Excelências retirar as necessárias ilações”.

É do seguinte teor o e-mail atrás referido:

 

“Olá AA

Confirmaram-se as suspeitas.

O Dr. II apresentou um projecto de deferimento do Habeas Corpus.

Ainda tentou com o envolvimento do JJ fazer passar o Projecto.

A Natércia (no seu melhor) foi ameaçar o JJ porque agora faz parte do Conselho e não lhe renovavam o contrato se ele subscrevesse o Projecto.

O JJ falou comigo e dei-lhe também a minha opinião.

Apenas eu rebati os argumentos do Dr. II (a quem pedi desculpa por tomar posição contra a dele), mas todos votaram contra.

Eu elaborei o Projecto para o JJ (que ficou Relator) e conseguiu (com ajuda do DD e do FF) [convencer] a LL a entrar no Colectivo para não ficarem só Internacionais contra os Políticos.

Enfim, uma novela que teve um final feliz.

Só tenho pena que o Dr. II tenha ficado ainda mais isolado dos Juízes Nacionais.

Mas eu e o DD ficámos mais credibilizados (que é o lado bom desta situação).

O Dr. II apresentou o seu Projecto com voto de vencido.

Como o voto de vencido vem no fim o EE fez uma festa na Defensoria pensando que o pedido tinha sido deferido (nem se deu ao trabalho de ler).

Mais uma história de ...

Dá notícias.

Beijos”.

Começando por examinar o e-mail que a recorrente anexou à carta que dirigiu ao Presidente do Conselho Superior da Magistratura de ... e respectivos Vogais, com conhecimento ao Defensor Público Geral de ... e ao Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura de Portugal, mensagem subscrita pelo Desembargador CC, então em exercício de funções judiciais no Tribunal de Recurso de ..., verificamos que através do mesmo se comunicam à recorrente factos atinentes a um processo de habeas corpus em que figura como peticionante BB, ex-Ministra da Justiça de ..., dos quais destacamos:

- O então Juiz Presidente do Tribunal de Recurso de ... (Desembargador II), instância competente para o conhecimento daquela providência, enquanto relator, apresentou um projecto de acórdão de deferimento do pedido de habeas corpus, tendo tentado, com o envolvimento do Juiz JJ (juiz internacional contratado daquele tribunal), passar o projecto;

- O Juiz JJ foi ameaçado por LL, juíza nacional daquele Tribunal de Recurso, então vogal do Conselho Superior da Magistratura de ..., de que não lhe seria renovado o contrato caso subscrevesse o referido projecto de acórdão;

- O acórdão relativo ao mencionado processo de habeas corpus, através do qual foi indeferido o respectivo pedido, conquanto subscrito pelo Juiz JJ, enquanto juiz relator, foi elaborado pelo signatário do e-mail, Desembargador CC;

- O Juiz JJ conseguiu convencer a Juíza LL, com a ajuda do Juiz DD e de FF (deputado e marido daquela), a participar no tribunal colectivo para que não figurassem no processo, tão só, juízes internacionais, votando em sentido contrário aos juízes políticos.

Do e-mail constam, ainda, alguns comentários expressos pelo seu subscritor, que cumpre salientar:

«Enfim, uma novela com um final feliz.

Só tenho pena que o Dr. II tenha ficado ainda mais isolado dos Juízes Nacionais.

Mas eu e o DD ficámos mais credibilizados (que é o lado bom desta situação).

O Dr. II apresentou o seu projecto com voto de vencido.

Como o voto de vencido vem no fim o EE fez uma festa na Defensoria pensando que o pedido tinha sido deferido (nem se deu ao trabalho de ler).

Mais uma história de ...…».

Passando ao exame da missiva endereçada pela recorrente ao Conselho Superior da Magistratura de ... (com conhecimento ao Defensor Público Geral de ... e ao Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura de Portugal), à qual anexou o mencionado e-mail, constatamos que através da mesma se denuncia a ocorrência de anomias verificadas nas decisões proferidas em processo crime movido contra a arguida BB e no processo de habeas corpus por esta intentado, transmitindo-se o entendimento, baseado no exame das respectivas decisões, em conjugação com o teor daquele e-mail, que as decisões em causa enfermam de erros graves, susceptíveis de contender com a Justiça, que levam a recorrente à conclusão de que a independência dos tribunais pode ser posta em causa.

A recorrente foi sancionada disciplinarmente com o fundamento de que violou o dever de reserva ao dar conhecimento da denúncia que apresentou e do e-mail que àquela anexou a um dos defensores da arguida BB (Dr. EE) e de que infringiu o dever de correcção e o dever de prossecução do interesse público e de criar no público a confiança na administração da justiça ao emitir na denúncia apresentada juízos técnicos depreciativos sobre as decisões proferidas pelos tribunais de 1ª instância e de recurso ..., bem como na circunstância de ter proporcionado as condições objectivas para que o mandatário da arguida BB divulgasse, como veio a suceder, a denúncia e o e-mail junto da comunicação social.

Contrapõe a recorrente que o dever de reserva não foi violado, uma vez que não divulgou quaisquer peças ou informações relativas a processo judicial de que fosse titular ou atribuído a outros magistrados; também não infringiu o dever de correcção porquanto não fez qualquer afirmação ou comentário depreciativo sobre processo judicial, tendo-se limitado a exprimir a sua opinião sobre decisões judiciais que, a seu ver, contêm erros; igualmente se mostra inverificada qualquer ofensa ao dever de prossecução do interesse público e de criar no público a confiança na administração da justiça, visto que nada publicitou, nada divulgou a terceiros, tendo-se limitado a dirigir-se a quem de direito, a quem entendeu devia tomar conhecimento dos factos que, a seu ver, constituem um grave atentado à Justiça. Mais alega que a sua conduta visou a realização de interesse legítimo, sendo a sua intenção a de denunciar acto judicial que entendeu estar inquinado, viciado, em consequência do qual um cidadão foi privado da liberdade, sendo que antes de agir se aconselhou com advogado, não restando dúvidas de que a motivação que presidiu ao seu comportamento foi, exclusivamente, a de agir de acordo com a Lei e a de pugnar pela realização da Justiça.

Verificando, muito sumariamente, o conteúdo dos deveres de reserva (artigo 12º, do Estatuto dos Magistrados Judiciais), de prossecução do interesse público e do dever de correcção (alíneas a) e h) do n.º 2 do artigo 3º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, na redacção da Lei n.º 58/08, de 9 de Setembro), dir-se-á:

- O dever de reserva tem por objecto os processos judiciais, vedando aos magistrados judiciais a emissão de declarações ou comentários sobre os mesmos, salvo, quando autorizados pelo Conselho Superior da Magistratura, para a defesa da honra ou para a realização de outro interesse legítimo, dele se excluindo as informações que, em matéria não coberta pelo segredo de justiça ou pelo sigilo profissional, visem a realização de direitos ou interesses legítimos, nomeadamente o acesso à informação (n.ºs 1 e 2 do artigo 12º do Estatuto dos Magistrados Judiciais);

- O dever de prossecução do interesse público consiste na sua defesa, no respeito pela Constituição, pelas leis e pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (n.º 3 do artigo 3º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas);

- O dever de correcção consiste em tratar com respeito os utentes dos órgãos ou serviços e os restantes trabalhadores e superiores hierárquicos (n.º 10 do artigo 3º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas).

Conforme estabelece o artigo 131º, do Estatuto dos Magistrados Judiciais, sob a epígrafe de “Direito subsidiário”, são aplicáveis subsidiariamente em matéria disciplinar as normas do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, do Código Penal, bem como do Código de Processo Penal. Daqui resulta que sendo omisso o Estatuto dos Magistrados Judiciais relativamente a determinada matéria, ou seja, quando determinada matéria não consta ou não cabe no conteúdo da regulamentação existente naquele Estatuto, o julgador pode e deve recorrer às normas do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, do Código Penal e do Código de Processo Penal.

Em matéria de exclusão de ilicitude estabelece o artigo 31º, do Código Penal:

«1.O facto não é punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade.

2.Nomeadamente, não é ilícito o facto praticado:

a)Em legítima defesa;

b)No exercício de um direito;

c)No cumprimento de um dever imposto por lei ou por ordem legítima da autoridade; ou

d)Com o consentimento do titular do interesse jurídico lesado».

Certo que a lei substantiva penal ao aludir a exercício de um direito, obviamente que se refere, como não podia deixar de ser, a todo e qualquer direito.

Há que ter presente, porém, que as normas que disciplinam as causas de exclusão da ilicitude têm em vista a justificação de um facto punível, o que significa que subjacente ao instituto das causas de exclusão da ilicitude se encontra uma situação de conflito. De um lado um bem ou interesse penalmente tutelado, do outro lado um direito ou interesse humano que a lei entende dever proteger.

Perante essa situação de conflito, no entanto, nem sempre se deve ter por excluída a ilicitude, sob pena de postergação da própria justiça. Pense-se por exemplo em situação em que para evitar a execução de um dano num simples objecto lúdico, de valor insignificante, se considerasse excluída a ilicitude do homicidio, perpetrado pelo respectivo proprietário, daquele que tentava danificar o objecto.

Como refere Bettiol[63], há uma ideia, a ideia de proporção entre os interesses em conflito, que paira e domina soberanamente as normas que disciplinam as causas de justificação. Assim, se entre o interesse do agente que pretende salvar e o que vem a ser sacrificado há uma evidente desproporção, sendo este manifestamente superior, falha toda a possibilidade de justificação.

Deste modo, perante situação de conflito há que ponderar os respectivos interesses, sendo que num Estado de direito personalístico, que coloca a pessoa humana no vértice da hierarquia axiológica, serão a autonomia, a dignidade, a liberdade da pessoa humana, com todos os direitos e prerrogativas que gravitam à sua volta, a fornecer os critérios de solução das situações concretas. Nada se deve colocar acima das pessoas, nas condições biológicas, psicológicas, morais e sociais da sua existência[64].

Um dos direitos elementares do cidadão, que em alguns casos se transmuda em dever, é o direito de denúncia[65], constitucionalmente consagrado, através da previsão constitucional do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva – artigo 20º, da Constituição da República Portuguesa. A ninguém pode ser vedado o direito de denunciar actos ou procedimentos ilícitos ou não consentâneos com a lei, geradores de prejuízos para a própria pessoa ou para terceiros. Trata-se de um direito básico de qualquer Estado de direito, quer a denúncia tenha por objecto um facto ilícito criminal, disciplinar, civil ou de qualquer outra natureza, concretizável através da apresentação de participação, queixa, acção ou comunicação. Relativamente ao ilícito criminal e ao ilícito disciplinar regem os artigos 244º, do Código de Processo Penal, e o artigo 40º, do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas (actualmente é o artigo 206º, da Lei n.º 35/14, de 20 de Junho, que aprovou a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, a prever a possibilidade de participação ou queixa por parte de qualquer pessoa).

No caso vertente, fundamentalmente, o comportamento da recorrente consubstanciou-se na apresentação de uma denúncia relativa a factos que lhe foram transmitidos sobre a tramitação de processo judicial (habeas corpus), factos notoriamente integrantes de graves ilegalidades e irregularidades procedimentais, susceptíveis de, no mínimo, serem causa de grave prejuízo para a arguida e peticionante BB, não tendo a recorrente qualquer razão para pôr em causa ou duvidar da veraciade dos factos que lhe foram comunicados, atenta a idoneidade da respectiva fonte, Juiz Desembargador CC, seu colega e amigo há largos anos[66].

Paralelamente a recorrente denuncia a ocorrência de anomias verificadas nas decisões proferidas no processo-crime que se encontra na base do referido processo de habeas corpus, transmitindo o seu entendimento, baseado no exame daquelas decisões, em conjugação com os factos que lhe foram transmitidos pelo Juiz Desembargador CC, segundo o qual as decisões em causa enfermam de erros técnicos graves, susceptíveis de contender com a Justiça, que a levam a afirmar que a independência dos tribunais pode ser posta em causa.

Sendo a denúncia endereçada ao Conselho Superior da Magistratura de ... – Presidente e Vogais –, a recorrente da mesma deu conhecimento ao Conselho Superior da Magistratura de Portugal, na pessoa do seu Vice-Presidente, bem como ao Defensor Público Geral de ... (Dr. EE), simultaneamente defensor da arguida BB.

Certo é que a recorrente antes de apresentar a denúncia e dela dar conhecimento ao Defensor Público Geral de ... e ao Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura de Portugal, pediu conselho a advogado das suas relações, concretamente o Dr. NN, o qual em depoimento prestado nos autos a fls.815/817, declarou:

«Pelas informações constantes desse e-mail, concordei com a Dr.ª AA de que tinha sido exercida pressão sobre os Juízes, que a composição do Tribunal não respeitou o princípio do Juiz Natural e que também o projecto de acórdão não teria sido feito pelo próprio relator, factos estes que considerei gravíssimos.

Chocou-me, particularmente, a circunstância de os Juízes Internacionais poderem não ver os seus contratos renovados, se não decidissem como as autoridades locais gostavam.

Perante essa situação, pareceu-me que a Dr.ª AA tinha obrigação de ultrapassar todas as inibições que pudesse ter, quer devido à amizade que mantinha com o colega que lhe enviou o e-mail, quer com os demais colegas envolvidos no processo e, por isso, fazer o que estivesse na sua mão para que fosse reparada a injustiça.

Na minha opinião, conforme disse na altura, deveria entrar em contacto com o advogado da Arguida, que era quem podia e devia fazer tudo o que estivesse na sua mão para emendar a injustiça.

A instâncias do Relator, esclarece ter ficado com a convicção de que a Sr.ª Dr.ª Desembargadora, ao tempo, conhecia bem o desenvolvimento do processo da Sr.ª Dr.ª BB e que, segundo recorda, a condenação da Arguida constituía para ela uma injustiça.

A instâncias do ilustre mandatário da Sr.ª Desembargadora, esclarece que era de esperar que o advogado da Arguida fizesse tudo o que estivesse na sua mão para defender os legítimos interesses que lhe estavam confiados mas, sem violação das regras deontológicas a que estava vinculado».

Dos factos e considerações consignados, tendo em vista o conflito com o qual a arguida Desembargadora AA se viu confrontada, tendo por certo que o direito à liberdade da arguida BB e o superior interesse na correcta e rigorosa administração da Justiça, se mostram manifestamente prevalentes sobre os deveres de reserva, de prossecução do interesse público e de correcção a que aquela se encontra vinculada enquanto magistrada judicial jubilada, é nosso entendimento o de que, tendo a arguida agido no exercício de um direito, no enquadramento previsto no artigo 31º, n.ºs 1 e 2, alínea a), do Código Penal, actuação que consideramos assumida de boa-fé, ou seja, com o propósito de pugnar pelo independente, imparcial e correcto funcionamento dos tribunais e pelo direito à liberdade de quem dela estava privado, justificado se mostra o seu comportamento[67], quer no que concerne à missiva-denúncia enviada ao Conselho Superior da Magistratura de ..., quer no que tange ao conhecimento que dela deu ao Defensor Público Geral de ...[68] e ao Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura de Portugal[69].

É o que claramente resulta dos múltiplos depoimentos prestados nos autos por testemunhas a que atribuímos credibilidade:

 

- Juiz Desembargador II

“Relativamente aos comentários tecidos na carta sobre a actuação técnica dos Juízes envolvidos, entende o depoente que se justificava a sua adução para contextualizar a denúncia apresentada.

Considera, por isso, perfeitamente razoáveis os comentários em causa.”

 

- Juiz de Direito MM

“Ao formalizar as denúncias, não tem o depoente dúvidas ter sido propósito da Sr.ª Desembargadora dar conhecimento das irregularidades retratadas no seu e-mail para procurar da defesa da independência dos Tribunais e dos princípios estruturantes dum Estado de Direito e de um julgamento justo.”

 

- Procuradora ...

“Durante este ano de trabalho, foi-me dado apreciar a independência, a coerência e a coragem da Dr.ª AA, que tanto é capaz de adoptar, num ambiente institucional e político, um discurso lúcido e corajoso, alertando para os riscos das estruturas judiciárias ainda não completamente solidificadas, como também de ser encorajadora, mas exigente, em relação aos Magistrados do terreno, presos à vida real onde a Justiça não pode ser feita.

[…] parece-me que terá sido a procura firme da defesa da independência dos tribunais que a terá movido, sem qualquer intenção de atingir outros fins que não este.”

 

- Procurador TT

“A indignação manifestada pela Dr.ª AA em nada me surpreendeu, conhecendo a sua personalidade, e o seu carácter, quer como pessoa, quer como Magistrada Judicial, de extrema verticalidade e rectidão. Efectivamente, e no período de 2008 até à minha saída por cessação de funções, em que tive a oportunidade de privar o mais directamente possível com a Dr.ª AA, esta revelou-se uma pessoa frontal, que não pactuava com quaisquer compadrios, iniquidades ou injustiças. […]

Na minha opinião pessoal, do teor do e-mail e da leitura que do mesmo se poderia faz, afigurava-se-me ter havido um conluio no sentido de retirar qualquer possibilidade de defesa ao Recurso da Dr.ª BB. Conluio esse que ia no sentido de, ao arrepio do direito constituído, encontrar uma fundamentação subscrita por outros Magistrados, forçando-os a aceitar uma decisão já preparada. Baseio essa minha declaração na percepção de que o julgamento e a condenação da Dr.ª BB tinha um cariz político. […]

Pelo que entendi, é perfeitamente justa a indignação manifestada pela Dr.ª AA. Acresce que a mesma, quando aceitou a comissão em ..., o fez por espírito de ajudar ... Leste a desenvolver um sistema de justiça, pelo que uma decisão deste teor e nestas circunstâncias ia contra tudo aquilo em que a Dr.ª AA acreditava pelo qual sempre lutou.”

 

- Bastonário ...

“Do meu ponto de vista ao agir como agiu, a Sr.ª Desembargadora fez aquilo que lhe competia. […]

Os tribunais existem, para que os cidadãos saibam e sintam que, quando forem julgados, o serão por Juízes independentes, na busca de soluções justas em cada processo.

Ora, essa procura da justiça no caso concreto impõe, por vezes, que algumas regras prevaleçam sobre outras, nos quadros que habitualmente designamos por conflito de deveres e pelo relevo do interesse preponderante.

Pelo que sei foi o que a Sr.ª Juíza Desembargadora fez, precisamente ao não guardar para si aquilo que entendeu divulgar, para que, naquele caso concreto pudesse ser feita a melhor justiça e garantido, quer o cumprimento das regras, quer a lealdade processual, quer a plenitude do contraditório.”

 

- Professor Doutor ...

“Parece-me inteiramente adequado que, tendo feito a denúncia aos Conselhos Superiores, tenha também comunicado os factos de que tinha conhecimento ao Sr. Defensor, para que ele pudesse promover o que entendesse por conveniente à reposição da legalidade.

Os dilemas éticos são sempre de solução muito difícil; são essencialmente uma questão de consciência.”

*

Termos em que se anula a deliberação recorrida.

Custas a cargo do recorrido, sendo o valor da acção de € 30.000,01 e a taxa de justiça a prevista na Tabela I – A, anexa ao Regulamento das Custas Judiciais, nos termos do n.º 1 do artigo 7º do mesmo diploma legal.

 

*

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[1] - O texto que a seguir se transcreve, bem como os que mais adiante se irão transcrever, correspondem ipsis verbis aos constantes dos autos.

[2] “Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas”, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro, vigente à data dos factos.

[3] Raquel Carvalho, “Comentário ao Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas”, Universidade Católica, 2012, pág. 31.

[4] Marcello Caetano, “Manual de Direito Administrativo”, II vol., 9.ª edição, pág. 810.

[5] Aprovado pela Lei 21/1985, de 30 de Julho, com as alterações introduzidas pelos Decreto-Lei nº 342/88, de 28 de Setembro, Lei nº 2/90, de 20 de Janeiro, Lei nº 10/94, de 5 de Maio (conforme a Rectificação nº 16/94, de 3 de Dezembro), Lei nº 44/96, de 3 de Setembro, Lei nº 81/98, de 3 de Dezembro, Lei nº 143/99, de 31 de Agosto, Lei nº 3-B/2000, de 4 de Abril, Lei nº 42/2005, de 29 de Agosto, Lei nº 26/2008, de 27 de Junho, Lei nº 52/2008, de 28 de Agosto, Lei nº 63/2008, de 18 de Novembro, Lei nº 37/2009, de 20 de Julho, Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro, e Lei nº 9/2011, de 12 de Abril, adiante denominado “EMJ”.

[6] Estatuto Aprovado pela Lei 58/2008, de 9 de Setembro, doravante designado pela sigla “EDTEFP”.

[7] Aprovou a “Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas” (LGTFP).

[8] Caderno do Centro de Estudos Judiciários “Ética e Deontologia Judiciária”, tomo III, disponível em http://www.cej.mj.pt.

[9] António Barreto, “Interrogações à Justiça”, ed. Tenacitas, 2003, pág. 21.

[10] Luís Vasconcelos Abreu, “Para o Estudo do Procedimento Disciplinar no Direito Administrativo Português Vigente: As Relações com o Processo Penal”, Almedina, 1993, pág. 46.

[11] Luís Vasconcelos Abreu, ibidem, pág. 48.

[12] Luís Vasconcelos Abreu, ibidem, pág. 41.

[13] Aprovado pela Lei 58/2008, de 9 de Setembro, aplicável aos factos.

[14] Aprovado pela Lei nº 15/2002, de 22 de Fevereiro.

[15] In www.dgsi.pt: Ac. do STJ de 22-01-2015, processo 53/14.4YFLSB.

[16] In www.dgsi.pt: Acs. do STJ de 9-07-2015, processo 52/14.6YFLSB; 22-01-2015, processo 53/14.4YFLSB; 16-12-2014, processo 24/14.0YFLSB.

[17] Álvaro Reis Figueira, “”Ser, dever ser e parecer”, in Sub Judice, 32, Jul-Set. 2005, pág. 16.

[18] Álvaro Reis Figueira, ibidem, pág. 18.

[19] Paulo Veiga e Moura, “Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública”, 2.ª ed., pág. 257.

[20] In www.dgsi.pt: Acs. do STJ de 14-12-2004, processo 4436/03; 21-03-2013, processo 15/12.6YFLSB.

[21] In www.dgsi.pt: Ac. do STJ de 11-12-2012, processo 22/12.9YFLSB.

[22] In www.dgsi.pt: Ac. do STJ de 21-11-2012, processo 66/12.0YFLSB.

[23] In www.dgsi.pt: Acs. do STJ de 20-03-2014, processo 96/13.5YFLSB; 16-12-2014, processo 24/14.0YFLSB.

[24] J. J. Gomes Canotilho, “A Questão do Autogoverno das Magistraturas como Questão Politicamente Incorreta”, Ab Uno Ad Omnes – 75 anos da Coimbra Editora, 1998, pág. 262.

[25] Mário Esteves de Oliveira, Pedro costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, “Código do Procedimento Administrativo”, Comentado, 2.ª ed., págs. 307 e 308.

[26] Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, ibidem, pág. 474.

[27] Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, ibidem, pág. 106.

[28] Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, ibidem, pág. 107.

[29] Perfecto Andrés Ibáñez, “Ética e Deontologia Judiciária”, Coletânea de Textos, Cadernos do CEJ, Tomo II, págs. 224 e 225.

[30] Sydney Sanches, Ministro do Supremo Tribunal Federal do Brasil, “Ética e Deontologia Judiciária”, Coletânea de Textos, Cadernos do CEJ, Tomo II, pág. 509.

[31] “As Grandes Decisões dos Tribunais Constitucionais Europeus”¸ estudo preparado pelos Prof. da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Jorge Miranda e José de Melo Alexandrino, para a obra coletiva “Les Grandes Décisions des Cours Constitutionnelles Européennes”, organizada e coordenada pelos Prof. franceses Didier Maus e Pierre Bom, pág. 26.

[32] Dr. António Arnaut na sua intervenção no IV congresso dos Advogados.

[33] J. P. Moreira das Neves / Rui Silva Dias, “Do dever de reserva dos juízes — Breves considerações”, in JULGAR, n.º 7 – 2009, págs. 80 e 81.

 

[34] In www.stj.pt. Jurisprudência do STJ em matéria disciplinar: Ac. do STJ de 20-10-2005, processo 1160/05.

[35] In www.tribunalconstitucional.pt: Ac. do Tribunal Constitucional n.º 177/1992, de 7-05-1992; J. J. Gomes Canotilho, “Direito Constitucional”, 5.ª edição, 1991, pág. 654.

[36] In www.stj.pt. Jurisprudência do STJ em matéria disciplinar: Ac. do STJ de 12-12-2002, processo 4269/01.

[37] In www.stj.pt. Jurisprudência do STJ em matéria disciplinar: Acs. do STJ 21-03-2006, processo 153/05; 27-10-2009, processo 21/09.8YFLSB.

 [38] In www.stj.pt. Jurisprudência do STJ em matéria disciplinar: Ac. do STJ de 25-09-2014, processo 21/14.6YFLSB.

[39] José Carlos Vieira de Andrade, “Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976”, 3ª ed., pág. 326.

[40] In www.tribunalconstitucional.pt: Acs. nº 292/2008, de 29-05-2008; n.º 113/9, de 05-02-1997.

 [41] In www.stj.pt. Jurisprudência do STJ em matéria disciplinar: Ac. do STJ de 18-10-2012, processo 58/12.0YFLSB.

[42] In www.stj.pt. Jurisprudência do STJ em matéria disciplinar: Ac. do STJ de 25-09-2014, processo

21/14.6YFLSB.

[43] In www.dgsi.pt: Ac. do STJ de 16-11-2010, processo451/09.5YFLSB.

[44] In www.dgsi.pt: Ac. do STJ de 16-12-2014, processo 49/14.6YFLSB.

 

[45] Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, II vol., 9" edição, pág. 810, acrescentando que; Luís Vasconcelos Abreu, Para o Estudo do Procedimento Disciplinar, págs. 27 a 32)

[46] Perfecto Andrés lbanez, “La resistible tentación de la discipli­na”, Jueces para da Democracia - Informaci­ón y Debate, n° 18, 1, 1993, Págs. 13-17

 [47] In www.tribunalconstitucional.pt: Acs. nº 664/1994, de 14-12-1994; 384/2003, de 15-07-2003.

[48] In www.dgsi.pt: Acs. 26-10-2007, processo 07B184; 07-12-20007, processo 07B1522; 21-04-2010, processo 638/09.0YFLSB; 27-05-2010, processo 08B0453; 05-06-2012, processo 118/11.4YFLSB; 18-10-2012, processos 58/12.0YFLSB e 125/11.7YFLSB; 21-11-2012, processo 66/12.0YFLSB; 8-05-2013, processo 47/12.4YFLSB; 26-06-13, processo 132/12.2YFLSB; 21-03-2013, processo 136/12.5YFLSB.

[49] Freitas do Amaral, ob. cit., Vol. II, pág. 390.

[50] In www.dgsi.pt: Ac. do STJ de 26-06-2013, processo nº 114/12.4YFLSB.

[51] Luís Filipe Colaço Antunes, “Para um Direito Administrativo de Garantia do DDadão e da Administração – Tradição e Reforma”, Almedina, 2000, p. 24.

[52] Luís Filipe Colaço Antunes, ibidem, p. 28.

[53] In www.dgsi.pt: Ac. do STJ de 07-12-2005, processo nº 2381/04.

[54] José Carlos Vieira de Andrade, “O dever de Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos”, Almedina, reimpressão, 2003, p. 241.

[55] José Carlos Vieira de Andrade, ibidem, p. 238.

[56] José Carlos Vieira de Andrade, ibidem, p. 239.

[57] In www.dgsi.pt: Acs. do STA de 14-4-2010, processo 0273/09; de 26-10-2010, processo 0473/2010; de 11-1-2011, processo 01214/09.

[58] Com alterações posteriores que, no caso, não relevam.

[59] Entretanto revogado pela Lei nº 35/2014, de 20 de Junho, que aprovou a “Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas” (LGTFP), mas aqui aplicável.

[60] Cf. Ac. STJ de 17.4.2008, Procº 07P1521.

[61] Como se decidiu no Ac. deste Supremo Tribunal de 9.7.2015, Procº 51/14.8YFLSB.SB, “ São, na verdade, coisas diferentes, deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte”

[62] - O Juiz Desembargador CC, à data do envio do e-mail, exercia funções judiciais em ....

[63] - Instituições de Direito e Processo Penal, 138/139.

[64] - Cf. Bettiol, Ibidem, 140/141.

 [65] - É o que sucede relativamente aos funcionários públicos relativamente à denúncia dos crimes de que tomarem conhecimento, verificadas duas condições: o conhecimento advir do exercício de funções e por causa delas – artigo 242º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal.

[66] - Segundo declarações prestadas pelo Juiz Desembargador CC a fls.422/426 dos autos:

«Conhece a Sr.ª Desembargadora AA desde 1984, tendo sido cimentada desde então uma relação de grande amizade entre ambos, reforçada com o período de convivência em ...».

[67] - Cf. a propósito de situações de conflito entre o direito de denúncia e o direito à honra, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 08.11.18, 08.12.18 e 10.04.21, proferidos nos Processos n.ºs 3227/08, 2680/08 e 1/09.3YGLSB.S2.

 [68] - Com efeito, sempre seria indispensável o conhecimento dos factos por parte do Defensor Público Geral de ..., simultaneamente defensor da arguida, sem o qual não poderia ser cabalmente assegurada a defesa desta. Só o defensor da arguida, como é por demais evidente, se encontrava em condições de aquilatar da importância dos factos e da sua adequada utilização processual, tendo em vista a defesa da arguida.

[69] - Uma vez que parte dos magistrados judiciais envolvidos nos factos denunciados, muito embora em exercício de funções em ..., faziam parte do corpo de juízes de Portugal, também se mostra obvia a necessidade do Conselho Superior da Magistratura de Portugal tomar conhecimento desses factos.
Por força do princípio da unidade da infração, o juízo disciplinar reporta-se à globalidade do comportamento administrativo, de molde a que diversos factos, em sentido naturalístico, ainda que praticados em momentos diferentes, e violando deveres distintos, dão origem, em regra, a uma única infração disciplinar. “Não é o dever infringido que individualiza a infração disciplinar. O binómio é, isso sim, violação de deveres/unidade da infração, cujo critério está longe de ser meramente naturalístico.”
[10]. Vale por dizer que diversos comportamentos faltosos de um agente administrativo não consubstanciam igual número de infrações disciplinares, antes consubstanciam uma valoração unitária em função de um juízo global emitido acerca da conduta do agente. A uniDDade da conduta da Senhora Desembargadora – a divulgação do e-mail – viola, de forma gritante, os três indicados deveres funcionais identificados pela acusação, mas recorrendo ao instituto do direito disciplinar e, partindo do princípio da unidade da infração, considera-se a globalidade das condutas faltosas, recondutíveis a uma única infração[11].