Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
873/09.1TTVCT.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: LEONES DANTAS
Descritores: FUNDO DE PENSÕES
ACORDO DE EMPRESA
COMPLEMENTO DE REFORMA
Data do Acordão: 01/21/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / PRESTAÇÃO DE TRABALHO - DIREITO COLECTIVO / INSTRUMENTOS DE REGULAMENTAÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO / ACORDO DE EMPRESA.
Doutrina:
- BERNARDO LOBO XAVIER e Outros, “Pensões Complementares de Reforma – Inconstitucionalidade da Versão Originária do art. 6.º, 1 E da LRC”, Revista de Direito e de Estudos Sociais, Janeiro – Setembro de 1997, Ano XXXIX, pp. 155, 156, 159 e 160.
Legislação Nacional:
ACORDO DE EMPRESA DE 2002, PUBLICADO NO BTE N.º1/2002, DE 8 DE JANEIRO.
CÓDIGO DE TRABALHO DE 2003: - ARTIGO153.º, N.º 1.
DECRETO-LEI N.º 12/2006, DE 20 DE JANEIRO: - ARTIGOS 6.º, N.º1, 9.º, N.ºS 1 E 2, 24.º, N.º2, 100.º, N.º2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 16.3.2005, IN D.R., I SÉRIE -A, N.º 84, DE 2.5.2005;
-DE 14.09.2011, PROCESSOS N.ºS 475/08.0TTVCT.P1.S1 E 255/08.2TTVCT.P1.S1, DISPONÍVEIS EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 19.09.2012, PROCESSO N.º 524/10.1TTVCT.P1.S1.
Sumário :

1 – Tendo sido estabelecido no AE que a Ré «garantirá a todos os seus trabalhadores, nas condições dos instrumentos que se obriga a criar e a divulgar, d) complemento de reforma de velhice e sobrevivência; e) complemento de reforma de invalidez», daí resulta que a Ré ficou não só com a liberdade de estabelecer, unilateralmente, as respectivas condições, a consignar nos instrumentos que se obrigou a criar, mas também com a de promover eventuais alterações;

2 – A aquisição do direito aos benefícios mencionados no número anterior decorre da verificação das ocorrências previstas no n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de Janeiro, não sendo os participantes no fundo de pensões em causa, titulares de qualquer direito adquirido àqueles benefícios antes da verificação daqueles factos;

3 – Os instrumentos através dos quais a empregadora dê execução à obrigação referida no n.º 1, bem como aqueles que os alterem, não integram o contrato de trabalho dos trabalhadores beneficiados, não carecendo a alteração dos benefícios previstos e ainda não concretizados do acordo destes.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I

AA intentou a presente acção declarativa com processo comum contra: BB VIANA – EMPRESA PRODUTORA de PAPÉIS INDUSTRIAIS, S.A., pedindo: A) - A condenação da R. a pagar-lhe: a) - um complemento mensal de reforma por invalidez que lhe é paga pela Segurança Social, desde 23/11/2008, no montante mensal de € 454,29, sem prejuízo da sua actualização de acordo com as tabelas salariais em vigor na R.; b) - a quantia de € 4.997,19, a título de complementos de pensão de reforma por invalidez já vencidos, sem prejuízo das prestações vincendas e das actualizações devidas, de acordo com as alterações salariais anuais que vierem a ser acordadas e que vierem a vigorar na R.; c) - no mês de Novembro de cada ano, para além do complemento mensal da pensão de reforma por invalidez, um quantitativo igual a esse complemento, incluindo os já vencidos; d) - juros de mora sob de estas quantias, vencidos e vincendos, até integral pagamento;

B) – A condenação da R. a reconhecer o direito aos pagamentos supra referidos;

C) – a condenação da R. a pagar a quantia de € 200,00, a título de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento das obrigações, sendo € 100,00 para o A. e outro tanto para o Estado.

Invocou como fundamento da sua pretensão, em síntese, que exerceu, desde 2/1/84, a sua actividade profissional para a R. e as sociedades que a antecederam; que, em 23/11/2008, passou à situação de reformado por invalidez; por força do disposto no AE e do Regulamento das Regalias Sociais que dele decorre, tem direito a um complemento de reforma; que a R. não tem assegurado o pagamento desse complemento, com a justificação de que procedeu a uma alteração ao Plano de Pensões em 13/7/07; que esse complemento de reforma fazia parte integrante do seu contrato de trabalho e, como tal, não podia ser alterado sem o seu acordo.

A R. “BB” apresentou contestação, na qual alegou, para além do mais, que «quem está obrigado a proceder ao pagamento daquele complemento de reforma é a sociedade «CC PENSÕES - SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE PENSÕES, S.A.» cuja intervenção principal provocada requereu, tendo requerido igualmente a intervenção acessória provocada de ISP - INSTITUTO DE SEGUROS DE PORTUGAL, intervenções que foram admitidas.

Tendo o A. falecido na pendência da acção, foram habilitados como seus herdeiros: DD, EE e FF.

A acção prosseguiu seus termos, vindo a ser decidida por sentença de 19 de Janeiro de 2012, cujo dispositivo é o seguinte teor:

«Assim, e face a tudo o exposto, decide-se:

Absolver o interveniente “CC Pensões” dos pedidos contra si formulados;

Condenar a R. “BB”, absolvendo-a de tudo o restante peticionado, a reconhecer o direito do A. a receber:

- um complemento mensal da pensão de reforma por invalidez que lhe é paga pela Segurança Social, desde 23/11/2008, no montante mensal de € 454,29, sem prejuízo da sua actualização de acordo com as tabelas salariais em vigor nesta R.;

- a quantia de € 4.997,19 a título de complementos de pensão de reforma por invalidez já vencidos e dos que entretanto se venceram, sem prejuízo das prestações vincendas e das actualizações devidas, de acordo com as alterações salariais anuais que vierem a ser acordadas e que vierem a vigorar na mesma R.;

- no mês de Novembro de cada ano, para além do complemento mensal da pensão de reforma por invalidez, um quantitativo igual a esse complemento.

Custas pela R. “BB».

Inconformada com esta decisão, dela vem a Ré BB VIANA – EMPRESA PRODUTORA de PAPÉIS INDUSTRIAIS, S.A., agora denominada, GG VIANA, SA, interpor recurso de revista, per saltum, para este Tribunal, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões:

«A) Pretende a Recorrente com o presente recurso ver revogada a douta decisão recorrida, sendo proferido douto Acórdão que absolva a Recorrente dos pedidos formulados pelo Recorrido.

B) Por se encontrarem preenchidos os pressupostos legais enunciados no artigo 725° do C.P.C., aprovado pelo Dec. Lei 44129, de 28 de Dezembro de 1961, na sua redacção em vigor à data da prolação da sentença recorrida (cujos termos, são, aliás, reproduzidos no artigo 678° do C.P.C. aprovado pela Lei 41/2013 de 26 de Junho), porquanto, o valor da causa é superior à alçada do Tribunal da Relação, (sendo este o valor a considerar, uma vez que o valor da sucumbência não é, facilmente, determinável (n° 1 do art.º 678° do "velho" CPC, reproduzido, nos seus termos, pelo n° 1 do art.º 629° do "novo" C.P.C.) não pretendendo a Recorrente discutir a matéria de facto, suscitando, apenas, questões de direito, não pretendendo, finalmente, ver reapreciadas quaisquer questões interlocutórias, requer, seja este admitido na modalidade de RECURSO PER SALTUM para o SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

C) Como bem define a douta sentença recorrida "A questão a decidir na presente acção é, de forma singela, a seguinte: saber se o complemento de reforma a que o A. tem direito é aquele que decorre do contrato constitutivo do Fundo de Pensões que vigorava na 1.ª R., ou se, pelo contrário, esse direito é aquele que decorre das alterações a esse contrato assinadas em 13/7/07 e referidas no ponto 9) da matéria de facto provada."

D) Considerou a douta decisão recorrida inaplicável ao contrato de trabalho com o Recorrido o Plano de Pensões resultante da alteração do título constitutivo do Fundo de Pensões verificado em 13/07/2007 e suficientemente tratado nos autos.

E) Funda o seu douto entendimento, por um lado, no recurso à teoria de "incorporação" dos direitos resultantes da negociação colectiva nos contratos individuais de trabalho, sustentado, tal incorporação, na recusa do que entende ser a distinção entre a relação colectiva e a "relação individual de trabalho, quer por uma ter consequências na outra, quer por a regulamentação internada empresa ter de ser integrada na relação laboral de cada trabalhador.

F) Pretende, finalmente, a douta decisão recorrida, configurar as condições do regulamento de regalias sociais,  como um elemento fundamental na formação da vontade, não só de contratar, mas de manter a relação do trabalho pelo trabalhador, constituindo, assim, uma proposta irrevogável da empresa, que a vincula perante cada trabalhador, não podendo ser alterada.

G) Desta decisão constitui pressuposto a convicção de que o direito ao complemento de reforma, nos termos definidos no plano descrito na douta p.i., teria passado a integrar o contrato de trabalho do recorrido, sendo, as suas expectativas reforçadas em 2004, com a publicação do Contrato Constitutivo do Fundo de Pensões.

H) Como dizem Bernardo Lobo Xavier, Furtado Martins e António Nunes de Carvalho, in "Pensões Complementares de Reforma - Inconstitucionalidade" (pág 159) "as normas da organização, previsão e maturação de benefícios complementares pensionísticos não pertencem ao estatuto do contrato individual", tendo, apenas, a característica vulgarmente designada por "regalia", a qual não tem essência retributiva, não se prendendo, sinalagmaticamente a quaisquer obrigações dos trabalhadores e, por isso, não assumindo, necessariamente, carácter contratual laboral, apesar de terem, com o contrato individual de trabalho ligações relevantes, não o integram, não sendo sustentável a criação de um sistema complementar de segurança social por mera contratação individual.

I) Como escreve Tursi (in "Il regime giuridico delle prestazíoni di provindenza complemantare, pág. 1743 (22 parecer) "a prestação de previdência complementar, na verdade, é funcionalmente autónoma da relação de trabalho, substituindo à "correspectividade contratual-laboral" uma outra, "contratual previdencial", entre contribuição e prestação", negocial, não laboral (e, a fortiori, não retributiva), concluindo o mesmo autor que "devem ter-se, em princípio, como não reportáveis às obrigações que tenham por objecto a prestação de providência complementar, as normas que disciplinam a obrigação retributiva."

d) Não é assim, admissível, atenta a natureza das prestações em causa na regalia do complemento de reforma, defender-se que esta integra um contrato individual de trabalho, (no caso em apreço o do Recorrido), não só por tal se revelar, desde logo, estranho ao núcleo essencial do sinalagma de tal contrato, mas, também, por tal constituir a única forma de prescrever a autonomia respectiva de vínculos totalmente distintos e reveladores de fortes assimetrias no seu desenvolvimento.

K) A criação de um mecanismo de segurança social complementar - que deve respeitar as exigências legais interactivas, nomeadamente a criação de um fundo de pensões, isto é, de um património autónomo estranho à empresa e afecto a realização de um plano de pensões - por via contratual, estará, assim, limitada à convenção colectiva, sendo inadmissível por contratação individual, por, manifestamente, não poder, atenta a sua natureza, integrar um contrato de trabalho.

L) A admissibilidade de estabelecimento desse mecanismo complementar por convenção colectiva, deve, mesmo assim, considerar-se limitada ao estabelecimento dos princípios do mecanismo, não sendo tolerável que o conteúdo concreto do plano de pensões não seja deixado à disponibilidade da empresa, enquanto outorgante do contrato constitutivo do Fundo de Pensões, que os trabalhadores, ou os seus representantes, não integram.

M) Admitir a integração, no contrato individual de trabalho do Recorrido, de um direito a um concreto plano de pensões, como aquele pretende, seria subverter a posição da empresa na contratação desse plano e na contribuição do Fundo de Pensões, facilmente daí decorrendo - como necessariamente teria decorrido - a insolvência desse mesmo património autónomo.

N) A Recorrente não promoveu a alteração do plano de pensões por qualquer capricho, mas apenas por que tal lhe era exigido para assegurar, como pensa ter feito, a sobrevivência desse património e, desse modo, a satisfação das expectativas, dos trabalhadores, embora estes não sejam, no momento anterior à reforma, juridicamente tuteladas nos termos em que o pretende o Recorrido.

O) Inexiste, assim, enquanto direito constituído na esfera do contrato individual de trabalho, o direito ao plano de pensões reivindicado pelo Recorrido, tratando-se, apenas, de um direito em formação, cujo conteúdo, em concreto, só será definido pelos termos em vigor na data em que ocorreu o facto que converteu o direito em formação num verdadeiro direito - a passagem à reforma do Recorrido.

P) A própria douta sentença recorrida enferma, nesta matéria de profundíssima e insanável contradição, ao considerar "A partir deste momento (momento em que, nos termos daquela decisão, em 2002, a fórmula de cálculo passou igualmente a constar do regulamento interno de Regalias Sociais) o direito ao complemento da reforma assim instituído passou a ser um direito efectivo dos trabalhadores, embora sujeito, continuamos a dizê-lo, à condição suspensiva de um facto futuro. Passava a fazer parte do contrato individual de trabalho..." O que significa, inequivocamente, que a douta sentença recorrida considerou ter "nascido" este direito, com estes contornos, no momento da publicitação do texto daquele texto classificado pela douta sentença recorrida como "regulamento", na sequência, reconhecida naquela peça, da outorga de Acordo de Empresa em 2002.

Q) Não podia, assim, transmitir-se para o seu contrato de trabalho qualquer regalia resultante da referida convenção, e, assim sendo, não poderia o Recorrido ver, à data da sua reforma, reconhecido qualquer direito que, pura e simplesmente, não existia no seu contrato individual de trabalho.

R) Do mesmo modo, não se poderá suportar a procedência do pedido do Recorrido num alegado regulamento, porquanto, claramente, não reveste a natureza de regulamento da empresa, pretendendo, assim, estar-se perante um acto de criação de planos de pensões privados como manifestação do poder regulamentar patronal.

S) Ao contrário do que parece sustentar a decisão do Tribunal a quo, o Regulamento de Regalias Sociais não constitui - por patente falta de características - um regulamento interno da empresa, que sempre seria elaborado em matéria de organização e disciplina no trabalho e que, depois de publicitado - e aceites os seus termos por ambas as partes na relação laboral (o que pode não suceder, nos termos legais!) constituí uma verdadeira fonte de obrigações,

T) Bem pelo contrário, o Regulamento em causa constitui um mero anexo ao Contrato Constitutivo do Plano de Pensões, contrato esse que, como é evidente, tem um regime legal próprio (ao /tempo em que foi elaborado, o D.L. n° 12/2006, de 20 de Janeiro), não se confundindo com o regime da contratação colectiva.

U) Neste enquadramento, as alterações ao referido contrato regem-se quanto à sua admissibilidade, termos, condições e demais aspectos conexos, pelo disposto no Decreto-lei n° 12/2006, de 20 de Janeiro.

V) É precisamente pelo facto de este plano de pensões não resultar, quanto aos seus termos, da negociação colectiva, que a legitimidade para promover quaisquer alterações ao seu conteúdo pertence aos Outorgantes desse Fundo, no caso concreto as empresas associadas e as entidades financeiras intervenientes, nem, tampouco, das Ordens de Serviço referidas na douta decisão emergira, em algum momento, para os trabalhadores da Recorrente, quaisquer direitos que viessem a integrar a relação individual de trabalho.

W) Na verdade, como defendem inúmeros autores, as cláusulas de uma convenção colectiva, seja ela um contrato colectivo, um acordo colectivo ou um acordo de empresa, não integram o conteúdo dos contratos individuais de trabalho, mantendo-se num outro plano normativo.

X) E dúvidas não podem subsistir quanto ao facto de se estar perante um direito (ou aparência dele) de génese colectiva e, em momento algum, de natureza individual.

Y) Como vem referem os Subscritores do Parecer referido nos autos "Por outro lado, não pode ver-se no acto empresarial de instituição de um esquema de pensões um regulamento de empresa, já que se reporta a um âmbito que exorbita do contrato de trabalho. Esse acto empresarial é estritamente unilateral, no sentido de que não requer ou envolve aceitação pelo trabalhador: os efeitos que produz não dependem nem requerem de uma manifestação, expressa ou tácita, de adesão, pelo que não pode, ser perspectivado como proposta negocial".

Z) Não se afigura, assim, como se possa defender, como subjaz à douta decisão recorrida, que se estava perante uma situação regulamentar, em sentido técnico jurídico, da qual emergiam direitos para os trabalhadores, no âmbito do seu contrato individual de trabalho e que, assim, se converteriam em direitos adquiridos por cada trabalhador da Recorrente, ainda que cada trabalhador não passasse - como reconhece aquela decisão - de um mero destinatário, passivo, porque sem qualquer intervenção ou interferência no acto que o afecta tão seriamente (neste caso, positivamente) ou no seu conteúdo.

AA) Pressupõe, ainda, a douta decisão recorrida, que esse regulamento sempre configuraria uma proposta negocial que, uma vez publicitada, sem contestação, junto dos trabalhadores, se converteria numa direito dos seus destinatários, sendo assim, vedado à empresa o direito de alterar o seu conteúdo.

BB) Tal entendimento do Tribunal a quo carece manifestamente de suporte na matéria assente, contradizendo mesmo os pressupostos de que parte uma vez que, como é reconhecido naquela peça e consta dos documentos juntos aos autos, a empresa se reservou o direito de conformar de modo não condicionado o teor do pano de pensões.

CC) Vinculando, o contrato constitutivo, como resulta dos autos, apenas a Recorrente e as entidades subscritoras do mesmo - que não são integradas pelos representantes dos trabalhadores - necessário se torna concluir que nenhuma convenção existiu entre a Recorrente e os Sindicatos representativos dos seus trabalhadores que permita considerar, que as condições do complemento de reforma foram acordadas com os trabalhadores ou com os seus representantes, que à empresa, Recorrente, tenham sido impostos os termos dessa fórmula de cálculo, ou que, igualmente, e por maioria da razão, à empresa tenham sido imposto limites - que não os plasmados no Contrato Constitutivo e os formais, decorrentes do n° 2 de cálculo 87° do AE - para promover qualquer alteração ao contrato Constitutivo.

DD) Não é, assim admissível defender a necessidade de concordância dos trabalhadores para que fossem alteradas determinadas condições de cálculo de pensão de reforma, quando essas mesmas condições haviam sido estabelecidas sem que os trabalhadores ou seus representantes fossem ouvidos.

EE) A inscrição do direito a um concreto plano de pensões, nas relações colectivas de trabalho, radica, de acordo com o acórdão recorrido, na cláusula 87° do A.E. publicado no BTE n° 1 de 8 de Janeiro de 2002 (transcrita nas alegações) da qual resulta, bem ao contrário do que conclui o Tribunal a quo, inequívoco que a empresa deveria, apenas, criar instrumentos de regulamentação de regalias sociais, nomeadamente complemento de reforma, sendo, as condições dessas regalias, as que a empresa entendesse adequadas e, sobretudo, exequíveis, não tendo, em qualquer momento do texto acordado, as partes outorgantes, pretendido fixar os termos dessas regalias, que, aliás, expressamente foram afastados, pelos Outorgantes, do conteúdo do Acordo da Empresa.

FF) A evidente diferença entre o texto desta cláusula e o da cláusula 90° do anterior AE (igualmente transcrita nas alegações) demonstra inequivocamente que as partes outorgantes do AE de 2002 eliminaram o carácter contratual das condições do Regulamento do complemento de reforma expressamente deixando de o considerar parte integrante do Acordo como previa o anterior AE.

GG) É, precisamente, por ter sido cometida à empresa a tarefa de criação do instrumento regulador das regalias sociais, que o dito "Regulamento de Regalias Sociais" veio a constar do Contrato Constitutivo do Fundo de Pensões HH (anexo I do Contrato, cfr. Doc. junto aos autos).

HH) A convenção constante da cláusula 87° do AE de 2002 não cria qualquer direito de o trabalhador reclamar uma concreta pensão complementar à sua reforma, não lhe conferindo sequer uma expectativa quanto ao seu montante.

II) A concretização dos termos do cálculo do complemento de reforma foi negociado entre a Recorrente e as estruturas financeiras outorgantes do contrato constitutivo, no qual não intervieram os representantes dos trabalhadores, no que constitui um óbvio reconhecimento de que tal matéria fora expurgada da contratação colectiva.

JJ) Não assistindo aos Sindicatos - por exclusão expressa desse direito em sede de negociação colectiva - a prerrogativa de negociar os termos do cálculo dos complementos de reforma, não assistirá a qualquer trabalhador o direito de negociar tais condições concretas de cálculo da sua pensão, não sendo, assim, susceptível de integrar o quadro dos direitos do trabalhador, individualmente considerado.

KK) A noção de direitos adquiridos a ter em consideração na análise da questão controvertida não pode deixar de ser, atenta a matéria em apreço, a que resulta do contrato Constitutivo e da lei aplicável - o artigo 9º do D.L. n° 12/2006 -, segundo o qual: "1- Considera-se que existem direitos adquiridos sempre que os participantes mantenham o direito aos benefícios consignados no plano de pensões de acordo com as regras neste definidas, independentemente da manutenção ou da cessação do vínculo existente com o associado".

LL) Conforme consta do Anexo I ao Contrato Constitutivo do "Regulamento de regalias sociais" encontra-se consagrada, no seu artigo 4º, que, precisamente regula a matéria da "Aquisição do Direito", a seguinte solução: "Só terão direito ao complemento de pensão de reforma os trabalhadores do quadro permanente da empresa que tenham sido reformados por velhice ou passado à situação de invalidez", o que exclui do benefício criado pelo regulamento qualquer trabalhador cujo contrato de trabalho viesse a cessar por motivo diverso da reforma.

MM) Necessário se torna concluir, deste texto e no que à aquisição do direito respeita que no âmbito do plano de pensões constante do Anexo I do Título Constitutivo de 31 de Dezembro de 2004, o direito ao complemento de pensão de reforma, para a generalidade dos trabalhadores, como o Recorrido, se adquire com a passagem à reforma, não havendo, assim, antes dessa reforma, qualquer direito adquirido.

NN) Tendo em conta o acima referido, dúvidas não podem restar de que os termos da atribuição de um Plano de Pensões resultam, na relação da Recorrente com os seus trabalhadores, do que vem plasmado no Acordo da Empresa em apreciação nos autos, e da liberdade de conformação dos termos desse plano que à empresa é conferido por aquele Instrumento de Regulamentação Colectiva.

OO) Tendo sido outorgada em 13 de Julho de 2007, alteração do contrato constitutivo do Fundo de Pensões HH e definidos como participantes todos os trabalhadores que cumprissem as condições de elegibilidade definidas nos Planos de Pensão aí melhor descritos, e sendo o Recorrido, em 13 de Julho de 2007 um trabalhador que reunia as características próprias para integrar o novo plano de pensões, criado por aquela alteração, não poderá deixar de se concluir pela aplicação ao Recorrido, do plano de pensões resultante das alterações introduzidas em 2007 - como, aliás, entendeu este Supremo Tribunal nos acórdãos proferidos nos processos 791/08.0TTVCT.P1.S1, 468/09.0TTVCT.P1.S1 e 524/10.1TTVCT.P1.S1 todos da 4ª Secção, - e não, como erradamente fez o M° Juiz a quo, o plano de pensões constante do Anexo ao contrato constitutivo de 31 de Dezembro de 2004, revogado por aquela alteração.

PP) A douta sentença recorrida fez errada interpretação da cláusula 87.ª do A.E. aplicável às relações de trabalho entre Recorrente e Recorrido e do art. 12° do Dec. Lei 12/2006 de 20 de Janeiro, e dos art.s  387° alínea c) e 392° n° 1, ambos do Código do Trabalho aprovado pela Lei n° 99/2003 de 27 de Agosto, interpretando incorrectamente os documentos constantes nos autos devendo ser revogada.»

Termina pedindo que seja concedido provimento ao recurso e decidida «a improcedência dos pedidos formulados pelos Recorridos com a consequente absolvição da Recorrente».

Os herdeiros do recorrido responderam ao recurso interposto sustentando que deve ser negado provimento ao mesmo.

Neste Tribunal o Exmº Procurador-Geral Adjunto proferiu parecer, nos termos do artigo 87.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho, pronunciando-se pela procedência do recurso, referindo em síntese conclusiva o seguinte: «- Nos termos da cláusula 87.ª do AE/2002, a ré assumiu a obrigação de criar e divulgar, para além de outras regalias, um complemento de reforma por invalidez para todos os seus trabalhadores, nas condições dos instrumentos que unilateralmente, se obrigou a criar e a divulgar;

- com este objectivo criou o Fundo de Pensões “HH”, ao qual competia proceder ao pagamento daquele complemento, após a ré reconhecer o direito do trabalhador ao mesmo,  fixar o respectivo montante e a data a partir da qual se iniciaria  o pagamento;

- a nosso ver, o sistema privado de complemento de reforma não integra o contrato laboral individual do trabalhador, antes representa um direito em formação que só se efectivou, verificado que foi o condicionalismo fixado pela ré e quando o trabalhador passou à situação de reforma pela Segurança Social, sendo também a partir dessa data que é devido o respectivo pagamento;

- em 13-07-2007, data em que subscreveu uma alteração ao contrato constitutivo do Fundo de Pensões, com efeitos reportados a 01-01-07, o trabalhador reunia as condições para integrar o novo plano de pensões, então criado, pelo que cremos, dever ser este o plano aplicável àquele, a partir da data em que passou à situação de reforma por invalidez, pela Segurança Social».

Sabido que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 3 e 639.º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, que correspondem aos artigos 684.º, n.º 3 e 685.º-A, do anterior Código de Processo Civil, na versão que lhes foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, está em causa na presente revista saber se o complemento de reforma a que o Autor tinha direito é o que decorre do contrato constitutivo do Fundo de Pensões, ou o que decorre das alterações a esse contrato operadas em 13 de Julho de 2007.


II

Na decisão recorrida foi fixada a seguinte matéria de facto:

«1 – O A. foi admitido, em 2 de Janeiro de 1984, ao serviço da “BB – Empresa de Celulose e Papel de Portugal, EP”, para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, exercer a sua actividade profissional.

2 – Em Dezembro de 1990, essa empresa foi transformada em sociedade anónima, com a denominação de “A BB – Empresa de Celulose e Papel de Portugal, S.A.”.

3 – Na sequência do desmembramento desta sociedade anónima, em Junho de 1993, o A. passou a desempenhar a sua actividade para a R.

4 – O A. tinha ultimamente a categoria profissional de encarregado de turno, auferindo o vencimento base de €1.419,85, acrescido de €267,50 de diuturnidades.

5 – Por carta datada de 27/3/09, o Centro Nacional de Pensões comunicou que o A. passava à situação de reforma por invalidez fazendo reportar o início da pensão a 23/11/2008.

6 – Em 2002, a R. e as associações sindicais representativas dos trabalhadores, na qual se encontrava filiado o A., subscreveram um Acordo de Empresa (BTE, 1ª, nº.1, de 8/1/02).

7 − Na R. vigorava o “Regulamento de Regalias Sociais” de fls. 56 a 88 (cujo teor se dá aqui por reproduzido).

8 – Na sequência do que constava do artº. 87, nº. 1, c), desse AE, a R. subscreveu o contrato constitutivo do Fundo de Pensões HH com II – Sociedade Gestora de Fundos de Pensões, S.A., (D.R., III série, 31/12/04

9 – Em 13/7/07, a R. subscreveu juntamente com HH e CC Pensões (entidade que geria o fundo de pensões desde 1/0/06), uma alteração ao referido contrato constitutivo com efeitos reportados a 1/1/07 (documento de fls. 91 a 113, cujo teor se dá aqui por reproduzido).

10 − O A. nunca deu o seu acordo expresso ou tácito à alteração referida em 9).

11 – Não foi pago ao A. o complemento de reforma.

12 – Os representantes dos trabalhadores deram parecer desfavorável à alteração referida em 9).»

Esta matéria de facto não foi objecto de qualquer impugnação pelas partes, o que era condição da admissão do presente recurso, nos termos do artigo 725.º do Código de Processo Civil, nem se vislumbra qualquer das situações referidas no n.º 3 do artigo 729.º do Código de Processo Civil, pelo que será com base nesses factos que vão ser resolvidas as questões suscitadas.


III

1 - A decisão recorrida equacionou a questão a decidir nos seguintes termos: «saber se o complemento de reforma a que o A. tem direito é aquele que decorre do contrato constitutivo do Fundo de Pensões que vigorava na 1ª R., ou se, pelo contrário, esse direito é aquele que decorre das alterações a esse contrato assinadas em 13/7/07 e referidas no ponto 9) da matéria de facto provada» e veio a concluir no sentido de que «R. “BB” não podia proceder unilateralmente à alteração do regime de regalias sociais vigente na empresa», condenando a recorrente nesse pressuposto.

Esta conclusão fundamentou-se, em síntese, no seguinte:

«Só que há um ponto que se nos afigura absolutamente essencial: a partir do momento em que aquele direito a um complemento de reforma, de acordo com aquela fórmula de cálculo, ficou a constar de um Regulamento Interno da empresa, ele passou ipso facto a fazer parte integrante do contrato individual de cada um dos trabalhadores por ele abrangidos.

Na realidade, vamos aceitar, para simples efeitos de raciocínio, que este Regulamento Interno não fazia parte do acordo de empresa, ou seja, que não tinha o valor de fonte de direito como regulamentação colectiva daquelas relações laborais.

Nem por isso este acto unilateral da empresa deixava de ser constitutivo de direitos e obrigações; passava a consubstanciar uma proposta de trabalho relativamente aos trabalhadores a partir de então admitidos ou uma alteração do contrato individual de trabalho relativamente aos restantes, por força do disposto no artº. 104 do C. Trabalho, não sendo necessária qualquer adesão expressa destes.

A partir deste momento, o direito ao complemento de reforma assim instituído passava a ser um direito efectivo dos trabalhadores, embora sujeito, continuamos a dizê-lo, à condição suspensiva de verificação de um facto futuro. Passava a fazer parte do contrato individual de trabalho – era uma das condicionantes que o trabalhador tinha em consideração quando se decidia pela manutenção ou não daquela relação laboral, pois que tinha a legitima expectativa de que essa contrapartida da sua prestação se iria efectivar no futuro».

(…)

«Ora, não vemos que em qualquer um dos exemplos enumerados se possa afirmar que não existe uma “expectativa juridicamente tutelada” (hoc sensu) por parte do trabalhador que configura um verdadeiro direito.

Tanto mais que não julgamos correcta a concepção de que se trata tão-só de uma “obra social” da empresa, a que não corresponde qualquer contrapartida por parte do trabalhador.

A contrapartida é, e será sempre, na perspectiva deste, a colocação à disposição da entidade empregadora da sua força de trabalho durante um determinado período de tempo. Já afloramos acima esta ideia, mas seja-nos permitido reafirma-la neste momento: aquando da contratação, quando lhe são transmitidas as condições em que a empresa se propõe admiti-lo ao seu serviço, um dos elementos fundamentais susceptíveis de integrar a vontade negocial do trabalhador pode ser exactamente a existência de um complemento de reforma nos termos em que ele vigora na empresa. E o mesmo sucede durante a execução do contrato de trabalho, em que esse elemento continua a desempenhar um papel primordial na formação da vontade do trabalhador no sentido da sua manutenção ou não. E, nesta medida, nunca se poderá partir do princípio de que uma das partes, neste caso a empresa, é livre de unilateralmente modificar sem mais uma das condições que presidiram à realização do contrato ou à sua manutenção.

Por outro lado, como dissemos, também não se trata, por parte das entidades empregadoras, de uma atitude de simples liberalidade ou de generosidade social: o raciocínio que preside à decisão das empresas de criarem um complemento de reforma, em vez de, por exemplo, oferecerem condições remuneratórias mais vantajosas, é sempre, e como não podia deixar de ser, de natureza meramente económica, através de uma ponderação de custos/benefícios.

Não se consegue, assim, vislumbrar a utilidade, para este efeito, de criar uma autonomia jurídica e funcional do “vínculo previdencial” relativamente ao “vínculo laboral”. As especificidades deste “vínculo previdencial” são meramente aparentes face à riqueza de elementos que pode conter o vínculo laboral.

Daí que continuemos a considerar que o complemento de reforma que aqui se discute constituía um direito dos trabalhadores abrangidos, maxime do A., e não podia ser alterado de forma unilateral por parte da R. “BB”, fossem quais fossem os motivos que determinaram essa tomada de posição. Competia-lhe, nomeadamente, negociar com os trabalhadores em causa as alterações que se demonstrassem necessárias ou então modificar o contrato constitutivo do Fundo, eventualmente aumentando as suas contribuições, de forma a garantir a sua viabilidade e o cumprimento da obrigação que assumiu. Tanto mais, repare-se, que em momento algum invocou perante os credores dessa obrigação qualquer alteração superveniente das circunstâncias, nos termos do artº. 437 do C. Civil.

Chega-se, assim à conclusão que a alteração do sistema de complemento de reformas só poderia ser realizado com o acordo expresso dos trabalhadores abrangidos por essa alteração – e o A. não deu esse acordo.

E, sublinhe-se, não há que trazer aqui à colação o constante do Contrato Constitutivo do Fundo, pois que este não teve a intervenção dos trabalhadores ou seus representantes: vincula apenas a empresa e as estruturas financeiras que o subscreveram.

Mas mesmo este impunha como limite não diminuir o conteúdo dos direitos dos beneficiários do fundo, e parece linear que o novo sistema criado pela alteração ao contrato constitutivo diminui sensivelmente aqueles direitos – sem necessidade de uma averiguação exaustiva de um e outro regime.

Deve-se, assim, concluir que aquelas alterações não produzem qualquer efeito na esfera jurídica do A., não afectando o conteúdo da obrigação que recai sobre a R. “BB” de garantir o pagamento do complemento de reforma tal como ele estava em vigor antes das alterações.

Esclareçamos este ponto que pode suscitar alguma ambiguidade na sua formulação.

Não estamos aqui a dizer que esta alteração é ilícita, ou seja, que a R “BB” não podia efectuar alterações ao contrato constitutivo do fundo.

Como se lê no acórdão citado na douta contestação desta R. e que nesta parte integralmente subscrevemos: “… não está em causa o direito que a recorrente tem de proceder à alteração do contrato na medida em que a lei, mais precisamente o artº. 24 do D.L. 12/2006 de 20/1 e a cláusula 19ª desse mesmo contrato o permite”.

A questão é outra e consiste em saber se tais alterações acordadas apenas entre as RR. podem ser impostas a terceiros, neste caso ao A.

Ou dito de forma mais clara: estamo-nos apenas a referir ao ponto que aqui nos interessa, ou seja, aos seus reflexos na relação da R. “BB” com os seus trabalhadores.

E reafirmamos que, na ausência de acordo com os funcionários abrangidos, tal alteração não os podia afectar.

Realce-se este aspecto, que se nos afigura particularmente pertinente: mesmo que tomasse a decisão de extinguir o Fundo, isso em nada afectava a obrigação da R. quanto àquele complemento de reforma, nem o inerente direito do trabalhador a exigir o cumprimento da obrigação.»

Não podemos subscrever estas considerações, nem vemos nelas qualquer elemento que abale o sentido da orientação que tem estado subjacente à jurisprudência desta Secção, nomeadamente, ao acórdão de 19 de Setembro de 2012, proferido na revista n.º 524/10.1TTVCT.P1.S1, citado na decisão recorrida.

2 - De facto, naquele acórdão referiu-se que «da cláusula do AE de 2002, decorre, pois, apenas um comando dirigido à Ré, no sentido de implementar as medidas de protecção previstas naquelas alíneas, nada se especificando sobre a conformação concreta das mesmas» e «deste modo, aquela cláusula e os instrumentos de execução da mesma que vieram a ser implementados pela Ré não integram um conteúdo normativo que se tenha enquadrado nos contratos de trabalho dos trabalhadores ao seu serviço, cuja alteração careça da adesão destes.»

Trata-se de uma síntese conclusiva da parte daquele aresto relativa à jurisprudência desta Secção sobre a questão em análise, que é do seguinte teor:

«1 - Na verdade, conforme vem sendo decidido uniformemente por esta secção[1]o sentido daquela cláusula só se entende quando se compara o conteúdo da mesma com a cláusula 90.ª da versão anterior do AE, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 7, de 22 de Fevereiro de 1999.

Referiu-se, com efeito, no acórdão desta secção, de 14 de Setembro de 2011, proferido na revista n.º 791/08.0TTVCT.P1.S1, disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI, sobre essa questão o seguinte:

«B.3 – O complemento de reforma no AE de 2002.

As alterações posteriores ao contrato constitutivo do Fundo de Pensões.

(…)

Como é pacífico, é na cl.ª 87.ª do Acordo de Empresa de 2002 que se encontra estabelecida a regalia em causa.

Nos termos do seu n.º1 ‘[a] Empresa garantirá a todos os seus trabalhadores, nas condições dos instrumentos que se obriga a criar e a divulgar, as seguintes regalias: … c) complemento de reforma de invalidez’.

Na versão do anterior Acordo de Empresa a cláusula homóloga (cl.ª 90.ª/1 do AE publicado no BTE n.º 7/99, de 22 de Fevereiro, que importa convocar, como já se perceberá) dispunha de modo diverso: ‘[a] empresa garantirá a todos os seus trabalhadores, nas condições das normas constantes de regulamento próprio, que faz parte integrante deste acordo, as seguintes regalias’…

A alteração acordada é bem mais do que semântica – … e releva substantivamente – importando eleger, no plano hermenêutico, dentre as possíveis significações, a realmente querida pelos outorgantes, a decisiva.

 (Cfr. Ac. S.T.J. de 16.3.2005, in D.R., I Série -A, n.º 84, de 2.5.2005).

A importância decorre directamente da circunstância de ter de saber-se se a R. podia, unilateralmente, introduzir alterações no contrato constitutivo do Fundo de Pensões.

Na sentença da 1.ª Instância considerou-se a resposta negativa, no entendimento de que a alteração do sistema de complemento de reforma só poderia ser realizada com o acordo expresso dos trabalhadores abrangidos – e o A., por si ou por intermédio dos seus representantes, não foi parte nessa alteração.

Assim o propugna também o recorrente.

A recorrida contrapõe que, perante o quadro de significação, constituiria um verdadeiro absurdo defender a necessidade de concordância dos trabalhadores.

Conferido o texto do negociado clausulado (ponto de partida de qualquer operação hermenêutica), o que dele resulta inequivocamente é que a empresa/R. assumiu garantir aos seus trabalhadores as várias regalias elencadas (v.g. o complemento de reforma por invalidez).

Em que termos? …’Nas condições dos instrumentos que se obriga a criar e a divulgar’.

Nada ficou pré-definido relativamente a montantes, regras de cálculo, intervenção dos trabalhadores, modo de negociação, etc.

E – conforme previsto no n.º 2 da mesma cláusula 87.ª – em caso de alteração nas regalias estabelecidas até então, apenas se estabeleceu que deveria ser solicitado parecer (cujo carácter, alcance ou efeito não foi definido) aos representantes dos trabalhadores.

Donde se retira que, ressalvados os direitos adquiridos pelos trabalhadores ao abrigo de instrumentos anteriormente vigentes e reguladores destas matérias, conforme n.º3 da cláusula – e nisso acompanhamos o entendimento sustentado pela recorrida –, se afastou o carácter contratual das condições reportadas no Regulamento próprio, que expressamente deixou de ser considerado parte integrante do Acordo de Empresa.

Apresenta-se-nos, pois, clara a ideia de que, ante o novo clausulado, a R. outorgante ficou não só com a liberdade de estabelecer, unilateralmente, as condições respectivas, a consignar nos instrumentos que se obrigou a criar, (…neles se integrando, a partir de então, logicamente, o ‘regulamento de regalias sociais’ existente – instrumento este diverso do regulamento interno da empresa, em sentido próprio, normalmente vocacionado para outros fins, v.g. organizacionais e de disciplina no trabalho, como é sabido, e resulta do constante no art. 153.º/1 do Código do Trabalho/2003), mas também com a de promover eventuais alterações.

E daí que – também em nosso juízo – tenha ficado para trás a sua natureza contratual e, excluída, por isso, a reclamada intervenção, directa ou mediata, do trabalhador beneficiário na implementada alteração, como condição da sua validade.

Se por esta via fica afastada – como se deixou explicitado – a inoponibilidade das alterações ao Plano, não é a formulação genérica da garantia da regalia em causa que confere ao trabalhador um direito efectivo apenas sujeito a condição suspensiva de verificação de um facto futuro. (Sic).

Não só a mesma regalia não constitui, neste conspecto e âmbito, um ‘direito adquirido’[2], (cfr. noção constante do art. 9.º do Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de Janeiro), integrante do acervo da relação juslaboral, como a ‘aquisição do direito’ ao complemento de pensão de reforma, nos termos e para os efeitos do Regulamento que consta do Anexo I ao Contrato Constitutivo, só acontece quando, além da verificação do mais, o trabalhador tenha passado à situação de invalidez … pela Segurança Social, sendo o complemento atribuível apenas a partir dessa data – cfr. respectivo art. 4.º».

São estas as razões que fundamentam a afirmação constante do citado acórdão desta Secção de 19 de Setembro de 2012, referidas na decisão recorrida.

3 – Tal como se referiu no acórdão acima citado, o regulamento das garantias sociais a que se refere, neste caso, o ponto n.º 7 da matéria de facto fixada não tem a natureza de um regulamento de empresa, sujeito ao regime do artigo 153.º, n.º 1 do Código de Trabalho de 2003, uma vez que não visa a organização e disciplina da empresa, e, na sequência da alteração ali referida, perdeu a dimensão contratual que o caracterizava na sua versão inicial.

Tal regulamento não integra a disciplina dos contratos de trabalho no âmbito da Ré, embora mantenha conexões com as relações de trabalho ali existentes.

Conforme referem BERNARDO LOBO XAVIER e Outros, «quanto ao caso de complementos empresariais, as normas da organização, previsão e maturação de benefícios complementares pensionísticos não pertencem ao estatuto do contrato individual e por isso podem ser modificadas: os trabalhadores quando ingressam numa empresa não podem antever a imutabilidade de um regime durante a sua vida nessa empresa»[2].

Na verdade, os aludidos complementos de reforma são atribuídos aos trabalhadores abrangidos, desde que tenham essa qualidade, não se assumindo como qualquer forma de contraprestação pelo trabalho prestado, pelo que não relevam ao nível da concretização da retribuição devida.

E embora os esquemas de segurança social privada onde os planos complementares de reforma se inserem sejam sujeitos à regulação pública decorrente do citado Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de Janeiro, tais complementos têm natureza privada e são de adesão voluntária. Por outro lado, podem desempenhar funções complementares da segurança social pública, mas não se confundem com ela.

O enquadramento jurídico desses sistemas tem autonomia face ao regime das relações de trabalho subordinado, não estando a adesão aos mesmos, nomeadamente, a planos complementares de reforma, limitada ao espaço das relações de trabalho subordinado e ao regime jurídico que as enquadra.

4 - A decisão recorrida assenta num equívoco relativamente ao regime jurídico dos fundos de pensões e aos direitos aos complementos de reforma que podem ser assumidos pelos mesmos.

Na verdade, o Fundo de Pensões – HH foi constituído na vigência do Decreto-‑Lei n.º 475/99, de 9 de Novembro, ou seja antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de Janeiro, diploma que estabelece a disciplina em vigor da «constituição e funcionamento dos fundos de pensões e das entidades gestoras de fundos de pensões».

À data em que este diploma entrou em vigor aquele fundo já tinha existência legal colocando-se por tal motivo uma questão de definição do regime que lhe é aplicável.

É efectivamente esse o âmbito do n.º 2 do artigo 100.º do Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de Janeiro, que determinou que este diploma se aplique também aos fundos existentes na data da sua entrada em vigor, «salvo na medida em que da sua aplicação resulte diminuição de direitos ou de expectativas adquiridas ao abrigo da legislação anterior».

Esta norma visa apenas resolver as questões derivadas da sucessão no tempo de regimes legais, impondo a preservação dos direitos ou expectativas jurídicas que existissem ao abrigo da legislação anterior e que pudessem ser afectados pela aplicação do novo regime aos fundos já existentes, decorrente da primeira parte daquele dispositivo.

Este dispositivo é inoperante relativamente à determinação de quais sejam os direitos ou as expectativas que poderiam ser afectadas, questão que deverá procurar-se nos vários dispositivos de ambos os diplomas.

Só perante situações onde a sujeição dos fundos ao novo regime possa afectar direitos ou meras expectativas surgidas na vigência da legislação anterior é que surge o espaço de intervenção desta norma, mantendo-se essas situações reguladas pela legislação anterior.

5 - Por outro lado, quer no âmbito do Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de Janeiro, quer no âmbito da legislação anterior, os factos que constituem o direito aos benefícios que derivam de um plano de pensões são claramente referenciados na lei.

Na verdade, decorre do disposto no artigo 6.º, n.º 1, deste diploma, que «as contingências que podem conferir direito ao recebimento de uma pensão são a pré-‑reforma, a reforma antecipada, a reforma por velhice, a reforma por invalidez e a sobrevivência», devendo estes conceitos ser definidos no respectivo plano de pensões.

Um plano de pensões, por força do disposto na alínea a) do artigo 2.º daquele diploma, é o «programa que define as condições em que se constitui o direito ao recebimento de uma pensão a título de reforma por invalidez, por velhice ou ainda em caso de sobrevivência ou de qualquer outra contingência equiparável».

Na dinâmica dos fundos de pensões é igualmente clara a distinção entre participante, que nos termos da alínea e) do artigo 2.º do referido Decreto-Lei é «a pessoa singular em função de cujas circunstâncias pessoais e profissionais se definem os direitos consignados no plano de pensões (…) independentemente de contribuir ou não para o seu financiamento» e do beneficiário, que é a pessoa singular «com direito aos benefícios estabelecidos no plano de pensões (…) tenha ou não sido participante».

Deste modo, o direito aos benefícios previstos no plano deriva claramente da ocorrência dos factos – as contingências – que geram o direito e não da obtenção da mera qualidade de participante.

É neste contexto que tem de ser lida a norma do n.º 2 do artigo 24.º do mesmo diploma quando estabelece que as alterações aos contratos constitutivos e dos regulamentos de gestão dos fundos «não podem reduzir as pensões que se encontrem em pagamento nem os direitos adquiridos à data da alteração, se existirem».

Assim, direitos adquiridos para os efeitos desta norma são os previstos no artigo 9.º. daquele diploma, cujo n.º 1 refere que existem direitos adquiridos, realidade que na semântica do diploma não tem o mesmo conteúdo que “direitos aos benefícios” derivados dos Fundos, «sempre [que] os participantes mantenham o direito aos benefícios consignados no plano de pensões (…) independentemente da cessação do vínculo existente com o associado».

O artigo concretiza os casos em que se mantém a situação jurídica dos participantes no fundo derivada dessa participação, antes de ocorrer o facto que fundamenta a atribuição dos benefícios previstos, independentemente da manutenção do vínculo com o associado.

Nestas situações, aquela específica situação jurídica não se extingue com a cessação do vínculo, podendo a situação jurídica em causa ser transmissível, nomeadamente, nos casos referidos no n.º 2 daquele artigo.

É para estas situações que o diploma reserva o conceito de “direitos adquiridos”, inerente ao facto de os participantes verem a sua expectativa titulada, independentemente da manutenção do vínculo com o associado inicial do fundo, o que não ocorre nas situações de mera participação no fundo.

Para além das pensões que se encontrem em pagamento, são esses os únicos direitos que deverão ser respeitados pelas alterações que sejam introduzidas aos contratos constitutivos.

Do exposto resulta que a qualidade de participante num Fundo de Pensões não confere o direito aos benefícios previstos, nomeadamente aos complementos de reforma no caso dos autos, direito que só se constitui como tal com a ocorrência dos factos que condicionam a respectiva constituição.

Sendo este o regime dos Fundos de Pensões, carecem de qualquer fundamento as afirmações constantes da decisão recorrida no sentido de que o direito ao complemento de reforma reclamado se integra no contrato de trabalho e nomeadamente que fará parte da contraprestação assumida pela entidade empregadora.

Trata-se efectivamente de um direito, o direito ao complemento de reforma, que só surge na esfera jurídica do seu titular com a ocorrência do facto que determina a respectiva constituição, nomeadamente a reforma do trabalhador.

Deste modo, no período que medeia entre a adesão ao fundo e a ocorrência do facto que determina a constituição do direito ao complemento de forma o aderente é apenas titular de uma mera expectativa jurídica que não pode ser confundida com o direito em causa, cujos pressupostos não se mostram integralmente preenchidos.

Conforme referem os autores acima referidos, «há uma distinção fundamental entre direitos às prestações e expectativas jurídicas, com a qual é necessário lidar para compreender correctamente estas questões. Na verdade, os direitos às prestações só se “abrem”, ou só se concretizam, nas condições estabelecidas nas normas respectivas, e ainda com a ocorrência dos eventos danosos: são pois situações jurídicas condicionadas. (…)», e prosseguem, referindo que «do direito se distinguem as “expectativas” que os trabalhadores activos, futuros reformados, detêm quanto à adequada maturação (que depende no seu montante, da antiguidade), dos seus direitos quando for caso disso. Não se trata plenamente de direitos porque as prestações são meramente eventuais (…)»[3].

A protecção destas expectativas não se pode confundir com a protecção do direito às prestações, sendo em ambos os casos as estabelecidas no regime dos fundos de pensões, nada tendo a ver com o eventual regime do contrato de trabalho dos beneficiários, no caso em que os sistemas sejam instituídos por empregadores a favor dos seus trabalhadores.

5 - Assente a licitude das alterações introduzidas ao contrato constitutivo do Fundo de Pensões HH, a que se referem os pontos n.ºs 8 e 9 da matéria de facto fixada, importa agora determinar que Plano estava em vigor quando o reclamado direito do Autor se consolidou na sua esfera jurídica.

Como resulta da matéria de facto fixada, o Autor foi inicialmente admitido, ao serviço da sociedade que antecedeu a Ré BB – Empresa de Celulose e Papel de Portugal, SA., em 2 de Janeiro de 1984.

Em 23 de Novembro de 2008, o A. passou à situação de reforma por invalidez, pela Segurança Social.

Na sequência do Acordo de Empresa de 2002 (publicado no BTE n.º1/2002, de 8 de Janeiro), e, em cumprimento do que constava da sua cláusula 87.ª/1, c), a Ré BB subscreveu o contrato constitutivo do Fundo de Pensões HH, com “II” – Sociedade Gestora de Fundos de Pensões, S.A.’ (publicado no D.R., III Série, de 31.12.2004).

 Em 13 de Julho de 2007, a Ré BB subscreveu, juntamente com “HH” e “CC Pensões” (entidade que geria o Fundo desde Janeiro de 2006) uma alteração ao referido contrato constitutivo, com efeitos reportados a 1 de Janeiro de 2007.

Assim, quando ocorreu o facto determinante da aquisição do direito reclamado pelo Autor, (a sua passagem à situação de reforma por invalidez, pela Segurança Social, em 23 de Novembro de 2008), já vigoravam as alterações ao referido contrato constitutivo, que, por tal motivo, são aplicáveis no caso.

Impõe-se a concessão da revista e a revogação da decisão impugnada.


IV

Termos em que se acorda em conceder a revista e revogar a decisão recorrida na parte relativa à condenação da Ré BB Viana – Empresa Produtora de Papéis Industriais, SA, ficando, deste modo, aquela Ré absolvida dos pedidos em que tinha sido condenada

As custas da revista e da 1.ª instância ficarão a cargo dos herdeiros do Autor.

Anexa-se sumário do Acórdão.

Lisboa, 21 de Janeiro de 2014

António Leones Dantas (relator)

Joaquim Maria Melo de Sousa Lima

Mario Belo Morgado

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[1] Cfr., entre outros, os Acórdãos desta secção de 14 de Setembro de 2011, proferido nas revistas n.ºs 475/08.0TTVCT.P1.S1 e 255/08.2TTVCT.P1.S1, disponíveis nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.
[2] “Pensões Complementares de Reforma – Inconstitucionalidade da Versão Originária do art. 6.º, 1 E da LRC”, Revista de Direito e de Estudos Sociais, Janeiro – Setembro de 1997. Ano XXXIX, p.p 159 e 160.
[3] Obra citada, p.p. 155 e 156.