Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
09S0625
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: VASQUES DINIS
Descritores: PACTO DE NÃO CONCORRÊNCIA
CLAUSULAS DE EXCLUSIVIDADE
CONSTITUCIONALIDADE
CLAUSULAS DE CONFIDENCIALIDADE
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
NEXO DE CAUSALIDADE
Nº do Documento: SJ200912100006254
Data do Acordão: 12/10/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA REVISTA
Sumário :
I – A possibilidade de, no contrato de trabalho, se estipular, por escrito, a obrigação de o trabalhador não exercer, no período máximo de 2 anos subsequentes à cessação do contrato, actividade cujo exercício possa efectivamente causar prejuízo ao empregador, com a atribuição ao trabalhador de uma compensação adequada durante o período convencionado, consignada no artigo 146.º, n.º 2, do Código do Trabalho de 2003, não viola o princípio da liberdade de trabalho consagrado no artigo 47.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

II - A obrigação de exclusividade, eventualmente, consignada em cláusula acessória do contrato de trabalho, se referida a actividades concorrentes com a do empregador, não releva com autonomia, na perspectiva de restrição à liberdade de trabalho, por se tratar de obrigação inerente à relação laboral, por força do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 121.º do referido Código, como afloramento do dever geral de lealdade.

III - A licitude da cláusula de exclusividade que limite o exercício de actividades não concorrentes com a do empregador há-de ser averiguada segundo critérios de adequação e proporcionalidade, em função de um real e efectivo interesse do empregador (atendendo, designadamente, ao sector económico em que a empresa se insere) correlacionado com a natureza das tarefas objecto do contrato (tendo em conta a complexidade técnica destas, o tempo exigido para um eficiente desempenho e a responsabilidade do trabalhador, que podem reclamar disponibilidade total).

IV - A cláusula inscrita no contrato de trabalho, segundo a qual o trabalhador se vinculou a não aceitar outros trabalhos remunerados ou não remunerados por terceiros e /ou de levar a cabo negócios por sua conta, sem o prévio consentimento do empregador, e este se comprometeu, em contrapartida, a pagar-lhe 20% da remuneração mensal bruta, não se verificando os factores referidos no ponto III, só pode considerar-se lícita se encarada como tendo em vista reforçar a protecção legal contra o perigo de concorrência.

V - Se, no pacto de não concorrência, a obrigação assumida foi a de, no período de 12 meses subsequentes à cessação do contrato de trabalho, não prestar serviços profissionais de delegada de informação médica, definidos como envolvendo o permanente contacto com médicos, colaboração com médicos em sessões de informação e formação e utilização de um formulário de prescrição, não pode afirmar-se o incumprimento do pacto quando apenas se prova que a trabalhadora constituiu uma sociedade concorrente da qual foi designada co-gerente e, após a cessação do contrato, trabalhou como vendedora de fundos de investimentos para uma sociedade do mesmo grupo da última.

VI - A constituição, pelo trabalhador, de uma sociedade concorrente do empregador, na vigência do contrato, sendo um acto que configura infracção ao dever de lealdade prescrito na alínea e) do n.º 1 do artigo 121.º do Código do Trabalho de 2003, não basta, por si só, para fundar o direito a indemnização, tornando-se necessária a demonstração de que da actividade desenvolvida pela nova sociedade, no período de vigência da relação laboral resultaram danos para o empregador, o que pressupõe o estabelecimento de um nexo de causalidade, a efectuar em função da matéria de facto apurada, à luz da doutrina da causalidade adequada, na sua formulação negativa, acolhida no artigo 563.º do Código Civil.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. No Tribunal do Trabalho de Vila Franca de Xira, em acção com processo comum, intentada em 10 de Agosto de 2006, S... DHS, S.A., S... en P..., demandou AA, pedindo, com fundamento em alegada violação, por parte da demandada, de cláusulas de Confidencialidade e Segredo Profissional, Exclusividade e Pacto de Não Concorrência, inseridas em contrato firmado pelas partes, a condenação da Ré no pagamento, com juros de mora: i) de uma indemnização, a fixar equitativamente, de valor não inferior a € 250.000,00, pelos prejuízos emergentes da violação dos deveres de confidencialidade, segredo e exclusividade; ii) da importância de € 50.000,00, valor da cláusula penal fixada no pacto de não concorrência; iii) das importâncias de € 5.351,21 e € 3.750,00, como reembolso do recebido pela Ré, a título de compensação, respectivamente, das obrigações de exclusividade e de não concorrência.

A Ré contestou, impugnando os fundamentos da acção, e deduziu reconvenção, vindo a Autora a apresentar articulado de resposta.

Saneada, instruída e discutida a causa, foi proferida sentença que julgou improcedentes a acção e a reconvenção.

Para decidir no sentido da improcedência da acção, o tribunal recorrido concluiu que quer a cláusula de exclusividade, quer a de não concorrência, a que a Ré se vinculou, constituem inadmissíveis restrições ao direito de livre escolha de profissão consignado no artigo 47.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (doravante, Constituição); no que concerne ao pedido fundado na alegada violação da cláusula de segredo e confidencialidade, entendeu não se ter provado matéria de facto bastante para sustentar a condenação na respectiva indemnização; relativamente ao reembolso das quantias alegadamente pagas a título de compensação de exclusividade, sustentou o juízo de absolvição no facto de a Autora não ter feito prova do alegado pagamento; e, quanto ao reembolso de importâncias alegadamente pagas a título de compensação da obrigação de não concorrência, considerou que, embora se tivessem provado alguns pagamentos e, em princípio, a inconstitucionalidade da atinente cláusula houvesse de conduzir à restituição do recebido, no caso concreto, a tal não haveria lugar, porque a causa de pedir invocada foi a violação do pacto de concorrência, e não a violação por este de norma constitucional.

2. Não se conformou a Autora, por isso que veio pedir revista, tendo formulado, a terminar a alegação, conclusões assim redigidas:

«a) Estando preenchidos os requisitos legais necessários para o efeito, requer-se que o presente recurso interposto da douta sentença recorrida proferida em 1.ª instância suba directamente per saltum ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 725.º, n..º 1, do CPC (ex vi do art. 1.º, n.º 2, alínea a), do CPT/99), a ser processado como revista.

b) Salvo o devido respeito, a douta sentença recorrida faz uma errada interpretação e aplicação do direito, já que as cláusulas de exclusividade e pacto de não concorrência não são inconstitucionais, tal como se decidiu no douto Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 256/2004, de 14/04/2004 – que se dá aqui por integralmente reproduzido –, na senda da doutrina maioritária e da jurisprudência constante deste STJ, que tem sucessivamente acolhido sem reservas a não inconstitucionalidade do art. 146.º, n.º 2 do CT.

c) A jurisprudência do STJ é pacífica ao reconhecer que tal restrição da liberdade ao trabalho se funda em interesses de ordem pública, perfeitamente justificados – (cf. por todos o Ac. STJ, de 07-05-2008, rec. 08S322).

d) O pacto de não concorrência, apesar de limitar a liberdade de trabalho, não se pode considerar inconstitucional, porque restringe justificadamente uma liberdade e, além disso, a limitação não é absoluta, pois, atendendo ao disposto no artigo 81.º, n.º 2, do Código Civil, a R. podia, a todo o tempo, desvincular-se desde que tivesse compensado a A. dos inerentes prejuízos.

e) Com a devida vénia, andou mal, pois, a douta sentença recorrida, ao recusar a aplicação do art. 146.º, n.º 2, do CT, da cláusula de exclusividade e do pacto de exclusividade, com fundamento na inconstitucionalidade das mesmas, por violação do art. 47.º/1 e 58.º CRP.

f) Pelo que, tendo sido estipulada cláusula penal para o incumprimento do pacto de não concorrência, que se comprovou, deve a R. ser condenada no pedido.

g) No que respeita à cláusula de exclusividade (ou dever de não concorrência na vigência do contrato) esta é tipificada na própria lei como concretização do dever de lealdade (art. 121.º/1-e) do CT) e da boa fé (762º/2 do CC).

h) Os deveres de lealdade e boa fé são verdadeiros princípios gerais, de aplicação directa e imediata, e os quais, pela sua própria natureza, não podem ser restringidos ou condicionados por acordo entre as partes (v.g. mediante a condição do pagamento de uma compensação económica não prevista na lei), sob pena de subversão da função destes princípios no nosso sistema jurídico.

i) Sendo assim, a douta sentença recorrida não podia desaplicar a cláusula de exclusividade, com o fundamento em que não se provou o pagamento da compensação de exclusividade (a qual não é exigível por lei), e que a retribuição da R. se manteve inalterada, continuando a auferir € 2.142,86.

j) Desde logo, provou-se que a R. passou a gozar, além da sua retribuição mensal em dinheiro, do uso pessoal e permanente de uma carrinha Mitsubishi, a qual foi substituída por uma carrinha nova Audi A4 preta, o que também integrava a retribuição da R. (arts. 74 e 75 dos factos provados).

k) Além disso, sendo de aplicação directa e imediata, os deveres legais de lealdade e boa fé não permitiam a actividade concorrencial iniciada pela R. durante a vigência do contrato de trabalho, independentemente do pagamento ou não da compensação estipulada a esse título.

l) A excepção de não cumprimento só opera nas obrigações sinalagmáticas (art. 428.º do Código Civil), onde não se incluem as obrigações emergentes da cláusula de exclusividade, corolário dos deveres de lealdade e boa fé, que são princípios de aplicação directa e imediata.

m) Na situação sub judice, a actuação da R., na medida em que constituiu uma empresa directamente concorrente com a A., da qual era sócia-gerente, na mesma área de mercado, sendo reduzido o mercado em causa e preciosa a informação sobre o funcionamento do mesmo, só pode ser considerada causa adequada da súbita e drástica diminuição das vendas da A., sem paralelo nos anos anteriores, o que se comprovou.

n) O STJ tem decidido no sentido de que, segundo a teoria da causalidade adequada, no nexo de causalidade entre o facto e o dano, a ligação é feita mediante um nexo de adequação do resultado danoso à conduta do lesante, tendo sido adoptada pela nossa lei a formulação negativa da teoria da causalidade adequada (mais ampla), ou seja, o facto que actuou como condição do dano só deixa de ser considerado como causa adequada, quando para a sua produção tiverem contribuído decisivamente circunstâncias anormais, excepcionais, extraordinárias ou anómalas, o que não se verifica no caso concreto (cf. art. 46 dos factos provados).

o) Segundo as regras da lógica e da experiência, e em face dos factos provados, é pois lícito concluir que a queda de vendas ocorrida na A. é consequência natural da entrada no mercado de uma nova empresa directamente concorrente com a A., constituída pela R. em 23/01/2006, e da qual tornou-se sócia-gerente, ainda durante a vigência do contrato de trabalho, no grupo da qual continua a trabalhar, no mesmo local e em instalações comuns, sendo reduzido o mercado em causa e preciosa a informação sobre o funcionamento do mesmo, estando esta empresa a utilizar idêntico formulário de prescrição médica que havia sido criado pela IPI, fruto de anos de investigação e investimento, o que também constitui violação da cláusula de confidencialidade e segredo profissional, corolários do dever de lealdade.

p) Atenta a matéria dos autos, a R. violou, tanto durante como para além da vigência do contrato de trabalho, as cláusulas de confidencialidade, segredo profissional e exclusividade a que se vinculou, corolários do dever de lealdade (arts. 121/1-e) do CT) e de boa fé (art. 762.º/2 do CC).

q) O incumprimento da R. presume-se culposo, nos termos do n.º 1 do art. 799.º do CC, devendo, consequentemente, indemnizar a A. pelo interesse contratual positivo, ou seja, o valor do prejuízo para o lesado aferido pela diferença entre a situação real e a situação hipotética caso não houvesse a violação, sendo ainda de atender aos previsíveis danos futuros, nos termos dos arts. 564.º e 566.º do Código Civil.

r) A douta sentença recorrida também merece censura, na medida em que, recusando-se a aplicar o pacto de não concorrência, que julgou inválido e de nenhum efeito, todavia não condenou a R. no pedido de reembolsar a A. das quantias recebidas por aquela como compensação a esse título, o que viola o art. 289.º, n.º 1, do C.C., que impunha a restituição do que havia sido prestado.

s) Ao não ter julgado em conformidade com as antecedentes conclusões, a douta sentença recorrida sofre de erro de julgamento, tendo violado as sobrecitadas disposições legais, devendo a R. ser condenada no pedido.»

A Ré contra-alegou a pugnar pela confirmação do julgado.

Neste Supremo Tribunal, a Exma. Magistrada do Ministério Público emitiu parecer em que expressou o entendimento de que nenhuma das cláusulas do contrato ofende o artigo 47.º, n.º 1, da Constituição, mas considerou que não se provaram factos susceptíveis de configurar a violação das mesmas, tendo, outrossim, ficado por demonstrar o nexo de causalidade e a alegada violação, pelo que concluiu no sentido de ser negada a revista.

A tal parecer respondeu a Autora para reafirmar a posição anteriormente assumida.

3. Suscitam-se na revista as seguintes questões:

— Violação, pelas cláusulas de não concorrência e de exclusividade, do princípio da liberdade de escolha da profissão consignado no n.º 1 do artigo 47.º da Constituição;

— Verificação dos pressupostos de facto em que vêm alicerçados os pedidos de indemnização e de reembolso.

Corridos os vistos, cumpre decidir.


II

1. O tribunal recorrido fixou os factos materiais da causa nos seguintes termos:

«1 - A A. é a sucursal em Portugal da sociedade farmacêutica denominada S... DHS E... S.A, com sede em Barcelona, tendo esta por objecto, (i) com carácter geral, o estudo, a preparação, a fabricação, a distribuição e a venda em Espanha e no estrangeiro de quaisquer produtos químicos e/ou farmacêuticos; (ii) em especial o estudo e investigação de todas aquelas questões e aspectos relacionados com a alergologia, entre outros, a fabricação, a importação, a comercialização, a distribuição, e a venda em Espanha e no estrangeiro de alergénicos para diagnóstico e/ou terapêutica; (iii) a tramitação e depósito dos pedidos de autorização vinculados aos produtos incluídos no presente objecto social, bem como o registo, aquisição e exploração directa ou indirecta de quaisquer marcas de produtos e/ou serviços vinculados directa ou indirectamente a esses produtos; (iv) quaisquer operações e actividades comerciais, industriais, mobiliárias e imobiliárias vinculadas directa ou indirectamente ao objecto social da sociedade ou aptas a facilitar o desenvolvimento, crescimento e/ou expansão da sociedade, conforme documento junto de fls. 33 a 35 dos autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.

2 - A A. actua no mercado da indústria farmacêutica, com especial ênfase, no mercado nacional, dos medicamentos e vacinas alergénicas para tratamento de doentes alérgicos (imunoterapia).

3 - Estes produtos alergénicos da A. são distribuídos em Portugal pela distribuidora “C... C... F..., Lda.”.

4 - No âmbito da sua actividade, a A. promove e comercializa medicamentos e vacinas alergénicas sob as suas marcas “IPI” e “S...”, o que faz segundo técnicas próprias.

5 - A R. trabalhava ao serviço da A. na sequência da aquisição por esta da empresa “I... P... I... P... – P... F..., Lda.”, também conhecida como “IPI”, marca espanhola de produtos alergénicos, onde a R. trabalhava desde Novembro de 1999, tendo sido outorgado contrato no dia 1.04.2005, nos termos do qual a IPI Portugal cedeu à A. o contrato de trabalho por aquela celebrado com a R., nos termos constantes do documento junto de fls. 36 a 42 dos autos, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.

6 - A R. exercia a profissão de delegada de informação médica, auferindo a remuneração anual bruta de € 30.000,00 (trinta mil) euros.

7 - Consta da cláusula 4.ª, alínea f) do contrato a que se alude em 5), sob a epígrafe “Pacto de Não Concorrência”, que:

«Tendo em conta o notório interesse comercial e industrial da S... Portugal em preservar a sua posição competitiva no mercado e de que os conhecimentos adquiridos pelo Trabalhador no âmbito do contrato de trabalho ora cedido pressupõem um valor adquirido na prossecução da sua actividade, ambas as partes acordam em estabelecer as obrigações e compensações necessárias e suficientes para todos os efeitos e a subscrever o presente pacto de não concorrência para vigorar posteriormente à cessação do contrato de trabalho ora cedido.

Para tal efeito, o Trabalhador reconhece o interesse da S... Portugal em preservar tais conhecimentos e obriga-se a, durante um período de 12 (doze) meses seguintes à data da cessação do contrato de trabalho ora cedido por qualquer forma, não contratar com trabalhadores da S... Portugal nem prestar os seus serviços profissionais de alguma forma, directamente ou através de terceiros, para sociedades que actuem no sector químico-farmacêutico, de alergénicos e vacinas alergénicas, nem para sociedades concorrentes da S... Portugal ou outras pertencentes ao Grupo, seja qual for a sua sede social ou a sua localização geográfica.

Como compensação pelo presente pacto de não concorrência pós contrato de trabalho e pelo período que este durar, a S... Portugal pagará ao Trabalhador uma retribuição de 30% sobre a remuneração bruta fixa anual, que o Trabalhador deverá receber a partir da data da cessação do contrato de trabalho.

O pagamento desta retribuição será efectuado em parcelas (1/12 parte/mês) ao longo de 12 (doze) mensalidades consecutivas, sendo a primeira parcela paga no último dia útil do mês seguinte ao da cessação do contrato de trabalho. O Trabalhador declara expressamente aceitar que a referida retribuição compensa de forma suficiente as obrigações de não concorrência assumidas pelo presente pacto.

O incumprimento das suas obrigações por parte do Trabalhador será causa automática de rescisão do presente pacto e dá o direito à S... Portugal para iniciar os necessários processos judiciais com vista à indemnização pelos danos e prejuízos causados que se quantificam, a título de cláusula penal, em € 50.000,00 (cinquenta mil euros)».

8 - Consta da cláusula 4.ª, alínea f) do contrato a que se alude em 5), sob a epígrafe “Confidencialidade e Segredo Profissional”, que:

«Durante a vigência do contrato de trabalho ora cedido, o Trabalhador salvo no exercício das suas funções e quando seja em benefício da S... Portugal, não deverá divulgar a outra pessoa ou sociedade tanto em Espanha como fora do país, informação relativa aos assuntos, negócios, finanças, contactos comerciais, clientes e outras matérias relacionadas com a S... Portugal, sem a expressa autorização da mesma, devendo utilizar todos os meios necessários para evitar a publicidade de tais informações, conhecimentos e informação.

Tanto durante a vigência do seu contrato de trabalho com a S... Portugal como uma vez extinto o mesmo, o Trabalhador guardará segredo sobre as características e peculiaridades da exploração e negócios da S... Portugal e sociedades do Grupo em tudo o que se relacionar com informação confidencial, isto é, aquela que não seja do conhecimento geral fora da S... Portugal, qualquer que seja a matéria que trate.

A obrigação de segredo profissional implica que não haverá uso de nenhuma informação relativa a operação ou possíveis operações da S... Portugal e não revelará a ninguém, sem autorização da mesma, nenhuma informação ou segredo comercial ou confidencial relativo às actividades da S... Portugal nem facilitará informação relativa a eventos, investigações, planos comerciais ou investigações sobre o mercado, feitas ou levadas a cabo por ou para a S... Portugal e empresas do Grupo.

Em qualquer caso, o Trabalhador obriga-se a deixar na S... Portugal toda a documentação, amostras, materiais, fórmulas referidas nas actividades da mesma e que estão em seu poder, pelo que em nenhum caso poderá utilizar e reter qualquer documentação.

Todo o incumprimento da obrigação de segredo profissional que se estabelece na presente cláusula constituirá justa causa de despedimento, podendo exigir à S... Portugal, se o considerar necessário, as correspondentes indemnizações por danos».

9 - Consta da cláusula 4.ª alínea f) do contrato a que se alude em 5), sob a epígrafe “Exclusividade”, que:

«O trabalhador abster-se-á de aceitar outros trabalhos remunerados ou não remunerados por terceiros e/ou o de levar a cabo negócios por sua conta sem o prévio consentimento escrito da S... Portugal.

20% da remuneração mensal bruta corresponde a compensação económica pela celebração da presente cláusula de exclusividade».

10 - A actividade de delegada de informação médica envolvia o permanente contacto com os médicos prescritores de produtos da A..

11 - Cada vacina é especialmente encomendada e manuseada para o efeito, através da exacta mistura e dosagem de produtos e químicos terapêuticos.

12 - As vacinas alergénicas consistem num produto alergénico preparado sob prescrição médica individualizada, a partir de extractos alergénicos.

13 - Estas preparações são variáveis ou em uma concentração específica adequada à sensibilidade do paciente, com propósito terapêutico, conforme prescrição médica individualizada.

14 - O seu objectivo é diminuir a reactividade imunológica através da hipossensibilização específica.

15 - Cada vacina é criada tendo em atenção um tratamento específico e um doente concreto.

16 - O acto médico de prescrição de vacinas alergénicas é feito pelo preenchimento dos campos do formulário de prescrição médica.

17 - No desempenho das suas funções, também cabia à R. colaborar com os médicos prescritores em sessões de informação e formação sobre terapêutica alergénica, divulgação e utilização daquele formulário.

18 - Dadas as especificidades da terapêutica de doentes alergénicos, e o reduzido número de médicos prescritores especializados, é preciosa a informação sobre o funcionamento deste mercado, adquirida pela A..

19 - A R. tinha poderes genéricos de administração civil e comercial da “I... P... I... Portugal”.

20 - Por escritura lavrada no dia 23.01.2006, no Cartório Notarial do Centro de Formalidades das Empresas de Lisboa Um, a R., BB e “L... Q P...., S.L.” constituíram a sociedade “L... Q P..., Lda.”, com sede na Avenida ..., n.º ..., freguesia do Campo Grande, concelho de Lisboa.

21 - A sociedade “L... Q P..., Lda.” tem por objecto o comércio, por grosso, de produtos farmacêuticos e o fabrico, importação, exportação, distribuição e representação dos mesmos; comércio de medicamentos não sujeitos a receita médica fora de farmácia, produtos naturais, cosméticos, perfumes, produtos dietéticos e vacinas, consultoria para os negócios e a gestão; investigação, estudos e projectos de ensaios e formação na área da saúde.

22 - Na escritura a que se alude acima consta uma “Disposição Transitória” com o seguinte teor: “UM – A sócia AA o e o não sócio CC, …, ficam, desde já, nomeados gerentes”.

23 - A sociedade “L... Q P..., Lda.” encontra-se registada na CRComercial de Lisboa, 2.ª Secção, constando como Av. 1 – AP 15/20060413 – a renúncia da R. à gerência.

24 - A A. e a sociedade “L... Q P..., Lda.” actuam na mesma área de mercado em todo o território nacional.

25 - Por carta de 12 de Dezembro de 2005, a R. subscreveu e enviou à A. a carta junta a fls. 117 e 118 dos autos, cujo teor aqui se tem por reproduzido, na qual comunica “para os devidos e legais efeitos, nos termos do n.º 1, do art. 447.º do Código do Trabalho, denunciar o contrato de trabalho que a liga à Entidade Patronal”, e que assim “o mesmo, deixará de vigorar 60 (sessenta) dias após a recepção da presente Comunicação/Aviso prévio por parte da Entidade Patronal”.

26 - A carta a que se alude acima foi recebida no dia 13 de Dezembro de 2005, tendo o contrato de trabalho cessado no dia 13 de Fevereiro de 2006.

27 - Desde o dia 14 Fevereiro de 2006 a A. pagou mensalmente à R. a quantia € 750,00 (setecentos e cinquenta euros), correspondente a 30% sobre a remuneração bruta fixa anual que esta auferia, a título de compensação de não concorrência.

28 - A partir de Julho de 2006, a A. deixou de pagar à R. a quantia a que se alude supra.

29 - No que respeita às vendas a pacientes sob tratamento em curso, a tendência normal dos médicos será continuar a prescrever a vacina da marca que vem sendo ministrada habitualmente aos seus doentes.

30 - Nas vendas a doentes em início de tratamento, não existe qualquer inconveniente na prescrição de uma marca diferente, pelo que o mercado de vendas a novos doentes é muito mais volátil à concorrência.

31 - Os produtos da marca “Q A...”, medicamentos alergénicos concorrentes da Autora, estão a ser promovidos, comercializados e distribuídos pelos “L... Q P... Lda.”.

32 - A I... P... I... P... iniciou a sua actividade no ano de 1999, tendo tido como gerentes os Senhores DD, EE, FF e GG.

33 - Durante o período [em] que esteve ao serviço da A., na sua qualidade de delegada de informação médica, a R. era a primeira responsável pela promoção dos produtos da IPI, junto dos médicos prescritores dos produtos da IPI.

34 - Essa actividade pressupunha o exacto conhecimento, por parte da R., quer do mercado quer dos produtos e técnicas da IPI, para que os médicos prescritores pudessem cada vez mais e melhor, prescrever os produtos da IPI.

35 - No exercício da sua profissão ao serviço da A., a R. utilizava regularmente junto dos médicos prescritores, um formulário de prescrição de vacinas para tratamento de doenças alergénicas idêntico ao constante da cópia que se mostra junta a fls. 43 dos autos, mas com identificação diferente no canto superior esquerdo e outra morada.

36 - Esse formulário de prescrição médica foi criado e desenvolvido pela IPI.

37 - No exercício da sua profissão de delegada de informação médica, a R. teve acesso à estratégia de Marketing da IPI e em virtude das suas funções, ainda teve acesso à identificação de médicos prescritores de vacinas para tratamento de doenças alergénicas, com quem contactava regularmente.

38 - As amostras e fórmulas da A. são fruto de dezenas de anos de investigação científica da A., e resultado de avultado investimento desta na sua actividade comercial.

39 - A prescrição médica de vacinas alergénicas, como as da A., destina-se ao tratamento específico de doentes alérgicos, sendo cada prescrição única.

40 - Por força das funções que exerceu ao serviço ainda da IPI, a R. adquiriu conhecimentos respeitantes às actividades, técnicas e produtos da IPI.

41 - No exercício da sua actividade, os “L... Q P... Lda.” promove[m] e comercializa[m] as suas marcas “Q P...”, de medicamentos, e “Q A...”, de vacinas alergénicas para doentes alérgicos.

42 - O formulário de prescrição de vacinas alergénicas que veio a ser utilizado pela marca “Q A...”, cuja cópia se encontra junta a fls. 111 dos autos, é idêntico ao formulário da marca “IPI/S...”, diferindo na cor e em certas alíneas.

43 - Em igual período do ano anterior (Março/Maio de 2005), a quota de mercado da A., no que respeita aos produtos da marca “IPI”, era de 15 %, e actualmente é de 10 %.

44 - Em igual período do ano anterior (Março/Maio de 2005), as vendas da A., no que respeita aos produtos da marca “IPI”, eram de € 173.000,00, e actualmente são de € 122.000,00, mantendo-se a tendência decrescente.

45 - A média de facturação dos últimos 2 anos, no que respeita aos produtos da marca “IPI”, tem sido constante, na ordem dos € 62.238,00/mês, mas no primeiro semestre de 2006 caiu para € 43.230/mês, mantendo-se a tendência decrescente.

46 - Não se verificou qualquer alteração no mercado em que actua a A., nem na A. ocorreu ruptura de stocks ou alteração dos produtos comercializados.

47 - A diminuição de vendas da A. tem sido constante, chegando a atingir, em Abril de 2006, apenas 17% e 63% do volume de vendas em igual período do ano anterior, consoante vendas para doentes em início de tratamento ou para tratamentos em curso.

48 - Em relação aos tratamentos iniciais, apesar de haver uma tendência de queda entre os 12% e os 29% entre os meses de Setembro de 2005 e Janeiro de 2006 comparativamente com o mesmo período do ano anterior, foi a partir do mês de Fevereiro de 2006 que essa queda se acentuou, começando com uma queda de 66% em Fevereiro e 65% em Março e passando ainda para valores superiores em Abril (83%) e Maio (85 %).

49 - Relativamente aos tratamentos em curso, enquanto nos últimos 5 meses de vendas a média mensal de vendas era de € 62.238,00, nos meses de Fevereiro, Março, Abril e Maio de 2006 a média passou para € 43.230,00, o que representa uma quebra de 43,9 % e uma perca de mais valias de € 19.008,00 mensais.

50 - Apesar de ter começado em Fevereiro de 2006, essa quebra teve o seu ponto máximo em Abril de 2006 com uma queda de 59,2 % (€ 51.282,00 para € 32.198,00).

51 - A R. trabalha na “C... E... y B... T..., SA”, como vendedora de fundos de investimento, a qual pertence ao grupo “L.... Q P.... Lda.”.

52 - Quando o documento a que se alude em 5, foi assinado, a R. foi informada que se a tal não acedesse, não se concretizaria o negócio entre a A. e a primitiva entidade patronal da R., a “I... P... I... Portugal”.

53 - A R. foi confrontada com uma minuta previamente redigida.

54 - Em simultâneo com a outorga do contrato a que se alude em 5 foi referenciado à R., e aos demais colegas, que se estavam a obrigar a manter sigilo e confidencialidade, e bem assim, exclusividade.

55 - Em Fevereiro de 2005, o Sr. FF ligou à R. e ao seu colega HH, convocando-os para uma reunião, a qual veio a ocorrer em Março de 2005 nas instalações da I.... P.... I... em Madrid, estando presentes os dois Delegados de Portugal (a R. e o Senhor HH) e todos os delegados de Espanha.

56 - Perante algumas reservas expressas pelos Delegados, designadamente a respeito de se manter a identidade da I... P... I...., foi referido que a ideia não era esta ser absorvida pela S... mas sim manterem-se ambas, tendo-lhes sido ainda dito que só deveriam avisar os médicos depois de o negócio já estar plenamente formalizado.

57 - Ficou então agendada uma reunião para o dia 1 de Abril de 2005, a qual teve lugar nas instalações da I... P... I... sitas na Av.ª ..., em Lisboa e na presença dos Senhores FF e II.

58 - À R., ao Senhor HH e à Senhora JJ, esta última desempenhando actividade como secretária de ambos, foram fornecidos os respectivos contratos, os quais, depois de lidos, assinaram.

59 - Cerca das 13h30 o Senhor II recebeu uma chamada telefónica, posto o que disse à R. e demais colegas que, afinal, o Senhor FF não poderia assinar o contrato, pelo que teriam de assinar novos, sendo que a IPI seria representada pelo Senhor LL.

60 - No dia seguinte, surgiram novos contratos, desta feita já assinados pelo supra referenciado Senhor LL e a R. assinou o seu.

61 - A retribuição da R. manteve-se inalterada, continuando a auferir € 2.142,86.

62 - Existiam dois trabalhadores com a mesma categoria profissional: a R. (Zona Sul) e o Senhor HH (Zona Norte), não sendo nenhum deles responsável pela promoção, sendo o Plano de Marketing e a Estratégia Promocional elaborado por Espanha.

63 - O Dr. MM foi nomeado Director de Portugal.

64 - No mercado da Imunoterapia Específica não existem grandes diferenças nos diversos produtos de cada laboratório, sendo que o que diferencia os produtos uns dos outros são um conjunto de circunstâncias de índole diversa, como seja a estratégia de marketing preconizada por cada um, o delegado e os serviços prestados.

65 - A R., no âmbito da actividade que se obrigou a desenvolver, promovia os benefícios dos produtos da I... P.... I... Portugal, procurando demonstrar a qualidade de serviço inerente aos produtos, designadamente no que respeita à recepção adequada, atendimento a clientes, cumprimento dos prazos de entrega, etc..

66 - O tipo de formulário/ receituário usado pela A. é usado por toda a concorrência, com maiores ou menores divergências em sede de pormenor.

67 - Desde a compra da I... P... I... Portugal pela Stallergènes, a R. deixou de ter conhecimento do Plano Comercial em vigor.

68 - No mês de Setembro de 2005 tiveram lugar reuniões S... - IPI, nos escritórios da primeira em Barcelona, tendo duas reuniões ocorrido separadamente (S... Portugal e IPI, numa e S.... Espanha e IPI, noutra), em que participaram o Senhor II e os delegados da A..

69 - O mercado onde a A. actua é vincadamente um mercado sazonal, ocorrendo o seu pico no período compreendido entre Setembro e Janeiro.

70 - No mercado das vacinas os produtos são caros e obrigatoriamente pagos na totalidade em avanço e sem qualquer comparticipação, sendo o reembolso, normalmente de 50%, pago pelos sistemas de saúde em momento ulterior.

71 - A R. trabalha para a “C... E... y B... T..., SA”, com sede na Avenida ..., ..., r/c, 1059-059 Lisboa.

72 - O contrato a que se alude em 5 foi discutido com a R..

73 - A R., desloca-se quando é necessário, em regra três ou quatro vezes por semana, aos escritórios da “C... E... y B... T..., SA”, sitos na Av. ..., n.º ..., R/C, em Lisboa, os quais dividem o mesmo local e espaço dos escritórios dos “L.... Q P..., Lda.”, com zona de recepção comum e no interior separados e individualizados.

74 - A partir de Setembro de 2005, e enquanto ao serviço da A., a R. detinha o uso pessoal e permanente de uma carrinha Mitsubishi concedido pela R., a qual foi substituída por atingir a quilometragem máxima, por uma carrinha Audi A4 preta que se destinava ao novo gerente, a nomear e enquanto tal não ocorria.

75 - A carrinha referida foi entregue à R., pela A., em estado novo, mas já com quilómetros percorridos e foi restituída pela R. à A., no termo do contrato.

76 - Aquando da mudança de instalações, e encerramento de portas pela A., houve muitas reclamações de doentes e médicos, por causa dessa alteração.»

2. Da violação do princípio da liberdade de escolha da profissão:

2. 1. Consigna o artigo 47.º, n.º 1, da Constituição: «Todos têm direito a escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse colectivo ou inerentes à sua própria capacidade».

A cláusula de exclusividade acordada pelas partes, nos termos da qual «o trabalhador abster-se-á de aceitar outros trabalhos remunerados ou não remunerados por terceiros e/ou o de levar a cabo negócios por sua conta sem o prévio consentimento escrito da S... Portugal» e «20% da remuneração mensal bruta corresponde a compensação económica pela celebração da presente cláusula de exclusividade», foi pelo tribunal recorrido, considerada inadmissível, por violação do princípio plasmado no referido preceito constitucional.

Observou, a propósito, a sentença que, «no âmbito do moderno Direito do Trabalho, “a celebração dum contrato de trabalho não implica a alienação, a favor do empregador, de toda a força de trabalho do trabalhador”, devendo entender-se que, por força da liberdade de emprego, “o trabalhador não perde a legitimidade para exercer outras ocupações profissionais, inclusive recorrendo à celebração de contratos de trabalho laterais” (António Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, Almedina, 549)», prosseguindo:

«E, se é verdade que do ponto de vista da lei ordinária se regista uma omissão no tratamento da exclusividade, a verdade é que tendo a liberdade de trabalho ascendido à categoria de direito fundamental (Art.º 47.º/1 da CRP) dificilmente uma cláusula de exclusividade se compagina com a protecção constitucional.

O Art.º 47.º/1 da CRP dispõe que todos têm direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, o que implica “não ser forçado a escolher (e a exercer) uma determinada profissão”, mas também “não ser impedido de escolher (ou exercer) qualquer profissão” (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da Republica Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, Vol. I, 653).

Ou, noutras palavras, a liberdade de trabalho, tanto se revela liberdade de escolha, quanto de exercício de qualquer profissão, sendo que a liberdade de escolha se decompõe, entre outros, em “direito de escolher livremente, sem impedimentos, nem discriminações, qualquer profissão” e a de exercício no “direito de não ser privado, senão nos casos e nos termos da lei e com todas as garantias, do exercício da profissão” (Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 475 e 476).

Ora, a liberdade de escolha da profissão apenas comporta, em geral, “as restrições decorrentes da colisão com outros direitos fundamentais” (idem, 656), “apontando o seu crescente relevo na ordem constitucional de direitos fundamentais, para a prevalência sobre a liberdade de iniciativa privada e para a valorização do elemento pessoal diante do elemento estritamente económico” (Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 473).

Com a cláusula de exclusividade a que se vinculou, a R. viu restringido o seu direito de livre escolha da profissão, sem que tal restrição se revele uma decorrência legal imposta pelo interesse colectivo ou inerente à própria capacidade.

Tal restrição, no quadro constitucional actual, é inadmissível.

Donde, a cláusula em apreço, se tem como inconstitucional, não podendo, por isso, produzir quaisquer efeitos.»

Relativamente ao pacto de não concorrência, considerou o tribunal a quo:

«O pacto de não concorrência celebrado para vigorar após a cessação do contrato de trabalho encontra consagração legal no Art.º 146.º/2 do CT e não se confunde com o dever laboral de não concorrência imposto ao trabalhador na vigência do contrato de trabalho (Art.º 121.º/1-e) do CT).

Contudo, não obstante a consagração, em texto de lei, de tal figura, nem por isso se deixará de analisar a questão à luz da CRP, à semelhança do que acima fizemos no que respeita à exclusividade.

É que também esta norma conflitua com a liberdade acima invocada, e, bem assim, com uma outra, a liberdade de iniciativa económica consagrada no Art.º 61.º/1 da CRP.

Porém, se esta liberdade pode, nos termos em que a própria Constituição o admite, sofrer constrangimentos decorrentes da lei, sempre justificados, é claro, à luz do princípio da proporcionalidade, aqueloutra debate-se com o obstáculo decorrente do Art.º 18.º - a restrição só é admissível nos casos expressamente previstos na Constituição.

Ou, como ensina Menezes Cordeiro, “a liberdade de trabalho só pode ser restringida para acautelar valores constitucionais em concreto mais intensos, e apenas na medida do necessário” (ídem, 550).

Jorge Leite, escreveu, a propósito do pacto de não concorrência tratado no Art.º 146.º do CT, que esta norma “dificilmente se pode considerar compatível com a norma do Art.º 47.º/1, já que a liberdade de trabalho, não sendo, naturalmente, uma liberdade absoluta ou sem limites, apenas suporta, nos termos constitucionais, as restrições impostas pelo interesse colectivo ou as inerentes à própria capacidade de cada um, o que, manifestamente, não parece ser o caso” (Direito do Trabalho, Vol. II, Serviços de Acção Social da UC, Coimbra 2004, 64).

E, NN e OO, claramente, afirmam que “o problema da constitucionalidade dos pactos de não concorrência deve ser equacionado... em face do Art.º 47.º” (ob. cit., 588), o que não ocorre com Monteiro Fernandes de acordo com o qual o não estabelecimento de restrições à conduta profissional do trabalhador “se encontra estreitamente associada ao conteúdo do direito ao trabalho” (art.º 58.º CRP) (Direito do Trabalho, 12.ª ed., 610), visão que pode justificar uma completa inversão dos termos em que a questão se analisa.

Na economia do caso sub judice compreende-se a necessidade de acautelar os interesses da A., que, claramente, se quis prevenir contra a aplicação do “know how” adquirido pela R. ao serviço de terceiros. Porém, no conflito de interesses que uma tal medida acautela, afigura-se-me como de maior relevo a protecção e preservação da liberdade de exercício e escolha de profissão. É que o património profissional do trabalhador faz-se exactamente da aquisição continuada de conhecimentos. E, se ele não puder tira proveito de tal património, o investimento é infrutífero e a situação que daí decorre absolutamente constrangedora.

Por outro lado, os valores a proteger, do lado da A., sempre estarão acautelados através da cláusula de segredo profissional e confidencialidade, cuja razoabilidade, no contexto, está mais do que justificada.

A norma constante do 36.º/2 da LCT, cujo texto não diverge em substância da do Art.º 146.º/2 do CT, no seu confronto com a CRP, já foi analisada no âmbito do Acórdão nº 256/04 do TC, tendo-se, então, concluído pela conformidade constitucional da mesma. Porém, da leitura que faço do Acórdão, não se vê que a análise tenha incidido sobre o segmento que prevê as restrições admissíveis à liberdade de que ora nos ocupamos e que, como acima expusemos, dão o mote para a admissibilidade da compressão.

Ou seja, a restrição à liberdade de profissão admitida pelo Art.º 146.º/2 do CT é imposta pelo interesse colectivo ou inerente à capacidade daquele cuja liberdade se tolhe?

Em que valor constitucional ponderoso se funda esta restrição?

Não encontrando resposta a estas questões, afigura-se-me que o Art.º 146.º/2 do CT está ferido de inconstitucionalidade. Daí que o não aplique.»

2. 2. O problema da constitucionalidade das normas que, no direito ordinário, de algum modo, prevêem a possibilidade de, por convenção das partes, se estipularem limitações ao pleno exercício da liberdade de escolha da profissão, tem sido tratado na doutrina e na jurisprudência, a propósito do denominado pacto de não concorrência, inscrito em contrato de trabalho, para vigorar após a cessação deste, previsto no artigo 36.º, n.º 2, da LCT (Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969), a que correspondem os artigos 146.º, n.º 2, do Código do Trabalho de 2003, e 136.º, n.º 2, do Código do Trabalho de 2009.

A questão foi, com alguma profundidade, versada, no Acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 256/2004, de 16 de Abril de 2004 (publicado em www.tribunalconstitucional.pt).

Ali se ponderou, em sintonia com a generalidade da doutrina, que a nulidade das cláusulas dos contratos individuais que, por qualquer forma, possam prejudicar o exercício do direito ao trabalho, após a cessação do contrato, proclamada no n.º 1 do artigo 36.º da LCT — também no n.º 1 do artigo 146.º do Código de 2003 e no n.º 1 do Código de 2009 —, se apresenta como uma decorrência da liberdade de escolha de profissão ou de género de trabalho e do direito ao trabalho, consagrados nos artigos 47.º, n.º 1, e 58.º, n.º 1, da Constituição, especificamente enquanto deles deriva o direito a não ser impedido de exercer a profissão para a qual se tenham os necessários requisitos.

No mesmo sentido, este Supremo Tribunal teve ensejo de afirmar, no Acórdão de 7 de Maio de 2008 (Documento n.º SJ2008050703224, em www.dgsi.pt), que, «sendo a regra a da liberdade de trabalho [que, do ponto de vista de respaldo constitucional, aí se consagra inquestionavelmente — cfr. artigos 47.º, n.º 1 (na vertente de um direito, liberdade ou garantia individual) e 58.º, n.º 1 (na vertente de um direito social), um e outro da Lei Fundamental], torna-se evidente que dela, em primeira aproximação, só poderia resultar a invalidade de qualquer cláusula ínsita nos contratos individuais de trabalho que viesse a postergar, limitar ou comprimir tal liberdade. Daí a previsão do n.º 1 do art.º 36.º nos amplos termos em que é formulada».

No que concerne à norma do n.º 2 do artigo 36.º da LCT, considerou o Tribunal Constitucional, no referido aresto, que, sendo ela permissora de uma restrição à liberdade de trabalho, a sua «conformidade constitucional depende da emissão de um juízo de proporcionalidade, adequação e necessidade, o que passa pela ponderação dos interesses conflituantes em presença».

E, após exaustivo percurso de análise dos subsídios da doutrina sobre a matéria, entendeu, «em balanço global, que a regulação legal de pactos de não concorrência contida na norma questionada não pode ser considerada como restringindo de forma constitucionalmente intolerável a liberdade de trabalho», salientando que:

«Sendo irrecusável a possibilidade da existência, em alguns casos, do apontado constrangimento à aceitação desta cláusula restritiva, não deixa de ser relevante que ela não resulte de imposição do legislador, mas antes de acordo de vontades das partes, assentando, assim, em último termo, na autonomia do trabalhador.

Depois, a imposição de forma escrita, como formalidade ad substantiam, assegura a assunção consciente da restrição e delimita o seu âmbito de aplicação.

Por outro lado, trata-se de restrição com limitação temporal e, embora a lei não o diga expressamente, a doutrina é concorde em considerá-la também sujeita a limitação geográfica, derivada do seu próprio fundamento, pois nada justificaria o impedimento da actividade do trabalhador em zona aonde o seu antigo empregador não estende a sua acção empresarial.

Especial relevância assume a exigência legal da existência de risco efectivo de prejuízos para o ex-empregador, entendidos estes limitadamente como sendo apenas os derivados directamente da colocação ao serviço de empresas concorrentes dos segredos e conhecimentos especificamente adquiridos ao serviço da antiga empresa. Não basta o prejuízo comum de o empregador perder um seu trabalhador de qualidade para outra empresa concorrente. Há-de estar em causa o risco daquilo que a doutrina designa por “concorrência diferencial”, isto é, a especificidade da concorrência que um ex-trabalhador está em condições de realizar relativamente ao seu antigo empregador, por ter trabalhado para ele.

Exige-se ainda a estipulação de uma adequada compensação monetária, que terá de ser justa, isto é, suficiente para compensar o trabalhador da perda de rendimentos derivada da restrição da sua actividade.

Finalmente, o trabalhador não fica, em rigor, absolutamente privado do seu direito ao trabalho. A limitação voluntária ao exercício desse direito é sempre revogável (artigo 81.º, n.º 2, do Código Civil) e o incumprimento do pacto, através da celebração de contrato de trabalho com empresa concorrente do antigo empregador, não gera, em princípio, a invalidade deste contrato, mas eventualmente mera obrigação de indemnização. E se tiver sido estabelecida “cláusula penal”, que a doutrina justifica como meio de obviar à dificuldade de prova e de quantificação dos danos sofridos pelo antigo empregador (isto é, como liquidação antecipada desses prejuízos), existirá sempre a possibilidade da sua redução pelo tribunal de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva (artigo 812.º, n.º 1, do Código Civil).»

E concluiu que, ponderadas todas estas cautelas e restrições legais, a possibilidade de estipulação de pacto de concorrência não viola, de forma intolerável, os valores constitucionais tutelados pelas normas dos artigos 47.º, n.º 1 e 58.º, n.º 1, da Constituição.

O referido Acórdão deste Supremo de 7 de Maio de 2008 aflorou o problema, observando que, «certamente tendo em consideração outros interesses cuja legitimidade de protecção não se postava em medida acentuadamente inferior à que deveria ser conferida ao exercício do direito ao trabalho, gizou o legislador duas situações que, conquanto, de certo jeito, representassem uma limitação ou constrição da liberdade de trabalho (cfr. números 2 e 3 do art.º 36.º), justificavam essas formas de compressão».

Não se vê motivo para divergir do entendimento expresso no Acórdão do Tribunal Constitucional, cujos fundamentos aqui se acolhem.

Considera-se, por conseguinte, não ser de recusar, com fundamento na violação do princípio consignado no artigo 47.º, n.º 1, da Constituição, a aplicação do n.º 2 do artigo 146.º do Código do Trabalho de 2003, enquanto consente, nas estritas condições nele previstas, a celebração do pacto de não concorrência.

No caso, não se vislumbra — nem tal vem alegado — que tais condições de ordem substancial e formal não tenham sido respeitadas, por isso que não há razão para se ter a cláusula de não concorrência, inscrita no contrato de trabalho em apreciação, como inválida.

2. 3. No que respeita às cláusulas de exclusividade, apesar de, como observa Júlio Manuel Vieira Gomes (Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, 2007, p. 630), ocorrerem com alguma frequência, a lei ordinária anterior à codificação do Direito Laboral, assim como os Códigos de 2003 e de 2009 não contêm — diversamente do que sucede em outros ordenamentos —, regulamentação expressa.

Trata-se, nas palavras daquele autor, de «cláusulas que tipicamente proíbem ao trabalhador toda e qualquer actividade profissional durante a vigência do contrato e, portanto, tanto actividades concorrentes como actividades não concorrentes com a do seu empregador», representando «um sério limite à liberdade de trabalho».

Na perspectiva de restrição à liberdade de trabalho, não releva, com autonomia, a obrigação de exclusividade, eventualmente consignada em cláusula acessória do contrato, referida a actividades concorrentes, pois tal obrigação é inerente à relação laboral, como seu elemento essencial, por força do estabelecido na alínea e) do n.º 1 do artigo 121.º do Código do Trabalho de 2003, como afloramento do dever geral de lealdade.

Quer isto dizer que o problema da validade, à luz das garantias consignadas nos artigos 47.º, n.º 1 e 58.º, n.º 1, da Constituição, de uma cláusula de exclusividade só pode colocar-se quando dela resulte, para o trabalhador, a obrigação de não exercer para outrem ou por conta própria actividades não concorrentes com a do empregador.

Só nesse caso se poderá falar de compressão das referidas garantias, cuja licitude, apreciada à luz das normas constitucionais, há-de ser averiguada, segundo critérios de adequação e proporcionalidade, em função de um real e efectivo interesse do empregador (atendendo, designadamente, ao sector económico em que a empresa se insere) correlacionado com a natureza das tarefas objecto do contrato (tendo em conta a complexidade técnica destas, o tempo exigido para um eficiente desempenho e a responsabilidade do trabalhador, que podem requerer disponibilidade total) — cfr. Júlio Manuel Vieira Gomes obra citada, p. 631.

Uma tal ponderação é susceptível de reconduzir a obrigação de exclusividade à própria essência do contrato, na perspectiva de que, sem a exclusividade, os fins por ele prosseguidos não seriam plenamente atingidos.

No caso presente, a cláusula, segundo a qual a Ré se vinculou a não aceitar outros trabalhos remunerados ou não remunerados por terceiros e/ou o de levar a cabo negócios por sua conta, sem o prévio consentimento escrito da Autora, e esta se comprometeu, em contrapartida, a pagar-lhe 20% da remuneração mensal bruta, só pode considerar-se lícita se encarada como tendo em vista reforçar a protecção legal contra o perigo de concorrência, consignada na alínea e) do n.º 1 do artigo 121.º do Código de 2003, porquanto não se mostram presentes factores relacionados com a actividade económica da empresa e com as funções da trabalhadora, como os supra assinalados, que, de algum modo, justifiquem a necessidade de prévio consentimento da empregadora para que aquela pudesse aceitar trabalhos remunerados ou não remunerados por terceiros e/ou o de levar a cabo negócios por sua conta, em actividades não concorrentes.

Deste modo, se entende que, considerada a obrigação assumida pela Ré na óptica de um reforço do dever estatuído no referido preceito, a referida cláusula não ofende a garantia constitucional de liberdade de trabalho.

3. Dos pressupostos da indemnização por incumprimento das obrigações assumidas pela Ré:

Resolvido, nos termos expostos, o problema da validade das cláusulas de não concorrência e de exclusividade, e sendo pacífica a licitude da cláusula de confidencialidade e segredo profissional, a viabilidade das pretensões da Autora depende, fundamentalmente, da apreciação da matéria de facto apurada.

3. 1. No que diz respeito à alegada violação do pacto de não concorrência, pretende a Autora que ela se verificou a partir do momento em que a Ré constituiu a sociedade “L... Q P..., S.L.”.

No pacto, ficou estipulado, entre o mais que aqui não releva, que a Ré obrigou-se a, durante o período de 12 meses, subsequente à cessação da relação laboral, não prestar «os seus serviços profissionais de alguma forma, directa ou através de terceiros», para sociedades que actuem no sector químico-farmacêutico, de alergénicos e vacinas alergénicas, nem para sociedades concorrentes da Autora ou outras pertencentes ao grupo desta, seja qual for a sua sede social ou a sua localização geográfica (facto 7).

Os serviços profissionais da Ré, como delegada de informação médica, ao serviço da Autora, envolviam o permanente contacto com os médicos prescritores de produtos da última e a colaboração com os médicos prescritores em sessões de informação e formação sobre terapêutica alergénica, divulgação e utilização de um formulário de prescrição, sendo a Ré a primeira responsável pela promoção dos produtos da Autora (factos 10, 17 e 33).

Ora, perante a matéria de facto provada, não é possível afirmar que, após a cessação do contrato de trabalho, a Autora exerceu, directamente ou através de terceiros, actividade que compreendesse a prestação dos serviços profissionais de delegada de informação médica, tal como se mostram caracterizados na narração da matéria de facto.

Com efeito, apenas de demonstrou que, em 23 de Janeiro de 2006, a Ré participou na formação de uma sociedade, a “L... Q P..., Lda.”, naquela data constituída para exercer actividade concorrente com a da Autora (factos 20 e 24), tendo, com outra pessoa, dela sido nomeada gerente (facto 22), o que se afigura manifestamente insuficiente para se afirmar que ela, na parte da gerência que lhe foi atribuída, de algum modo, directa ou indirectamente, prestou à dita sociedade os mencionados serviços de delegada de informação médica.

Na verdade, nem sequer se sabe se, e em que termos, exerceu efectivamente os poderes de gerente, sendo certo que renunciou à gerência, conforme averbamento registral de 13 de Abril de 2006 (facto n.º 23).

Demonstrou-se, é certo, que a Ré, depois de cessado, em 13 de Fevereiro de 2006, o contrato que a ligava à Autora, trabalhou, como vendedora de fundos de investimentos, para a sociedade “C... E... Y B... T..., S.A.”, pertencente ao grupo “L... Q P..., Lda.”, com escritórios separados e individualizados, embora situados no mesmo edifício e recepção comum (factos 51, 71 e 73). Tal não se mostra, porém, decisivo para se concluir que a Ré prestou ao grupo actividade compreendida nos ditos serviços profissionais.

Por outro lado, e no que concerne à utilização pela sociedade “L... Q P..., Lda.” de um formulário de prescrição idêntico ao que a Ré usava quando ao serviço da Autora, o tribunal declarou não provado que aquela havia decalcado e reproduzido tal formulário para ser utilizado pela em empresa que constituíra (resposta ao quesito 14.º da base instrutória). E, embora se tenham provado semelhanças, no essencial, entre os formulários utilizados por uma e outra das sociedades concorrentes (facto 42), também se demonstrou que «o tipo de formulário/receituário usado pela Autora é usado por toda a concorrência, com maiores ou menores divergências em sede de pormenor» (facto 66).

Em suma, pelo que ficou dito, não fornece a decisão proferida sobre a matéria de facto elementos bastantes para se imputar à Ré violação do pacto de não concorrência, do que decorre não haver fundamento para a sua condenação na atinente indemnização (valor da cláusula penal estipulada) e no reembolso das quantias que, durante algum tempo, recebeu da Autora como contrapartida da obrigação assumida.

3. 2. No tocante à alegada violação da cláusula de exclusividade, a questão, tal como vem colocada pela Autora, reporta-se ao comportamento da Ré no período de vigência do contrato que decorreu entre 23 de Janeiro de 2006 (data da constituição da sociedade “L... Q P..., Lda.”) e 13 de Fevereiro de 2006 (data da cessação do contrato de trabalho), sendo certo que, em 13 de Dezembro de 2005, a Autora havia recebido da Ré a carta em que esta lhe comunicou a denúncia do contrato de trabalho para produzir efeitos 60 dias depois (factos 25 e 26).

A constituição, pelo trabalhador, de uma sociedade concorrente do empregador, na vigência do contrato de trabalho, é um acto que configura infracção ao dever de lealdade prescrito no artigo 121.º, n.º 1, alínea e), do Código do Trabalho de 2003, mas que, por si só, não basta para fundar o direito à indemnização, exigindo-se, para tal, a demonstração de que, da actividade desenvolvida pela nova sociedade, no período de vigência da relação laboral, hajam resultado danos para o empregador, o que pressupõe o estabelecimento de um nexo de causalidade, a efectuar em função da matéria de facto apurada, à luz da doutrina da causalidade adequada, na sua formulação negativa, acolhida no artigo 563.º do Código Civil.

Para imputar os danos, cuja reparação reclama, à actividade da sociedade “L... Q P..., Lda.” e, pois, ao comportamento da Ré, a Autora alegou que:

— Durante o período em que esteve ao serviço da Autora, e ainda para além deste, a Ré facultou e/ou colocou à disposição da “L... Q P..., Lda.” (em Portugal), e indirectamente aos “L... Q P..., SL.” (em Espanha), diversa informação e ficheiros respeitantes à actividade, produtos e técnicas da Autora;

— A Ré decalcou e reproduziu o formulário de prescrição de vacinas alergénicas da Autora para os “L... Q P..., Lda.”;

— Na sequência da acção da Ré, utilizando utilizando know how, segredos e técnicas da Autora, vários médicos prescritores de produtos da Autora foram desviados e passaram a prescrever produtos das marcas “L... Q P..., Lda.”;

— Criou-se desconfiança junto dos médicos prescritores, em resultado de a principal responsável pela promoção da marca da Autora, de um momento para o outro, ter passado a promover, por si ou por interposta pessoa, produtos de marcas concorrentes, que alega serem melhores.

Os quesitos 12.º, 14.º, 15.º e 26.º, em que foram inscritos estes factos — cuja realidade permitiria estabelecer um nexo de causalidade, do ponto de vista naturalístico, entre os alegados danos e a conduta da Ré —, receberam do tribunal a resposta de não provado.

Nesta conformidade, conquanto se tenha demonstrado que não se verificou qualquer alteração no mercado em que actua a Autora — não se provou, apesar de alegado e levado à base instrutória, que não se verificou qualquer alteração no normal funcionamento da empresa Autora — e de se ter firmado que nesta não ocorreu ruptura de stocks ou alteração dos produtos comercializados, não é possível ter-se por verificado o nexo causal entre a violação do dever de exclusividade, na vertente que compreende a proibição de exercício de actividade concorrente, e a diminuição de facturação da Autora, ocorrida a partir de Fevereiro de 2006, com base em considerações sobre a adequação, em abstracto, de determinados factos para produzirem certo dano, se a inserção desses factos no processo causal do dano, entenda-se, como condição da ocorrência do dano, se apresenta, no veredicto sobre a matéria de facto, declarada não provada, âmbito em que ao Supremo Tribunal está vedado intervir.

À Autora competia, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, fazer a prova dos factos integrantes do nexo de causalidade, pressuposto do invocado direito à indemnização, pelo que não tendo logrado tal prova, não pode esse direito ser-lhe reconhecido.

No que concerne ao pedido de reembolso da importância de € 5.351,21, alegadamente paga à Ré, como contrapartida do cumprimento por esta do estabelecido na cláusula de exclusividade, a Autora abandonou, tacitamente, essa pretensão.

Na sua alegação, apenas se refere à compensação de exclusividade para sustentar que, independentemente do seu pagamento (que defende ter sido efectuado mediante a substituição de uma viatura automóvel antiga por outra nova, cuja utilização constituía retribuição), sempre a obrigação referida cláusula haveria de ser cumprida pela Ré.

Deste modo, não há que apreciar o que a propósito de tal pretensão foi decidido pela sentença recorrida.

3. 3. Diz a recorrente que a Ré infringiu os deveres de lealdade de boa fé, na vertente que compreende a obrigação de confidencialidade e segredo profissional.

Os factos alegados para sustentar essa afirmação são os que foram incluídos nos já indicados quesitos 12.º, 14.º e 15.º da base instrutória, factos esses que o tribunal, como também já se referiu, declarou não provados.

Não se encontra no elenco dos factos provados a afirmação de qualquer comportamento da Autora susceptível de configurar a violação daquele dever, antes ou depois da cessação do contrato.

Este primeiro pressuposto fundador da obrigação de indemnizar não está demonstrado, o que nos remete para as considerações acima vertidas no tocante ao ónus da prova, dispensando-nos, por outro lado, de discorrer sobre os demais pressupostos daquela obrigação, sendo que as respostas aos mencionados quesitos sempre afastariam o atinentemente alegado nexo de causalidade, pelas razões que se deixaram expostas, a propósito da violação do dever de exclusividade.

Improcede, portanto, a pretensão, a propósito, formulada pela Autora.


III

Por tudo o exposto, decide-se negar a revista.

Custas a cargo da Autora.

Lisboa, 10 de Dezembro de 2009.

Vasques Dinis (Relator)

Bravo Serra

Mário Pereira