Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
26/09.9PTEVR.E1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: RAUL BORGES
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
DUPLA CONFORME
UNIÃO DE FACTO
DISSOLUÇÃO POR MORTE DE UM DOS MEMBROS
INDEMNIZAÇÃO DO MEMBRO SOBREVIVO
DANOS PATRIMONIAIS FUTUROS
PERDA DE ALIMENTOS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Data do Acordão: 03/08/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário : I  -  Como refere o Ac. do STJ, de 14-10-2011, proferido no âmbito da apreciação preliminar, na revista excepcional n. ° 3563/08.9TBVIS.C1.S1, será suficiente para afastar a dupla conforme a conformidade meramente parcial de decisões, mesmo que apenas a parte conforme venha a ser impugnada em via de recurso de revista. A confirmação pela Relação do primeiro julgado terá de ser unânime e irrestrita – o conhecimento e decisão do(s) pedido(s) tem de ser perfeitamente coincidente (sobreponível), não havendo dupla conforme se ocorreram diferentes decisões quanto a alguns pedidos, já que o aresto recorrido tem de ser apreciado no seu todo decisório final e não visto parcelarmente.
II -  Só se a sobreposição integral do julgado – independentemente da diversa motivação – se verificar, é que não pode lançar-se mão da revista-regra, antes tendo de fazer-se apelo à revista excepcional. Mas se a confirmação não for integral e irrestrita, haverá revista normal, uma vez que perfilados os respectivos pressupostos, importando, então, entre outros, a sucumbência, como condição subjectiva de recorribilidade. No nosso caso, a Relação alterou, ainda que apenas parcialmente, o julgado na 1.ª instância, e não o confirmando em termos irrestritos, inexiste dupla conformidade.
III - A necessidade de prestação de alimentos – encarada esta como dano patrimonial futuro, previsível – surge, porque cessa a prestação realizada/efectivada por quem a cumpria/efectuava, e que, em princípio, continuaria a ser exigível, ou simplesmente prestada, caso o lesado falecido pelo facto ilícito fosse vivo. Em matéria de responsabilidade civil extra-contratual, delitual, ou aquiliana, como é o caso, a regra geral é a de que a indemnização pelos danos causados cabe apenas ao titular do direito violado ou do interesse imediatamente lesado com a violação de disposição legal destinada a protegê-lo, não o terceiro, que só reflexamente ou indirectamente, seja prejudicado – art. 483.° do CC.
IV - Excepcionalmente, o direito a indemnização, jure proprio, no que se reporta aos danos patrimoniais, pode caber também, no caso de lesão corporal, ou no caso de morte da vítima, apenas, a terceiros, sendo o art. 495.°, n.º 3, do CC, justamente, esses casos excepcionais.
V -  O art. 402.º do CC consagra a obrigação natural como uma figura de carácter geral, estendendo o seu domínio a todos os deveres de ordem moral e social, cujo cumprimento não seja judicialmente exigível, mas corresponda a um dever de justiça.
VI - Trata-se de danos patrimoniais, porque têm a ver com a subsistência económica-financeira dos familiares sobrevivos do falecido, dele dependentes, como o cônjuge, ou companheiro/a, e aqui, indiferentemente da existência de filhos, de uns ou outros, e necessariamente futuros, porque projectados para além da morte de quem os prestava, no âmbito de uma relação familiar, ou de união de facto, seja ao cônjuge, ou ao (à) companheiro/a, sendo que, tal como no casamento, também na união de facto, podem ser gerados filhos. São contemplados por esta indemnização os terceiros beneficiários de prestações alimentícias efectuadas pela vítima, lesado directo do facto ilícito, no cumprimento de uma obrigação legal ou natural.
VII - São indemnizáveis, nos termos deste preceito, tanto no caso de morte, como no de mera lesão corporal, os prejuízos sofridos por aqueles que poderiam exigir alimentos ao lesado imediato – o cônjuge, os seus descendentes, ascendentes, irmão e sobrinhos (art. 2009.°) – ou por aqueles a quem este os prestava no cumprimento de uma obrigação natural, impondo-se aqui mais uma excepção à regra de que só os danos ligados à relação jurídica ilicitamente violada contam para a obrigação atribuída ao lesante.
VIII - Entre os danos patrimoniais que o responsável pela produção de um acidente estradal está obrigado a indemnizar, contam-se os chamados danos patrimoniais futuros resultantes da perda de salários, emergentes da perda de capacidade aquisitiva do lesado directo, imediato, e o autónomo, embora com a mesma génese no plano de insuficiência de satisfação de necessidades alimentares, dano da perda de alimentos.
IX - Em causa, no caso sujeito, está apenas a fixação do montante indemnizatório pelo dano patrimonial futuro, na perspectiva de perda de alimentos, e não de lucros cessantes, para cuja configuração, aliás, importa, à partida, tanto num caso como no outro, a consideração do salário percebido pelo falecido.
X -  No caso de indemnização por perda de alimentos, estamos em presença de indemnização pelo dano resultante da frustração do percebimento de alimentos, pelos prejuízos advenientes da privação de alimentos, da cessação da prestação alimentar a que o falecido, por força de obrigação legal, ou no cumprimento de uma obrigação natural, estava vinculado, tratando-se de um direito de que são titulares por direito próprio as pessoas destacadas no art. 495.°, n.º 3.
XI - Aqueles que tinham direito de alimentos contra o lesado ou que dele o recebiam, não têm direito a indemnização por quaisquer danos patrimoniais, mas apenas e tão só direito de indemnização do dano da perda de alimentos. A indemnização mede-se em função do concreto prejuízo que para a pessoa carecida de alimentos advém da falta da pessoa lesada, prestador dos alimentos, não devendo ultrapassar a medida que o prestador suportaria se fosse vivo.
XII - A determinação da capacidade de ganho do lesado directo – na hipótese que ora nos interessa, lesado falecido – é de ter em conta, quer no terreno do dano patrimonial futuro, na perspectiva de perda de alimentos por parte do respectivo titular, terceiro, para efeitos do art. 495.°, n.º 3, quer para a determinação da indemnização do dano patrimonial futuro por lucro cessante, agora, já não em sede de exercício de direito jure proprio, mas na perspectiva do sucessor do falecido.
XIII - A situação dos autos deverá ser enquadrada a nível de indemnização por perda de alimentos por parte de sobrevivente de união de facto. O decesso do companheiro da demandante motivado por conduta ilícita do lesante foi determinante da sua frustração absoluta de ganhos, de perda absoluta da capacidade produtiva daquele pelo tempo de vida que previsivelmente lhe restaria (tinha 51 anos de idade quando faleceu), com reflexos na esfera patrimonial daquela, atenta a vivência em comum e sua dependência económica em relação àquele.
XIV - A união de facto refere-se a uma situação factual, tendo por base um contrato de convivência, que menos necessidade de conformação terá quanto mais ampla for a tutela específica destinada a proteger tal convivência, a que o legislador atribui certos efeitos jurídicos, maxime ou exclusivamente de carácter patrimonial, consubstanciando uma relação jurídica parafamiliar.
XV - O direito a indemnização do dano patrimonial futuro previsível de perda de alimentos por parte de membro sobrevivo de união de facto, dissolvida por falecimento de um dos membros, configurando obrigação natural, é indemnizável, nos termos do art. 495.°, n.º 3, do CC.
XVI - O sucedâneo da prestação alimentícia a que a lesado indirecto terá direito por lei ou a atribuir na sequência de uma obrigação natural sempre terá os seus limites no rendimento frustrado pela morte do prestador de alimentos, ou seja, a capacidade de rendimento da vítima determina e condiciona a amplitude/extensão/medida da indemnização do dano por perda de alimentos. Por outras palavras, a medida da indemnização por privação de alimentos estará sempre, naturalmente, dependente dos ganhos produzidos pelo prestador desses alimentos. No caso, ficou provado que a vítima, como funcionário público, auferia o salário mensal ilíquido de € 734,62.
XVII - No que se refere ao desconto/dedução/acerto por antecipação da totalidade do capital encontrado, conforme consta dos Acs. de 25-11-2009 e de 27-10-2010, por nós relatados, nos Proc. n.ºs 397/03.0GEBNY e 2519/06.0TAYCT.G1.S1, “Tratando-se de operação a efectuar após determinação do capital, a razão para operar este "desconto" está em que o lesado perceberá a indemnização por junto, que o capital a receber pode ser rentabilizado, produzindo juros, e que se impõe que, no termo do prazo considerado, o capital se encontre esgotado”. Trata-se de subtrair o beneficio respeitante à recepção antecipada de capital, de efectuar uma dedução correspondente à entrega imediata e integral do capital, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia.
XVIII - No caso em apreciação, tendo em conta todos os elementos já constantes dos autos, maxime, o período de vida a considerar, a fracção destinada a dispêndio próprio da vítima, o real valor mensal percebido, sabendo-se que os descontos com impostos e segurança social rondarão os 30%, e ponderando-se o abatimento de 20%, sem esquecer as soluções jurisprudenciais para casos paralelos e situações com proximidade da presente, entende-se como adequado fixar a indemnização pelo dano de perda de alimentos no montante de € 110.000, acrescido da obrigação acessória de juros de mora.
XIX - O direito a indemnização por dano não patrimonial por parte do unido de facto sobrevivo não estava previsto na lei à data da sentença e só após, mas antes do acórdão da Relação, foi publicada a Lei 23/2010, de 30-08, que alterou o artigo 496.° do CC.
XX - A Lei 23/2010, de 30-08, não tem indicação expressa quanto à entrada em vigor. Apenas no art. 6.°, sob a epígrafe “Produção de efeitos” se dispõe que “Os preceitos da presente lei com repercussão orçamental produzem efeitos com a Lei do Orçamento do Estado posterior à sua entrada em vigor”. Ora, percebe-se que o direito a prestações sociais, a satisfazer pelo Estado, demandem inscrição orçamental e que só poderá ser exercitado a partir do momento em que as medidas sejam exequíveis por terem cabimento orçamental e daí terem entrado em vigor em 01-01-2011. Porém, tal compasso de espera não tem razão de ser no campo civilístico do direito a alimentos a exigir de herança e de indemnização por danos não patrimoniais, em que o pagante é o lesante.
XXI - Sendo assim, e tendo em conta o disposto no art. 2.°, n.ºs 2 e 4, da Lei 74/98, de 11-11 (lei formulário sobre a publicação, identificação e formulário dos diplomas), na redacção dada pela Lei 26/2006, de 30-06, que procedeu à segunda alteração e republicação daquele diploma (a lei foi primeiramente alterada pela Lei 2/2005, de 24-01), o diploma em causa entrou em vigor em 04-09-2010.
XXII - Por essa altura, em 16-04-2009, no horizonte de expectativas da companheira sobreviva não figurava direito a indemnização por dano desgosto com assento na lei. Mas do lado do lesante, a quem incumbirá pagar as indemnizações, o espectro do eventual arco indemnizatório a satisfazer tinha os seus contornos definidos, as suas limitações, as vigentes e conhecidas à face da lei então aplicável e apenas essas, e este tipo de consideração não pode ser arredado na análise a efectuar. O falecimento é um facto que faz surgir uma situação jurídica de constituição instantânea, sendo aplicável a lei contemporânea da aquisição do direito. Conclui-se assim, que a alteração do art. 496.°, n.º 3, do CC, só valerá para o futuro.
Decisão Texto Integral: No âmbito do processo comum com intervenção de tribunal singular n.º 26/09.9PTEVR, do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Évora, foi submetido a julgamento o arguido AA, casado, carteiro, nascido em 21-10-1976, natural de Évora, residente na R…P… V…, n.º X, em É…, e Q… dos G…, E… de A…, sendo-lhe imputada a prática, em autoria material e concurso real, de uma contra-ordenação, p. e p. pelos artigos 25.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, e 145.º, n.º 1, alínea i), ambos do Código da Estrada, e de um crime de homicídio negligente, p. e p. pelo artigo 137.º, n.º s 1 e 2 e 69.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código Penal.

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      BB, em 20-11-2009, de fls. 201 a 220, deduziu pedido de indemnização civil contra a Companhia de Seguros R... S..., S.A., peticionando o pagamento de € 25.000,00, a título de danos não patrimoniais, e de € 131.850,40, a título de danos patrimoniais, quantias acrescidas de juros de mora à taxa legal, desde a notificação e até integral pagamento.

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       Por sentença de 11 de Junho de 2010, constante de fls. 406 a 427, foi decidido:

   a) Condenar o arguido pela prática de um crime de homicídio negligente, p. e p., pelo artigo 137.º, n.º s 1 e 2, do Código Penal, na pena de dois anos de prisão;

   b) Nos termos do artigo 50.º do Código Penal, suspender a execução da pena pelo período de dois anos;

   c) Condenar o arguido, pela prática de uma contra-ordenação, p. e p. pelo artigo 25.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do Código da Estrada, na coima de € 450,00;

   d) Condenar a demandada Companhia de Seguros CC – Companhia de Seguros, S.A., a pagar à demandante BB, a quantia de € 131.850,40, a título de danos patrimoniais futuros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação até integral pagamento, e no mais peticionado -   indemnização por danos não patrimoniais, dano desgosto - se absolvendo a demandada, por improcedência do pedido.

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       Inconformada com a sentença condenatória, obviamente, no mero plano da matéria cível, a demandada seguradora interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora, apresentando a motivação de fls. 431 a 440.
    A demandante, de fls. 449 a 461, e em original, de fls. 462 a 474, apresentou resposta ao recurso da demandada e, outrossim, recurso subordinado, aqui recorrendo da decisão de primeira instância, na parte em que não condenara a demandada seguradora no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais, e que por alteração da lei substantiva, entretanto surgida, entende deverem agora serem contemplados, não ao nível de interpretação de uma lei antiga., mas antes por via directa da nova lei.

    Por acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 12 de Abril de 2011, constante de fls. 536 a 572, foi deliberado:

    A - Negar provimento, na sua totalidade, ao recurso da demandada.

    B - Conceder parcial provimento ao recurso da demandante, alterando-se a sentença do tribunal a quo, na parte civil, nos seguintes termos:

    Na parte da condenação cível (al. d) da “Decisão” constante da sentença recorrida), onde consta:

     “d) Condenar a demandada Companhia de Seguros CC -Companhia de Seguros, S.A. a pagar à demandante, BB, a quantia de € 131.850,40 (cento e trinta e um mil oitocentos e cinquenta euros e quarenta cêntimos), a título de danos patrimoniais futuros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação até integral pagamento, no mais peticionado se absolvendo a demandada, por improcedência do pedido”.

     Passa a constar:

     “d) Condenar a demandada companhia de seguros CC - Companhia de Seguros, S.A.. a pagar à demandante BB a quantia de € 131.850.40 (cento e trinta e um mil oitocentos e cinquenta euros e quarenta cêntimos), a título de danos patrimoniais futuros, e ainda a quantia de € 20.000 (vinte mil euros), a título de danos não patrimoniais, o que perfaz um total de € 151.850.40 (cento e cinquenta e um mil oitocentos e cinquenta euros e quarenta cêntimos), quantia esta acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da notificação para contestar e até integral pagamento, no mais peticionado se absolvendo a demandada”.

    Em tudo o mais, mantém-se integralmente o decidido na sentença recorrida.

    De novo inconformada, a demandada seguradora interpôs recurso para este Supremo Tribunal, apresentando a motivação de fls. 579 a 603, que remata com as seguintes conclusões (em transcrição integral, incluindo realces, consignando-se não existir a conclusão 41):

1 - A recorrente interpõe recurso do douto acórdão que a condenou a pagar à demandante civil, BB a quantia de 131.850,40 a título de danos patrimoniais futuros, e ainda a quantia de 20.000 a título de danos patrimoniais futuros, por errada aplicação do direito, ao abrigo do disposto no artigo 410°, n° 2, alínea c) do Código de Processo Penal.

2 - O acórdão recorrido pronuncia-se sobre 3 aspectos.

3 - Quanto à obrigação de indemnização ao membro sobrevivo da união de facto pela perda do rendimento do trabalho do companheiro falecido.

4 - O falecido e a recorrida viviam em união de facto, tendo ficado provado que o falecido contribuía com o seu rendimento para as despesas do casal, mas não quanto ao “quantum” dessa contribuição.

5 - No que toca à indemnização relativa a alimentos, importa mencionar que o dano de que a recorrida pretendia ser ressarcida era o relativo à perda dos rendimentos auferidos pelo falecido e não, especificamente, a contribuição que este lhe prestava para o seu sustento, habitação e vestuário (cfr. art. 2003.°, n.° 1, do Código Civil).

6 - Como é mencionado no douto acórdão da Relação de Évora, do qual se recorre, “está em discussão a atribuição de indemnização, pela perda do rendimento de trabalho da vítima mortal de acidente de viação, à pessoa com quem a vítima vivia em união de facto desde há cerca de 18 a 19 anos.

7 - O n.° 3 do art. 495.° do Código Civil, que se refere especificamente à indemnização devida a terceiros pela perda da obrigação alimentar em caso de morte ou lesão corporal do obrigado a prestar os alimentos dispõe que “têm igualmente direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural”.

8 - O preceito legal anteriormente mencionado abrange dois tipos de situações, a situação em que o lesado estava a prestar alimentos, ainda que no cumprimento de uma obrigação natural e a situação em que existe o direito de exigir alimentos ao lesado, independentemente de já os estar a receber ou não.

9 - Fazem parte desta segunda situação os titulares do direito a alimentos referidos no n.° 1 do art. 2009.° do Código Civil em que não constam as pessoas que vivem em união de facto. A estas apenas se refere o art. 2020.° do Código Civil, mas apenas para o caso de morte de um deles, em que é reconhecido ao sobrevivo o direito de exigir alimentos da herança do falecido, verificados que sejam os demais requisitos aí enunciados.

10 - A Lei n.° 7/2001, de 11 de Maio, que estabelece medidas de protecção das uniões de facto, não lhes reconhece o direito de, em vida, poderem exigir alimentos um do outro.

11 - A jurisprudência reconhece que a indemnização prevista no n.° 3 do art. 495.° do Código Civil abrange as pessoas que viviam em união de facto e no âmbito dessa relação recebiam uma efectiva contribuição patrimonial do falecido para a sua alimentação, habitação e vestuário.

12 - Sucede que o ónus de provar os factos constitutivos desse direito (art. 342.°, n.° 1, do Código Civil), ou seja, que vivia e estava a ser alimentada e vestida à custa dos rendimentos auferidos pelo falecido e qual a medida dessa contribuição cabia à demandante cível, ora recorrida.

13 - A recorrida apenas fez prova de que vivia em comum com o falecido, não tendo feito prova de que era este quem suportava todos os encargos com a alimentação, o vestuário e a habitação de ambos, e concretamente com ela.

14 - O facto de duas pessoas viverem em comum podem resultar, em matéria de encargos com a alimentação, o vestuário e a habitação de cada um, várias hipóteses: 1) a hipótese de que cada um suportava as suas despesas; 2) a hipótese de que as despesas era repartidas pelos dois, em partes iguais ou em partes proporcionais aos seus rendimentos; 3) a hipótese de que apenas um deles suportava todas as despesas, podendo, neste caso, ser ele ou ser ela.

15 - Pelo do facto de a recorrida viver em comum com o falecido, não significa que era este que suportava as despesas com a alimentação, vestuário e habitação da recorrida. A recorrida deveria ter alegado e provado os factos necessários ao esclarecimento da situação concreta que existia entre eles, o que não o fez.

16 - Não foi sequer provada a necessidade de alimentos da demandante cível e da impossibilidade de os obter pelos seus próprios meios, sendo certo que a demandante não alegou nem provou factos que permitissem concluir acerca da impossibilidade de obter alimentos pelos seus próprios meios, como aliás devia.

17 - Os direitos existentes nos unidos de facto devem ser equiparados aos existentes entre os casados, os quais não podem ser iguais, atentas as diferenças existentes.

18 - Diferenças que, o legislador trata de forma diferente e que merece diferente protecção da lei, como esclarece o acórdão do STJ de 27-05-2008 (em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.° 08B1201): “O casamento e a união de facto são situações materialmente distintas, assumindo os casados mediante um vínculo jurídico uma comunhão de vida, enquanto os unidos de facto, por opção, não assumem esse vínculo de carácter familiar.

19 - A solidariedade patrimonial legalmente existente nas relações entre casados, já não é imposta entre pessoas unidas de facto”. Para concluir que essas diferenças de regime justificam que o legislador lhes conceda tratamento diferenciado, com menor protecção no regime da união de facto. O mesmo entendimento é também perfilhado pelos acórdãos do STJ de 24-05-2005, 16-09-2008 e 27-05-2008, todos disponíveis em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ procs. n.° 05A585, 08A2232 e 08B1201.

20 - Não parece, legítimo que as pessoas que optaram pela união de facto, como regime sem deveres e vínculos entre si e para com a sociedade, pretendam, quando lhes convém, reclamar a igualdade de direitos do regime do casamento, a que antes não quiseram sujeitar-se. Dito de outra forma, querem um tratamento desigual em matéria de deveres e reclamam um tratamento igual em matéria de direitos. Isso sim, salvo melhor opinião, constitui desconformidade com os princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade.

21 - E assim, por falta de prova dos respectivos pressupostos, o tribunal não lhe pode reconhecer o direito a esta indemnização.

22 - Ao fazê-lo, o douto acórdão da Relação de Évora violou as normas constantes nos artigos 342.°, n.° 1, 495°, n° 3 do Código Civil, art. 2003.°, n.° 1 e art. 2009.°, n° 1 do Código Civil do Código Civil, bem com o artigo 13° da C.R.P.

23 - A ora recorrente entende que a ora recorrida não tem direito á indemnização pelos motivos anteriormente expostos.

24- No entanto, a ser fixado um montante indemnizatório, o que se admite por dever de ofício, sempre se dirá que o valor é manifestamente exagerado.

25 - Na douta sentença refere-se que “considerando ainda a idade da vítima....alcança-se o valor de 164.304,00, ou seja, € 489,00x14=6.846,00x24, sendo que o primeiro valor constitui cerca de dois terços do salário da vítima”.

26 - Compensa-se o benefício retirado do facto de receber de uma só vez este montante, com o valor da actualização anual do salário do falecido iria ter, reduzindo-se, porém, o montante indemnizatório ao peticionado pela demandante - € 131.850,40.

27 - O douto acórdão confirmou nesta parte a sentença recorrida e não teve em consideração, também ele, o sentido das decisões sobre a matéria em causa, nem os critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes.

28 - O recurso à equidade, é necessário por ser preciso adequar a indemnização às circunstâncias do caso, precisa de observar as exigências do princípio da igualdade.

29 - Isto significa que se tende a uniformizar os critérios e a necessidade de atender, por motivos de justiça e para evitar soluções excessivamente subjectivas, tendo em consideração as circunstâncias casuísticas, as datas em que as decisões foram proferidas e o decurso do tempo relativamente à decisão.

30 - Dificilmente se encontram casos semelhantes ou iguais, pelo que surge a necessidade de procurar caos que tenham conexão com algum dos elementos a considerar, como a idade da vítima, o valor do salário auferido, a dependência total ou parcial do agregado familiar dos ganhos da vítima entre outros.

31 - Na avaliação concreta do dano, como ponto de partida, de forma a alcançar uma base mínima de trabalho, e a conseguir uma plataforma inicial a partir da qual se usem elementos variáveis que têm a ver com introdução do juízo de equidade, tentando explicar como é atingido o mínimo denominador e evitar soluções com teor subjectivista, podemos utilizar a fórmula que passará pela consideração do rendimento mensal, a que se abaterá um terço correspondente ao que o falecido despenderia consigo próprio se vivo fosse, uma vez que as demandantes ficaram privadas apenas do remanescente, de 2/3, que constitui os lucros cessantes.

32 - Obtido por esta forma um número o mesmo deverá ser objecto de ajustamentos, como considerar o desconto por as demandantes receberem em antecipação o capital encontrado.

33 - O que respeita ao desconto a efectuar pelo recebimento antecipado da totalidade do capital, é certo que não existem critérios legais para fixar a percentagem a “descontar” ou a “abater” ao referido montante (capital).

34 - Assim deve ser efectuado com recurso á equidade, pelo que nos parece justa a percentagem “abatida” ou “descontada” no acórdão recorrido, de cerca de 30% (vide Acórdão do STJ, proferido a 07-07-2009, proferido no Processo n° 1145/05.6TAMAI.C1).

35 - Os mencionados 30% terão assim de ser deduzidos sobre o valor em que a demandante foi condenada a título de benefício retirado do facto de receber de uma só vez este montante, ou seja sobre os 131.850,40€.

36 - Relativamente à obrigação de indemnização ao membro sobrevivo da união de facto por danos de natureza não patrimonial vem o acórdão recorrido condenar a recorrente ao pagamento de 20.000€ a título de danos não patrimoniais.

37 - Para a recorrida ter tal direito, é necessário apurar se a Lei n° 23/2010, que veio dar nova redacção ao n° 3 do artigo 496° do Código Civil é aplicável ao caso em análise.

38 - A Lei 23/2010 nada refere quanto à data da sua entrada em vigor pelo que, quando assim é, dispõe o n° 2 da Lei n° 74/98, de 11/11, na falta de fixação do dia, os actos legislativos entram em vigor no 5° dia após a publicação.

39 - Assim sendo, tendo a Lei 23/2010 sido publicada em 30 de Agosto de 2010, entrou em vigor no dia 4 de Setembro de 2010 e a morte do falecido em Abril de 2009.

40- Importa perceber, no tempo, a que situações jurídicas de união de facto é que a lei se aplica, se apenas às uniões de facto constituídas após a sua entrada em vigor ou também aquelas já constituídas e que subsistam à data dessa entrada em vigor?

41 - (não existe)

42 - Mais importante se se aplicará às uniões de facto cujo óbito de um dos membros tenha sucedido antes da sua entrada em vigor ou só àquelas em que o óbito venha a ocorrer após essa entrada em vigor?

43 - A regra é de que a lei só dispõe para o futuro (n° 1, 1ª parte - Princípio da Irretroactividade), embora o legislador lhe possa atribuir expressamente eficácia retroactiva (n° 1, 2ª parte).

44 - Na Lei 23/2010, o legislador apenas se pronunciou expressamente quanto à produção de efeitos das normas com repercussão orçamental, omitindo quanto à retroactividade da lei. 

45 - Para saber se a Lei 23/2010, a lei apenas produz efeitos para o futuro ou se terá também eficácia retroactiva, o n° 2 do art.l2° menciona duas previsões e, consequentemente, duas estatuições.

46- Analisando a Lei 7/2001, na redacção que lhe foi dada pela Lei 23/2010, à luz desta interpretação resulta que a sua APLICAÇÃO NO TEMPO se fará da seguinte forma:

Art. 6º, n° 1: Só beneficiarão dos direitos previstos nas alíneas e), f) e g) do art. 3º, independentemente da necessidade de alimentos, os membros sobrevivos de união de facto cujo óbito do beneficiário tenha ocorrido após a entrada em vigor da Lei 23/2010, nos termos do disposto no n° 2, 1ª parte, do art. 12° do Código Civil, e neste caso não terá eficácia retroactiva;

Art. 2°-A: Quanto à prova da união de facto, porque a lei dispõe sobre o conteúdo de uma relação jurídica determinada, abstraindo dos factos que lhe deram origem, entende-se que se aplica às situações (uniões de facto) já constituídas que subsistam à data da sua entrada em vigor, nos termos do n° 2, 2ª parte, do art. 12° do CC, e neste caso tem eficácia retroactiva.

47- Relativamente ao art. 6°, n° 1, para a ora recorrente, a lei dispõe sobre os efeitos (os direitos previstos nas al. e), f) e g) do art. 3°) em função dos factos que lhes deram origem (óbitos de beneficiários unidos de facto) ocorridos após a sua entrada em vigor.

48 - O n° 2, 2ª parte do art. 12° apoia esta nossa posição quando refere “...a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor”.

49 - Um dos factores de dissolução da união de facto é a MORTE de um dos membros, os outros são a vontade de um dos membros e o casamento de um dos membros - art. 8°, n° 1 da Lei 7/2001, não pode aplicar-se o regime previsto no art. 6°, n° 1 a uma relação que já estava extinta, e portanto não subsistia, à data da sua entrada em vigor.

50 - Atribuir retroactividade a esta norma, seria violar o espírito e a letra do art. 12°, n° 2, 2ª parte do Código Civil.

51 - Se o legislador quisesse abranger no âmbito do art. 6°, n° 1, os óbitos ocorridos antes da entrada em vigor da lei, teria nela incluído uma norma transitória que previsse a sua aplicação às situações decorrentes de óbitos de beneficiários que se tivessem verificado antes da entrada em vigor da Lei 23/2010.

52 - Assim, a recorrente deve ser igualmente absolvida do pagamento da quantia de 20.000€ a título de danos não patrimoniais.

    Em síntese, a douta sentença violou assim o disposto no artigo 410° do C.P.P., o artigo 2009° do C. Civil, o artigo 342°, n° 1 C.C.
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     O Ministério Público no Tribunal da Relação de Évora, a fls. 608 a 613, pronunciou-se no sentido de não lhe caber tomar posição quanto à questão de natureza cível em debate.

     A recorrida nada disse.

     O recurso foi admitido por despacho de fls. 614.

     O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal emitiu, a fls. 622, parecer no sentido de carecer de legitimidade, não lhe cumprindo, pois, pronunciar-se sobre as questões em debate.

      Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o processo prossegue com julgamento em conferência, nos termos dos artigos 411.º, n.º 5 e 419.º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Penal. 

      Colhidos os vistos, realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.

      Como é jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal - acórdão do Plenário da Secção Criminal, de 19-10-1995, no processo n.º 46580, Acórdão n.º 7/95, publicado no Diário da República, I Série - A, n.º 298, de 28-12-1995 (e BMJ n.º 450, pág. 72), que fixou jurisprudência, então obrigatória, no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito” e verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do CPP - é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior.                                                       

      Questões a decidir

      Atento o teor das conclusões apresentadas pela recorrente, que traduzem de uma forma condensada, as razões da sua divergência com a decisão impugnada, as questões suscitadas pela impugnante propostas a debate e reapreciação no presente recurso reportam-se aos seguintes pontos:

      Questão I - Indemnização por danos patrimoniais futuros – Dano de perda de alimentos devidos a sobrevivente de união de facto dissolvida por morte de um dos seus membros – Conclusões 3.ª a 23.ª .

      Questão II – Cálculo da indemnização do dano patrimonial perda de alimentos. A questão do desconto ou abatimento pelo recebimento integral do capital encontrado – Conclusões 24.ª a 35.ª   

      Questão III – Indemnização por dano não patrimonial – Dano desgosto pela perda de ente querido por parte de unido de facto sobrevivo – Conclusões 36.ª a 52.ª.

    Oficiosamente, colocar-se-ão duas questões prévias.   

    Questão Prévia I – Vício decisório

    Liminarmente, atento o objecto do presente recurso, há que dizer que o mesmo se cinge claramente, como, aliás, não podia deixar de ser, face ao disposto no artigo 400.º do CPP, à decisão relativa à parte cível.

    Todavia, a recorrente a abrir o recurso, de forma não adequada às circunstâncias do caso concreto, parece que pretenderia suscitar questões de facto, atenta a circunstância de invocar um fundamento que tem a ver com matéria de facto, a nível de eventual sindicação de vícios da decisão recorrida, mas que a partir de 1 de Janeiro de 1999 nem sequer é invocável, utilizável, como fundamento de recurso para este Supremo Tribunal.

   Diz a recorrente na conclusão 1.ª:    

1 - A recorrente interpõe recurso do douto acórdão que a condenou a pagar à demandante civil, BB a quantia de 131.850,40 a título de danos patrimoniais futuros, e ainda a quantia de 20.000 a título de danos patrimoniais futuros (SIC), por errada aplicação do direito, ao abrigo do disposto no artigo 410°, n° 2, alínea c) do Código de Processo Penal.

    A contradição nos termos – desadequada invocação de erro na aplicação do direito, quando se invoca a verificação de um vício da decisão que só pode verificar-se ao nível da fixação da matéria de facto – foi por nós assinalada com sublinhado.

   Trata-se de uma mera “reprise”, de reposição de uma “mise en scéne, dejá vu”, já utilizada no anterior recurso, não possível em sede de recurso para o STJ, que só conhece de direito, e claramente resolvida no primeiro recurso da Relação, onde de forma concludente, se concluiu não se verificar qualquer vício.   

     Ora, para além de a condenação da recorrente em 20.000,00 euros, se reportar, evidentemente, a indemnização por danos não patrimoniais, e não como erradamente se diz, por indemnização por danos patrimoniais futuros, na conclusão 1.ª, a verdade é que o deslocado invocado vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a exemplo do que aconteceu no primeiro recurso, tratado como erro notório na apreciação da prova, não é fundamento de direito, mas antes tem a ver com sindicância de matéria de facto.

    O que está em causa é a questão de saber se a demandante tem direito a indemnização por danos patrimoniais de alimentos e a indemnização por danos não patrimoniais, mais concretamente, por dano desgosto, tendo por pano de fundo a situação de sobrevivente de união de facto.

   A situação em análise nada tem a ver com sindicância de matéria de facto, julgada definitivamente, uma vez que o recurso se restringe à questão cível, pelo que configura um absoluto “erro de casting” a alusão a um dos vícios decisórios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, que tem a ver apenas com a fixação de matéria de facto.

   No fundo, a divergência da recorrente dirige-se à solução jurídica e apenas isso.

   Inexiste, pois, qualquer vício decisório.

     Questão Prévia II – Recorribilidade -Dupla conforme?  

       Por outro lado, colocar-se-á a questão de saber se, estando-se perante uma decisão de uma Relação, poderíamos estar face a uma situação de eventual irrecorribilidade, à verificação de uma dupla conforme.

     A resposta terá de ser negativa.

     Embora confirmando o segmento da afirmação de responsabilidade pelo dano patrimonial futuro de perda de alimentos, conquanto com mais ampla argumentação, bem como a sua quantificação, a verdade é que no plano dos danos morais, a solução dada pela Relação é diametralmente oposta à da primeira instância, que desconsiderou tal indemnização com consequente absolvição da demandada nessa parte, tendo a decisão ora recorrida considerado a relevância e pertinência do pedido, condenando a demandada pelo dano desgosto.

     Como refere o acórdão deste Supremo Tribunal, de 14-10-2011, proferido pelos Juízes que integram a formação de apreciação preliminar, na revista excepcional n.º 3563/08.9TBVIS.C1.S1, será suficiente para afastar a dupla conforme a conformidade meramente parcial de decisões, mesmo que apenas a parte conforme venha a ser impugnada em via de recurso de revista.  

     A confirmação pela Relação do primeiro julgado terá de ser unânime e irrestrita - o conhecimento e decisão do(s) pedido(s) tem de ser perfeitamente coincidente (sobreponível), não havendo dupla conforme se ocorreram diferentes decisões quanto a alguns pedidos, já que o aresto recorrido tem de ser apreciado no seu todo decisório final e não visto parcelarmente.

     Só se a sobreposição integral do julgado – independentemente da diversa motivação – se verificar, é que não pode lançar-se mão da revista-regra, antes tendo de fazer-se apelo à revista excepcional.

     Mas se a confirmação não for integral e irrestrita, haverá revista normal, uma vez que perfilados os respectivos pressupostos, importando, então, entre outros, a sucumbência, como condição subjectiva de recorribilidade.

     No nosso caso, a Relação de Évora alterou, ainda que apenas parcialmente, o julgado na 1.ª instância, e não a confirmando em termos irrestritos, inexiste dupla conformidade.

     Assim sendo, conhecer-se-á do recurso da demandada em toda a sua amplitude e consequentemente ao subordinado apresentado pela demandante.

     Apreciando.


    Fundamentação de facto

    Factos provados


     Mostram-se definitivamente assentes os factos seguintes:

1 - No dia 16 de Abril de 2009, cerca da 20.40 horas, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com matrícula XX-XX-XX, pela Av. Dinis de Miranda, em Évora, no sentido Oeste/Este, ou seja, da Rotunda do Raimundo para a Rotunda da Lagril;

2 - No local, a referida avenida tem duas faixas de rodagem em cada sentido de marcha, com separador central de sentidos de trânsito, com 0,40 m de largura, sendo que o arguido circulava na faixa da direita;

3 - Nas mesmas circunstâncias de tempo e local; DD estava a atravessar a Av. Dinis de Miranda, no sentido Norte/Sul, ou seja, da esquerda para a direita, atento o sentido de marcha do arguido, pela passadeira para peões aí existente, junto à Igreja de S. Brás;

4 - Quando DD já havia ultrapassado mais de metade da via, foi embatido pela parte frontal esquerda do veículo conduzido pelo arguido, e projectado no ar, tendo caído no solo a cerca de 23,4 m do local onde foi embatido;

5 - DD efectuou a travessia sobre a passadeira para peões, ao meio da mesma, de forma perpendicular ao eixo da via;

6 - O embate ocorreu sobre a passadeira, quando DD já havia atravessado as duas faixas de rodagem contrárias ao sentido de trânsito do arguido e, nas faixas do sentido deste, já havia atravessado a faixa de rodagem esquerda e cerca de um terço da faixa de rodagem direita, na qual seguia também o arguido;

7 - O arguido não viu DD a atravessar a estrada e embateu-lhe com o veículo que conduzia porque ia desatento, conduzindo de forma descuidada, em velocidade superior à adequada ao local;

8 - Por isso, não imobilizou a sua viatura de forma a permitir que DD finalizasse a travessia que já havia iniciado, como podia e devia ter feito;

9 - O arguido só conseguiu parar o veículo a mais de 42 metros do local do embate e devido à força deste, o veículo ficou com o pára-brisas frontal destruído;

10 - Como consequência directa e necessária do embate, DD sofreu escalpe do couro cabeludo à direita, ferida tipo rasgadura da comissura labial à esquerda, ferida abrasiva extensa da parte anterior do tórax, fractura cominutiva e exposta do terço inferior do fémur, terço superior da tíbia e rótula direita, extenso hematoma subdural, fractura cominutiva interceptando a escama do temporal direito, rochedo direito, porção horizontal do frontal, rochedo esquerdo e escama do temporal esquerdo, luxação atlanto-occipital com lesão do tronco cerebral e fractura da clavícula direita;

11 - As lesões craneo-encefálicas e vertebro medulares ora descritas, decorrentes do embate, determinaram directa e necessariamente a morte de DD;

12 - No local dos factos, a Av. Dinis de Miranda tem 7.80 metros de largura, com duas faixas de rodagem no mesmo sentido de trânsito, cada uma com 3.90 metros de largura e configura uma recta, sem obstáculos que impeçam a visibilidade e em que, por isso, DD podia ter sido visto pelo arguido cerca de 90 metros antes do local onde o embate ocorreu;

13 - A passadeira para peões que DD utilizou para atravessar a estrada estava devidamente marcada no pavimento e assinalada com sinal H7, de forma a ser vista por todos quantos passassem no local;

14 - Aliás, no momento dos factos, na faixa da esquerda daquela em que seguia o arguido, atento o sentido de marcha deste e junto á passadeira de peões em causa, Raul Antero Marreiros havia reduzido a marcha do veículo que conduzia, para deixar passar DD, o qual havia visto com cerca de 50 metros de antecedência;

15 - Ao actuar da forma descrita, o arguido agiu com manifesta falta de cuidado, conduzindo a velocidade superior à adequada ao local, aproximando-se de uma passadeira para peões devidamente marcada e assinalada, sem abrandar a velocidade e sem imobilizar o seu veículo, de forma a permitir a finalização da travessia da via por DD e, dessa forma, violou o dever de cuidado que se impõe a quem circula na estrada, ao qual estava obrigado e tinha capacidade para cumprir;

16 - O arguido sabia que a sua conduta era proibida por lei.

Mais se provou que:

17 - DD era divorciado;

18 - Vivia há cerca de 18/19 anos com BB, como se marido e mulher fossem;

19 - Residiam na mesma casa, sita na R… A… R…, Lote xx, r/c D, em É…, comendo na mesma mesa e dormindo na mesma cama;

20 - DD nasceu em 01.09.1957, em Évora, tendo à data da morte 51 anos de idade e era uma pessoa saudável;

21 - Era funcionário Público, trabalhando na Administração Regional de Saúde do Alentejo, I.P., como assistente operacional, auferindo salário mensal ilíquido de € 734,62 (setecentos e trinta e quatro euros e sessenta e dois cêntimos);

22 - A demandante era e é viúva;

23 - DD tinha um filho, fruto de um relacionamento anterior, que mantinha e mantém um bom relacionamento com a demandante;

24 - DD contribuía com o seu rendimento para as despesas do casal;

25 - A demandante e o falecido DD tinham uma boa relação e eram muito amigos e unidos;

26 - Com a morte de DD, a demandante sentiu e sente desgosto e passou a ter dificuldades financeiras, por deixar de dispor dos rendimentos do mesmo para as despesas familiares;

27 - As roupas que DD usava à data do acidente, ficaram estragadas;

28 - Á data do acidente, o veículo conduzido pelo arguido encontrava-se seguro na Seguradora R… S…, através da apólice n.º xxxxxxxx;

29 - Por escritura pública celebrada no dia 31 de Dezembro de 2009, a Seguradora R… S…, S.A. foi incorporada na sociedade CC – Companhia de Seguros, S.A.;

30-O arguido não possui antecedentes criminais nem contra-ordenacionais;

31 - O arguido é carteiro de profissão, auferindo salário mensal de cerca de € 800,00 (oitocentos euros); a sua mulher trabalha e está grávida; com a habitação despendem mensalmente entre € 500,00 (quinhentos euros) e € 600,00 (seiscentos euros); o arguido possui o 9.º ano de escolaridade.

 

    Apreciando – Fundamentação de direito.

   

     Questão I - Indemnização por danos patrimoniais futuros – Dano de perda de alimentos devidos a sobrevivente de união de facto dissolvida por morte de um dos seus membros.

     A recorrente nas instâncias, e de novo no presente recurso, nas conclusões 3.ª a 23.ª, insurge-se contra a atribuição desta indemnização, sendo que alude à necessidade de alegação e prova da situação de carência de alimentos por parte da demandante, nas conclusões 15.ª, 16.ª e 21.ª, invocando concretamente, a violação do disposto no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, na conclusão 22.ª, e no final do pedido recursivo.

        A necessidade de prestação de alimentos – encarada esta como dano patrimonial futuro, previsível – surge, porque cessa a prestação realizada/efectivada por quem a cumpria/efectuava, e que em princípio, continuaria a ser exigível, ou simplesmente prestada, caso o lesado falecido pelo facto ilícito fosse vivo.  

         Em matéria de responsabilidade civil extra-contratual, delitual, ou aquiliana, como é o caso presente, a regra geral é a de que a indemnização pelos danos causados cabe apenas ao titular do direito violado ou do interesse imediatamente lesado com a violação de disposição legal destinada a protegê-lo, não o terceiro, que só reflexamente ou indirectamente, seja prejudicado - artigo 483.º do Código Civil.

     Em princípio, titular do direito a indemnização é apenas o sujeito directa ou imediatamente lesado pelos danos resultantes da violação, o titular dos bens imediatamente afectados pelo facto danoso.

    O terceiro, que só reflexa, ou indirectamente, seja prejudicado com a violação do direito do lesado directo, está, em princípio, fora do círculo dos titulares do direito à indemnização.

     Excepcionalmente, o direito a indemnização, jure proprio, no que se reporta aos danos patrimoniais, pode caber também, no caso de lesão corporal, ou no caso de morte da vítima, apenas, a terceiros, sendo o artigo 495.º, n.º 3, do Código Civil, sob a epígrafe “Indemnização a terceiros em caso de morte ou lesão corporal”, regulando a “indemnização do dano da perda de alimentos”, para utilizar expressão do Professor Vaz Serra, e o artigo 496.º, n.º 2, do Código Civil, justamente, esses casos excepcionais.

     Como refere Almeida Costa, Direito das Obrigações, 11.ª edição (revista e actualizada até 31-03-2008), a págs. 607/8, “A titularidade do direito à reparação cabe, em princípio, à pessoa ou pessoas a quem pertence o direito ou interesse juridicamente protegido que a conduta ilícita violou”, admitindo-se nalgumas situações excepcionais que outras pessoas, além do ofendido, tenham direito a exigir indemnização, ou que esta se alargue a terceiros só mediata ou reflexamente prejudicados. O art. 495.º disciplina a reparação a terceiros em caso de morte da vítima ou de simples lesão corporal, indicando o n.º 3 como terceiros com direito a indemnização os que legalmente lhe podiam exigir alimentos ou aqueles a quem a vítima os prestava em cumprimento de obrigação natural”.

    Em causa o dispositivo do artigo 495.º do Código Civil (são deste Código os preceitos infra indicados, sem qualquer outra menção), que sob a epígrafe “Indemnização a terceiros em caso de morte ou lesão corporal”, estabelece:

1 – No caso de lesão de que proveio a morte, é o responsável obrigado a indemnizar as despesas feitas para salvar o lesado e todas as demais, sem exceptuar as do funeral.

2 – Neste caso, como em todos os outros de lesão corporal, têm direito a indemnização aqueles que socorreram o lesado, bem como os estabelecimentos hospitalares, médicos ou outras pessoas ou entidades que tenham contribuído para o tratamento ou assistência da vítima.

3 – Têm igualmente direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural”.

     O n.º 3 do preceito define em caso de morte da vítima (ou de lesão corporal) o direito a indemnização de danos patrimoniais futuros, jure proprio, por perda de alimentos, estando em causa o ressarcimento pelos danos patrimoniais futuros e previsíveis, decorrentes da privação de alimentos, cuja prestação incumbia à vítima, ao lesado directo da lesão corporal.

     O lesante fica constituído na obrigação de indemnizar a pessoa carecida de alimentos do prejuízo que para ela advém da falta de contribuição por parte da pessoa lesada.

     O artigo 402.º que estabelece que “A obrigação diz-se natural quando se funda num mero dever de ordem moral ou social, cujo cumprimento não é judicialmente exigível, mas corresponde a um dever de justiça”, consagra a obrigação natural como uma figura de carácter geral, estendendo o seu domínio a todos os deveres de ordem moral e social, cujo cumprimento não seja judicialmente exigível, mas corresponda a um dever de justiça.

     Segundo Antunes Varela, Das obrigações em geral, 3.ª edição, 1980, págs. 597/8 (e 10.ª edição, 2000, págs. 724 a 727), para que haja uma obrigação natural, é necessário que exista, como fundamento da prestação, um dever moral ou social específico entre pessoas determinadas, cujo cumprimento seja imposto pelos ditames da justiça.

     Um dos casos típicos a que o conceito legal se aplica é o da prestação de alimentos (art. 495.º, n.º 3) – efectuada a favor de certas pessoas que não tenham o direito de exigi-los, sendo abrangidos pela previsão legal os parentes próximos (não compreendidos no art. 2009.º) que tenham vivido com o lesado ou que este tenha auxiliado, a mulher com quem ele tenha vivido maritalmente, o criado que envelheceu ou se inutilizou ao serviço do patrão, etc.

     Finaliza considerando que “haverá obrigação natural na prestação de alimentos quando os laços de sangue, as relações de convívio ou os serviços prestados ao lesado imponham como um dever de justiça o encargo de sustentação, habitação e vestuário da pessoa a quem são facultados”. 

     Ainda segundo Antunes Varela, Direito da Família, volume I, 5.ª edição, Fevereiro de 1999, Livraria Petrony, págs. 27 (nota 3), 29 (nota 2) e 32, o n.º 3 do artigo 495.º compreende entre as pessoas a quem alguém prestava alimentos no cumprimento de uma obrigação natural, a pessoa que com outrem vive em união de facto, esclarecendo que esse direito não nasce da herança do lesado, mas sim do dever imposto por lei ao lesante, à margem dos direitos sucessórios. (sublinhados nossos). 

     Versando as obrigações naturais, diz Almeida Costa, ibidem, pág. 179, que “É no art. 495.º, n.º 3, que se pressupõe uma obrigação natural de alimentos, a propósito da lesão ilícita de que resulte a morte ou a incapacidade do respectivo devedor. Constituem exemplos: as prestações com esse carácter feitas a familiares próximos que não tenham direito de exigi-las, ou pelo patrão ao empregado que se inutiliza ou envelhece ao seu serviço. O dever moral ou social e de justiça alicerça-se, então, em relações de sangue, de convivência ou de serviços, evidentemente, fora do âmbito do art. 2009.º, onde se referem verdadeiras obrigações civis de alimentos”. 

     A págs. 187, nota 1, refere que no caso se verifica, por força da lei, a conversão de uma obrigação natural em obrigação civil periódica ou não (art. 567.º).    

     A “indemnização do dano da perda de alimentos”, para utilizar expressão do Professor Vaz Serra, em anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-04-1974, proferido no processo n.º 65.078 e publicado no BMJ n.º 236, pág. 138, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 108.º (1975/1976), n.º 3549, págs. 183 e seguintes, visa a reparação de um dano patrimonial directo, futuro, provocado a terceiro, mas com carácter restritivo.

     Como acentuava Vaz Serra na citada revista, pág. 185, “o n.º 3 do artigo 495.º não significa que tenham direito a indemnização de quaisquer danos patrimoniais aqueles que tinham direito a alimentos contra o lesado, mas só que estes têm direito de indemnização do dano da perda de alimentos”.

     Adverte o Autor que não pode entender-se que a disposição legal concede às pessoas que podiam exigir alimentos ao lesado o direito de indemnização de todos e quaisquer danos patrimoniais que lhes hajam sido causados; concede-lhes apenas o direito de indemnização do dano da perda dos alimentos (que o lesado, se fosse vivo, teria de prestar-lhes).

     Esclarece quanto à extensão da reparação que “o montante da indemnização não pode exceder a medida dos alimentos que o lesado teria sido obrigado a prestar, se fosse vivo, pelo que também no seu cálculo deve atender-se à duração provável que a vida deste teria tido”.

      (No sentido desta restrição podem ver-se os acórdãos do STJ de 13-02-1991, in AJ 15.º/16.º-6, de 09-05-1991, BMJ n.º 407, pág. 141 e de 03-04-2008, Revista n.º 262/08).           

      Antunes Varela, Das obrigações em geral, edição de 1980, a págs. 517 (e na 10.ª edição (2000), a págs. 622), versando sobre a titularidade do direito à indemnização, diz: “Quanto aos danos patrimoniais, a lei manda indemnizar, tanto no caso de morte como no de lesão, o prejuízo sofrido por aqueles que podiam exigir alimentos ao lesado (o cônjuge, os seus descendentes, ascendentes, irmãos e sobrinhos: cfr. art. 2009.º) ou por aqueles a quem este os prestava no cumprimento de uma obrigação natural”.   

     Segue-se nota de rodapé - n.º 2 (versão de 1980) e n.º 3 (versão de 2000) -, em que se clarifica que “os sucessores do lesado terão direito ainda à indemnização correspondente aos danos patrimoniais que o próprio lesado tenha sofrido, a qual se transmite com a herança”.

    Prossegue o Professor, a págs. 517, do I volume, da 3.ª edição, e na 10.ª edição (2000), a págs. 623:

   “Há na concessão deste direito de indemnização uma verdadeira excepção à regra de que só os danos ligados à relação jurídica ilicitamente violada contam para a obrigação imposta ao lesante.

    Com efeito, a obrigação alimentar, quer fundada na lei, quer baseada em qualquer dos deveres de justiça em que assenta a naturalis obligatio, constitui um direito relativo a que o lesante era estranho. Só por disposição especial da lei este poderia, por conseguinte, ser obrigado a indemnizar os prejuízos que para o titular desse direito relativo advieram da prática do facto ilícito”.

    À pergunta sobre se têm direito a indemnização por danos patrimoniais apenas as pessoas que, no momento da lesão, podiam exigir já alimentos ao lesado, ou também aquelas que só mais tarde viriam a ter esse direito, se o lesado fosse vivo, responde Antunes Varela, na citada obra, na versão de 1980, a págs. 518/9, e na de 2000, a págs. 623/4, no sentido afirmativo, afirmando que “o espírito da lei abrange manifestamente também estas últimas pessoas”. (Neste ponto, citado por Almeida Costa, obra citada, pág. 608, nota 4).

    Acrescenta que “Se a necessidade de alimentos, embora futura, for previsível, (porque cessa, por ex., a pensão a que a pessoa tinha direito), nenhuma razão há para que o tribunal não aplique a doutrina geral do n.º 2 do artigo 564.º. Mas ainda que a necessidade futura não seja previsível, nenhuma razão há para isentar o lesante da obrigação de indemnizar a pessoa carecida de alimentos do prejuízo que para ela advém da falta da pessoa lesada, contanto que não haja prescrição nos termos gerais da parte final do n.º 1 do artigo 498.º”.

    E conclui, a págs. 519, quanto à extensão da reparação: “Como é por este prejuízo que a indemnização se mede, o lesante não poderá ser condenado em prestação superior (seja no montante, seja na própria duração) àquela que provavelmente o lesado suportaria, se fosse vivo”. (No mesmo sentido Vaz Serra, em anotação ao acórdão do STJ de 12-2-1971, in RLJ, ano 105.º, pág. 47, citado de seguida).

   E na versão de 2000, a pág. 647 diz Antunes Varela: “Medindo-se a indemnização pelo prejuízo que para a pessoa carecida de alimentos advém da falta da pessoa lesada, o lesante não poderá ser condenado em prestação superior (seja no montante, seja na própria duração), àquela que provavelmente o lesado suportaria, se fosse vivo”.

     Para o Professor Vaz Serra, em anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-02-1971 (BMJ n.º 204, pág. 149), publicada na RLJ, ano 105.º (1972/3), n.º 3468, págs. 37 e seguintes, “a indemnização tem por objecto o que o lesado imediato teria sido obrigado a prestar durante a presumível duração da sua vida”.  

     Sobre necessidades futuras ou danos potenciais, a págs. 45, esclarece: “o artigo 495.º, n.º 3, dizendo «os que podiam exigir alimentos ao lesado», não parece dever ser entendido como referindo-se só aos que, na situação actual, podiam exigir alimentos, mas também aos que, em virtude de uma relação existente, poderiam legalmente vir a exigir alimentos”.

     E a págs. 47, defende ser razoável que não deva ser atendido, para o efeito do artigo 495.º, n.º 3, somente o caso de o alimentando ter já direito a alimentos, mas ainda o do poder vir a tê-lo, porque, a não ser assim, ficaria sem indemnização aquele que, não carecendo de alimentos na data do facto, fosse privado do direito de posteriormente os exigir (por então vir a carecer deles) em consequência de não existir já a pessoa obrigada a prestá-los”.

     O Autor volta ao tema na anotação inserta na citada Revista de Legislação de Jurisprudência, ano 108.º, mais concretamente, no ponto 4, pág. 185.

     Como refere Dario Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, Livraria Almedina, Coimbra 1980, 2.ª edição, pág. 260, fundamentalmente, na previsão deste artigo está o propósito de fazer a cobertura de alguns dos reflexos do facto danoso, para os quais não bastariam as regras gerais, atribuindo-se legitimidade a terceiros para reclamar, por direito próprio, contra o responsável, indemnização pelo prejuízo a que o dano da vítima tenha dado causa, conferindo-se direito a indemnização àqueles que forem afectados no seu direito a alimentos e àqueles a quem a vítima os prestava na sequência de uma obrigação natural (pág. 262).

                                                 *****          

     Trata-se de danos patrimoniais, porque têm a ver com a subsistência económica-financeira dos familiares sobrevivos do falecido, dele dependentes, como o cônjuge, ou companheiro/a, e aqui, indiferentemente da existência de filhos, de uns ou outros, e necessariamente futuros, porque projectados para além da morte de quem os prestava, no âmbito de uma relação familiar, ou de união de facto, seja ao cônjuge, ou ao (à) companheiro/a, sendo que, tal como no casamento, também na união de facto, podem ser gerados filhos.     

      São contemplados por esta indemnização os terceiros beneficiários de prestações alimentícias efectuadas pela vítima, lesado directo do facto ilícito, no cumprimento de uma obrigação legal ou natural.

     São indemnizáveis, nos termos deste preceito, tanto no caso de morte, como no de mera lesão corporal, os prejuízos sofridos por aqueles que poderiam exigir alimentos ao lesado imediato - o cônjuge, os seus descendentes, ascendentes, irmão e sobrinhos (artigo 2009.º) - ou por aqueles a quem este os prestava no cumprimento de uma obrigação natural, impondo-se aqui mais uma excepção à regra de que só os danos ligados à relação jurídica ilicitamente violada contam para a obrigação atribuída ao lesante.  

     Entre os danos patrimoniais que o responsável pela produção de um acidente estradal está obrigado a indemnizar, contam-se os chamados danos patrimoniais futuros resultantes da perda de salários, emergentes da perda de capacidade aquisitiva do lesado directo, imediato, e o autónomo, embora com a mesma génese no plano de insuficiência de satisfação de necessidades alimentares, dano da perda de alimentos.

     Em causa no caso sujeito está apenas a fixação do montante indemnizatório pelo dano patrimonial futuro, na perspectiva de perda de alimentos, e não de lucros cessantes, para cuja configuração, aliás, importa, à partida, tanto num caso como no outro, a consideração do salário percebido pelo falecido, cuja fixação foi impugnada pela recorrente ainda neste recurso.

     A pretensão ressarcitória deduzida em concreto pela demandante, no contexto do pedido de indemnização formulado por adesão no presente processo, em 20 de Novembro de 2009, constante de fls. 201 a 220, constava dos artigos 60 a 63, 65 e 68 do articulado peticional, baseando-se no facto de viver com a vítima, há 18/19 anos, em plena comunhão de cama e mesa, como marido e mulher, sendo o falecido o sustento do casal, contribuindo com a totalidade do seu rendimento para as despesas familiares, dependendo ela completamente do falecido, começando a enfrentar dificuldades económicas a partir da morte da vítima.

     Acontece que a causa petendi concretamente invocada pela demandante apresenta contornos multifacetados, mas, “et pour cause”, algo dúbios e confusos.

     Assim, refere a demandante a “perda de rendimentos futuros” e a sua natureza de “prejuízo indemnizável”, nos artigos 71, 72, 73 e 75, aqui afirmando “a demandante perdeu assim, como consequência directa e necessária do acidente e da morte do companheiro o rendimento que tinha quando o falecido ainda era vivo”, mas refere-se, de igual modo, expressamente a lucros cessantes, no final do artigo 72, quando alude a “Indemnização de lucros cessantes à companheira: € 129.775, 40”, enfatizando de novo no artigo 73 ter “direito à indemnização pela perda de rendimentos futuros”.

     Reporta a demandante no artigo 74 da petição enxertada o artigo 2009.º, mas para declarar que não tem pais, irmãos, filhos nem nenhuma das pessoas previstas no preceito citado, que lhe possam prestar alimentos ou ajudá-la económica e monetariamente.

     Não obstante toda esta diversificada formulação dos fundamentos de direito e convocação de figuras tutelares do almejado direito a indemnização, termina a demandante, após pedir a condenação da demandada nos valores indicados, num exercício manifestamente equívoco, como se estivesse no âmbito de uma acção declarativa comum de apreciação, para reconhecimento de direito a prestação social, nestes termos: “Deverá ainda ser reconhecida a união de facto há mais de dois anos, em condições análogas às dos cônjuges, entre a demandante (…) e o falecido (…), bem como reconhecido que a demandante tem necessidade e direito a alimentos e que não os pode obter de outra forma”.  

      Face à alegação/convocação do direito aplicável assim engendrada, teríamos supostamente à partida, a invocação de dois créditos de indemnização, estando-se perante a dedução de pedido de indemnização por danos patrimoniais, futuros, previsíveis, com fundamento em dois direitos de indemnização de danos patrimoniais, que embora com zonas de sobreposição, se não confundem, sendo autónomos, com fontes de obrigação, titularidade e extensão ressarcitória diversa.

      No caso de indemnização por perda de alimentos, estamos em presença de indemnização pelo dano resultante da frustração do percebimento de alimentos, pelos prejuízos advenientes da privação de alimentos, da cessação da prestação alimentar a que o falecido, por força de obrigação legal, ou no cumprimento de uma obrigação natural, estava vinculado, tratando-se de um direito de que são titulares por direito próprio as pessoas destacadas no artigo 495.º, n.º 3.

       No outro caso, está-se perante um direito a indemnização por danos patrimoniais futuros, a título de lucros cessantes, próprio da vítima, a que podem aceder os respectivos herdeiros, traduzido na compensação da perda absoluta/definitiva da capacidade aquisitiva de ganho da vítima, da privação total de rendimentos de trabalho, resultantes da morte do lesado imediato.

       A indemnização em causa assenta no próprio facto da perda absoluta e definitiva de rendimentos de trabalho, que seriam realizados pelo prestador falecido, não fosse o seu decesso.

       Esta diferença é assinalada por Antunes Varela, Das Obrigações em geral, vol. I, 3.ª edição, Almedina, 1980, pág. 517, nota 2 (e na nota 3 na edição de 2000), ao referir  - e repete-se - que, para além do direito próprio a alimentos, “Os sucessores do lesado terão direito ainda à indemnização correspondente aos danos patrimoniais que o próprio lesado teria sofrido a qual se transmite com a herança”. (sublinhados nossos).

       Ainda segundo Dario Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, a págs. 167: “Há um direito próprio conferido a certas pessoas, o qual se rege pelos princípios gerais da responsabilidade civil extracontratual; mas no caso de morte de lesado, funcionam as regras da sucessão: a indemnização pelo dano patrimonial de que o de cujus era titular transmite-se com a herança.

[Nota 1 - A palavra transmissão dir-se-á utilizada em sentido impróprio. Ao Prof. Pires de Lima afigura-se mais correcto falar numa substituição do de cujus na titularidade dos seus direitos e obrigações (cfr. Bol. n.º 133, p. 66)].    

    No sentido de que no caso de indemnização por lucros cessantes estamos perante um direito de indemnização adquirido por via sucessória, podem ver-se os acórdãos de 18-12-2003, Revista n.º 4120/03 - 7.ª Secção (Os sucessores da vítima de lesão mortal têm direito, por via sucessória, nos termos do artigo 2024.º do CC, à indemnização por danos patrimoniais futuros por ela sofridos relativos à perda de rendimento de trabalho); de 02-03-2004, Revista n.º 24/04-6.ª Secção; de 05-05-2005, Revista n.º 521/05-7.ª Secção (a própria vítima, falecida posteriormente à lesão que a vitimou, integrou na sua esfera jurídica o direito a indemnização por danos futuros derivados da perda de rendimentos de trabalho que, por direito sucessório, se transmitiu aos respectivos sucessores, designadamente os pais - artigo 2024.º do Código Civil); de 06-05-2008, revista n.º 851/08-6.ª Secção.  

       Tendo por pano de fundo a justificação das diferenças de montantes indemnizatórios resultantes de indemnização por lucros cessantes e o problema da pensão alimentícia dos filhos da vítima ou da viúva, aludindo a manifesta confusão de realidades, Dario Martins de Almeida, no citado Manual, a pág. 118, afirmava: “Simplesmente, a pensão alimentícia a que a vítima estaria adstrita por lei, tendo embora os seus limites no rendimento frustrado pela morte e a sua medida orientada segundo o artigo 2004.º do Código Civil, não pode acorrentar-se nem confundir-se com a problemática do lucro cessante.

      Este tem o seu destino dentro das regras gerais da sucessão; faz parte do património que constitui a herança deixada pela vítima. Quanto aos alimentos e à indemnização correspondente à sua perda, rege o artigo 495.º, n.º 3 do Código Civil”.

     E adianta: “Temos, porém, de convir que esta indemnização por alimentos frustrados está condicionada pelos limites da capacidade de rendimento da vítima. De outro modo, cairíamos numa indemnização global que ultrapassaria o próprio montante dos danos”.    

     E acrescenta, a págs. 119/120, que sendo as pessoas com direito a alimentos, em regra, os próprios herdeiros da vítima e o próprio cônjuge desta, não pode a indemnização por alimentos ir ao ponto de se cumular com a herança, na qual se integra já o quantitativo indemnizatório correspondente aos lucros cessantes, e por outro lado, tratando-se de uma indemnização por privação de alimentos, não perde a natureza de prestação alimentícia, sendo impenhorável (artigo 1008.º, n.º 2 do CC). 

   No primeiro caso – indemnização por perda de alimentos – titular do direito é um terceiro, lesado indirecto, mas com direito próprio; no segundo – lucros cessantes –  correspondendo à perda da capacidade aquisitiva de ganho, é um dano do lesado directo, que reverterá para o próprio, em caso de sobrevivência por mera incapacidade para o trabalho, e para terceiro, na funesta hipótese de o lesado falecer, sendo a aquisição por via sucessória.

     A destrinça de indemnização por perda de alimentos e por lucros cessantes está presente em alguns acórdãos deste Supremo Tribunal.

     Assim, para além do citado acórdão de 05-05-2005, revista n.º 521/05-7.ª Secção, pode ver-se o acórdão de 22-06-2005, proferido na revista n.º 1625/05, da 1.ª Secção, onde se afirma: “O direito a indemnização fundado no disposto no artigo 495.º, n.º 3, do CC, de que são titulares as pessoas que podiam exigir alimentos ao falecido, não corresponde a qualquer direito próprio da vítima que se transmita por via sucessória aos seus herdeiros, pelo que na determinação do quantum indemnizatório não podem ser seguidos os mesmos critérios que se utilizam para o cálculo da indemnização do lesado pela perda da sua capacidade de ganho”.

     No mesmo sentido de não se confundir direito a indemnização por perda de alimentos com lucros cessantes, pronunciou-se o acórdão de 27-05-2008, revista n.º 1264/08 - 7.ª Secção, onde se consigna que  “Terceiros, para efeitos do disposto no art. 495.º, n.º 3, do CC, são o cônjuge e os filhos da vítima, decorrendo o seu direito a indemnização apenas da titularidade do direito a exigir alimentos daquela. Este direito não se confunde com aqueloutro dos mesmos sujeitos baseado na perda de rendimentos de trabalho da vítima, que os beneficiaria não fosse o decesso desta”.   

     Como se colhe do acórdão de 17-10-2000, revista n.º 2152/00-6.ª Secção, in Sumários de Acórdãos Cíveis STJ, Edição Anual - 2000, pág. 283, “A contribuição alimentícia da vítima para com as exequentes, suas filhas, enquanto menores, não pode confundir-se com a problemática do lucro cessante”.

     No caso presente, a demandante não teria qualquer legitimidade para peticionar indemnização por lucros cessantes, por não ser herdeira do falecido companheiro, que não é assim um “de cujus sucessionis agitur”.

     O membro sobrevivo de união de facto não é herdeiro do(a) companheiro(a) falecido(a), pois na ordem jurídica portuguesa são inexistentes os direitos sucessórios no âmbito das uniões de facto. A união de facto não tem efeitos sucessórios (Pereira Coelho, in RLJ ano 120, pág. 82).

     A própria extensão da medida indemnizatória no caso de alimentos está condicionada à natureza da prestação alimentar, como vimos supra. (Antunes Varela, Das obrigações, pág. 647 e Vaz Serra, RLJ 108.º, pág. 185 e 105.º, pág. 47).   

    Como se refere no acórdão de 26-10-2004, Revista n.º 2619/04-6.ª Secção, citado noutro lugar, seguindo os ensinamentos de Varela e Vaz Serra supra expostos, o prejuízo a indemnizar no âmbito da norma é somente o da perda de alimentos decorrentes da falta da vítima, não podendo o lesante ser condenado em prestação superior (quer no valor, quer na duração) à que o lesado suportaria se fosse vivo.

     “Como resulta do próprio texto da lei, se por um lado a titularidade do direito de indemnização em causa é atribuída a quem seja simultaneamente sujeito activo do direito legal de alimentos, por outro lado a particular configuração deste último direito na situação sub judicio há-de influenciar directamente, determinando-a, a medida, a extensão concreta da pretensão indemnizatória. Com efeito, o art. 562.º diz que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não tivesse verificado o evento que obriga à reparação; e o art. 564.º, n.º 2, por seu turno, manda o tribunal atenda aos danos futuros, desde que previsíveis”.

    Resulta daqui que aqueles que tinham direito de alimentos contra o lesado ou que dele o recebiam, não têm direito a indemnização por quaisquer danos patrimoniais, mas apenas e tão só direito de indemnização do dano da perda de alimentos.

    A indemnização mede-se em função do concreto prejuízo que para a pessoa carecida de alimentos advém da falta da pessoa lesada, prestador dos alimentos, não devendo ultrapassar a medida que o prestador suportaria se fosse vivo, o que releva nas hipóteses de alimentos a filhos menores, tendo em conta a cláusula de exigibilidade prevista no artigo 1880.º, restringindo-se a indemnização apenas até aos 26-27 anos.       

    A determinação da capacidade de ganho do lesado directo – na hipótese que ora nos interessa, lesado falecido – é de ter em conta, quer no terreno do dano patrimonial futuro, na perspectiva de perda de alimentos por parte do respectivo titular, terceiro, para efeitos do artigo 495.º, n.º 3, quer para a determinação da indemnização do dano patrimonial futuro por lucro cessante, agora, já não em sede de exercício de direito jure proprio, mas na perspectiva do sucessor do falecido.

    Tratando-se de indemnização de dano por perda de alimentos, necessariamente futuros, há que atender à existência de duas correntes da jurisprudência deste Supremo Tribunal, acerca da exigibilidade ou não da alegação e demonstração da efectiva carência de alimentos, para efeitos de atribuição do direito de indemnização às pessoas referidas no artigo 495.º, n.º 3, situação que não pode ser desligada da problemática, que, a propósito de ónus de alegação, se suscita no plano da perda de ganho, em sede de danos futuros resultantes de incapacidade permanente parcial. (No sentido de que neste específico plano basta a alegação dessa incapacidade, para poder ser atribuída uma indemnização, podem ver-se entre muitíssimos outros, os acórdãos do STJ, de 05-02-1987, BMJ n.º 364, pág. 819; de 07-10-1997, revista n.º 513/97, BMJ n.º 470, pág. 569; de 11-02-1999, revista n.º 1099/98-2.ª e de 24-02-1999, revista n.º 5/99-2.ª, BMJ n.º 484, págs. 352 e 359; de 22-09-2001, revista n.º 1979/01-7.ª; de 04-12-2008, revista n.º 3728/08-2.ª).

       A questão não é, de todo, despicienda, pois que no caso presente, como vimos, a recorrente seguradora invocou na motivação do recurso e nas conclusões 15.ª, 16.ª e 21.ª, a não observância do ónus sobre a verificação do facto constitutivo de tal direito que, em seu entendimento, caberia à demandante, invocando mesmo a violação do artigo 342.º, n.º 1, na conclusão 22.ª e na parte final da dedução da pretensão recursiva.

    No que ora nos interessa, no plano do direito a indemnização por perda de alimentos, o acórdão do STJ de 15-06-99, revista n.º 474/99, da 1.ª secção (Sumários de Acórdãos Cíveis do STJ, Edição anual, 1999, pág. 217), considerou que o preceituado no art. 495.º, n.º 3, do CC, não pode interpretar-se no sentido de que aí se concede às pessoas que podiam exigir alimentos da vítima mortal do sinistro o direito de indemnização por hipotéticos, eventuais e ainda não previsíveis danos patrimoniais que lhes poderiam vir a ser causados em momento futuro e incerto, sendo necessário fazer-se a prova, além do mais, da previsibilidade da necessidade futura de alimentos.

    O acórdão do STJ, de 03 de Maio de 2000, revista n.º 334/00, da 6.ª Secção, in CJSTJ 2000, tomo 2, pág. 48 (e SASTJ 2000, pág. 161), considerou que a mera demonstração de que a autora vivia maritalmente, não se sabendo desde quando, com a vítima mortal de um acidente de viação, na companhia da filha de ambos e na total dependência económica do falecido, não permite concluir que este lhe prestava alimentos no cumprimento de uma obrigação natural.

      De acordo com o acórdão do STJ, de 07-06-2001, proferido na revista n.º 634/01-2.ª (Sumários de Acórdãos Cíveis do STJ, Edição anual, 2001, pág. 217), partindo do carácter excepcional da norma do n.º 3 do artigo 495.º, por isso, em princípio, insusceptível de aplicação analógica, defende-se que não basta a simples invocação da qualidade ou status de cônjuge sobrevivo para, de pronto e de modo automático, ser atribuída ao invocante uma indemnização a esse título: esta só pode ser exigida por danos efectivos - que não pelos meramente potenciais - da cessação da prestação de alimentos.

     No mesmo sentido, do mesmo relator, o acórdão de 16-03-1999, revista n.º 22/99-2.ª secção, in BMJ n.º 485, pág. 386 e Sumários de Acórdãos Cíveis do STJ, Edição Anual, 1999, pág. 118, onde se afirma que o n.º 3 do art. 495.º, do CC, pelo seu carácter excepcional, deve ser interpretado no sentido de que os beneficiários do direito a alimentos apenas poderão, in abstracto exigir indemnização pelos danos efectivos – que não pelos meramente potenciais – da cessação da prestação de alimentos; de 24-01-2002, revista n.º 3951/01-6.ª (SACSTJ - Edição Anual 2002, pág. 18); de 28-05-2002, revista n.º 741/02-2.ª (SACSTJ 2002, pág. 193 - o direito previsto no n.º 3 do art. 495.º CC depende da necessidade concreta de alimentos de quem os podia os podia exigir da vítima); de 04-04-2006, proferido na revista n.º 523/06-6.ª; o de 14-12-2006, proferido na revista n.º 3737/06-6.ª; de 21-05-2009, revista n.º 213/09.0YFLSB, da 7.ª Secção, de 15-06-2009, revista n.º 474/99-1.ª Secção, e o de 14-07-2009, proferido na revista n.º 1541/06.1TBSTS.S1, da 1.ª Secção, onde se consigna: «Tratando-se de alimentos, há que alegar e provar a necessidade dos alimentados e a indispensabilidade do “quantum” prestado», precisando ainda o aresto que “o disposto no n.º 3 do artigo 495.º do Código Civil pressupõe a demonstração da natureza alimentícia do que era prestado”. 

      Em sentido contrário, isto é, no sentido de que para que nasça o direito à indemnização pelo denominado dano da perda de alimentos, basta a verificação da qualidade de que depende a possibilidade legal do exercício do direito a alimentos, não relevando a efectiva necessidade dos mesmos, pronunciaram-se os acórdãos de 20-10-1971, BMJ n.º 210, pág. 68 (nos termos do n.º 3 do artigo 495.º do Código Civil, para ter direito à indemnização basta ter a qualidade de que depende a possibilidade legal do exercício do direito a alimentos); seguindo e citando este, o acórdão de 16-04-1974, processo n.º 65078, publicado no BMJ n.º 236, pág. 138, sobre que incidiu a anotação de Vaz Serra na RLJ, ano 108.º, págs. 183 e seguintes; de 14-10-1997, revista n.º 225/97-2.ª, in CJSTJ 1997, tomo 3, pág. 61; de 24-09-1998, processo n.º 663/98-3.ª, in CJSTJ 1998, tomo 3, pág. 177; de 03-05-2000, revista n.º 308/00-6.ª – SACSTJ, Edição Anual 2000, pág. 153 (o cônjuge da vítima mortal de acidente de viação tem direito a indemnização, por perda dos alimentos previstos no artigo 1675.º, n.º 1, do CC, não tendo para tanto que demonstrar que estava dependente economicamente do falecido); de 22-05-2001, revista n.º 25/01-6.ª (SACSTJ, 2001, pág. 166); de 27-09-2001, revista n.º 2427/01-6.ª; de 08-07-2003, revista n.º 1360/03-1.ª, in CJSTJ 2003, tomo 2, pág. 141 (para exercitar o direito de indemnização a alimentos do art. 495.º, n.º 3, do CC, não é necessário provar que se recebia alimentos, bastando apenas demonstrar que se estava em situação de, legalmente os poder vir a exigir e a previsibilidade dos mesmos, nos termos do art. 564.º, n.º 3, do CC); de 18-12-2003, revista n.º 4120/03-7.ª; de 02-03-2004, revista n.º 24/04-6.ª; de 26-10-2004, revista n.º 2619/04-6.ª (o exercício do direito de indemnização excepcionalmente reconhecido pelo artº 495.º, n.º 3, não depende da prova em concreto de que ao tempo da verificação do facto danoso se estava a receber alimentos; basta demonstrar que nesse momento se estava em situação de legalmente os exigir); de 05-05-2005, revista n.º 521/05-7.ª (basta que tenham a qualidade de que depende a possibilidade legal do exercício do direito aos alimentos, mesmo que não estivessem a receber da vítima qualquer prestação alimentar por carência efectiva deles); de 11-07-2006, revista n.º 1835/06-7.ª (citado infra); de 08-05-2008, revista n.º 726/08-2.ª (reconhecido direito de indemnização por privação de alimentos a nascitura); de 27-05-2008, revista n.º 1264/08-7.ª; de 17-06-2008, revista n.º 1599/08-1.ª; de 25-09-2008, processo n.º 2860/08-3.ª; de 20-10-2009, revista n.º 85/07.9TCGMR.G1.S1-6.ª; de 10-12-2009, revista n.º 220/03.6TBSTB.E1.S1-7.ª; de 17-12-2009, revista n.º 77/06.5TBAND.C1.S1-1.ª; de 04-05-2010, revista n.º 111/04.3TBMUR.P1.S1-6.ª; de 13-04-2011, revista n.º 418/06.5TBMNC.G1.S1-1.ª; de 31-05-2011, revista n.º 257/2001.G1.S1-1.ª; de 12-07-2011, revista n.º 322/07.0TBARC.P1.S1-2.ª.

     Revertendo ao caso concreto.

     

     Vejamos como foi abordada a questão nas instâncias.

   

     A sentença da primeira instância abordou a questão a fls. 424 e 425, convocando os artigos 495.º, n.º 3 e 402.º, do Código Civil, e citando jurisprudência [acórdãos da Relação do Porto de 09-02-2009, processo 0835934, da Relação de Coimbra, de 26-06-2001 e 18-10-2005 (www.dgsi.pt) e do STJ, de 14-10-1997, CJSTJ 1997, tomo 3, pág. 61], referindo que embora no âmbito da união de facto não exista um dever legal de prestação de alimentos, pode afirmar-se que existe um dever moral recíproco de contribuição para as despesas comuns, cujo cumprimento espontâneo não poderá deixar de envolver um dever de justiça, dever esse que terá de ser aferido de acordo com as particularidades do caso concreto.

     E termina assim: «Tal como se apurou, a demandante vivia em união de facto com o falecido há mais de dezoito anos, embora não tivessem filhos em comum.

     DD contribuía com parte do seu salário para as despesas do agregado familiar, ficando a demandante, com a sua morte, privada de tal contributo, o que lhe causou dificuldades financeiras.

     Revendo posição anterior (após melhor ponderação e da análise de decisões dos Tribunais Superiores, inclusive motivadas por recurso de sentenças deste Tribunal)», considerou a julgadora de Évora que «a demandante tem direito a ser ressarcida de tal dano».     

     Sobre este apreciando segmento pronunciou-se o Tribunal da Relação de Évora, de fls. 555 a 559, confirmando o decidido, de forma fundamentada, nestes termos:  

      “a) A obrigação de indemnização ao membro sobrevivo da união de facto pela perda do rendimento do trabalho do companheiro falecido.

       Por razões de precedência lógica, e até de eventual prejudicialidade face a alguns dos outros assuntos suscitados nos recursos, começamos por abordar e decidir a questão dos pressupostos do direito à indemnização por danos patrimoniais na situação posta nestes autos (uniões de facto).

       Entende a demandada, em síntese, que a demandante só poderá receber essa indemnização caso se demonstre que tinha direito a alimentos do falecido.

       Por sua vez, a demandante é de opinião que o direito a alimentos nada tem a ver com a situação destes autos, estando aqui em causa apenas a perda dos rendimentos do falecido utilizados no lar e em proveito do casal.

       Cumpre apreciar e decidir.

       Está em discussão a atribuição de indemnização, pela perda do rendimento do trabalho de vítima mortal de acidente de viação, à pessoa com quem a vítima vivia em união de facto desde há cerca de 18 a 19 anos (cfr. facto provado n° 18 da sentença recorrida).

       A este propósito, dispõe o artigo 495°, n° 3, do Código Civil, que, no caso de lesão de que proveio a morte (ou em todos os casos de lesão corporal), “têm igualmente direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a que o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural”.

       Ou seja, no caso de lesão de que proveio a morte, como é o caso destes autos, têm direito a indemnização pela perda do rendimento do trabalho da vítima todos aqueles que podiam exigir alimentos ao lesado ou todos aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural.

       Quanto à definição legal de “obrigação natural”, estabelece o artigo 402° do Código Civil que “a obrigação diz-se natural, quando se funda num mero dever de ordem moral ou social, cujo cumprimento não é judicialmente exigível, mas corresponde a um dever de justiça”.

      Muito embora no âmbito da união de facto não exista um dever legal de prestação de alimentos (isto é, este dever não tem expressa consagração na nossa lei positiva - designadamente tal dever não decorre do disposto no artigo 2020 do Código Civil, uma vez que aí o membro sobrevivo da união de facto tem o direito de “exigir alimentos da herança do falecido”, mas nada se prevê quanto a poder exigir alimentos do próprio companheiro), é manifesto, com o devido respeito pela opinião contrária, que, na união de facto, ou seja, numa sociedade equivalente à conjugal, se expressa, além do mais, um dever moral (e social) recíproco de contribuição para as despesas comuns, cujo cumprimento espontâneo envolve necessariamente um dever de justiça.

       In casu, resultou provado que a demandante (que era viúva) vivia com o falecido (que era divorciado) desde há cerca de dezoito a dezanove anos, como se marido e mulher fossem, ou seja, em união de facto (cfr. factos 17°, 18° e 22°, dados como provados na sentença em análise).

      Mais ficou provado que o falecido contribuía com parte do seu salário para as despesas do agregado familiar (constituído, no caso, apenas pelo casal), ficando a demandante, com a sua morte, privada de tal contributo, o que lhe causou dificuldades financeiras (factos dados como provados na sentença sob os n°s 24° e 26°).

      Ora, vistos todos estes factos, entendemos que a demandante tem direito a receber indemnização pelo dano decorrente da perda do rendimento do trabalho do seu falecido companheiro.

      Na situação de casamento, é indiscutível que o dano sofrido pelo cônjuge sobrevivo, em consequência da perda da contribuição que o cônjuge falecido dava para os encargos da vida familiar, é ressarcível por força do disposto no transcrito artigo 495°, n° 3, do Código Civil (o cônjuge sobrevivo podia exigir alimentos ao cônjuge falecido).

      Contudo, não é menos certo que, muito embora não existindo uma obrigação legal de prestação de alimentos na situação de união de facto, não se possa (e deva) afirmar que o companheiro sobrevivo não seja um terceiro beneficiário de prestações alimentícias concedidas pela vítima do acidente de viação, não como efeito do cumprimento de um dever legal de alimentos, mas, de qualquer forma, como decorrência do cumprimento de uma obrigação natural.

      As obrigações naturais constituem casos intermédios entre os puros deveres de ordem moral ou social e os deveres jurídicos.

      Os primeiros fundamentam liberalidades, os últimos consubstanciam obrigações civis munidas de acção.

      No campo delimitado pelas duas fronteiras é que se situam as hipóteses que devem ser qualificadas como obrigações naturais.

      Para o efeito, compete à jurisprudência, atendendo às concepções sociais predominantes e ponderando o espírito do legislador no tratamento de cada situação da vida em sociedade, averiguar, em primeiro lugar, se existe um dever social ou moral, e, depois, analisar se esse dever moral ou social é tão importante que o seu cumprimento envolva um dever de justiça.

      A esta luz, e tendo em conta a actual aceitação social da vivência de duas pessoas em condições análogas às dos cônjuges e a protecção que o direito positivo português tem, sem qualquer dúvida, vindo a dar a essas uniões (cfr., designadamente, a Lei n° 7/2001 de 11/05, e as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei n° 23/2010, de 30/08), deve afirmar-se, sem hesitações ou rodeios, que entre os membros de uma união de facto existe um dever moral (e social) recíproco de contribuição para as despesas comuns, cujo cumprimento espontâneo não pode deixar de envolver um dever de justiça.

      Nas situações de união de facto, a contribuição para as despesas comuns não é feita com espírito de liberalidade, mas sim com fundamento num dever moral e social, cujo cumprimento envolve um dever de justiça, constituindo tal contribuição, por isso, inequivocamente, uma verdadeira obrigação natural.

      Assim sendo, em caso de morte, como é o caso destes autos, o membro sobrevivo da união de facto tem direito a ser ressarcido do dano emergente da perda do rendimento do trabalho do falecido, nos termos do disposto no artigo 495°, n° 3, do Código Civil.

   Perante o exposto, três conclusões se podem retirar:

   - Em primeiro lugar, e ao contrário do que invoca a demandada, não ocorre o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (artigo 410°, n° 2, al. c), do C. P. Penal), já que, face aos factos tidos como assentes na sentença sub judice, e sem mais, a demandante tem direito a ser ressarcida a título dos danos patrimoniais em questão.

  - Em segundo lugar, e ao invés do que sustenta a demandante, não existe qualquer erro de julgamento da matéria de facto no tocante ao tempo da vivência em comum do falecido com a demandante (tal vivência vinha, como está expresso na sentença recorrida, desde há cerca de 18/19 anos), nem tal aspecto tem relevo para a afirmação da existência da obrigação de indemnização pela perda do rendimento do trabalho do falecido.

      - Por último, não é inteiramente correcta a alegação feita pela demandante, na motivação do seu recurso, de que, no aspecto em apreciação, as uniões de facto são totalmente equiparadas ao casamento.

      Nesta vertente, e em conformidade com o predito, ambos os recursos são de improceder”.

      

                                                 ****

      Analisando.

       Enquadramento da questão

       

      Em primeiro lugar, dir-se-á que a situação deverá ser enquadrada, como de resto fizeram as instâncias, a nível de indemnização por perda de alimentos por parte de sobrevivente de união de facto.

      O decesso do companheiro da demandante motivado por conduta ilícita do lesante foi determinante da sua frustração absoluta de ganhos, de perda absoluta da capacidade produtiva daquele pelo tempo de vida que previsivelmente lhe restaria, com reflexos na esfera patrimonial daquela, atenta a vivência em comum e sua dependência económica em relação àquele.

      Em causa está a definição da legitimidade, da titularidade e subsequente determinação de um quantitativo indemnizatório devido a título de danos patrimoniais futuros previsíveis, não na vertente de lucros cessantes, mas de direito próprio de indemnização de dano por perda de alimentos, desde já se adiantando que no caso sujeito se impõe uma intervenção correctiva, por se mostrar excessivo o montante atribuído.

       O artigo 495.º, n.º 3, do Código Civil e sua aplicação a situações de união de facto

      O disposto no artigo 495.º, n.º 3, cedo gerou controvérsia, logo abrindo uma polémica no sentido de saber se o mesmo abrangia ou não as situações de união de facto.

      Desde logo, suscitaram-se dúvidas sobre se o disposto no preceito abarcava ou não as situações de união de facto, abrangendo as situações fora do casamento.

    

                                                   ****

     A união de facto

     Antes de avançarmos na análise da questão proposta, convirá ter em conta a problemática da figura da união de facto e seus desenvolvimentos a nível do seu reconhecimento e de eficácia jurídica no ordenamento jurídico português.

     A união de facto até à Constituição da República de 1976 era uma realidade sociológica que não concitava preocupações ou estímulos a nível legislativo.

     Estabelece o artigo 36.º, n.º 1, da Constituição da República que “Todos têm o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade”.

     Como se pode ler em Constituição da República Portuguesa Anotada, de Gomes Canotilho e Vital Moreira, 4.ª edição revista, 2007, volume I, pág. 561, o conceito constitucional de família não abrange apenas a “família matrimonializada”, havendo uma abertura constitucional para conferir o devido relevo jurídico às uniões familiares “de facto”. Constitucionalmente, o casal nascido da união de facto juridicamente protegida também é família.

    A união de facto refere-se a uma situação factual, tendo por base um contrato de convivência, que menos necessidade de conformação terá quanto mais ampla for a tutela específica destinada a proteger tal convivência, a que o legislador atribui certos efeitos jurídicos, maxime ou exclusivamente de carácter patrimonial, consubstanciando uma relação jurídica parafamiliar.

     Pereira Coelho na Revista de Legislação e Jurisprudência ano 119.º (1986/7), n.º 3753, págs. 368 a 377 e ano 120.º (1987/8), n.º 3756, págs. 79 a 86, em anotação ao acórdão do STJ de 05-06-1985, BMJ n.º 348, pág. 428 (o comentário foi justificado por ser a primeira vez que o STJ tivera ocasião de se pronunciar sobre a aplicação do artigo 2020.º), defende que a união de facto não constitui uma relação de família e que o artigo 36.º, n.º 1, da Constituição “não pretende referir-se à união de facto mas respeita exclusivamente à matéria da filiação” e que do preceito não pode tirar-se qualquer argumento no sentido da qualificação da união de facto como relação de família.

    Não decorrendo dos preceitos constitucionais a qualificação da união de facto como relação de família, coloca a questão de saber se poderá deduzir-se, ou mesmo ser imposta, essa qualificação pelos novos dados legais e jurisprudenciais em que se traduziu a protecção da união de facto, de que resultaram efeitos favoráveis aos sujeitos da relação.

    Após recensear alterações legislativas e alguma jurisprudência (até 1985 quanto àquelas e 1987 no que tange a estas), cingindo-se aos efeitos meramente civis e deixando de lado o direito da segurança social, onde o legislador terá sido mais permissivo na concessão de efeitos à união de facto, já na Revista 120, conclui a págs. 82 que “na fase actual do nosso direito a união de facto não deve considerar-se para a generalidade dos efeitos como relação de família”. 

    Estando fora de causa a equiparação da união de facto ao casamento essa circunstância não impede que a união de facto se qualifique como uma relação de família, embora de conteúdo incomparavelmente mais pobre que a relação matrimonial.

    Nem a tanto fará obstáculo o disposto no artigo 1576.º, pois o elenco das relações familiares constantes do preceito, que mantém a redacção desde 1966, poderá considerar-se alterado pela evolução legislativa e jurisprudencial posterior. 

     Messias Bento, Itinerários do direito matrimonial, Estudo em memória do Conselheiro Luís Nunes de Almeida, Coimbra Editora, 2007, págs. 73 e ss., maxime, 96 a 99, a propósito da união de facto refere que durante séculos, tal união viveu à margem da lei, tendo sentenciado Napoleão “les concubins ignorent la loi, la loi les ignore”.

     A erosão do casamento causada pelo divórcio tem feito aumentar o número das uniões de facto. O aumento do número de divórcios e do número de pessoas a viver em união de facto tem acontecido em paralelo com a diminuição do número de casamentos, em termos tais que a união de facto se está a converter numa autêntica instituição sombra do casamento («shadow institution»), o que tem contribuído para difundir a ideia de que, entre o casamento e a união de facto, existe uma pequeníssima diferença: a união de facto seria uma forma de convivência conjugal com dignidade igual à do casamento, apenas não estando documentada por um acto formal e burocrático, ou seja, faltando-lhe tão só o reconhecimento da lei – é dizer: seria um «casamento sem registo».

      Defende o Autor não se justificar que o legislador aproxime demasiado do estatuto do casamento o tratamento jurídico das uniões de facto, não podendo de todo, equiparar em direitos a união de facto ao casamento, sob pena de se destruir completamente este último como valor. (Do mesmo Autor cfr. voto de vencido no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 359/91, DR I Série-A, de 15-10-1991 e BMJ n.º 409, pág. 170).

      Segundo França Pitão, em “Os novos casamentos ou a crise do casamento tradicional no direito português”, in Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da reforma de 1977, volume I (Direito da Família e das Sucessões), Coimbra Editora, 2004, pág. 189, historicamente, a figura da união de facto (heterossexual) e a sua aceitação social surge com maior acuidade face à nova mentalidade gerada pela Revolução Francesa, onde vingava a máxima de Napoleão “les concubins se passent de la loi, la loi se désinteresse d’eux”.

    A págs. 190-1, considera a união de facto como uma relação extra-matrimonial, que não deve qualificar-se como relação familiar colocada a par com o instituto do casamento, afirmando que a diferença entre união de facto e casamento assenta no facto de que este se realiza dentro de um quadro legal pré-definido [“…nos termos das disposições deste Código” – como refere a parte final do artigo 1577.º, a propósito da noção de casamento], enquanto a união de facto se realiza fora desse quadro legal.

     Telma Carvalho, A união de facto: a sua eficácia jurídica, na colectânea Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da reforma de 1977, volume I (Direito da Família e das Sucessões), Coimbra Editora, 2004, pág. 226, conclui que a união de facto não pode deixar de ser reconhecida como uma relação jurídica familiar, face à actual redacção do artigo 36.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa e face aos efeitos que são e vão sendo reconhecidos à própria união de facto.

     Sobre esta matéria e interpretação das expressões “concubinato”,“vida em comum de homem e mulher”, ou “comunhão duradoura de vida” ou ainda “convivência” “em condições análogas às dos cônjuges”; “viver amancebadamente”; “débito conjugal”; “comunhão de leito”; “convivência more uxorio”; “união de facto”, na doutrina e jurisprudência, ou “parejas de hecho”, “concubinage” ou “famiglia di fatto”, cfr. Marta Costa, «Convivência More Uxorio na perspectiva de harmonização do Direito da Família Europeu: Uniões Homossexuais» - Centro de Direito da Família, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra - com edição e execução gráfica do Grupo Wolters Kluver Portugal, sob a marca Coimbra Editora - 1.ª Edição, Março de 2011, págs. 47 a 63, 361 a 364.

   Com referência a terminologia e figuras afins, como Paelex (a mais antiga palavra utilizada no direito romano para qualificar as relações conjugais fora do casamento), barregania, concubinato, coabitação, union libre, unmarried cohabitation, união de facto, comunhão de vida em condições análogas às dos cônjuges, pode ver-se Geraldo da Cruz Almeida, Da união de facto - Convivência more uxorio em direito internacional privado, Lisboa, 1999, págs. 47 a 83.

     Pereira Coelho, RLJ ano 120.º (1987-8), n.º 3756, págs. 85-6, em anotação ao já referido acórdão do STJ de 05-06-1985, processo n.º 72680, BMJ n.º 348, pág. 428 (o qual reconheceu o direito a alimentos concedidos no artigo 2020.º mesmo em situação em que não subsistisse a convivência análoga à dos cônjuges, que durou cerca de 18 ou 19 anos, por se ter interrompido quando F adoeceu gravemente, cerca de um ano antes de falecer), relativamente ao artigo 2020.º, versa sobre as expressões concubinato duradouro, com unhão duradoura de vida em condições análogas às dos cônjuges, comunhão more uxorio, comunhão de leito, de mesa e de habitação, economia doméstica, mero amantismo.

     A reforma de 1977

 

     Desde Abril de 1976 os princípios orientadores da ordem jurídica no que tange às uniões de facto vêm sofrendo sensível alteração com o alargamento da atribuição de efeitos jurídicos a tais uniões.

     As soluções plasmadas pelo legislador desde a reforma de 1977 foram até hoje no sentido da tendencial e progressiva equiparação, para diversos efeitos, entre as situações próprias do vínculo conjugal e as decorrentes da união de facto, com a efectiva tutela dos agregados “familiares” constituídos fora das normas do casamento.

     Como dá nota França Pitão, loc. cit., pág. 190, antes da reforma do Código Civil de 1977, a noção de união de facto era dominada por preocupações ligadas ao estabelecimento da filiação, sendo reveladora a discussão em torno do problema de saber se elementos como “coabitação”, “fidelidade”, “relações sexuais”, “notoriedade”, integravam ou não a noção jurídica de união de facto.

    

       O reconhecimento das uniões de facto, num primeiro esboço de protecção, surge com algumas cautelas, a partir de 1977, com o Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro, entrado em vigor em 1 de Abril de 1978, o qual, reflectindo uma nova visão da família e da sua inserção na sociedade, procedeu a alterações vastas e profundas no regime do casamento e da filiação, impostas pelos princípios proclamados pela Constituição da República de 1976, “para dar satisfação aos princípios constitucionais que impõem a plena igualdade de direitos e deveres dos cônjuges e a não discriminação dos filhos nascidos fora do casamento”. 

     O diploma é considerado como o primeiro passo no reconhecimento jurídico da união de facto, como preceito orientador do reconhecimento destas situações.

     Estabelece-se então um novo regime, reconhecendo direitos, ou fazendo concessões a certos níveis à realidade da união de facto, no plano do direito civil, como as referentes a presunção de paternidade, ao exercício do poder paternal e a alimentos.

      Assim:

Artigo 1871.º (Presunção) [cfr. n.º 31 do preâmbulo]

1 - A paternidade presume-se:

c) Quando, durante o período legal da concepção, tenha existido comunhão duradoura de vida em condições análogas às dos cônjuges ou concubinato duradouro entre a mãe e o pretenso pai; 

Artigo 1911.º (Filiação estabelecida quanto a ambos os progenitores não unidos pelo matrimónio) – [cfr. n.º 36 do preâmbulo]

3 - Se os progenitores conviverem  maritalmente, o exercício do poder paternal pertence a ambos quando declararem, perante o funcionário do registo civil, ser essa a sua vontade; é aplicável, neste caso, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 1901.º a 1904.º.

Artigo 2020.º - Regendo sobre obrigação alimentar em caso de “União de facto” [cfr. citado n.º 46 do preâmbulo]

1 - Aquele que no momento da morte de pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens, vivia com ela há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges, tem direito a exigir alimentos da herança do falecido, se os não puder obter nos termos do as alíneas a) a d) do artigo 2009.º”.

       Para Antunes Varela, Direito da Família, 5.ª edição, Fevereiro de 1999, Livraria Petrony, volume I, págs. 30/31, esta disposição constitui uma providência de protecção material ou económica fundada na relação concubinaria, limitando-se a conceder a um dos concubinos um direito de crédito contra o espólio do finado.

       Reconhecendo então o legislador ao sobrevivente de união de facto alguns direitos, teve o cuidado de frisar que não se pretendia ir muito além da concessão então feita.

      Com efeito, no n.º 46 do preâmbulo, onde se enunciam as três alterações introduzidas no regime dos alimentos, após descrever a última “Finalmente, concede-se àquele que, no momento da morte de pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens, vivia com ela há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges o direito de exigir alimentos da herança do falecido, se os não puder obter dos seu cônjuge ou ex-cônjuge, descendentes, ascendentes ou irmãos”, esclarece-se no parágrafo final que

Não se foi além de um esboço de protecção, julgado ética e socialmente justificado, ao companheiro que resta de uma união de facto que tenha revelado um mínimo de durabilidade, estabilidade e aparência conjugal. Foi-se intencionalmente pouco arrojado. Havia que não estimular as uniões de facto”.

      Como ressalta claramente do texto legal a hipótese única de conferir direito e a correspectiva obrigação alimentar, a favor de membro sobrevivo de união de facto, era a de exigência da herança do falecido.

     Este direito a exigir alimentos da herança do falecido nada tem a ver com o direito a indemnização pelo dano de perda de alimentos, tendo por base responsabilidade aquiliana, nem mesmo com a obrigação legal de alimentos, prevista nos artigos 2009.º e 2004.º.

   Da evolução do reconhecimento ou da eficácia jurídica das situações de união de facto, após 1977   

    Nos primeiros tempos de vigência do actual Código Civil, coincidentes com os últimos 33 anos do século XX, e mesmo após a grande reforma de 1977, por força do anúncio de que havia que não estimular as uniões de facto, não houve aceitação da extensão de certos direitos aos unidos de facto, como bem revelam desde logo alguns pareceres da Procuradoria Geral da República, quando estava em causa apenas o reconhecimento do direito a algumas prestações sociais, como o demonstram os seguintes:  

I - Parecer da Procuradoria Geral da República n.º 5/78, de 26-01-1978, in BMJ n.º 281, pág. 52, onde se concluiu: “ Não é herdeiro hábil, nos termos do n.º 1 do artigo 32.º do Decreto-Lei n.º 24046, de 21 de Junho de 1934, a viúva que, tendo convivido maritalmente durante largos anos com um contribuinte, com ele casou apenas cerca de 4 meses antes da morte deste, ainda que o casamento não se tenha realizado antes por obstáculo de ordem legal”.

II - Parecer da Procuradoria Geral da República n.º 4/79, de 01-02-1979, in BMJ n.º 287, pág. 159, onde igualmente se concluiu: “Não é herdeiro hábil, nos termos do n.º 1 do artigo 32.º do Decreto-Lei n.º 24046, de 21 de Junho de 1934, a viúva que, tendo convivido maritalmente durante largos anos com um contribuinte, com ele casou menos de um ano antes da morte deste, não se verificando qualquer dos casos previstos nas alíneas a) e b) desse n.º 1”.

III - A propósito da extensão do subsídio por morte às uniões de facto, o Parecer da Procuradoria Geral da República n.º 4/82, de 18-03-1982, in BMJ n.º 322, pág. 184, e na RLJ, ano 116.º, n.º 3710, págs. 132 a 140, com três votos de vencido, concluiu que não tinha direito a receber o “subsídio por morte” a que se referia o Decreto-Lei n.º 42947, de 27-04-1960, a pessoa que tenha convivido maritalmente com um servidor do Estado, mesmo que no momento da morte deste se encontrasse nas condições previstas no artigo 2020.º do Código Civil.

IV - O Parecer da Procuradoria Geral da República de 12-07-1989, in Diário da República I Série, n.º 238, de 16-10-1989, não obstante alguns desenvolvimentos legislativos entretanto verificados, subscreveu a orientação do parecer n.º 4/82, negando igualmente equiparação da “situação conjugal de facto” ou “convivência marital” com “situação conjugal fundada no casamento” ou “sociedade conjugal”, firmando idêntica orientação:      

“Não tem direito a receber o “subsídio por morte”, a que se refere o Decreto-Lei n.º 42947, de 27-04-1960, a pessoa que tenha convivido maritalmente com um servidor do Estado, mesmo que no momento da morte deste se encontre nas condições previstas no artigo 2020.º do Código Civil”.

     Num plano diverso, mas no mesmo sentido de irrelevância da união de facto, pronunciou-se o Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Abril de 1987, publicado no Diário da República, I Série, n.º 122, de 28-05-1987 e no BMJ n.º 366, pág. 177 - em causa estava a aplicação analógica do regime estabelecido nos n.ºs 2 a 4 do artigo 1110.º do Código Civil (transferência do direito ao arrendamento para um dos cônjuges no caso de divórcio ou separação  judicial  de pessoas e bens) às  uniões de facto.   

     Defendendo que o legislador não conferiu, em princípio, às “uniões de facto” quaisquer efeitos jurídicos e só em casos meramente pontuais lhes veio a atribuir efeitos dessa natureza, como nos casos regulados no artigo 2020.º na redacção de 1977 e no artigo 1111.º, n.º 2, na redacção da Lei 46/85, de 20-07 e invocando o que lembra o legislador “há que não estimular as uniões de facto”, firmou o seguinte assento: “As normas dos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 1110.º do CC não são aplicáveis às uniões de facto, mesmo que destas haja filhos menores”.

     O assento foi objecto de comentário por parte de Pereira Coelho, na RLJ, ano 120.º, pág. 81 e ss.

     O Tribunal Constitucional – acórdão n.º 359/91, de 9 de Julho de 1991, proferido no processo n.º 36/90, publicado no Diário da República I Série-A, n.º 237, de 15-10-1991 e no BMJ n.º 409, pág. 170 –, a pedido do Provedor de Justiça, decidiu declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do referido assento, por força da violação do princípio da não discriminação dos filhos, contido no artigo 36.º, n.º 4, da Constituição. 

     Explicitou o acórdão que tal declaração “imporá que o princípio constitucional da não descriminação dos filhos haja de ser obrigatoriamente aplicado, em termos de o «interesse dos filhos» na atribuição do direito ao arrendamento a que se reportam as normas dos nºs 2, 3 e 4 do artigo 1110.º do CC, quando erigido em critério relevante de atribuição daquele direito, haver de ser respeitado tanto no caso dos filhos nascidos do casamento como no caso dos filhos nascidos de uniões de facto.”.

    Antunes Varela, Direito de Família, págs. 37 a 42, tece comentários ao assento e a este acórdão do Tribunal Constitucional, apoiando aquele e afastando-se deste.

    Evolução legislativa de efeitos legalmente reconhecidos  

    O Decreto-Lei n.º 191-B/79, de 25-06, alterou o Decreto-Lei n.º 142/73, de 31-03 (Estatuto das pensões de sobrevivência), que versava sobre o regime das pensões de sobrevivência dos funcionários e agentes da Administração Pública, na perspectiva de aproximação progressiva de um regime de segurança social unificado.

    Como ressaltava do preâmbulo – n.º 2, alínea a) – pretendia-se consagrar “o acolhimento do princípio da relevância de uniões de facto, de alguma forma equiparáveis à sociedade conjugal, de harmonia com a redacção actual do artigo 2020.º do Código Civil”.

    E nessa medida a nova redacção do artigo 40.º, n.º 1, alínea a) do diploma de 1973, na fixação dos herdeiros hábeis para a concessão de pensão de sobrevivência, passou a estabelecer a equiparação do “cônjuge sobrevivo” ao “sobrevivente da união de facto”, estatuindo que: “Têm direito à pensão de sobrevivência como herdeiros hábeis dos contribuintes, verificados os requisitos que se estabelecem nos artigos seguintes:

a) os cônjuges sobrevivos, os divorciados ou separados judicialmente de pessoas e bens e as pessoas que estiverem nas condições do artigo 2020.º do Código Civil”.

    A partir de então, o companheiro sobrevivo passou a ser herdeiro hábil para efeitos de pensão de sobrevivência, de natureza alimentar, depois de sentença judicial que lhe fixasse o direito a alimentos - n.º 3 do artigo 41.º.

    Com a Lei n.º 48/85, de 20-07, versando sobre regime das rendas no arrendamento urbano para habitação, conhecida como lei das rendas habitacionais (artigos 28.º, 29.º e 40.º), foi alterado o artigo 1111.º, n.º 2, do Código Civil – transmissão por morte do arrendatário – que passou a dispor que “no caso de o primitivo inquilino ser pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens, a sua posição também se transmite, sem prejuízo do disposto no número anterior, àquele que no momento de sua morte vivia com ele há mais de cinco anos em condições análogas às dos cônjuges”.

    Esta lei viria a ser revogada pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15-10 (RAU), passando a prever a transmissão do arrendamento no artigo 85.º, n.º 1, alínea e), alterado pela Lei n.º 135/99, de 28/8, e actualmente constante do artigo 1106.º, n.º s 1 e 2 do Código Civil, por força da redacção introduzida pela Lei n.º 6/2006, de 27-02 (Novo regime do arrendamento urbano), procedendo a uma equiparação quase total entre a posição do cônjuge e do membro de união de facto supérstites.

    Com a Lei n.º 68/86, de 27-03, a união de facto passou a ser relevante para efeitos de atribuição de subsídio de renda de casa, definindo-se no artigo 5.º, n.º 1, alínea a), «agregado familiar» como sendo as pessoas referidas na alínea a) do n.º 1 do artigo 1009.º do CC, bem como a pessoa que viva com o arrendatário, não casado ou separado judicialmente de pessoas e bens em condições análogas às dos cônjuges, desde que a convivência seja em economia comum e há mais de um ano.   

    Decreto-Lei n.º 385/88, de 25-10, que estabeleceu o regime jurídico do arrendamento rural - artigo 23.º, n.º s 1 e 2, alínea c)  - prevendo a transmissão do contrato por morte do arrendatário àquele que no momento da sua morte vivia com ele há mais de cinco anos em condições análogas às dos cônjuges.

    Decreto-Lei n.º 394/88, de 8-11, que estabeleceu o regime jurídico do arrendamento florestal, prevendo, no artigo 19.º, n.º s 2 e 3, alínea c), a transmissibilidade da posição contratual do arrendatário àquele que no momento da sua morte vivia com ele há mais de cinco anos em condições análogas às dos cônjuges.

    Decreto-Lei n.º 497/88, de 30-12, que estabeleceu o regime jurídico das férias, faltas e licenças dos funcionários da Administração Pública, no artigo 25.º, n.º 2, versando sobre faltas por falecimento de familiar, abrange o caso de falecimento de pessoa que viva em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos com o funcionário ou agente e no artigo 52.º, relativo a faltas por assistência a tratamento ambulatório, reporta o cônjuge e equiparado.

    Decreto-Lei n.º 322/90, de 18-10 – Aprovou o regime de protecção por morte dos beneficiários abrangidos por regime de segurança social, abrangendo pensões de sobrevivência e subsídio por morte, e revogando o Decreto n.º 45266, de 23-09-1963.

    Sobre a titularidade do direito às pensões e prevendo a situação de facto análoga à dos cônjuges estabelece o artigo 8.º, n.º 1: “O direito às prestações previstas neste diploma e o respectivo regime jurídico são tornados extensivos às pessoas que se encontrem na situação prevista no n.º 1 do artigo 2020.º do Código Civil”, disposição regulamentada pelo Decreto Regulamentar n.º 1/94, de 18-01, estabelecendo-se então que a atribuição das prestações ficava dependente da sentença judicial que lhes reconhecesse o direito a alimentos da herança do falecido nos termos do disposto no artigo 2020.º, do CC.

   Decreto-lei n.º 166/93, de 7-05, estabelecendo sobre o regime de renda condicionada, no artigo 3.º, n.º 1, alínea a), considera como integrando o «agregado familiar» o conjunto de pessoas constituído pelo arrendatário, pelo cônjuge ou pessoa que com ele viva há mais de cinco anos em condições análogas às dos cônjuges.

   Com a Lei n.º 135/99, de 28-08, que adoptou medidas de protecção da união de facto, o artigo 3.º, regendo sobre os efeitos, nas alíneas a) a h), definia que direitos tinha quem vivia em união de facto, atribuindo aos conviventes heterossexuais benefícios idênticos àqueles que auferiam os cônjuges em várias matérias, como protecção da casa de morada de família; regime de férias, faltas, feriados, licenças, e preferência na colocação dos funcionários da Administração Pública; declaração de impostos, pensão por morte de membro beneficiário da segurança social, pensão por morte resultante de acidente de trabalho ou de doença profissional, pensão de preço de sangue e por serviços excepcionais e relevantes prestados ao país; direito de adoptar nos termos previstos para os cônjuges no artigo 1979.º, solução que o artigo 7.º da Lei n.º 7/2001 manteve quanto a união de facto de pessoas de sexo diferente.

     O artigo 4.º previa a atribuição de direito real de habitação da casa de morada de família ao sobrevivente por morte do proprietário e direito de preferência na venda ou arrendamento, reconhecendo-se no n.º 4 a atribuição do direito ao arrendamento da casa de morada de família constante do artigo 1793.º, outrora negada pelo assento de 1987.

    O artigo 5.º deu nova redacção ao artigo 85.º, n.º 1, alínea e) do RAU que passou a dispor: “Pessoa que com ele viva há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges, quando o arrendatário não seja casado ou esteja separado judicialmente de pessoas e bens”.

    A Lei n.º 7/2001, de 11-05, que revogou a anterior, adoptou medidas de protecção das uniões de facto, com aplicação independentemente da orientação sexual dos membros da união de facto. 

    Finalmente, a Lei n.º 23/2010, de 30-08 (que alterou e republicou a lei anterior), alterou o regime vigente relativo à protecção social na eventualidade de morte do beneficiário da segurança social, previsto no Decreto-Lei n.º 322/90, de 18-10, no Decreto Regulamentar n.º 1/94, de 18-01, e na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 7/2001 (regime de protecção de segurança social referente à protecção por morte), passando a reconhecer-se ao unido de facto sobrevivente o direito a indemnização por danos não patrimoniais com a nova redacção do artigo 496.º, n.º 3, do Código Civil.

      Relevando para efeitos de aquisição de nacionalidade, a tutela da união de facto manifesta-se mesmo ao nível do Código de Processo Civil [artigo 618.º, n.º 1, alínea d)]; do Código de Processo Penal [v. g., artigos 68.º, n.º 1, alínea b) e 134.º, n.º 1, alínea b)], ou do Código Penal [artigos 113.º, n.º 2, alínea a), 132.º, n.º 2, alínea b), 152.º, n.º 1, alínea b) e 207.º, alínea a)].

    Os filhos nascidos de união de facto, como quaisquer outros nascidos fora do casamento, estão equiparados aos nascidos dentro dele, por força do n.º 4 do artigo 36.º da Constituição.

    (Para uma visão dos efeitos legalmente reconhecidos à união de facto, cfr. Telma Carvalho, loc cit., págs. 248 a 253).

                                               ******

     Como se referiu, foi controversa a questão de saber se pode ser ressarcido o dano patrimonial futuro por perda de alimentos, em caso de dissolução de união de facto por falecimento de um dos membros.

     Vejamos as soluções jurisprudenciais.

     Numa perspectiva de ruptura da convivência considera-se que a cessação de união de facto não tem os mesmos efeitos que o divórcio.

     Assim, no acórdão de 30-05-1961, BMJ n.º 107, pág. 557, processo n.º 58613, “não envolve responsabilidade civil a rotura de uma ligação de concubinato livremente constituída: o concubinato ou a rotura de tais relações não origina qualquer obrigação de indemnizar os danos causados ao outro concubino”.

      Acórdão de 26-05-1993, recurso n.º 83564, in CJSTJ 1993, tomo 2, pág. 133 – Em acção de reivindicação, em causa o pedido de arrendamento da fracção reivindicada por ser casa de morada de família, onde a ré-reconvinte, durante dez anos, viveu com o autor e com dois filhos menores de ambos como se casados fossem, colocando-se a questão de saber se o disposto no artigo 1793.º, n.º 1, do CC (atribuição pelo tribunal do direito ao arrendamento da casa de morada de família a pedido de qualquer dos cônjuges em caso de divórcio) seria aplicável no caso de cessação de união de facto constituída em condições análogas às dos cônjuges.

    Citando-se o assento de 23-04-1987 e porque “há que não estimular as uniões de facto, conforme pensamento do próprio legislador do Decreto-Lei n.º 496/77, que introduziu essa inovação no caso do divórcio ou de separação judicial de pessoas e bens”, conclui o acórdão que não contemplando a lei a possibilidade de dar de arrendamento forçado a casa de morada de família, prevista para o divórcio no artigo 1793.º, n.º 1, do Código Civil, na hipótese de cessação de união de facto, não pode ela ser usada, assim revogando o acórdão da Relação que decidira pela afirmativa com fundamento no princípio constitucional da não discriminação dos filhos, ficando a subsistir a sentença de primeira instância que dera resposta negativa à questão.

    (Esta atribuição viria a verificar-se com a Lei n.º 135/99 - artigo 4.º, n.º 4).

    Acórdão de 4-02-1997, recurso n.º 775, secção cível, CJSTJ 1997, tomo 1, pág. 89 -  Abordou um caso de pedido de alimentos deduzido em acção de processo comum em situação de cessação da união de facto, de ruptura da convivência, em situação idêntica à dos cônjuges, durante 22 anos, tendo o réu, após trombose e internamento da autora, casado com outra, deixando de contribuir com alimentos, no caso o correspondente à mensalidade  de internamento.     

    Mesmo considerando-se a união de facto como constitutiva de uma verdadeira relação de família, os seus membros não estão vinculados pelos deveres próprios do casamento, designadamente os de coabitação e assistência, uma vez que, ao estabelecerem a comunhão de vida, eles não assumem entre si uma obrigação, correspondente a esses deveres, com efectivo carácter jurídico, tratando-se de uma simples obrigação moral ou natural.

    Assim, por mais prolongada que seja a convivência, qualquer dos seus membros lhe pode pôr termo, livremente, sem direito a indemnização por parte do outro, e o dever de assistência ou de prestação de alimentos, tanto durante a convivência como depois dela, apenas poderá basear-se na aludida obrigação natural, “cujo cumprimento não é judicialmente exigível” (art. 402.º do CC). 

    O direito a alimentos tem de se basear na lei ou em negócio jurídico - artigos 2009.º e 2014.º do CC.

    Entende que no caso sujeito, esse direito não poderá fundamentar-se no artigo 2020.º, pois este reporta-se à “herança do falecido” e tratava-se na espécie de simples cessação de união de facto por acto voluntário do réu.

    Defende ainda que não há lugar a interpretação extensiva do artigo 2009.º, n.º 1, alínea a), do CC, por a expressão “ex-cônjuge” não ter qualquer correspondência com a de “ex membro da união de facto”.  

    Em suma, a cessação da união, por acto unilateral e injustificado de um dos seus membros, não confere ao outro o direito a alimentos.

    Ainda quanto a consequências do rompimento, pronunciou-se o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20-01-1998, processo 584/97, in CJ 1998, tomo 1, pág. 6 e BMJ n.º 473, pág. 576, nestes termos: Da união de facto não resultam para as partes outros direitos além dos contemplados em diplomas que regulam especificamente a matéria, não sendo equiparável à relação familiar legalmente constituída.

    Havendo rompimento da união de facto não pode uma das partes exigir à outra indemnização pelos danos não patrimoniais nem patrimoniais com base no artigo 483 do CC.

    Contra esta posição, pronuncia-se França Pitão, loc. cit., a págs. 194, considerando viável a responsabilidade civil por violação de deveres recíprocos decorrentes da união de facto, onde se inclui obviamente e com maior acuidade o rompimento da própria união.

     Na perspectiva do direito de alimentos.

 

     O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-05-1971, proferido no processo n.º 33406, publicado in BMJ n.º 207, pág. 106, exprimiu-se nos seguintes termos: “Uma situação de mancebia não é fonte de direito à prestação de alimentos, pelo que o falecimento, em acidente de viação, do homem que vive em tal situação, não causa à pessoa que com ele vive dano juridicamente relevante e indemnizável”.

    O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 5-12-1973, in BMJ n.º 232, pág. 166, pronunciou-se no sentido de que a concubina do falecido em acidente de viação não tinha direito a alimentos, nem mesmo como obrigação natural, e por isso, não tinha direito a indemnização por essa morte.

    Mas o mesmo Tribunal da Relação de Lisboa, dois meses mais tarde, em acórdão de 20-02-1974, recurso n.º 5701, in BMJ n.º 234, pág. 336, dizia que “o artigo 495.º-3, in fine, do Código Civil refere-se ao caso de prestação de alimentos efectuada a favor de pessoas que não têm o direito de exigi-los. Está nessas condições a mulher com quem a vítima vivia maritalmente (tendo filhos no caso)”. 

    Para o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17-03-1992, CJ 1992, tomo 2, pág.167 “as situações de convivência marital não conferem direito a indemnização por danos de natureza não patrimonial e, designadamente, por uma eventual frustração de uma esperança de contracção de matrimónio, ou por desgosto ou angústia, nem justificam a atribuição de indemnização fundada na perda de capacidade de ganho do falecido ou na existência de uma contribuição mensal deste, a título de “alfinetes” para o seu convivente”. Defende que não existe obrigação natural de prestação de alimentos ao convivente marital, por o conceito de obrigação natural só compreender aos casos que, como tais, são expressamente contemplados na lei.

    De um modo diverso, enquadrando a obrigação de alimentos não no plano da obrigação natural, mas legal, pronunciou-se o acórdão de 20-01-1994, processo n.º 45735, CJSTJ 1994, tomo 1, pág. 200, nestes termos: Em caso de homicídio qualificado convolado para simples, estando em causa o direito a uma indemnização por danos de natureza patrimonial, por ter cessado o recebimento mensal da convivente marital da vítima destinadas à manutenção da casa em que todos viviam, direito que lhe adviria, à semelhança, ou por aplicação extensiva ou analógica, do preceituado nos artigos 495.º, n.º 3, 402.º, 404.º, 1591.º e 1594.º do CC, conclui que tendo em conta a redacção do artigo 2020.º na redacção do DL 496/77, no que respeita à união de facto: “Existe assim, actualmente, uma verdadeira obrigação legal de alimentos a favor de certos conviventes maritais cuja situação tenha durado por mais de dois anos e que se encontrem em determinadas situações, no caso de falecimento do respectivo companheiro, o que, à partida, afasta a possibilidade de se poder configurar a existência de uma obrigação natural quanto a esse tipo de relacionamento”.

    Mas no concreto é revogada a decisão recorrida porque não ficou provado que inexistissem as categorias de familiares seus que lhe pudessem prestar alimentos em harmonia com o disposto nos mencionados artigos 2020.º e 2009.º, ou que os mesmos não estivessem em condições de lhos prestar. E assim absolve.

    O acórdão de 10-05-1995, processo n.º 47894, BMJ n.º 447, pág. 145, citando anterior acórdão da Relação de Lisboa de 1973, dizendo que a idêntica solução se tem de chegar hoje fora dos casos em que haja uma obrigação legal de alimentos a favor de quem convivia maritalmente com o falecido.

    Defende existir uma verdadeira obrigação legal de alimentos a favor de certos conviventes maritais cuja situação tenha durado por mais de dois anos e que se encontrem em determinadas situações, no caso de falecimento do respectivo companheiro, o que à partida, afasta a possibilidade de se poder configurar a existência de uma obrigação natural quanto a este tipo de relacionamento.  

    Considera que a relação de concubinato não legitima a atribuição de indemnização a favor da concubina, e diz ser insustentável a tese do acórdão recorrido em fundamentar o direito à indemnização de uma obrigação natural e por outro lado não pode buscar-se esse fundamento no artigo 2020.º do CC, porque nem sequer foi alegada a impossibilidade de obter os alimentos, nos termos do artigo 2009.º, condição indispensável do funcionamento daquele dispositivo.

    No acórdão de 22-03-1995, recurso n.º 3878, Secção Social, in CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 284, citando-se o acórdão de 21-11-1985, BMJ n.º 351, pág. 429, por ausência de lacuna é recusada a aplicação analógica do conceito de “familiares da vítima” constante da Lei n.º 2127, de 3-08-1965, à convivente do sinistrado de acidente de trabalho, afirmando-se que em face do disposto na Base XIX da citada Lei, mesmo na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 22/92, de 14-08, não são ali contempladas as uniões de facto. 

    Assim, falecido um trabalhador, vítima de acidente de trabalho indemnizável, a mulher com quem ele vivia há largos anos em comunhão de cama, mesa e habitação, em condições análogas às dos cônjuges, não tem direito a pensão, como beneficiária.

    O acórdão de 14-10-1997, processo n.º 225/97- 2.ª, CJSTJ 1997, tomo 3, pág. 61 – citando Almeida Costa in “Direito das Obrigações”, 6.ª edição, 1994, págs. 145 e ss. e acórdãos do Supremo de 13-02-1991, in AJ, 150/160, fls. 6 e de 09-05-1991, in AJ 190, pág. 6, o consorte marital que com o falecido vivia em união de facto há mais de 16 anos, tendo um filho, tem, ao abrigo do n.º 3 do artigo 495.º do CC, direito a ser indemnizado pela perda dos alimentos que aquele lhe prestava, resultante de uma verdadeira obrigação natural e no cumprimento de um verdadeiro dever de justiça.

    No sentido negativo, pode apontar-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 03 de Maio de 2000, proferido no âmbito  da revista n.º 334/00, da 6.ª Secção, em processo da Comarca de Tavira, emergente de acidente de viação causado por culpa do condutor soldado da Guarda Fiscal, de automóvel, propriedade do Estado, publicado in CJSTJ 2000, tomo 2, pág. 48, em que a autora recorrente, Rossana Trevissan, alegara e provado ficou que “a Autora vivia maritalmente com o falecido Maurizio Jordan, em comunhão de cama, mesa e habitação”, sendo “doméstica, não exercendo qualquer actividade profissional nem auferindo outros rendimentos à data do acidente, vivendo com a filha de ambos Eliza Jordan e na total dependência económica da vítima”, afirmando o acórdão não se ter apurado que a recorrente e o falecido vivessem em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos, nem “quais os alimentos, tal como os define a lei, que o falecido prestava à recorrente”, nem poder concluir-se com base nos factos provados “que o falecido prestava alimentos à recorrente no cumprimento de uma obrigação natural”, concluindo: “Não tem direito a indemnização do dano sofrido com a perda de alimentos, em consequência da morte da vítima, a pessoa com quem vivia maritalmente, na companhia da filha de ambos, na sua total dependência económica”.           

    E a rematar, a solução final vem justificada nestes termos: “Por outro lado, sendo a união de facto algo de instável, pois ela termina logo que um dos seus elementos lhe pretenda por fim, não se pode dizer que sobre o falecido impendesse um dever moral ou social, correspondente a um dever de justiça, de prestar alimentos à recorrente. Certamente que a recorrente, uma vez desfeita a convivência em união de facto com o falecido, teria que procurar meios de subsistência ou pedir alimentos às pessoas indicadas no artigo 2009.º do CC, inexistindo qualquer dever de o Maurizio os prestar”.

    E assim negou a revista.  

    No acórdão de 21-04-2005, Revista n.º 562/05-2.ª Secção, concede-se indemnização de Esc 15.000.000,00, a título de danos futuros à A. com quem a vítima, pai de dois filhos para quem contribuía com alimentos, vivia em união de facto, com base na quantia que entregava para as despesas comuns do casal, deduzidos os montantes de alimentos aos dois filhos e considerando que gastaria consigo cerca de 1/3.     

    Diz-se no acórdão de 11-07-2006, Revista n.º 1835/06 - 7.ª Secção - Conquanto não envolva deveres jurídicos de entreajuda, a união de facto comporta-os de ordem moral e social, pelo que a convivência marital de longa duração, mais a mais cimentada com a criação de filhos, bem que não determinando obrigação legal, gera obrigação natural de prestação de alimentos ao companheiro/a , em termos de cabimento da previsão do artigo 495.º, n.º 3 do CC.

    Há lugar à indemnização do dano previsto no artigo 495.º, n.º 3, independentemente da necessidade efectiva de alimentos, não sendo o seu montante balizado pela medida de prestação alimentar reportada ao disposto nos artigos 2003.º-1 e 2004.º- 2, do CC.

    Na doutrina

    Pereira Coelho e Guilherme Oliveira, Curso de Direito da Família, Introdução ao direito matrimonial, 4.ª edição, 2008, volume I, pág. 87, à pergunta sobre se no caso de lesão de que proveio a morte de um dos membros da união de facto, o sobrevivo poderá exigir ao autor da lesão uma indemnização dos prejuízos sofridos, responde que, tratando-se de danos patrimoniais, a pretensão pode fundar-se no n.º 3 do art. 495.º CCivil se o falecido prestava alimentos ao sobrevivo, e a prestação, embora não judicialmente exigível, correspondia nas circunstâncias do caso a um dever de justiça, e, portanto, ao cumprimento de uma obrigação natural (art. 402.º).

   França Pitão, em “Os novos casamentos ou a crise do casamento tradicional no direito português”, in Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da reforma de 1977, volume I (Direito da Família e das Sucessões), Coimbra Editora, 2004, págs. 195/6, refere: “ Já quanto a indemnização por danos patrimoniais, é de ponderar que o companheiro sobrevivo possa exigi-la, face ao princípio estabelecido no n.º 3 do artigo 495.º do Código Civil. Efectivamente, este preceito refere que têm direito a indemnização aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural, podendo eventualmente enquadrar-se o caso em análise nesta previsão. É que, não gerando a união de facto uma obrigação alimentar durante a sua vigência, a verdade é que dela resulta, de cada um dos seus membros, uma obrigação de contribuir para as despesas da família que constituíram, muito embora não fundamentada em título próprio. Por isso, em caso de morte de um dos companheiros, o responsável poderá ser obrigado a indemnizar o sobrevivo, sobretudo se este não puder ser alimentado através dos rendimentos da herança, nos termos do artigo 2020.º do Código Civil”.  

   E a págs. 198, esclarece que é de considerar que, em caso de morte da vítima, o companheiro sobrevivo tem direito a alimentos a prestar pelo lesado, na perspectiva de que existe uma obrigação natural entre os companheiros nesta matéria. E adianta “Solução esta que, não estando dependente de qualquer alteração legislativa, certamente começará a ser acolhida pela jurisprudência, face a um novo posicionamento que deve ser adoptado perante este tipo de situações em virtude da protecção crescente que a lei lhes atribui e ao seu reconhecimento social, como uma nova realidade que não pode mais ser ignorada”.

   Abrantes Geraldes, Temas da responsabilidade civil, Indemnização dos danos reflexos, 2005, II volume, págs. 17, 18 e 19, refere que ocorrida a morte ou lesão incapacitante de um dos elementos da união de facto, é com naturalidade que devem ser encaradas pretensões indemnizatórias fundadas na cessação ou na redução das prestações que o mesmo efectuava.

    Considera que a Lei n.º 7/2001 veio reforçar o entendimento que já anteriormente se podia extrair do art. 495.º, n.º 3, no sentido da inclusão dos membros da união de facto no leque dos potenciais beneficiários de indemnizações atribuídas a título de lucros cessantes. Com efeito, entre as prestações expressamente reconhecidas encontram-se as que decorrem do regime de segurança social, de acidentes de trabalho ou de doença profissional, todas com notórias características alimentícias (art. 3.º, als. e) e f)).

    Sendo tal forma de tutela expressamente assumida pelo legislador em tais situações, saem reforçados os elementos de ordem racional ou sistemática para, face ao texto do art. 495.º, n.º 3, afirmar o direito de indemnização susceptível de integrar os prejuízos imputados ao evento”.  

    Marta Costa, em «Convivência More Uxorio Na perspectiva de Harmonização do Direito da Família Europeu: Uniões Homossexuais» - Centro de Direito da Família, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra - com edição e execução gráfica do Grupo Wolters Kluver Portugal, sob a marca Coimbra Editora - 1.ª Edição, Março de 2011, pág. 315, a propósito do “direito de indemnização do membro da união de facto supérstite em caso de morte provocada por terceiro”, afirma: “Tradicionalmente, o direito português oferecia solução diversa à presente problemática, de acordo com o tipo de dano em causa: ou seja, reconhecia-se ao convivente supérstite o direito a ser indemnizado apenas pelos danos patrimoniais, com base no art. 495.º, n.º 3, do CC.

Logo, se o convivente falecido prestava, em vida, alimentos ao convivente supérstite – a prestação correspondia ao cumprimento de uma obrigação natural, nos termos do art. 402.º do CC, equivalendo a um dever de justiça, ainda que não judicialmente exigível - a pretensão era fundada.

    Após citar acórdão da Relação do Porto, em que a vítima morreu no estado de casado e não foi reconhecido o direito a alimentos, considera “O convivente more uxorio não vem elencado no art. 2009.º do Código Civil como sendo um dos sujeitos obrigado a prestar alimentos, pelo que, na ausência da verificação da situação anteriormente descrita, o convivente supérstite não terá direito à indemnização por danos patrimoniais, não se pense sequer no chamamento do art. 2020.º, pois este atribui o direito de exigir alimentos da herança e já não ao lesado, pelo que não preenche a fattispecie do art. 495.º, n.º 3”.   

    Uma palavra para os acórdãos citados pela recorrente.

    Nas conclusões 18.ª e 19.ª, em abono da sua tese, invoca a recorrente três acórdãos do STJ, a saber: de 27-05-2008 (processo n.° 08B1201), de 24-05-2005 e de 16-09-2008 (processos n.° 05A585 e 08A2232).

   Para além de repetir na conclusão 19.ª, a alusão ao acórdão mencionado na conclusão anterior, exactamente, o primeiro, a verdade é que tais acórdãos não servem os objectivos propostos, pois o de 2005 versa sobre danos não patrimoniais, como se verá infra, e os restantes abordam questões relacionadas com pensões de sobrevivência, logo matéria diversa da que ora nos interessa.

     O acórdão de 27-05-2008, revista n.º 1201/08, versa sobre direito a aposentação, ao reconhecimento do direito às prestações de sobrevivência, em que se decide que o reconhecimento deste direito depende não só da alegação e prova dos requisitos inerentes à união de facto como também dos pressupostos enumerados no artigo 2020.º.

     No acórdão de 16-09-2008, revista n.º 2232/08, em causa a norma do artigo 2020.º, na referência que lhe é feita pelo artigo 6.º, n.º 1, da Lei n.º 7/2001 - pensão de sobrevivência, em caso de união de facto.

     Como se alcança facilmente, tais acórdãos não servem como exemplos a ancorar a perspectiva da recorrente, uma vez que nenhum deles tem que ver com a questão do direito a indemnização por perda de alimentos, mas diversamente em registo dissemelhante, apenas de atribuição de prestações sociais e a questão absolutamente diversa do dano moral.

    Conclui-se, em face do exposto, que o direito a indemnização do dano patrimonial futuro previsível de perda de alimentos por parte de membro sobrevivo de união de facto, dissolvida por falecimento de um dos membros, configurando obrigação natural, é indemnizável, nos termos do artigo 495.º, n.º 3, do CC.

        Questão II – Cálculo da indemnização do dano patrimonial perda de alimentos. A questão do desconto ou abatimento pelo recebimento integral do capital encontrado.  

      A demandada seguradora, ora recorrente, considera como excessiva a indemnização arbitrada quanto aos danos patrimoniais, como consta das conclusões 24.ª a 35.ª, maxime, manifestando divergência quanto à questão da dimensão do desconto efectuado pela antecipação de todo o capital, pretendendo que se situe em 30%.

      No que respeita a quantificação deste dano há que atender ao facto de ter-se em conta o concreto ganho da vítima e o concreto salário percebido era o líquido, não, obviamente, o ilíquido, como consideraram as instâncias, sendo olvidado o pagamento de impostos. 

     Haverá que ter em consideração os supra referidos ensinamentos de Antunes Varela, em Das obrigações, pág. 647 e de Vaz Serra, na RLJ ano 108.º, pág. 185 e ano 105.º, pág. 47, bem como os já citados acórdãos do STJ de 13-02-1991, in AJ 15.º/16.º-6, de 09-05-1991, BMJ n.º 407, pág. 141 e de 03-04-2008, Revista n.º 262/08; de 26-10-2004, revista 2619/04-6.ª Secção.  

    Como sublinha o acórdão de 21-05-2009, Revista n.º 213/09.0YFLSB - 7.ª Secção, o direito de indemnização a que reporta o artigo 495.º-3, envolve o prejuízo derivado da perda pelo credor do direito a exigir alimentos que ele teria se o obrigado vivo fosse, a fixar nos termos dos arts. 562.º, 564.º e 566.º.    

     Os acórdãos de 17-12-2009, Revista n.º 77/06.5TBAND.C1.S1 e de 13-04-2011, Revista n.º 418/06.5TBMNC.G1.S1, ambos da 1.ª Secção, dizem - A indemnização neste âmbito visa ressarcir o interessado pela perda dos proventos que a fonte de rendimentos que cessou (pela lesão ou morte do obrigado) lhe proporcionaria. A medida da indemnização será determinada (tendencialmente) pelo cômputo da perda do montante global de alimentos que o interessado poderia receber do lesado.

     Como se colhe do acórdão de 20-05-2010, Revista n.º 467/1998.G1.S1-7.ª Secção – Têm direito a indemnização, nos termos do art. 495.º, n.º 3, do CC, aqueles que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles que a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural, sendo que o poder paternal abrange a obrigação de prestar alimentos aos filhos (art. 1878.º e 2009.º do CC).

     O referido direito de indemnização deve ser apurado com base no prejuízo derivado da perda de direito a exigir alimentos que teria o lesado se o obrigado vivo fosse, nos termos dos artigos 562.º, 564.º e 566.º do CC; não sendo o seu cálculo feito em função restrita da própria medida de alimentos”. 

      Segundo o acórdão de 19-03-2002, Revista n.º 4183/01, da 1.ª Secção, é ao salário real do falecido (deduzidos os impostos e contribuições para a segurança social) e não ao salário bruto, que se deve atender para a fixação de alimentos à viúva e ao filho menor.

     A expectativa de alimentos recai também sobre a pensão de reforma e todos e quaisquer proventos que o falecido auferisse depois do período de vida activa e tal deve ser levado em conta por via da equidade. 

     O já citado acórdão de 11-07-2006, Revista n.º 1835/06 - 7.ª Secção – em situação de união de facto, dizia-se haver lugar à indemnização do dano previsto no artigo 495.º, n.º 3, independentemente da necessidade efectiva de alimentos, não sendo o seu montante balizado pela medida de prestação alimentar reportada ao disposto nos artigos 2003.º-1 e 2004.º- 2, do CC.

       O direito de indemnização atribuído aos lesados indirectos na hipótese prevenida no n.º 3 do art. 495.º tem, como qualquer outro, a medida estabelecida nos arts. 562.º e ss., devendo o quantum dessa indemnização repor a situação que existia no momento da lesão, conforme artigos 562.º, 564.º e 566.º, do CC.

      

       Vejamos o que, a propósito, disseram as instâncias.

      

       No caso concreto, sobre a quantificação do dano patrimonial futuro de perda de alimentos, disse, de forma enxuta, a sentença de Évora, a fls. 425:

       “De acordo com a jurisprudência, a indemnização há-de corresponder a um capital produtor de rendimento que a vítima não auferirá e que se extinguiria no final do período provável da sua vida.

       Um dos primeiros critérios a observar, terá necessariamente que ser a equidade. Por outro lado, tendo por referência o montante mais actual do salário da vítima – apurado em € 734,62 - impõe-se deduzir do mesmo a importância que a vítima utilizaria consigo própria, em média, cerca de um terço do salário.

       Assim, considerando ainda a idade da vítima à data do acidente (51 anos), e o tempo provável médio de vida para os homens, situado em 75 (setenta e cinco) anos, de acordo com os dados do INE, temos um período provável de vida de 24 anos, pelo que tendo a demandante direito a receber dois terços do que a vítima auferiria, alcança-se o valor de € 164.304,00 (cento e sessenta e quatro mil trezentos e quatro euros), ou seja, € 489,00 x 14 = € 6.846,00 x 24, sendo que o primeiro valor constitui cerca de dois terços do salário da vítima.

       Compensa-se o benefício retirado do facto de receber de uma só vez este montante, com o valor da actualização anual que o salário do falecido iria ter, reduzindo-se, porém, o montante indemnizatório ao peticionado pela demandante - € 131.850,40 (cento e trinta e um mil oitocentos e cinquenta euros e quarenta cêntimos)”.

       Sobre este ponto dissertou, mais longamente, o acórdão recorrido do Tribunal da Relação de Évora, nos precisos termos, que constam de fls. 559 a 563:  

      «b) O montante da indemnização devida pela perda do rendimento do trabalho do companheiro falecido.

      Alega a demandada que tem de ser descontada, no valor da indemnização atribuída por danos patrimoniais, uma percentagem equivalente a 30/%, por a demandante receber de uma só vez todo o montante que deveria receber ao longo de vário anos.

      A demandante, por seu turno, vem invocar a existência de um erro de julgamento da matéria de facto, já que várias testemunhas (e até prova documental) indicam que o falecido utilizava todo o seu rendimento nas despesas da casa e com a companheira, ao contrário do que ficou assente na sentença do tribunal a quo.

      Cumpre decidir.

      Há que começar, por razões de precedência lógica, pela questão suscitada pela demandante (impugnação da matéria de facto). (…)

      Partindo deste vencimento que o falecido auferia, e considerando o agregado familiar em causa, podemos concluir, por presunção judicial (decorrente das regras da experiência comum), que o falecido não gastaria, consigo próprio, menos de 1/3 desse vencimento.

     Assim sendo, bem andou a Mmª Juíza a quo ao considerar que a demandante tem apenas direito a ser indemnizada por montante equivalente a 2/3 do que a vítima auferiria.

      Como pertinentemente salienta a Mmª Juíza, “tendo por referência o montante mais actual do salário da vítima - apurado em € 734,62 (setecentos e trinta e quatro euros e sessenta e dois cêntimos) -, impõe-se deduzir do mesmo a importância que a vítima utilizaria consigo própria, em média cerca de um terço do salário”.

     Perante o que acaba de ser exposto, improcede, na totalidade, a impugnação da matéria de facto efectuada pela demandante, e, em consequência, considera-se o acervo factual definitivamente fixado nos precisos termos em que o tribunal de primeira instância o definiu.

     Por conseguinte, e neste aspecto, improcede o recurso da demandante.

                                                   *

     Cabe, agora, ainda neste segmento dos recursos, decidir a questão suscitada pela demandada (opina a demandada que tem de descontar-se, no valor da indemnização atribuída, uma percentagem equivalente a 30%, por a demandante receber de uma só vez todo o montante que deveria receber ao longo de vários anos).

     A este propósito, escreveu-se na sentença recorrida o seguinte: “assim, considerando ainda a idade da vítima à data do acidente (…) o montante indemnizatório ao peticionado pela demandante - € 131.850,40 (cento e trinta e um mil oitocentos e cinquenta euros e quarenta cêntimos)”.

     Atendendo ao valor da indemnização arbitrada (ao concreto montante em que a demandada foi, efectivamente, condenada na sentença recorrida), ponderando o que vem alegado na motivação do recurso da demandada, e vistas as disposições legais aplicáveis, verificamos e concluímos que:

    - A indemnização efectivamente atribuída na sentença sub judice corresponde, na verdade, a menos cerca de 20% do montante indemnizatório devido (utilizando, é certo, para fixar tal montante, os cálculos efectuados pelo tribunal de primeira instância), pois a Mmª Juíza a quo achou um valor de € 164.304,00, e, no fundo, e em termos práticos, atribuiu uma indemnização de € 131.850,40.

    - Ao contrário do que sustenta a demandada, e com o devido respeito pela sua opinião (cfr. conclusão 22ª extraída da motivação do seu recurso), a percentagem de 30% (a “descontar” ou a “abater”) não pode ser calculada “sobre o valor em que a demandada foi condenada” na sentença em causa, devendo, isso sim, e é bem diferente, ser calculada sobre o montante da indemnização (toda ela) efectivamente devida pelo ressarcimento dos danos ora em apreciação; ou seja, existe apenas uma diferença de cerca de 10% entre o montante em que a demandada foi efectivamente condenada e o montante no qual, seguindo a sua tese (desconto dos mencionados 30%), a demandada devia tê-lo sido.

    - Não há quaisquer critérios legais para fixar em 30% a percentagem a “descontar” ou a “abater” (na linguagem utilizada pela demandada na motivação do seu recurso).

    - No cálculo da indemnização em causa (fixada a título da perda dos rendimentos do falecido utilizados no lar e em proveito do casal), não preconizamos, aliás, a adopção de fórmulas puristas, que levem a determinar matematicamente, e de forma abstracta e mecânica, os montantes indemnizatórios, principalmente quando estão em causa danos futuros com longos prazos de previsão (como sucede in casu).

    - O cálculo da indemnização em análise não pode dispensar o recurso à equidade (cfr. o disposto no artigo 566°, n° 3, do Código Civil).

    - A partir dos pertinentes elementos de facto constantes da sentença recorrida, recorrendo a critérios de equidade, no quadro de juízos de verosimilhança e de probabilidade, e tendo em conta o curso normal das coisas e as particulares circunstâncias do caso, o resultado final obtido na sentença recorrida, para condenação efectiva da demandada (isto é, o concreto montante indemnizatório atribuído à demandante), mostra-se totalmente adequado e proporcional.

    - Designadamente quando, por um lado, ficou provado que o falecido tinha 51 anos de idade na data do acidente, altura em que auferia, como funcionário público, 734,62 euros mensais, e, por outro lado, quando ficou também assente que a demandante, com a morte do seu companheiro, passou a ter dificuldades financeiras.

    Em conclusão: ponderando tais descritos factores, na sua globalidade complexiva, e na envolvência de um juízo de equidade, entende-se ser de manter o montante atribuído pelo tribunal a quo a título de ressarcimento pelo dano futuro sofrido pela demandante.

    Posto o que precede, não merece provimento, também aqui, o recurso da demandada».

    É certo que o sucedâneo da prestação alimentícia a que a lesado indirecto terá direito por lei ou a atribuir na sequência de uma obrigação natural sempre terá os seus limites no rendimento frustrado pela morte do prestador de alimentos, ou seja, a capacidade de rendimento da vítima determina e condiciona a amplitude/extensão/medida da indemnização do dano por perda de alimentos.   

    Por outras palavras, a medida da indemnização por privação de alimentos estará sempre, naturalmente, dependente dos ganhos produzidos pelo prestador desses alimentos.

    No caso concreto.

    A recorrente alegou, por parte do falecido, a percepção global de rendimentos de € 1.058,67 x 14, sendo aquele valor o correspondente ao salário percebido, multiplicado por 14 meses.

   Pede indemnização por lucros cessantes a quantia de € 129.775,40 (artigos 72 e 73).

   Para além disso, pede a demandante a título de danos patrimoniais, emergentes:

    Artigo 76.º – Roupas - 700,00 €;

    Artigo 77.º – Despesas de funeral - 1.375,00 €;

    Artigo 78.º – Soma € 131.850, 40

   Decorre do facto provado n.º 21 que a vítima, como funcionário público, auferia o salário mensal ilíquido de € 734,62.

   E sobre despesas alegadamente efectuadas com roupas e funeral, conforme artigos 76.º e 77.º do articulado de petição - € 700, roupas mais € 1.375,00 de despesas de funeral - no total de € 2.075,00, nada se provou.

   A sentença de Évora consegue, a partir de um real e concreto apurado menor rendimento mensal – apenas € 734,62, e ilíquidos (facto provado n.º 21) –, em vez dos proclamados € 1.058,67, ultrapassar a fasquia do pedido dos € 129.775,40, peticionados tendo por fundamento aquela base argumentativa, “et magré tout”, coincidir com o somatório deste e ainda de verbas respeitantes a roupas e despesas de funeral, dispêndios que, como vimos, foram dados como não provados, alcançar o valor global de 131 850,40 €, que nem a demandante, a nível de danos patrimoniais futuros, ousara conseguir engendrar.

  A questão do desconto/dedução/acerto por antecipação da totalidade do capital encontrado.

   A recorrente pretende ver efectuado desconto por antecipação do capital, o que em seu entender não terá sido feito nas instâncias.

   A este propósito, passa a transcrever-se o que consta dos acórdãos de 25-11-2009 e de 27-10-2010, por nós relatados, nos processos n.º 397/03.0GEBNV e n.º 2519/06.0TAVCT.G1.S1. 

   «Tratando-se de operação a efectuar após determinação do capital, a razão para operar este “desconto” está em que o lesado perceberá a indemnização por junto, que o capital a receber pode ser rentabilizado, produzindo juros, e que se impõe que, no termo do prazo considerado, o capital se encontre esgotado.

   Trata-se de subtrair o benefício respeitante à recepção antecipada de capital, de efectuar uma dedução correspondente à entrega imediata e integral do capital, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia.

    Como se refere nos acórdãos de 13-10-1992 e de 28-10-1992, BMJ, n.º 420, págs. 507 e 544, e de 02-11-1995, recurso n.º 46783, secção criminal, CJSTJ 1995, tomo 3, pág. 220, ao montante encontrado deve abater-se uma importância que traduza o benefício que representa o recebimento imediato e integral do capital, devendo proceder-se, para evitar um enriquecimento injusto, a uma redução equitativa pela entrega imediata.

    O acórdão de 16-03-99, revista n.º 30/99-1.ª, CJSTJ 1999, tomo 1, pág. 167, pondera que “o recebimento imediato da totalidade do capital indemnizatório poderá, se não for corrigido, propiciar um enriquecimento injustificado à custa do lesante”.

    No mesmo sentido, o acórdão da mesma data, na revista n.º 22/99-2.ª, in BMJ, n.º 485, pág. 386, afirmando que ao valor apurado é necessário retirar algo, para evitar enriquecimento indevido, por a lesada receber de uma vez o que lhe levaria uma vida inteira a ganhar.

    Como se refere no acórdão de 19-10-2004, revista n.º 2897/04-6.ª, na matéria dos danos futuros associados à IPP deve ponderar-se a circunstância de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros; logo, haverá que considerar esses proveitos, introduzindo um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia.    

    De acordo com o acórdão de 20-11-2003, revista 3441/03-6.ª, justifica-se nada descontar ao valor encontrado porquanto, não obstante a vantagem para o A. em receber de uma só vez o que auferiria ao longo da vida, não se levou em conta os normais e futuros aumentos dos salários.

    E conforme o acórdão de 13-05-2004, revista n.º 1845/03-2.ª, não se justifica qualquer dedução para obviar a um “enriquecimento sem causa” devido ao recebimento imediato e de uma só vez do capital global.

    Afirmando a necessidade de efectuar o desconto, mas sem apontar em quanto, os acórdãos de 29-04-1999, revista n.º 218/99-2ª, de 06-05-1999, revista n.º 22/99-2ª e de 18-05-1999, revista n.º 156/99-2ª, in STJSAC1999, págs., 163, 186 e 191; de 02-05-2002, revista n.º 4186/01-2ª, STJSAC2002, pág. 172 (sendo baixa a taxa de juros, mais pequena é a contribuição dos juros para o rendimento mensal dos beneficiários e mais pequena deve ser a dedução no montante global da indemnização por lucros cessantes); de 01-07-2003, revista n.º 1739/03-6ª; de 19-10-2004, revista n.º 2897/04-6ª; de 24-01-2006, revista n.º 4038/05-6ª; de 09-11-2006, revista n.º 2849/06- 2ª; de 14-07-2009, revista n.º 310/1998.C1.S1-6ª; de 22-09-2009, revista n.º 156/05.6TBVPA.S1-6ª (no cálculo da indemnização há que ponderar o facto do lesado ir receber de uma só vez e imediatamente, todo o capital da indemnização, beneficiando também dos respectivos juros); de 08-10-2009, revista n.º 28/02.6TJPRT.S1-7ª.

    Na quantificação do desconto em equação a jurisprudência tem oscilado na consideração de uma redução entre os 10% e os 33%.

      Assim:

1/3 ou ¼ - acórdão de 06-07-2000, BMJ n.º 499, pág. 309 e CJSTJ 2000, tomo 2, pág. 144.

¼ - acórdãos de 25-05-1993, recurso n.º 83.505, CJSTJ 1993, tomo 2, pág. 130, em que se defendeu, citando Manuel de Oliveira Matos, Código da Estrada, 4ª ed., pág. 94, que feita a capitalização, preciso é ainda diminui-la de ¼, à semelhança de certa jurisprudência francesa, dado o lesado receber o capital de uma só vez; de 25-11-1999, revista n.º 827/99-7ª, in STJSAC1999, pág. 385, invocando igualmente a jurisprudência francesa; de 27-09-2001, revista n.º 1979/01 - 7ª; de 28-05-2002, revista n.º 1038/02 - 2ª; de 25-06-2002, CJSTJ 2002, tomo 2, pág.128; de 22-11-2007, revista n.º 3829/07 - 7ª; de 14-02-2008, revista 4508/07-2ª; de 23-09-2008, revista n.º 1857/08 - 2ª; de 29-10-2008, processo n.º 3373/08 - 3ª; de 04-12-2008, revista n.º 3728/08 - 2ª (sinistro em consequência de queda do elevador); de 22-01-2009, revista n.º 3360/08 - 7ª; de 11-02-2009, processo n.º 3980/08 - 3ª; de 18-06-2009, processo n.º 81/04.8PBBGC.S1-3ª.

1/5 - acórdãos de  15-03-2001, revista n.º 303/01-2ª; de 17-11-2005, revista n.º 3050/05-2ª e de 30-10-2008, revista n.º 3237/08-2ª.

30% - acórdãos de 06-02-2007, revista n.º 4436/06-1.ª; de 07-07-2009, processo n.º 1145/05.6TAMAI.C1-3.ª.

10% - acórdão de 27-05-2009, revista n.º 3413/03.2TBVCT.S1-1.ª – (valor reputado mais adequado dada a actual rigidez das aplicações de capital em valores muito baixos).

     No acórdão de 17-11-1992, BMJ n.º 421, pág. 414, o capital encontrado de 13.500.000$00 é reduzido a 7.500.000$00.

     No sentido de dever operar-se este acerto resultante da entrega do capital de uma só vez, o acórdão de 24-09-2009, revista n.º 37/09-7.ª».

     No caso em apreciação, como no citado acórdão de 27-10-2010, aplicar-se-á um abatimento de 20%.

     Tendo em conta todos os elementos já constantes dos autos, maxime, o período de vida a considerar, a fracção destinada a dispêndio próprio da vítima, o real valor mensal percebido, sabendo-se que os descontos com impostos e segurança social rondarão os 30%, e ponderando-se o abatimento de 20%, sem esquecer as soluções jurisprudenciais para casos paralelos e situações com proximidade da presente, entende-se como adequado fixar a indemnização pelo dano de perda de alimentos no montante de € 110.000,00 (cento e dez mil euros), acrescido da obrigação acessória de juros de mora, nos termos já definidos, assim procedendo parcialmente o recurso da demandada.

    Questão III – Indemnização por dano não patrimonial – Dano desgosto pela perda de ente querido por parte de unido de facto sobrevivo.

  

     No caso presente, a demandante, membro sobrevivo de união de facto dissolvida pela morte do companheiro, no artigo 79 do petitório, afirmou prescindir do pedido de indemnização relativamente à perda do direito à vida do companheiro, pelo dano morte, mas pretender deduzi-lo, a nível de dano próprio, de desgosto, pela perda do ente querido, pedindo a este título, indemnização no montante de € 25.000,00.

     No artigo 80 do mesmo articulado, a propósito do dano moral perda do ente querido, diz a demandante, prescindindo de individualização e apelo a concreta norma legal sustentadora da afirmação “Aqui sim, a nossa lei já é clara quanto ao direito que a companheira que viva em união de facto há mais de 2 anos (neste caso já viviam há mais de 19 anos) tem pela morte do seu companheiro ou marido”.

    E avança no artigo 81: “Tendo em conta que era uma família muito unida, o desgosto, o sofrimento e a necessidade que a demandante teve pela morte do seu marido, peticiona-se a quantia de € 25.000,00”.

    Sobre este concreto pedido, disse a sentença de Évora, a fls. 426:

    «Porém, no caso dos autos, ao contrário da conclusão a que se chegou, relativamente aos danos de natureza patrimonial, a demandante não tem legitimidade para peticionar danos desta natureza, desde logo, pela simples análise do disposto no artigo 496.º, n.º 2 e 3 do Código Civil, que estipula, de forma peremptória, quem tem direito a indemnização por danos não patrimoniais no caso de morte da vítima, sendo que no elenco não se inclui a pessoa que com a mesma vivia em união de facto.

    Nesta medida improcede na totalidade o pedido, no que concerne aos danos não patrimoniais».

   O direito a indemnização por dano não patrimonial por parte do unido de facto sobrevivo não estava previsto na lei à data da sentença e só após, mas antes do acórdão da Relação, foi publicada a Lei n.º 23/2010, de 30-08, que alterou o artigo 496.º, invocando de novo a demandante este pedido, mas agora com fundamento na nova lei, em recurso subordinado.

     

    Apreciando.

   

    Tem-se entendido doutrinária e jurisprudencialmente, maxime, após o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, tirado em reunião de secções para uniformização de jurisprudência, de 17-03-1971, in BMJ n.º 205, pág. 150, que em caso de morte, do artigo 496.º, n.ºs 2 e 3, do Código Civil, resultam três danos não patrimoniais indemnizáveis, a saber:

- O dano pela perda do direito à vida;

- O dano sofrido pelos familiares da vítima com a sua morte;

- O dano sofrido pela vítima antes de morrer, variando este em função de factores de diversa ordem, como sejam o tempo decorrido entre o acidente e a morte, se a vítima estava consciente ou em coma, se teve dores ou não, e qual a sua intensidade, se teve ou não consciência de que ia morrer.     

    Neste conspecto, alterou o decidido pela primeira instância, a Relação de Évora, nos seguintes termos:

    «c) A obrigação de indemnização ao membro sobrevivo da união de facto por danos de natureza não patrimonial.

    Alega a demandante que, com a publicação da Lei n° 23/2010, de 30/08, a indemnização por danos não patrimoniais também tem lugar nas uniões de facto, nos mesmos termos que no casamento, pelo que deve a demandada ser condenada a pagar-lhe a quantia de 25.000 euros pedida a esse título.

     Há que apreciar e decidir.

     Sob a epígrafe “danos não patrimoniais”, preceitua o artigo 496° do Código Civil (na redacção vigente à data do acidente de viação em apreço):

“1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

2. Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes: na falta destes, aos pais ou outros ascendentes: e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem.

3. O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494°: no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos do número anterior”.

     Posteriormente à data da ocorrência do acidente de viação em discussão nestes autos (e até em momento ulterior à data da prolação da sentença recorrida - prolação que ocorreu em 11-06-2010), entrou em vigor a Lei n° 23/2010, de 30/08, a qual, no seu artigo 3º, procedeu a diversas alterações ao Código Civil, designadamente ao disposto no transcrito artigo 496° deste diploma legal.

     O artigo 496° do Código Civil passou a ter então, na sequência da entrada em vigor da Lei n° 23/2010, a seguinte redacção (não se transcrevendo o n° 1 do artigo, que ficou inalterado):

"1. (...).

2. Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes: e. por ultimo, aos irmãos ou sobrinhos que os representem.

3. Se a vítima vivia em união de facto, o direito de indemnização previsto no número anterior cabe, em primeiro lugar, em conjunto, à pessoa que vivia com ela e aos filhos ou outros descendentes.

4. O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494°: no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores".

     Antes da vigência desta nova redacção do artigo 496° do Código Civil trazida pela Lei n° 23/2010, de 30/08, era largamente controvertida a questão de saber se o membro sobrevivo da união de facto podia ser indemnizado por danos de natureza não patrimonial no caso de morte do seu companheiro.

      Na sentença sub judice respondeu-se negativamente a tal questão. Aí se escreveu, a esse propósito: “no caso dos autos, ao contrário da conclusão a que se chegou relativamente aos danos de natureza patrimonial, a demandante não tem legitimidade para peticionar danos desta natureza, desde logo, pela simples análise do disposto no artigo 496°, n°s 2 e 3, do Código Civil, que estipula, de forma peremptória, quem tem direito a indemnização por danos não patrimoniais no caso de morte da vítima, sendo que no elenco não se inclui a pessoa que com a mesma vivia em união de facto. Nesta medida, improcede na totalidade o pedido, no que concerne aos danos não patrimoniais”.

     Porém, e repete-se, em face do direito anterior à entrada em vigor da Lei n° 23/2010, a solução para o problema ora em apreciação (indemnização por danos não patrimoniais ao membro sobrevivo da união de facto) era controvertida e incerta, muito discutível e discutida.

     Exemplo disso (talvez o mais expressivo) é o Ac. do S.T.J. de 04-11-2003 (in C.J., Ano XI, Tomo III, pág. 135), onde se faz um levantamento exaustivo da argumentação usada a favor e contra a atribuição de tal direito indemnizatório da pessoa convivente em regime de união de facto.

     Apesar de a jurisprudência maioritária (ao que julgamos) negar o dito direito indemnizatório (cfr., por exemplo, o Ac. do S.T.J. de 23-04-1998, in C.J., Ano VI, Tomo II, pág. 49), outra jurisprudência, contudo, afirma claramente a existência desse mesmo direito (cfr., a título de exemplo, o Ac. do Tribunal Constitucional n° 275/2002 de 19-06-2002, in DR II série, de 24/07/2002) -neste aresto do Tribunal Constitucional (muito embora tirado a propósito de um crime de homicídio doloso) entendeu-se ser inconstitucional, por violação do disposto no artigo 36°, n° 1, da CRP, conjugado com o princípio da proporcionalidade, a norma contida no n° 2 do artigo 496° do Código Civil, na parte em que, em caso de morte da vítima, exclui a atribuição de um direito de indemnização por danos não patrimoniais pessoalmente sofridos pela pessoa que convivia com a vítima em situação de união de facto, estável e duradoura, em condições análogas às dos cônjuges.

     Aliás, a questão da constitucionalidade ou da inconstitucionalidade do preceituado no artigo 496°, n° 2, do Código Civil, na problemática que ora nos ocupa, foi, de novo, e por forma exaustiva, tratada no Ac. do S.T.J. de 24-05-2005 (Proc. n° 05A585, in www.dgsi.pt), de cuja leitura, atenta e integral, resulta, para nós, a conclusão de que a solução para a questão é, pelo menos, incerta.

     Em jeito de síntese: a problemática da constitucionalidade ou da inconstitucionalidade do preceituado no artigo 496°, n° 2, do Código Civil (negando-se ou afirmando-se, a partir da letra do preceito e desse juízo sobre a constitucionalidade, o direito indemnizatório da pessoa convivente em regime de união de facto) era, claramente, motivo de franca, de aberta e de manifesta controvérsia.

     Sabendo (ou melhor: sendo de presumir que sabia) da aludida controvérsia sobre este assunto, em que as regras jurídicas aplicáveis eram incertas e o seu sentido controvertido, o legislador, através da publicação da Lei n° 23/2010, veio consagrar uma solução que já alguns tribunais vinham adoptando (e que, em tese, todos os tribunais podiam ter adoptado). Ou seja, situada, inequivocamente, dentro dos quadros da controvérsia, a nova lei adoptou uma das posições, definindo, sem hesitações, que, no caso da união de facto, o direito de indemnização por danos não patrimoniais cabe também à pessoa que era convivente com a vítima falecida.

     Assim sendo, e neste ponto específico, mais do que uma norma inovadora, esta nova norma (a nova redacção dada ao artigo 496° do Código Civil pela Lei n° 23/2010) constitui-se, no fundo, como uma “lei interpretativa”.

     Na verdade, e no lapidar dizer do Prof. Baptista Machado (in “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, Almedina, 1983, pág. 246), “são de sua natureza interpretativas aquelas leis que, sobre pontos ou questões em que as regras jurídicas aplicáveis são incertas ou o seu sentido controvertido, vêm consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adoptado”.

     Mais acrescenta o mesmo autor (ob. citada, pág. 247), que, para se poder considerar a nova lei uma lei interpretativa, “são necessários, portanto, dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei”.

     Salvo melhor opinião, é o que se passa, manifestamente, no ponto específico em discussão nestes autos, com a nova redacção dada ao artigo 496° do Código Civil pela Lei n° 23/2010.

      Isto é, e face a tudo o que se deixa dito, no aspecto agora em análise (requisitos para atribuição de indemnização ao membro sobrevivo da união de facto por danos de natureza não patrimonial), a nova lei (a Lei n° 23/2010) constitui-se, indiscutivelmente, como uma “lei interpretativa”.

     E, assim sendo, esta nova lei aplica-se aos factos e situações anteriores, nos termos do disposto no artigo 13°, n° 1, do Código Civil, onde se estabelece: “a lei interpretativa integra-se na lei interpretada, ficando salvos, porém, os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de análoga natureza”.

     Aliás, a razão pela qual a lei interpretativa se aplica a factos e situações anteriores reside fundamentalmente em que ela, vindo consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da lei antiga, com que os interessados podiam e deviam contar, não é susceptível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas de qualquer uma das partes ou de qualquer um dos sujeitos processuais.

      Em suma, e concluindo: in casu, apesar de os factos apreciados neste processo (o acidente de viação e suas consequências) serem anteriores à publicação da Lei n° 23/2010 (que deu uma nova redacção ao artigo 496° do Código Civil), e apesar também de a sentença da primeira instância (obviamente ainda não transitada, dados os presentes recursos) ser anterior a tal publicação, deve este tribunal ad quem, sem mais, e seguindo a natureza interpretativa da mencionada Lei n° 23/2010, conferir à demandante o peticionado direito de ser indemnizada pelos danos não patrimoniais sofridos com a morte da vítima, com quem vivia em união de facto desde há cerca de 18/19 anos.

     Donde que, neste ponto, o recurso da demandante procede”.

        

    O dano desgosto do unido de facto sobrevivente.  

 

     No caso de morte da vítima há um círculo restrito de pessoas a esta ligados por estreitos laços de convivência, dação mútua, entrega recíproca, afeição, carinho e ternura, a quem a lei concede reparação/compensação quando pessoalmente afectadas por isso nesses sentimentos.

     Neste caso, os danos destas vítimas “indirectas” emergem da dor moral que a morte da vítima pessoalmente lhes causou, havendo lugar a indemnização em conjunto e jure proprio ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes, e na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representarem - artigo 496.º, n.º 2, do Código Civil.

     Está em causa um dano especial, próprio, que os familiares da vítima sentiram e sofreram com a morte do lesado, contemplando o sofrimento moral decorrente da morte, o desgosto provocado pela partida do ente querido.

     No caso a compensação é devida pelo sofrimento da perda abrupta e irreparável daquele ente próximo.

     A origem do dano do desgosto é o sofrimento causado pela supressão da vida, sendo de negar o direito à indemnização em relação a quem não tenha sofrido o dano do desgosto. Salvo raras e anómalas excepções, a perda do lesado é para os seus familiares mais próximos causa de sofrimento profundo, sendo facto notório o grave dano moral que a perda de uma vida humana traz aos seus familiares, às pessoas que lhe são mais chegadas.

     Como se refere no acórdão do STJ de 26-06-1991, BMJ n.º 408, pág. 538, trata-se de um dano não patrimonial natural, cuja indemnização se destina a compensar desgostos e que por serem factos notórios, não necessitam de ser alegados nem quesitados, mas só pedidos.

     É pacífico que um dos factores a ponderar na atribuição desta forma de compensação será sempre o grau de proximidade ou ligação entre a vítima e os titulares desta indemnização.

     Na sua determinação “há que considerar o grau de parentesco, mais próximo ou mais remoto, o relacionamento da vítima com esses seus familiares, se era fraco ou forte o sentimento que os unia, enfim, se a dor com a perda foi realmente sentida e se o foi de forma intensa ou não. É que a indemnização por estes danos traduz o “preço” da angústia, da tristeza, da falta de apoio, carinho, orientação, assistência e companhia sofridas pelos familiares a quem a vítima faltou” - Sousa Dinis, in Dano Corporal em Acidentes de Viação, CJSTJ 1997, tomo 2, pág. 13.

     Os danos não patrimoniais por morte da vítima nascem por direito próprio na titularidade das pessoas designadas pela lei, os familiares a que se refere o artigo 496.º-  acórdão do STJ, de 09-05-1996, CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 58.

   A questão que se suscita no caso presente é saber se tal forma de indemnização é extensível ao sobrevivente de uma união de facto, se deve ou não considerar-se incluído nos beneficiários da indemnização o membro sobrevivo de uma união de facto.

     Dito de outro modo, pergunta-se se aquele que viveu em união de facto, tem ou não direito a indemnização por danos não patrimoniais, que a lei, maxime, o n.º 2 do artigo 496.º, reconhece aos cônjuges sobrevivos.

     Vejamos o quadro legislativo a ter em consideração.

     Integrado na Subsecção I “Responsabilidade por factos ilícitos”, da Secção V “Responsabilidade civil”, do Capítulo II “Fontes das obrigações”, do Título I “Das Obrigações em geral” e Livro II “Direito das obrigações”, versando sobre os danos não patrimoniais, estabelece o artigo 496.º, na versão originária em vigor desde 1-06-1967 e intocada até 2010:

1 – Na fixação da indemnização deve atender-se sãos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

2 – Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem.

3 – O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos do número anterior.

         Tal preceito “sucedeu” ao artigo 56.º do Código da Estrada de 1954, que regia a propósito de responsabilidade civil dos condutores e proprietários de veículos e animais, e dispunha no n.º 1, última regra, que “No caso de morte do lesado em virtude do acidente, o direito de exigir indemnização transmite-se às pessoas referidas no artigo 16.º da Lei n.º 1942, de 27 de Julho de 1946, e pela ordem aí indicada: primeiro, e em conjunto, ao cônjuge e aos filhos, sem distinção de idades quanto a estes, ou só aos filhos, se o cônjuge já não existir; depois às pessoas mencionadas na alínea e) do mesmo artigo”.     

      O preceito em causa sofreu recente alteração com a Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto, a qual procedeu à primeira alteração à Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, que adoptou medidas de protecção das uniões de facto, terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de Outubro, que define e regulamenta a protecção na eventualidade da morte dos beneficiários do regime geral de segurança social, 53.ª alteração ao Código Civil e 11.ª alteração ao Decreto-Lei n.º 142/73, de 31 de Março, que aprova o Estatuto das Pensões de Sobrevivência.

     Com tal diploma, no que tange ao Código Civil - artigo 3.º - foram alterados os artigos 496.º, 2019.º e 2020.º, abarcando, pois, as vertentes de indemnização por danos não patrimoniais e direito a alimentos.

      No que respeita ao artigo 496.º, mantendo-se intocado o n.º 1, e procedendo a pequenos retoques nos n.ºs 2 e 3, que passou para 4, inovou no n.º 3, ao prever a inclusão da situação de união de facto.

     Passou a estabelecer o artigo 496.º do Código Civil:   

1 - Na fixação da indemnização deve atender-se sãos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

2 - Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado (…) de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem. (apenas supressão de “judicialmente”)

3 – Se a vítima vivia em união de facto, o direito de indemnização previsto no número anterior cabe, em primeiro lugar, em conjunto, à pessoa que vivia com ela ou aos filhos ou outros descendentes.

4 - O montante da indemnização é (dantes, será) fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores. (dantes no número anterior).

        Artigo 2019.º (Cessação da obrigação alimentar)

Em todos os casos referidos nos artigos anteriores, cessa o direito a alimentos se o alimentado contrair novo casamento, iniciar união de facto ou se tornar indigno do benefício pelo seu comportamento moral. (em itálico a inovação).

     Artigo 2020.º (União de facto)

1 - O membro sobrevivo da união de facto tem o direito de exigir alimentos da herança do falecido.

2 - ..…………………………………………………………..…………………………. ..

3 - …………………………………………………………………………………………

     A Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto, não tem indicação expressa quanto a entrada em vigor.

    Apenas no artigo 6.º sob a epígrafe “Produção de efeitos” dispõe-se que “Os preceitos da presente lei com repercussão orçamental produzem efeitos com a Lei do Orçamento do Estado posterior à sua entrada em vigor”.

     Utilizou-se fórmula absolutamente idêntica à do artigo 11.º da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, que aliás republica em anexo (artigo 7.º), que sob a epígrafe “Entrada em vigor”, estabelece: “Os preceitos da presente lei com repercussão orçamental produzem efeitos com a Lei do Orçamento do Estado posterior à sua entrada em vigor”.

    Aliás, idêntica técnica está presente na Lei n.º 6/2001, do mesmo dia 11 de Maio de 2001, que adopta medidas de protecção das pessoas que vivam em economia comum há mais de dois anos. 

    Ora, percebe-se que o direito a prestações sociais, a satisfazer pelo Estado, demandem inscrição orçamental e que só poderá ser exercitado a partir do momento em que as medidas sejam exequíveis por terem cabimento orçamental e daí terem entrado em vigor em 01 de Janeiro de 2011 (artigo 187.º da Lei n.º 55-A/2010, Diário da República, I Série, de 31-12-2010, n.º 253, Suplemento).

     Porém, tal compasso de espera não tem razão de ser no campo civilístico do direito a alimentos a exigir de herança e de indemnização por danos não patrimoniais, em que o pagante é o lesante.

     Sendo assim, e tendo em conta o disposto no artigo 2.º, n.º s 2 e 4, da Lei n.º 74/98, de 11-11 (lei formulário sobre a publicação, identificação e formulário dos diplomas), na redacção dada pela Lei n.º 26/2006, de 30-06, que procedeu à segunda alteração e republicação daquele diploma (a lei foi primeiramente alterada pela Lei n.º 2/2005, de 24-01), o diploma em causa entrou em vigor em 4 de Setembro de 2010.

     Aliás, o mesmo se dirá em relação às normas da Lei n.º 7/2001, que estabelecem sobre extensão ao sobrevivente da união de facto a protecção da casa de morada de família em caso de ruptura, ou em caso de morte, em que o que está em causa é a garantia de habitação, questão que se não coloca em termos de execução orçamental.

     Introduz-se, assim, uma nuance, uma subtil diferenciação entre a eficácia jurídica dos actos legislativos (segundo o artigo 1.º da citada Lei, a eficácia jurídica dos actos legislativos depende da sua publicação no Diário da República - artigo 119.º, n.º s 1 e 2, da CRP, na versão da sétima revisão constitucional – Lei Constitucional n.º 1/2005, de 12-08 (artigo 122.º, na anterior versão da Lei Constitucional n.º 1/1982, de 30-09) - em contraponto, a falta de publicidade implica a ineficácia jurídica, pois a publicação é condição de oponibilidade a terceiros) - e a produção de efeitos - diferida - de certos diplomas legais.

     Tendo-se por certo que o diploma entrou em vigor em 4 de Setembro de 2010, vejamos se o novo artigo 496.º se aplica a situações de pretérito, como é o caso presente em que o companheiro da demandante faleceu em 16 de Abril de 2009.

     Antes, porém, convirá analisar as posições da doutrina e da jurisprudência sobre a possibilidade de o preceito do então n.º 2 do artigo 496.º abranger o unido de facto sobrevivente.

    Face ao texto legal era de colocar a questão de saber se entre as pessoas elencadas no citado preceito poderia incluir-se o companheiro sobrevivente.

 

     Começando pelas posições assumidas na Doutrina. 

     Segundo Antunes Varela, Das obrigações em geral, 3.ª edição, volume I, pág. 519 (e pág. 624 na 10.ª edição) “ Relativamente aos danos não patrimoniais, é líquido que apenas têm direito a indemnização os familiares destacados no n.º 2 do artigo 496.º”.

     No mesmo sentido, Dario Martins de Almeida, in Manual de acidentes de viação, págs. 164, referindo que “pelo que toca ao dano não patrimonial, no caso de morte da vítima, a sua reparação, quando exigida por direito próprio, está limitada ao círculo de pessoas taxativamente indicadas no artigo 496.º”, reafirmando a fls. 168, que a escolha do círculo restrito de pessoas do artigo 496.º é taxativa.

     Para Almeida Costa, Direito das Obrigações, pág. 609, o direito de indemnização em causa é atribuído com exclusividade às pessoas mencionadas, restringe-se às pessoas enumeradas no preceito.

     Pereira Coelho e Guilherme Oliveira, Curso de Direito da Família, Introdução direito matrimonial, Coimbra Editora, 4.ª edição, 2008, volume I, pág. 87, à pergunta sobre se no caso de lesão de que proveio a morte de um dos membros da união de facto, o sobrevivo poderá exigir ao autor da lesão uma indemnização dos prejuízos sofridos, respondem que, tratando-se de danos não patrimoniais, a pretensão não procede, pois aí, o art. 496.º, n.º 2, limita taxativamente o círculo das pessoas que podem pedir indemnização por morte da vítima, e não parece legítimo equiparar ao cônjuge a pessoa que com ele vivia em união de facto, citando os acórdãos do STJ de 23-04-98 e de 04-11-2003 e do Tribunal Constitucional n.ºs 86/2007 e 87/2007.

    Diogo Leite de Campos, Lições de Direito da família e das sucessões, 2.ª edição, revista e actualizada, Almedina, 1997, pág. 22, confirma este princípio, sustentando que “entre o casamento e a união de facto há extremas marcadas que impedem que se fale de analogia jurídica”.  

    Nuno de Salter Cid, in “A comunhão de vida à margem do casamento: Entre o facto e o Direito”, Colecção Teses, Livraria Almedina, Coimbra, Novembro 2005, págs. 570-1, é ainda mais peremptório no que concerne às convivências more uxorio por tais vias, escrevendo que “não há inclusões nem analogias a fazer quando se trate simplesmente de atribuir efeitos favoráveis às uniões de facto, quando esteja em causa a mera atribuição de direitos aos unidos de facto”.

    França Pitão em “Os novos Casamentos …” in Comemorações dos 35 anos do Código Civil, volume I, págs. 195/6, refere: “ … em matéria de direito a indemnização por danos não patrimoniais em caso de morte, decorrente da aplicação do artigo 496.º do Código Civil, não é líquida a sua atribuição ao companheiro sobrevivo, muito embora venha a ser defendido pela jurisprudência que tal direito não é extensível à união de facto.

    De facto, o fim tido em vista com tal atribuição é o de ressarcir os danos sofridos por aquelas pessoas que se presume terem um relacionamento mais directo com a vítima e que ficaram privadas do seu convívio, as quais o legislador “ficcionou” serem conjuntamente o cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e os filhos ou outros descendentes, e na falta destes, os pais ou outros ascendentes, e, por último, os irmãos ou sobrinhos do falecido (cfr. n.º 2 do citado preceito).

     Ora, não pode olvidar-se que, no caso de união de facto, é naturalmente o companheiro sobrevivo a pessoa que lidava mais de perto com a vítima e que, consequentemente, mais sofreu com a sua perda. No entanto, tem vindo a denegar-se a sua equiparação ao cônjuge sobrevivo nesta matéria ou, pelo menos, a hipótese de inclusão do companheiro sobrevivo entre as pessoas que têm direito a reclamar indemnização por dano não patrimoniais e cita acórdão do TRL de 17-03-92, CJ 1992, tomo 2, pág. 167 (as situações de convivência marital não conferem direito a indemnização por danos de natureza não patrimonial) e do STJ, de 23-03-1998, in CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 49.

    Abrantes Geraldes, Temas da responsabilidade civil, Indemnização dos danos reflexos, 2005, II volume, acerca da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais e delimitação subjectiva do direito a indemnização por parte de pessoas diversas do lesado directo, conclui, a págs. 78, que se justifica circunscrever o leque de beneficiários àqueles que, por ora, constam do n.º 2 do art. 496.º, o que é reafirmado a págs. 86, ao referir que tal direito apenas deve ser reconhecido às pessoas que com o lesado directo se encontrem numa das situações configuradas em tal preceito. Conclui a págs. 89/90 que são ressarcíveis os danos não patrimoniais suportados por pessoas diversas daquela que é directamente atingida, designadamente, quando fique gravemente prejudicada a sua relação com o lesado ou quando as lesões causem neste grave dependência ou perda de autonomia que interfira fortemente na esfera jurídica de terceiros, mas frisando que tal direito de indemnização deve ser circunscrito, por ora, às pessoas indicadas no n.º 2 do art. 496.º do CC.

    Marta Costa, em «Convivência More Uxorio Na perspectiva de Harmonização do Direito da Família Europeu: Uniões Homossexuais» - Centro de Direito da Família, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra - com edição e execução gráfica do Grupo Wolters Kluver Portugal, sob a marca Coimbra Editora - 1.ª Edição, Março de 2011, propondo-se tratar da extensão a uniões homossexuais, no campo 2.3, a propósito da “convivência more uxorio e o regime matrimonial”, defende, a págs. 81, que “Entendemos que não se devem aplicar à convivência more uxorio, como regra geral, as disposições previstas para o matrimónio, recorrendo a uma sua interpretação extensiva ou analógica. Trata-se de institutos substancial e formalmente diferenciados, pelo que tal não seria legítimo”.

    E acrescenta de seguida que “Esta constatação parece ser válida no âmbito das quatro ordens jurídicas em análise, como passaremos de seguida a demonstrar”.

    A Autora, ao abordar o tema, no que respeita à análise da ordem jurídica portuguesa (ponto 2.3.1.), a págs. 82, adianta o seguinte: “Tanto a doutrina como a jurisprudência portuguesas se apresentam de acordo com o entendimento de que as regas matrimoniais não são, em princípio, aplicáveis aos conviventes more uxorio”.

    Prosseguindo, diz: “Inteiramente esclarecedoras,” citando Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, em Curso de Direito da Família e Introdução ao Direito Matrimonial, 2003, pág. 112, no sentido de que “a união de facto só tem os efeitos que a lei lhe atribuir; em particular (…) não é legítimo estender à união de facto as disposições referentes ao casamento”, citando ainda a posição de Diogo Leite de Campos e o acórdão do STJ, de 22-03-1995, CJSTJ 1995, tomo 3, pág. 284, a recusar a aplicação analógica do conceito de “familiares da vítima”, constante da Lei n.º 2127, de 3-08-1965, à convivente more uxorio de sinistrado de acidente de trabalho (citado noutro local), e o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26-10-2006, que afirma “As regras substantivas que regulam as relações entre os cônjuges, bem como entre estes e terceiros, são regras especiais que não compreendem aplicação analógica”. 

    Ao versar o direito de indemnização por danos não patrimoniais do membro da união de facto supérstite em caso de morte provocada por terceiro, por o art. 496.º, n.º 2, descrever taxativamente os seus beneficiários, elenco do qual não consta o unido de facto supérstite, de fls. 315 a 322, a Autora assume posição a pág. 321/2, afirmando: 

    “Quanto à eventual inconstitucionalidade do art. 496.º, n.º 2, por não tutelar o unido de facto, pensamos que a problemática não é completamente linear. Não obstante estarmos convictos de que a dor que afecta o cônjuge é em tudo igual à que invade o convivente supérstite, julgamos que a CRP não impõe uma parificação entre as posições de ambos, pelo que essa opção – maioritariamente de cariz político – deve ser deixada nas mãos do legislador, como temos vindo reiteradamente a afirmar”.

   Maria Manuel Veloso, em Danos não patrimoniais, na colectânea Comemorações dos 35 anos do Código Civil, Volume III, Direito das Obrigações, págs. 495 e seguintes, versa a compensação do dano não patrimonial do companheiro de facto, de págs. 529 a 536, dizendo acolher a sua simpatia o teor do acórdão do STJ de 4-11-2003.  

    Passando às opções da jurisprudência.    

    Vejamos agora o sentido das soluções jurisprudenciais sobre a extensão do direito de indemnização por danos não patrimoniais previsto no artigo 496.º, n.º 2, do Código Civil, a membro sobrevivo de união de facto.

   

    No Tribunal Constitucional

  

    No acórdão n.º 275/2002, de 19-06-2002, publicado no DR II Série, n.º 169, de 24-07-2002 e Acórdãos do Tribunal Constitucional (ATC), volume 53.º, pág. 479, o Tribunal pronunciou-se pela inconstitucionalidade, por violação do artigo 36.º, n.º 1, da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, da norma do n.º 2 do artigo 496.º, na interpretação segundo a qual “em caso de morte da vítima de um crime doloso, se exclui a atribuição de um direito de indemnização por danos não patrimoniais pessoalmente sofridos pela pessoa que convivia com a vítima em situação de união de facto, estável e duradoura, em condições análogas às dos cônjuges”.

    A partir deste acórdão, que versou sobre caso de homicídio doloso, verificou-se uma inversão de rumo nos seguintes três acórdãos.

    Assim aconteceu no    

    Acórdão n.º 86/2007, de 06-02-2007, processo n.º 26/2004, 2.ª Secção, D.R. n.º 93, Série II, de 15-05-2007, págs. 12685/12697 e Acórdãos do Tribunal Constitucional (ATC), volume 67.º, pág. 425 - Não julga inconstitucional a norma do artigo 496.º, n.º 2, do Código Civil, na parte em que exclui o direito a indemnização por danos não patrimoniais da pessoa que vivia em união de facto com a vítima mortal de acidente de viação resultante de culpa exclusiva de outrem,

    Acórdão n.º 87/2007, de 06-02-2007, processo n.º 995/2005 - 2.ª Secção, D.R. n.º 93, Série II, de 15-05-2007, págs. 12697/12708, que teve na origem, como acórdão recorrido, o acórdão do STJ de 24-05-2005, proferido na revista n.º 585/05, da 1.ª Secção.

    Não julga inconstitucional a norma do artigo 496.º, n.º 2, do Código Civil, na medida em que não admite que a pessoa que vive em união de facto com uma vítima de acidente de viação, do qual resulte a morte dessa vítima, tem o direito de receber uma indemnização por danos não patrimoniais.

    Acórdão n.º 210/2007, de 21-03-2007, processo n.º 778/06 - 3.ª Secção, DR n.º 97, Série II, de 21-05-2007, págs. 13517/13522 e Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 68.º, 2007, Março e Abril, pág. 537/555, apresentando   resultado diverso do acórdão de 2002 “por faltar identidade substancial entre as normas ou dimensões normativas em apreciação nos dois casos” e reitera o julgamento de não inconstitucionalidade  do acórdão n.º 86/2007.

    Não julga inconstitucional a norma do artigo 496.º, n.º 2, do Código Civil, na parte em que exclui o sobrevivente da união de facto, em caso de homicídio negligente decorrente de acidente de viação resultante de culpa exclusiva de outrem, do direito à indemnização por danos não patrimoniais, pessoalmente sofridos em consequência da morte da vítima.

    No Supremo Tribunal de Justiça

  

    Os acórdãos analisados restringem o direito à indemnização por dano não patrimonial aos cônjuges e demais familiares previstos expressamente na norma referida, deixando de fora o membro supérstite de união de facto.

   Assim foi nos seguintes acórdãos:

   Acórdão de 23-04-1998, Revista n.º 204/98, 1.ª Secção, CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 49 - Estando em causa indemnização por direito à vida e danos não patrimoniais sofridos pela demandante convivente sobreviva concedidos na primeira instância, diz-se: “A união concubinária, distinguindo-se da união matrimonial precisamente por essa falta de tecido injuntivo, não constitui, portanto, uma forma de organização familiar” concluiu que não é inconstitucional o n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil ao não contemplar a chamada união de facto, e não ter a A. direito às indemnizações para si pedidas, devendo apenas ser ressarcido seu filho.

    Acórdão de 4-11-2003, Revista n.º 3825/03 -7.ª Secção, CJSTJ 2003, tomo 3, pág. 133 - Não é materialmente inconstitucional a norma do art.º 496.º, n.º 2, do Código Civil, interpretada no sentido de que afasta da sua previsão de indemnização por danos não patrimoniais o cônjuge de facto.

     Acórdão de 24-05-2005, Revista n.º 585/05 - 1.ª Secção – Em discussão a possibilidade de interpretação extensiva do artigo 496.º, n.º 2, de modo a incluir na classe do cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens o unido de facto ou companheiro do falecido, relevando os elementos teleológico e actualista postulados pelo direito constitucionalmente reconhecido de constituir família para além da relação matrimonial (art. 36.º, n.º1, 1.ª parte) e pela evolução legislativa sobre o reconhecimento das uniões de facto.

    A resposta foi no sentido de no concreto circunstancialismo em que o A e o falecido cônjuge de facto viveram maritalmente nos dois anos e dois meses que precederam o acidente causador da morte e não havendo filhos, não parecer que numa perspectiva de proporcionalidade, o reconhecimento do direito à compensação por danos não patrimoniais atribuído pela norma seja reclamado pelo sistema jurídico como uma medida de protecção exigível para o unido de facto, malgrado a tutela constitucional directa imposta para a família natural constituída por pais e filhos, com carácter de estabilidade.

    No caso A. reclamava da Ré seguradora, para além do mais, o pagamento de € 42.771,92, por danos não patrimoniais, decorrentes do abalo que sofreu com a morte da sua companheira.

    A seguradora na primeira instância foi condenada neste segmento a pagar € 24.939,89 pela morte da companheira.

    Mas a Relação de Coimbra absolveu a Ré do pedido indemnizatório fundado na morte da companheira do A. 

    No recurso interposto o recorrente alega que a inconstitucionalidade decorre do facto de a não abrangência do unido de facto sobrevivo pela norma do n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil violar a 1.ª parte do n.º 1 do artigo 36.º da CRP, quando prevê expressamente o direito de constituir família para além da relação matrimonial.

    O STJ afasta uma interpretação extensiva em que relevassem os elementos teleológico e actualista postulados pelo direito constitucionalmente reconhecido de constituir família para além da relação matrimonial

    Após referir que a lei apenas atribui relevância às relações decorrentes da união de facto em casos pontuais, referindo taxativamente esses casos e respectivos efeitos, todos com incidência na área das normas de protecção (alimentos, transmissão da casa de morada de família e benefícios sociais), afirma que no concreto circunstancialismo reflectido nos autos, em que o A. e o falecido “cônjuge de facto” viveram maritalmente nos dois anos e dois meses que precederam o acidente causador do dano morte e não há filhos, não parece que na perspectiva da proporcionalidade, o reconhecimento do direito à compensação por danos não patrimoniais atribuído pelo n.º 2 do art.º 496.º do CC seja reclamado pelo sistema jurídico como uma medida de protecção exigível para o unido de facto, malgrado a tutela constitucional directa imposta para a família natural constituída por pais e filhos, com carácter de estabilidade.

    Concluiu entender que a interpretação feita pelo acórdão impugnado da norma do n.º 2 do art. 496.º no sentido de excluir o recorrente da titularidade do direito a indemnização por danos não patrimoniais por morte da sua companheira não merece censura e não padecer da inconstitucionalidade assacada.  

    Deste acórdão foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, dando origem ao citado acórdão n.º 87/2007.  

    Acórdão de 11-07-2006, Revista n.º 1835/06 - 7.ª Secção - A norma excepcional do n.º 2 do artigo 496.º do CC não é aplicável por analogia ao denominado cônjuge de facto, tanto em relação aos danos não patrimoniais próprios, como aos surgidos na esfera da própria vítima e depois adquiridos nos termos do preceito.

    É afastada a própria interpretação extensiva, considerando revelar-se, afinal, intencional a omissão da Lei n.º 7/2001, de 11-05, a esse respeito, não tendo tido seguimento o art. 31.º do Projecto de Lei n.º 384/VII, do PCP, em que expressamente se previa a equiparação referida para efeitos de atribuição de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais fundada em responsabilidade civil.

    Dizia aquele artigo 31.º, sob a epígrafe “titularidade do direito a indemnização”: os membros do casal em união de facto são equiparados aos cônjuges para efeito de atribuição de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais baseada em responsabilidade civil extracontratual, provando-se a união de facto na acção destinada a efectivar aquela responsabilidade.

    Acórdão de 24-11-2009, Revista n.º 2807/06.6TBVCD.P1.S1 - 6.ª Secção – Não é de julgar inconstitucional a norma do artigo 496.º, n.º 2, do Código Civil, na parte em que exclui o direito a indemnização por danos não patrimoniais da pessoa que vivia em união de facto com a vítima mortal de acidente de viação resultante de culpa exclusiva de outrem.

    O “argumento” de extensão preconizado pela Portaria n.º 377/2008 

     

    Uma outra abordagem poderá ser feita em função do disposto na Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, alteração esta sem influência na presente questão.

    Tal diploma fixa os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, nos termos do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21-08.

    No Anexo II, visando as “Compensações devidas em caso de morte e a título de danos morais aos herdeiros”, sob o título genérico DANOS MORAIS HERDEIROS (A), distingue quatro grupos, figurando no primeiro a referência ao “cônjuge com 25 ou mais anos de casamento” e “cônjuge com menos de 25 anos de casamento”.

    Após esses grupos surge um bloco com “Notas” em que no n.º 2, que diversamente do que ocorre com os n.ºs 3, 4 e 5, referenciados acima, se refere:

(2) Cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens ou de facto.

     A união de facto legalmente reconhecida é equiparada ao casamento”.

    Este anexo é a “amostra” do artigo 5.º, onde sob a epígrafe “Proposta razoável para danos não patrimoniais em caso de morte” se estabelece:

“Para efeitos de proposta razoável, as indemnizações pela violação do direito à vida, bem como as compensações devidas aos herdeiros da vítima, nos termos do Código Civil, a título de danos morais, e previstos na alínea a) do artigo 2.º, são calculadas nos termos previstos no quadro constante do anexo II da presente portaria”. 

    De acordo com o artigo 2.º são indemnizáveis, em caso de morte: alínea a) a violação do direito à vida e os danos morais dela decorrentes, nos termos do artigo 496.º do Código Civil.

    O Anexo II ao incluir, através da nota 2, o unido de facto sobrevivo nos herdeiros, usa uma técnica duvidosa, por ultrapassar a matriz do artigo 5.º, que reporta apenas os herdeiros da vítima nos termos do Código Civil, o que significaria entender o membro sobrevivo de união de facto como herdeiro, que decididamente não é, sendo que por outro lado, o dano desgosto é um direito originário, próprio, pessoal.

    Aliás, no que respeita ao Direito à vida (C) e Dano moral da própria vítima (D), nos respectivos quadros do mesmo Anexo II, só se faz referência a herdeiros sem qualquer nota alusiva a cônjuge de facto sobrevivo.  

    Colocar-se-á a questão -  Será o legislador estulto ao ponto de apresentar um módulo de quantificação de indemnização, mesmo que ao nível de “proposta razoável”, se não reconhecer que a união de facto, para estes efeitos, significa o mesmo que casamento? 

    Não se compreenderia que o legislador estimulasse a apresentação de uma proposta indemnizatória ao unido de facto superstite, se lhe não reconhecesse o estatuto de titular do direito a ser indemnizado.

    Lei n.º 23/2010 - Aplicação imediata aos casos pendentes?

    

    Voltando à questão de saber se a nova redacção do artigo 496.º, maxime, o actual n.º 3, introduzido com a Lei de 2010, se pode ou não aplicar a situações de pretérito.

    Reportando o “exemplo” ou a pensada “solução legislativa” do que em situação análoga, a nível de direito intertemporal, de sucessão de leis, foi previsto na ampla reforma de 1977.

    Estando em discussão uma questão de direito intertemporal, questionando-se se a nova lei - no que ora nos importa, no plano de regulação a nível de “relações para familiares”  - é de aplicar ou não a situações pendentes, vejamos o que aconteceu com a profunda alteração verificada nas relações familiares com a reforma de 1977.

    O Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro, reflectindo uma nova visão da família e da sua inserção na sociedade introduziu vastas e profundas alterações impostas pelos princípios proclamados pela Constituição de 1976.

    Vejamos os antecedentes na matéria de aplicação da lei no tempo e a expressa vontade do legislador, no domínio do Decreto-Lei n.º 496/77.

    Tal diploma entrou em vigor em 1 de Abril de 1978 (artigo 176.º).

    Estabeleceu o artigo 177.º que “O presente diploma não é aplicável às acções pendentes nos tribunais à data da sua entrada em vigor”. 

    O Assento do STJ de 08-07-1980, proferido no processo n.º 67862, BMJ n.º 299, pág. 116, defendeu que a aplicação rígida deste artigo 177.º levaria a resultados intoleráveis, impondo-se uma interpretação restritiva do mesmo preceito, firmando então jurisprudência no sentido de que: “O artigo 130.º do Código Civil, na actual redacção, é aplicável aos processos pendentes em 1 de Abril de 1978 quanto às acções de regulação de poder paternal a que alude a alínea d) do artigo 146.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27-10 (OTM)”.

    A confortável “vacatio legis” foi explicada no ponto 54 do preâmbulo nestes termos “Resta apontar que pareceu conveniente fixar a este decreto-lei uma vacatio legis prolongada, dada a extensão e a profundidade das alterações nele contidas”, tendo-se tido o cuidado de frisar que “O artigo 177.º, que exclui a aplicação do presente diploma às acções pendentes naquela data não faz referência expressa à aplicabilidade imediata dos preceitos constitucionais respeitantes a direitos, liberdades e garantias que decorre do artigo 18.º da Constituição, por ter parecido inútil tal ressalva”.

    Para além destas explicações teve ainda o legislador o cuidado suplementar de estabelecer no artigo 187.º do Decreto-Lei n.º 496/77, que “O n.º 1 do artigo 2020.º do Código Civil não é aplicável quando a abertura da herança seja anterior à entrada em vigor do presente diploma”, certo sendo que a entrada em vigor havia sido diferida para mais de quatro meses após a publicação do diploma.

    Tal significa que a possibilidade de exigência de alimentos da herança do cônjuge de facto falecido, só foi possível em relação a decessos verificados a partir de 1 de Abril de 1978.

    Ora, no nosso caso, seguindo esta lógica legislativa, em 16 de Abril de 2009, data da morte do companheiro da demandante, data da verificação do evento enformador e consubstanciador da pedida indemnização, em última ratio, da causa petendi do formulado pedido, não havia lei que a ancorasse.

    O direito a indemnização pelo dano desgosto nasce para a demandante com a morte do seu companheiro, verificada em 16 de Abril de 2009. 

    Há que concluir que, face a este histórico, as inovações terão aplicação apenas de futuro.

 

    Noutra perspectiva.

   

    As secções cíveis têm discutido a questão da aplicação imediata das alterações introduzidas a propósito das prestações sociais devidas a membro sobrevivo de união de facto, a partir da nova redacção dada em 2010 ao artigo 6.º, n.º 1, da Lei n.º 7/2001 (regime de acesso às prestações por morte).

    O direito a tais prestações exercia-se através da propositura de acções intentadas contra o Instituto de Segurança Social, I.P., pedindo o interessado o reconhecimento da qualidade de titular das prestações por morte de beneficiário, previstas no regime de segurança social, com a consequente condenação da ré no pagamento das prestações. 

    A Lei n.º 23/2010 (LUF) procurou estender o direito às prestações por morte a todos os unidos de facto, independentemente da exigência e/ou demonstração da necessidade de alimentos.

    Alterados foram, pois, os pressupostos para a atribuição das prestações sociais ao membro sobrevivo da união de facto, no caso de falecimento do beneficiário, com dispensa de sentença judicial para comprovar o seu direito a alimentos, ou a verificação das condições de atribuição, nessa parte alterando o artigo 8.º do Decreto-Lei, n.º 322/90, podendo a prova da união ser feita por qualquer meio legalmente admissível.

    Na interpretação da jurisprudência no âmbito da lei anterior - Lei n.º 7/2001 – era exigida a demonstração dessa necessidade.

    Antes de 2010 o direito a prestações dependia da circunstância de o sobrevivo carecer de alimentos e depois esse direito passou a não depender daquela necessidade.

    Tendo desaparecido o requisito da demonstração da necessidade de alimentos, a sentença foi substituída por simples requerimento dirigido à administração pública, resolvendo-se uma questão processual com a remessa do interessado para a via administrativa. 

    Para uma corrente jurisprudencial há lugar a aplicação imediata da nova lei aos processos pendentes, justificando-se essa aplicação por ter a mesma natureza interpretativa, aplicando-se a todos os sobreviventes da união de facto, independentemente da morte do beneficiário ter ocorrido antes ou depois da sua entrada em vigor, como os acórdãos de 06-07-2011, Revista n.º 23/07.9TBSTB.E1.S1-7.ª; de 7-06-2011, Revista n.º 1877/08.7TBSTR.E1.S1-6.ª; de 16-06-2011, Revista n.º 1038/08.5TBAVR.C2.S1- 7.ª; de 12-07-2011, Revista n.º 125/09.7TBSRP.E1.S1; de 13-09-2011, Revista n.º 1029/10.6TAVR – 1.ª.

      No sentido de que a lei deve ser considerada como inovadora, não se aplicando aos casos pretéritos, pronunciaram-se os acórdãos de 17-02-2011, Revista n.º 141/06.0TCSNT.L1-2.ª Secção; de 24-02-2011, Revista n.º 7116/06.8TBMAI.P1.S1- 7.ª; de 19-01-2012, Revista n.º 1047/10.4TBFAR.E1.S1- 7.ª Secção.

                                         

                                 ***********************

     

         Há que colocar a questão de saber se a Lei n.º 23/2010, no que respeita aos cônjuges de facto sobrevivos será inovadora ou meramente interpretativa.

      José de Oliveira Ascensão, na Revista dos Tribunais, ano 91 (1973), n.º 1883, pág. 292, afirmava que o artigo 12.º, n.º 2, do Código Civil, especifica em que termos se dá a aplicação da lei nova.

      O esquema fundamental do preceito – explicava – é o seguinte: a lei que dispõe sobre as condições de validade formal ou substancial de factos ou sobre os seus efeitos só se aplica a factos novos; a lei que dispõe sobre o conteúdo de situações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, abrange as próprias situações já constituídas.

      José Alberto dos Reis, na Revista da Ordem dos Advogados, volume 2.º, pág. 56 e ss., citando Roubier, consignava que a lei interpretativa, por função, é a que exerce um papel semelhante ao que exercem os assentos do Supremo Tribunal de Justiça, quer dizer, é a lei que se destina a pôr termo a um conflito de jurisprudência. (Apud acórdão do STJ de 05-05-1972, publicado no BMJ n.º 217, pág. 113, comentado na Revista dos Tribunais, ano 90, (1972), págs. 400 a 409).

      Pires de Lima, em Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 101.º, pág. 335, dizia: a função da lei interpretativa é, no consenso unânime dos autores, a de esclarecer o sentido e alcance de outra norma anterior que suscitara dúvidas de interpretação.

      Para Antunes Varela, RLJ, ano 103.º (1970/1), n.º 3417, pág. 187, “o pensamento fundamental de que arranca a eficácia prospectiva da lei, tendo em linha de conta o sentido normalmente imperativo dos comandos normativos, é o de, não podendo exigir-se às pessoas o dom de preverem as alterações legislativas do futuro, ser justo aplicar aos diferentes actos jurídicos as normas em vigor ao tempo da sua prática, por ser com os efeitos destas que os interessados, ao agirem, podem e razoavelmente devem contar”.

      A Revista dos Tribunais, ano 90.º, a pág. 403, reitera a manifestação de discordância já feita na mesma revista n.º 74.º, pág. 179, n.º 83.º, pág. 31, n.º 84.º, pág. 467 e n.º 89.º, pág. 9, da opinião que considera interpretativa toda a lei que resolva um conflito de jurisprudência.  

      Batista Machado “Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil”, pág. 285, distingue entre leis declaradamente interpretativas e as que têm essa natureza intrínseca.

      A págs. 287 escreve: “A lei interpretativa, para o ser, há-de consagrar uma solução a que a jurisprudência, pelos seus próprios meios, poderia ter chegado no domínio da legislação anterior. Significa este pressuposto, antes de mais, que, se a LN vem na verdade resolver um problema cuja solução constituía até ali matéria em debate, mas o resolve fora dos quadros da controvérsia anteriormente estabelecida, deslocando-o para um terreno novo ou dando-lhe uma solução que o julgador ou o interprete não estavam autorizados a dar-lhe, ela será indiscutivelmente uma lei inovadora”.

      Segundo o mesmo Autor, em Introdução ao direito e ao discurso legitimador, pág. 247, para que uma lei nova possa ser interpretativa são necessários dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou, pelo menos incerta; e que a solução definida pela lei nova se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites imposto normalmente á interpretação e aplicação da lei”.

      Segundo Vaz Serra, RLJ ano 107.º (1974/5), págs. 174/5, “Uma lei só é interpretativa, com eficácia retroactiva, quando ela própria ou outra lhe atribua essa natureza: a eficácia retroactiva de uma lei depende de uma vontade legislativa nesse sentido, cabendo, por conseguinte, ao intérprete apreciar se a nova lei quer, ou não, atribuir-se tal eficácia, ou se esta lhe é porventura atribuída por outra lei.

     Ora, o simples facto de uma lei consagrar uma solução que já na lei anterior certa jurisprudência ou certa doutrina julgava consagrada não é suficiente para se atribuir natureza interpretativa àquela lei, pois não é indício seguro de que esta queira ter eficácia retroactiva, o que, dada a sua gravidade, não pode, sem mais, presumir-se”.

    Para o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 17-02-1998, recurso n.º 42544, Secção do Contencioso Administrativo, publicado no BMJ n.º 474, pág. 195, o n.º 4 do artigo 40.º do Estatuto das Pensões de Sobrevivência (apenas) determina que a qualidade de «herdeiro hábil» se estabelece segundo o regime vigente à data da morte do contribuinte, não conferindo efeitos retroactivos, em qualquer caso, à definição dessa qualidade.

     O Tribunal de Évora moveu-se dentro do quadro legislativo então existente; face à nova lei e à nova pretensão deduzida pela demandante, ou melhor, à antiga pretensão de compensação de dano desgosto formulada inicialmente, mas fundada na nova lei no recurso subordinado, o Tribunal da Relação de Évora moveu-se num quadro legislativo diverso, não reapreciou a questão abordada pela sentença de Évora com os mesmos fundamentos, decidiu com base em outro posterior e diverso enquadramento jurídico; logo não reponderou o já decidido, mas decidiu “ex novo”.

      Para Miguel Teixeira de Sousa, em anotação ao acórdão do STJ de 06-07-2011, proferido na revista n.º 23/07.9TBSTB.E1.S1, da 7.ª Secção, em Cadernos de Direito Privado, n.º 36, Outubro/Dezembro 2011, pág. 60, este facto não é impedimento, afirmando que “nada parece haver a objectar à aplicação da lei nova por um tribunal de recurso, pelo menos quando essa lei não exija a consideração de factos diferentes daqueles que tinham sido alegados pelas partes – o que, aliás, é o caso na sucessão de regimes decorrentes da Lei n.º 23/2010. Deve ainda acrescentar-se que, para além de qualquer problema teórico, há uma razão pragmática que milita a favor da possibilidade de os tribunais de recurso aplicarem uma lei nova que tenha entrado em vigor durante a pendência da causa: é que não tem sentido proferir uma decisão de improcedência com base na lei antiga quando a parte pode obter, numa acção posterior, uma decisão de procedência com fundamento na lei nova; não decidir favoravelmente à parte no próprio recurso implica remeter essa parte para uma outra acção, destinada apenas a obter o que ela podia ter conseguido na decisão da primeira causa”.   

    Ora, no presente caso não há possibilidade de outra via subsidiária, de uma alternativa, de um outro modus faciendi, de lançamento de um “Plano B”, não se podendo colocar a questão em termos de pragmatismo.

    No nosso concreto caso, muito diversamente, o problema de sucessão de leis, quanto à específica matéria em causa, situada, não num plano de um direito público de cumprimento de prestações sociais, de assistência social, mas antes no privatístico plano de responsabilidade civil aquiliana, concretizada ao nível de responsabilidade da conexa, mas individual, responsabilidade criminal, todavia, transferida, por via contratual, para o privado (as seguradoras), posiciona-se, hialinamente, apenas no plano teórico, de discussão ao nível da interpretação do artigo 12.º do Código Civil, estando de todo arredada, naturalmente, por força da própria natureza do dano em discussão, qualquer consideração de cariz utilitário ou pragmático.

    Na perspectiva das prestações sociais, a divergência na jurisprudência situa-se ao nível da exigência de observância das regras do ónus da alegação e prova dos factos constitutivos do direito - artigo 342.º, n.º 1 – considerações que aqui não relevam.

    No caso presente estamos face a um pedido de indemnização fundado em responsabilidade civil emergente de acidente de viação.

    Enquanto no que toca à nova redacção do artigo 6.º da Lei n.º 7/2001 em que estão em causa prestações sociais a lei nova (LN) reformula o modo processual e os requisitos exigíveis à sua obtenção, com ela se operando a determinação do meio instrumental/processual adequado à obtenção do direito, alterando o modo de exercício do direito às prestações sociais, no caso em causa é reconhecida ao unido de facto sobrevivo a titularidade do direito a indemnização por dano não patrimonial fundado em facto ilícito gerador de responsabilidade civil.

    Em causa a compensação por dano desgosto, entendendo-se de forma geral que no elenco constante do n.º 2 do artigo 496.º não era possível integrar o unido de facto sobrevivente, não suscitando a norma reais dificuldades de interpretação.

    Estamos, pois, perante realidades muito diversas.

    Não pode considerar-se que a solução ora dada já pudesse considerar-se estabelecida na lei anterior, embora sobre o seu entendimento houvesse opiniões diferentes. 

    Como refere Rodrigues Bastos, em Das leis, sua interpretação e aplicação, 2.ª edição, 1978, pág. 49 “Para que a lei nova se possa considerar verdadeira lei interpretativa é necessário que a lei anterior tenha suscitado reais dificuldades de interpretação. Na ausência dessa controvérsia jurisprudencial a lei nova é modificativa”.   

    De há muito o Supremo Tribunal de Justiça tomou posição no sentido de que a responsabilidade civil por acidente de viação é regulada pela lei vigente na data do acidente - assim no acórdão de 27-07-1971, processo n.º 63702, BMJ n.º 209, pág. 120.

    No acórdão de 16-01-1970, processo n.º 62884, BMJ n.º 193, pág. 359, decidira-se já que “o novo Código Civil entrou em vigor em 1-06-1967, e por isso, não é aplicável a uma acção de indemnização por facto ilícito proposta em Janeiro”.

     O acórdão de 31-07-1970, processo n.º 63226, BMJ n.º 199, pág. 214, considerou que o artigo 503.º do Código Civil não era aplicável a acidente ocorrido antes da entrada em vigor do diploma.       

     A LN reconhece um direito novo ao unido de facto sobrevivente, alargando o âmbito de titularidade do direito a indemnização por dano não patrimonial.

     O dano desgosto constitui-se no momento da morte do ente querido, nesse momento se adquirindo os direitos que emergem dessa morte provocada por facto ilícito.

     Como salienta Almeida Costa, Direito das Obrigações, pág. 553, “embora se dirijam ambos a reparação de danos, são distintos os institutos de responsabilidade civil extracontratual e os esquemas de segurança social.

    Existe na responsabilidade civil um problema de justiça individual, de ponderação de interesses do autor do facto danoso e da vítima, ao passo que a segurança social se baseia em considerações de justiça colectiva”.

    Naquelas situações de pedidos de pensões em causa está um direito de natureza social, tratando-se de reposição de justiça social.

    Aqui não, trata-se de compensação por dano originado por facto ilícito, por prática de crime de homicídio negligente, recaindo sobre o lesante, o responsável pela produção do acidente mortal, a obrigação de reparação.

    No campo da responsabilidade civil e da indemnização por danos não patrimoniais a Lei n.º 23/2010 é absolutamente inovadora.

    Dantes, eram reguladas, de entre os efeitos favoráveis aos unidos de facto, apenas questões relacionadas com segurança social, assistência, direito a habitação, alimentos, restritas, pois, a aspectos de índole patrimonial. 

    Por outro lado, há que considerar que os direitos derivados da morte do membro de união de facto surgem à data da morte.

     Por essa altura em 16 Abril de 2009, no horizonte de expectativas da companheira sobreviva não figurava direito a indemnização por dano desgosto com assento na lei.

     Mas do lado do lesante, a quem incumbirá pagar as indemnizações, o espectro do eventual arco indemnizatório a satisfazer tinha os seus contornos definidos, as suas limitações, as vigentes e conhecidas à face da lei então aplicável e apenas essas, e este tipo de consideração não pode ser arredado na análise a efectuar.

     O falecimento é um facto que faz surgir uma situação jurídica de constituição instantânea, sendo aplicável a lei contemporânea da aquisição do direito.    

     Como de forma clara dizia o Professor Inocêncio Galvão Telles, Direito das Sucessões, Noções fundamentais, 6.ª edição (Reimpressão), Coimbra Editora, 1996, págs. 307/8, “Os factos da vida real - compra e venda, casamento, testamento, nascimento, morte, homicídio, acto administrativo, etc. – têm, em si próprios e nas suas consequências, o estatuto que lhes é dado pelo ordenamento jurídico; recebem, em princípio, o estatuto definido pelo ordenamento jurídico em vigor quando se produzem. Por isso, se surge uma lei nova, esta não pode influir sobre eles, que têm já a sua regulamentação. A lei antiga, apesar de revogada, continua a ser tomada em conta, porque é à sua luz que têm de ser vistas as realidades que dela receberam a respectiva definição. O ordenamento jurídico contradir-se-ia se, submetendo a determinado regime um facto ou uma situação, viesse depois retirar-lho”.   

     Conclui-se assim, que a alteração do artigo 496.º, n.º 3, só valerá para o futuro, o que significa revogar o decidido pelo acórdão recorrido neste segmento.       

    Decisão

      Pelo exposto, acordam no Supremo Tribunal de Justiça em:

1 - Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela demandada seguradora, e em consequência:

 - Manter a condenação por indemnização por danos patrimoniais na vertente de dano por perda de alimentos;

 - Reduzir o montante indemnizatório fixado a tal título pelas instâncias, fixando-o em 110.000,00 € (cento e dez mil euros), acrescido de juros de mora nos termos definidos nas instâncias;

- Revogar o acórdão recorrido na parte em que condenou a demandada no pagamento da quantia de € 20.000,00, a título de indemnização por dano não patrimonial, improcedendo, assim, o recurso subordinado apresentado pela demandante.

     Custas pela demandante e pela demandada, tendo em conta as respectivas sucumbências. 

     Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do CPP.

Lisboa, 8 de Março de 2012

Raul Borges (relator)
Henriques Gaspar