Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03P2402
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: COSTA MORTÁGUA
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
FUNDAMENTOS
CASO JULGADO
CASO JULGADO MATERIAL
REJEIÇÃO DE RECURSO
Nº do Documento: SJ200307080024023
Data do Acordão: 07/08/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 7 V CR LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 1033/00
Data: 05/23/2001
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISÃO.
Sumário :
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

O Ministério Público veio interpor o presente recurso extraordinário de revisão do acórdão proferido em 03.10.2002 no Processo Tutelar Educativo nº 37/02.5TMLSB, do 4º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Lisboa que aplicou ao menor A a medida tutelar educativa de internamento em Centro Educativo, em regime fechado, pelo período de 2 anos, pela prática, em co-autoria material, de actos integrativos de ilícitos penais típicos, designadamente:
- um crime de roubo, previsto e punível com pena de prisão de 1 a 8 anos, nos termos do artigo 210º, nºs 1 e 2, al.b), referido ao artigo 204º, nº 1, al.d), do CP, não operando, porém, a qualificação do ilícito em virtude do diminuto valor do objecto, nos temos do disposto no nº 4, do citado artigo 204º; e,
- um crime de homicídio qualificado, previsto e punível com pena de prisão de 12 a 25 anos, nos termos dos artigos, 14º, nº 3, 26º, 131º e 132º, nºs 1 e 2, al.g), todos do CP, agindo o menor com dolo eventual, considerando-se que não ocorreram as demais circunstâncias qualificativas referidas no requerimento de abertura da fase jurisdicional do Ministério Público por se considerar que aquelas apenas se reportam a actuação com dolo directo.
As conclusões da motivação apresentada:
1. O teor da decisão proferida no Tribunal Criminal de Lisboa mostra-se decisivo para se proceder à revisão do acórdão proferido nestes autos.
2. Na verdade, existe manifesta oposição de julgados, do que resultam graves dúvidas sobre a justiça da decisão.
3. Os factos que serviram de fundamento à decisão nestes autos são inconciliáveis com os dados como provados no Tribunal Criminal de Lisboa.
4. No Tribunal de Menores, entendeu-se que o A, inimputável à data dos factos, representou como possível a morte da vítima, conformando-se com o resultado.
5. No Tribunal Criminal, dera-se como provado que apenas o arguido que passou com a motorizada por cima da vítima representou a morte, resultado que não só previu, mas também quis.
6. Relativamente aos outros arguidos, grupo de que fazia parte o então menor A, o Tribunal Criminal deu como provado que eles agiram movidos da intenção de ofender corporalmente a vítima, sabendo que estavam a causar perigo para a sua vida, mas que, embora tendo representado a morte, não se conformaram com tal resultado. -
7. Desta forma, o Tribunal Criminal afastou a prática do crime de homicídio pelos arguidos que, tendo causado lesões corporais à vítima, não lhe passaram com a motorizada por cima do corpo -
8. O A pertence ao grupo de jovens que ofendeu corporalmente a vítima, mas que não lhe passou com a motorizada por cima.
9. Por isso, deve rever-se a sentença na parte em que lhe imputa o crime de homicídio, a título de dolo eventual.
10. Deverá, pois, ser decidido que, em vez do crime de homicídio, o A praticou o crime de ofensas corporais graves, agravadas pelo resultado morte.
11. Só desta forma, deixará de verificar-se a oposição inconciliável entre o teor dos dois acórdãos.
12. Mas ainda que assim não seja entendido, impõe-se nova apreciação, devido ao conjunto de elementos existentes no processo tutelar educativo que, combinados com o acórdão da 7ª Vara Criminal suscitam sérias dúvidas sobre a justiça da decisão.
13. Na verdade, foram lidas em audiência de julgamento as declarações prestadas pelo menor A perante agente da Polícia Judiciária.
14. Mas só por errada interpretação do artigo 106º, nº 2 al.a) da LTE poderá admitir-se a leitura de autos de menores, em que não foram observadas as formalidades previstas nos artigos, 46º nº 2 e 47º da LTE.
15. Face ao conteúdo do artigo 47º da LTE, que impõe a audição do menor perante autoridade judiciária, não deveria ser atribuído ao auto de inquirição o excessivo relevo que efectivamente conduziu a uma apreciação demasiado baseada na convicção e não em factos objectivos.
16. O que teve como consequência a opção pelo regime fechado, que nem sequer existia na jurisdição tutelar, em Julho de 2000.
17. E não existindo regime fechado nessa altura, jamais deveria ter sido decidida a sua aplicação, visto que isso constitui violação do princípio constitucional da não retroactividade da Lei Penal, salvo a de conteúdo mais favorável.
18. Por isso, além do artigo 2º, nº 4 do Código Penal, foi violado também o artigo 29º, nº 4 da Constituição da República.
19. Como foram violados, por errada interpretação, os artigos, 13º, 14º, nº 3, e 15º, al.a), todos do Código Penal.
20. Sendo certo que o relatório da autópsia, apesar da extensão e gravidade das lesões, conclui pela não intenção de matar .
21. A perícia de personalidade também aponta para a aplicação de medida menos restritiva da liberdade.
22. E cotejados assim os elementos constantes do processo, com o documento ora apresentado, impõe-se uma nova apreciação, ao abrigo do que é permitido pelo disposto no artigo 449º, nº 1, seja pela aI. c), seja pela aI. d) do C. P. Penal.
23. De forma a evitar uma clamorosa injustiça, derivada de um tratamento demasiado severo, não deverá o A ser identificado como homicida, quando dos seus comparticipantes mais velhos, apenas um deles, que sem qualquer plano prévio passou com uma motorizada por cima da vítima, viu esse crime ser-lhe imputado.
24. Deverá, pois, ser reexaminada a sua conduta, à luz deste novo documento, que por si só, cria no espírito de quem o analisa, sérias dúvidas sobre a justiça da decisão.
25. Sendo, porém, mais graves ainda as dúvidas, se ponderarmos o conjunto de todos os elementos do processo, designadamente as interpretações erradas das disposições legais, que só foram possíveis devido à forte convicção que animou o llustre Tribunal Misto, no sentido de a actuação do menor ser caracterizada pela conformação pelo resultado morte.
26. Mas a convicção apenas deverá fundar-se em elementos objectivos, pois a subjectividade conduz à presunção e esta está vedada na decisão sobre o dolo.
27. Deverá, pois, ser aplicada ao A uma medida de internamento em regime semi-aberto.
28. Caso não se entenda que deva cessar de imediato a execução da medida, deverá ela ser reduzida para um período de quinze meses, devido ao lapso de tempo já decorrido (quase três anos), à evolução positiva do menor, ao facto de já ter completado 18 anos e de estar prestes a perfazer um ano de internamento.
A informação da Exmª. Juíza (artigo 454º do CPP):
A) O acórdão objecto do presente recurso de revisão, foi proferido por este Tribunal de Família e Menores em 3/10/02, (e cuja certidão constitui fls. 92 a 105 dos presentes autos de recurso de revisão), e tendo-se aí considerado ter o menor A, praticado factos integrativos de um crime de roubo, ao qual corresponde a pena abstracta de prisão de 1 a 8 anos, previsto e punível pelos artigo 210º, nºs 1 e 2, al.b), com referência ao artigo 204º, nº 4, do Código Penal, e, um crime de homicídio qualificado, com dolo eventual, ao qual corresponde a pena abstracta de prisão de 12 a 25 anos, previsto e punível pelos artigos, 14º, nº 3., 26º, 131º, e 132º, nºs 1 e 2, al.g), todos do Código Penal, foi-lhe aplicada a medida tutelar educativa de internamento em Centro Educativo, em regime fechado, pelo período de dois anos, nos termos da legislação aplicável decorrente da Lei Tutelar Educativa.
B) Tendo sido interposto recurso do referido acórdão para o Tribunal da Relação de Lisboa, pelo Ministério Público, por requerimento de 14/10/02, foi proferido acórdão por aquele Tribunal superior a rejeitar tal recurso (cfr. doc. de fls. 106/116 e 117/118 dos presentes autos).
C) Tendo transitado em julgado o acórdão proferido por este Tribunal de 1ª instância e ora em apreciação, manteve-se em execução a medida tutelar educativa decretada, prevendo-se o respectivo terminus para 3/10/2004.
D) Tendo A atingido a maioridade em 1/12/2002, manteve--se a execução da medida tutelar educativa decretada por força da disposição especial do artigo 5º da Lei Tutelar Educativa, aprovada pela Lei nº 166/99, de 14/9, (aliás, como a própria Digna Magistrada do MP ora recorrente pediu em alegações finais na Audiência de Julgamento a que se procedeu nos autos principais).
E) Aos autos de Processo Tutelar Educativo são aplicáveis as disposições especiais que lhe são próprias decorrentes da Lei nº 166/99 de 14/9 e Lei Tutelar Educativa, por esta aprovada em tal diploma legal, e, subsidiariamente, as normas do Código Processo Penal, e, nos casos omissos, as normas do Processo Civil que se harmonizem com o processo tutelar (artigo 128º da LTE).
F) Consequentemente, inexiste qualquer violação das normas do Código Penal, o qual se não aplica a este tipo de processos especiais, e, não se encontrando o A em cumprimento de pena ou medida de segurança não é aplicável ao caso em apreço o citado artigo 39º da Constituição, podendo o Tribunal proceder à aplicação de medidas tutelares ou de medidas tutelares educativas, previstas na nova lei, nos termos do artigo 2º, nº 6, al.b) da Lei nº 166/99, de 14/9, como se decidiu.
G) Dir-se-á, ainda, que o acórdão condenatório proferido pela 7ª Vara Criminal não constitui meio de prova nos autos principais de Processo Tutelar Educativo em referência, nem os factos aí julgados assentes constituem caso julgado num outro processo, como decorre das normas processuais vigentes.
H) E, já por decisão judicial proferida nos autos principais de Processo Tutelar Educativo, em 8/7/2002, foi indeferido pedido do Ministério Público a requerer a junção aos autos, para ulterior apreciação no Julgamento a realizar por este Tribunal, do acórdão condenatório proferido pela 7ª Vara Criminal e ora em referência, tendo tal decisão transitado em julgado (cfr. certidão que se segue).
I) Eventuais divergências que pudessem resultar dos acórdãos em referência, que não se mostram verificar, resultariam, manifestamente, da liberdade e independência dos Tribunais que estão ínsitas ao acto de julgar, legal e constitucionalmente consagradas.
J) E, nenhuma razão existe que determinasse a aplicação de outra medida tutelar ou tutelar educativa, que melhor correspondesse aos fins, que a Lei prevê, de Educação do menor para o Direito, nem se vislumbra qualquer razão pela qual a medida aplicada e em execução deva cessar de imediato tal como requer o Digno MP.
Neste Supremo Tribunal o Exmº. Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer como segue:
Invoca o Ministério Público, enquanto recorrente, como fundamento bastante para o presente recurso de revisão:
a) a existência de oposição inconciliável e relevante, entre os factos que foram dados como provados no acórdão da 7ª Vara Criminal de Lisboa e os factos que neste processo tutelar educativo conduziram à aplicação de medida de internamento em regime fechado, de que resulta graves dúvidas sobre a justiça da decisão; e, ainda,
b) que a decisão da 7ª Vara, conjugada com os elementos já existentes, cria séria dúvidas sobre a justiça da decisão proferida nestes autos.
Integra tais fundamentos, respectivamente, nas alíneas c) e d) do nº1 do artigo 449º do CPP.
(...).
Com o instituto processual da revisão de sentença procura-se o estabelecimento de um justo e necessário equilíbrio entre imutabilidade da sentença transitada em julgado e o respeito pela verdade material.
Nessa medida, excepcionalmente, permite-se o sacrifício do valor da segurança e estabilidade inerente à força do caso julgado sempre, que ponderosas razões de justiça, enquanto valor fundamental, o impuserem. Para a nossa lei processual penal a revisão de sentença transitada em julgado é admissível em quatro situações expressamente tipificadas nas alíneas a) a d) do nº 1 do artigo 449º do CPP, as duas primeiras - falsidade de meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão e crime cometido por juiz ou jurado, relacionado com o exercício da sua função no processo - de natureza estritamente objectiva, as restantes definidas em função de graves dúvidas que a oposição entre factos provados em diversas sentenças, ou a descoberta de novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, possam suscitar sobre a justiça da condenação.
No caso, os preceitos citados pelo recorrente como fundamento do seu recurso extraordinário de revisão, e que aqui procura fazer valer, exigem:
a) que os factos que serviram de fundamento à condenação sejam inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultem graves dúvidas sobre a justiça da condenação - citada alínea c);
b) a descoberta de novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação - citada alínea d).
Como tem sido entendido pacificamente, a sentença inconciliável com a condenatória não tem que ser penal e os factos ou meios de prova devem ser novos no sentido de não terem sido apresentados no processo que conduziu à acusação se bem que não fossem ignorados pelo arguido.
Por outro lado, por se tratar de um recurso extraordinário, concebido para evitar a ocorrência de ‘erros judiciários’ ou sentenças injustas, tem-se afirmado que só deve usar-se dentro dos seus precisos termos e quando a finalidade que se visa alcançar não possa ser obtida por outros meios (ordinários).
Vejamos então se assiste razão à recorrente.
Ainda que sem grande convicção defende a recorrente a existência de oposição inconciliável e irrelevante entre os factos que serviram de fundamento à decisão de aplicação da medida tutelar e os dados como provados no acórdão da 7ª Vara criminal.
É certo que ambos os acórdãos se reportam aos factos ilícitos praticados, em comparticipação, no dia 4 de Julho de 2000 na área da Amadora e ambos mencionam expressamente o menor A como tendo tomado parte activa nesses mesmos factos.
Porém, como decorre da diversa natureza dos referidos processos, o primeiro (o processo tutelar) apenas aprecia a conduta do então menor, enquanto o segundo (o processo criminal) só aprecia a conduta e responsabilidade dos restantes comparticipantes.
Nessa medida, no primeiro caso considerou-se que, "sabia e aceitou igualmente o menor A que, em especial nas circunstâncias de lugar e modo em que a sua acção decorreu, o tipo de violência que usou, juntamente com os seus companheiros, sobre a pessoa da vítima (B), era meio apto a tirar-lhe a vida".
Por outro lado, no processo criminal, cuja oposição ora se reclama, decidiu-se entre outros elementos de facto que:
"Após, todos os cinco elementos do grupo começaram a dar pontapés por todo o corpo do B, atingindo-o na cabeça, tronco, pernas e braços.
(..) O arguido C... passou com o rodado da motorizada por cima do corpo do B, afectando-lhe as zonas do tórax e da cabeça.
(..) O arguido C ao passar com o rodado da motorizada por cima do corpo do B agiu movido da intenção de lhe causar morte.
(..) Os arguidos D, E e F agiram movidos da intenção de ofender corporalmente o B.
Sabendo que o seu actuar causava perigo para a vida do mesmo (..) representaram como possível a morte do B mas sem se conformarem com ela".
São tais factos inconciliáveis entre si ?
Salvo o devido respeito pela opinião contrária entende-se que não.
É verdade que os dois processos apreciaram a ‘mesma situação’ de conflito que esteve na origem da morte do malogrado B, mas com perspectivas diferentes na medida em que as condutas, em todas as suas vertentes, de todos os membros do grupo não foram, nem o podiam ser, apreciadas em simultâneo e em cada um dos processos.
Assim, no rigor dos princípios, apesar de o tribunal criminal ter apreciado de forma mais favorável as condutas dos arguidos D, E e F em contraponto com a apreciação da conduta do arguido C - único que utilizou a motorizada -, não está excluído que pudesse apreciar de forma diferente também a situação do menor A.
Como diz a recorrente o ‘acórdão condenatório estabelece diversos graus de culpa, justamente porque distinguiu entre a actuação do C, e a dos outros’ mas, nestes outros não estava incluído, nem podia estar, o menor A o que, a meu ver, acaba por afastar a invocada oposição.
Numa segunda linha de argumentação afirma a recorrente que, mesmo a não considerar-se a existência da sobredita inconciliabilidade, sempre se verificará que ‘a decisão ora conhecida (o acórdão da 7ª Vara), conjugada com os elementos já existentes, cria séria dúvidas sobre a justiça da decisão proferida nestes autos’.
De seguida, enuncia as várias questões que em seu entender inquinam a referida decisão - a irregularidade da leitura do auto de inquirição em audiência, o regime fechado e o princípio da aplicação da lei mais favorável, a gravação da prova em audiência, o tempo decorrido após os factos, a sucessão de leis e a justiça relativa e mesmo as incidências do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa.
Porém, todos esses factores, porventura de grande relevância em recurso ordinário e que por circunstâncias várias que para o caso não interessam não chegaram a ser reapreciadas, não configuram o pressuposto fixado na alínea d) do nº 1 do artigo 449º do CPP - descoberta de novos factos ou meios de prova.
Parece mesmo poder concluir-se que a recorrente, como de certa forma decorre da respectiva motivação, continua a reiterar a discordância com a decisão de aplicação daquela medida tutelar em concreto e que ora pretende revista, com argumentação mais própria do recurso ordinário que por razões meramente formais soçobrou.
Termos em que se entende não existirem reais fundamentos para considerar a situação ‘sub judicio’ abrangida pela previsão do artigo 449º, nº 1, alíneas c) e d), do Código de Processo Penal, o que acarreta a negação da pretendida revisão.
Colhidos o ‘vistos’, foram os autos apresentados em conferência.
A essencialidade da matéria de facto das duas decisões:
A. No acórdão proferido pelo Tribunal Misto do 4º Juízo - 2ª Sº, do Tribunal de Família e Menores de Lisboa, relativo ao menor A:
No dia 4.7.2000, por volta da 1.00 hora, na Rua ...., na ..., Amadora, o menor A, juntamente com quatro amigos seus - D, E, F e C, todos de idade superior a 16 anos, cruzaram-se com B que, no momento e sozinho, por aquela artéria caminhava.
O A e os seus companheiros conheciam, de vista, este transeunte, sabendo que era pessoa de modestos recursos económicos e de fraca desenvoltura física, todos o reconhecendo pela alcunha de "...".
O menor A Bento dirigiu-se-lhe, então, e pediu-lhe cigarros, e, logo apôs, o C disse ao B que montasse no motociclo, vulgo "acelera", que tinha consigo, oferecendo-se para o transportar ao seu local de destino.
E, deste modo, o referido C conduzindo a "acelera", com o B como passageiro, dirigiu-se para uma encosta existente nas redondezas, local onde ninguém reside e por onde não passa qualquer via pública, apelando aos demais elementos do grupo para os seguirem a pé, para tal local, o que estes fizeram.
Ali chegados, o C fez B apear-se da motocicleta e, nessa ocasião, o menor A aproveitou para revistar os bolsos das calças de B, dali tendo retirado e guardado o que encontrou e que foi: uma agenda.
Seguidamente o C deu um pontapé a B, fazendo-o cair ao solo, e, nesta situação, o menor A revistou ainda os bolsos da camisa do B, apoderando-se de um isqueiro "Bic" e Esc.45$00 em dinheiro que aí encontrou.
E, todos juntos, e na mesma ocasião, rodearam o referido B, atingiram-no a pontapé por todas as partes do corpo.
E, tendo a vítima tentado reagir e não obstante terem, assim, alcançado já os seus iniciais desígnios de se apoderarem dos bens de que o mesmo fosse possuidor, o A e os seus 4 amigos continuaram a desferir pontapés na pessoa e por todo o corpo da vítima, designadamente na cabeça, indiferentes às dores e sofrimento da vítima.
Momentos depois, com a vítima inanimada no chão e na presença de todos, o C montou de novo na "acelera", pô-la em funcionamento e direccionou-a ao corpo de B, passando-lhe com os rodados por cima, afastando-se do local na referida mota.
Seguidamente, os demais elementos do grupo, entre eles o menor A, plenamente conscientes do estado em que se encontrava B, sem reacção, gemendo e a sangrar, em estado de agonia, abandonaram aquele local ermo e deserto, aí deixando o B, dirigindo-se então para as suas casas.
Em resultado directo e necessário das condutas supra descritas, a vítima, B, sofreu escoriações, equimoses, hematomas, fracturas ... lesões múltiplas melhor descritas e examinadas no relatório de autópsia médico-legal, constante de fls. 158 a 165, cujo teor, para todos os efeitos legais, aqui se dá por reproduzido.
De todas as inúmeras lesões sofridas pela vítima destaca-se a contusão do tronco cerebral com hematoma subdural, lesão esta que lhe determinou a morte, verificada no dia 6.7.2000.
O menor agiu em comunhão de esforços e intentos com os seus companheiros, com a intenção de fazer coisas suas e dos seus amigos, todos os objectos que encontrasse na posse de B, propósito que, aliás, concretizou, retirando-os ao poder de controlo do respectivo dono.
E agiu bem sabendo que aqueles objectos e valores lhes não pertenciam. Actuando em grupo, o A conhecia a aptidão da sua conduta para causar na vítima sentimentos de insegurança e de impotência, tornando-a indefesa e à mercê das suas pretensões.
E bem sabia ser intenção de todos os elementos do grupo ao dirigirem-se para a referida encosta apoderarem-se de bens e valores de que a vítima fosse possuidora.
O menor A conhecia a vítima e, por isso, admitiu, ao menos como possível, que seriam de pouco montante os haveres que consigo transportava; sabia também tratar-se de pessoa vulnerável, incapaz de, por si só, oferecer resistência, mormente a um grupo constituído por 5 jovens, e num local ermo, deliberadamente escolhido, por todos, para levar a cabo os seus intentos.
O menor A atingiu corporalmente o B de vontade livre e consciente e com a intenção de o agredir.
Sabia e aceitou igualmente o menor A que, em especial nas circunstâncias de lugar e modo em que a sua acção decorreu, o tipo de violência que usou, juntamente com os seus companheiros, sobre a pessoa da vítima, era meio apto a tirar-lhe a vida.
E o menor abandonou o local ermo em que a vitima permaneceu inanimada e no descrito estado de agonia de forma voluntária e com plena consciência do estado em que se encontrava o B.
Em todos os momentos da sua acção, sempre o A actuou com consciência de que o seu comportamento era censurável e contrário à lei.
O menor é oriundo de meio sócio cultural desfavorecido.
Insere-se em estrutura familiar disfuncional, a qual se caracteriza por uma presença muito irregular do pai no agregado em virtude de sucessivas detenções e fragilidade física da mãe, com consequente incapacidade de, de forma válida, acompanhar e orientar o menor.
Tem sido irregular o percurso escolar do menor, o qual apenas completou o 6º ano de escolaridade, mantendo-se desde então inactivo e sem qualquer qualificação técnica ou profissional, acompanhando com grupos de pares.
Os pais do menor denotam desenvolver com o filho laços de afectividade.
Factos não provados:
A) Que o menor A tenha agido com a intenção de provocar a morte do B.
A convicção do Tribunal relativa á matéria de facto acima exposta e dada como provada resultou do teor das declarações do menor que confessou os factos com reservas; auto de inquirição de fls. 128 a 131, lido em Audiência nos termos dos artigos, 105º e 106º, nº 2, al. a) da LTE, e depoimento das testemunhas arroladas no requerimento de abertura de fase jurisdicional de fls.336 a 340 e teor dos documentos de fls. 219 a 222, 241 a 253, 262 a 264, relatório de autópsia de fls. 158 a 165, relatório de perícia de personalidade de fls. 290 a 296.
Relativamente ás testemunhas E, F e D, condenados co-autores dos factos em apreciação e admitidas a intervir em Audiência nos termos do despacho judicial de fls.457 dos autos, em deferimento do requerido a fls. 431/432, pela Digna Magistrada do MP, tendo declarado não saberem já precisar os factos no tocante à actuação concreta do menor A nada resulta dos seus depoimentos.
O depoimento da testemunha C, igualmente condenado co-autor dos factos, não foi valorado pelo tribunal para quaisquer efeitos legais, por um lado por total falta de idoneidade da testemunha, tal como resulta do teor do seu depoimento, gravado em audiência, e, por outro, atento o teor meramente afirmativo ou negativo face ás perguntas que lhe foram formuladas e não descritivo de quaisquer factos.
B. No acórdão proferido pela 7ª Vara Criminal do Círculo de Lisboa, em 23.05.2001, em que são arguidos D, E, F e C:
1. No dia 04.07.00, entre a 1h00 e a 1h30, os arguidos D, E, F, C e o então menor, de 15 anos de idade, A, reuniram-se na rua Nicolau Tolentino (...).
(..).
3. Pouco tempo após se terem reunido surgiu B, de 45 anos de idade, que todos conheciam de vista.
4. Tendo, então, todos decidido assaltar o B.
(...).
22. Com o B caído o A retirou-lhe uma agenda do bolso das calças e, após verificar que não continha dinheiro, devolveu-a.
23. Após, todos os cinco elementos do grupo começaram a dar pontapés por todo o corpo do B, atingindo-o na cabeça, tronco, pernas e braços.
(...).
25. (...) os cinco continuaram a dar pontapés por todo o corpo do B, até que este ficou inanimado.
(...).
27. (..) o arguido C... passou com o rodado da motorizada por cima do corpo do B, afectando-lhe as zonas do tórax e da cabeça.
28. Depois todos os cinco abandonaram o local ali deixando o B inanimado, não providenciando para que lhe fosse prestada qualquer assistência.
29. Como consequência directa e necessária das referidas agressões, o B sofreu as lesões descritas e examinadas (...),
30. (...) causa directa e necessária da morte.
(...).
33. O arguido C ao passar com o rodado da motorizada por cima do corpo do B agiu movido da intenção de lhe causar a morte.
34. E fê-lo deliberada, livre e conscientemente.
35. Os arguidos D, E e F agiram movidos da intenção de ofender corporalmente o B.
36. Sabendo que o seu actuar causava perigo para a vida do mesmo.
37. Ainda assim, agiram em simultâneo, deliberada, livre e conscientemente.
38. Estes arguidos representaram como possível a morte do B mas sem se conformarem com ela.
39. Os arguidos D, E, F e C sabiam que as suas descritas condutas eram proibidas por lei.
(...).
Factos não provados:
Não se provou que:
(...).
6. Os arguidos D, E e F tivessem agido com intenção de matar o B.
7. Estes arguidos tivessem agido representado-se a morte do B como consequência necessária da sua conduta.
8. Estes arguidos tivessem agido representando-se a morte a morte do B como consequência possível das suas condutas.
A convicção do Tribunal também assentou, como segue:
- nas declarações da testemunha A o qual participou nos factos em causa e os descreveu tal qual constam da factualidade provada;
- relativamente aos arguidos D, E e F não se apurou a intenção de matar uma vez que não foi possível perscrutar no depoimento dos mesmos essa particular intenção; por outro lado, face aos elementos objectivos colhidos e à sua actuação (pontapés no corpo da vítima) não foi possível concluir com um juízo de forte probabilidade que essa fosse a verdadeira intenção destes arguidos. Concluiu, pois, o Tribunal, face aos elementos objectivos colhidos que a intenção dos arguidos referidos, ao pontapearem a vítima, era a de ofender corporalmente e que, com tal actuação, causaram perigo para a vida, tendo todos representado como possível a morte, mas não se conformando com ela.
Como tem sido frequentemente assinalado neste Supremo Tribunal (1), nenhuma legislação moderna adoptou o caso julgado como dogma absoluto face à injustiça patente, nem a revisão incondicional de toda a sentença frente ao caso julgado.
Daí que se tenha vindo a reconhecer que o caso julgado não tem efeitos substantivos; como caso julgado material, o seu valor em outros processos é um valor puramente processual, impeditivo da renovação da apreciação judicial sobre a mesma matéria. É simples exceptio judicati. (2)
‘Porque o caso julgado, cortando cerce a possibilidade de busca da verdade material, restringe o ideal de justiça em razão da necessidade de segurança, faz-se sentir a sua imodificabilidade com mais rigor em processo civil do que em processo penal, por sua natureza vertido para a justiça real, e dificilmente acomodatício às ficções de segurança, obtidas à custa do sacrifício de valores morais essenciais’ (3).
Em idêntico sentido pugna Figueiredo Dias (4) ao afirmar que embora a segurança seja um dos fins prosseguidos pelo processo penal, tal ‘não impede que institutos como o do recurso de revisão contenham na sua própria razão de ser um atentado frontal àquele valor, em nome das exigências da justiça. Acresce que só dificilmente se poderia erigir a segurança em fim ideal único, ou mesmo prevalente, do processo penal. Ele entraria então constantemente em conflitos frontais e inescapáveis com a justiça; e, prevalecendo sempre ou sistematicamente sobre esta, pôr-nos-ia face a uma segurança do injusto que, hoje, mesmo os mais cépticos, têm de reconhecer não passar de uma segurança aparente e ser só, no fundo, a força da tirania’.
Posto isto, diga-se que o legislador escolheu uma solução de compromisso entre o interesse de dotar de firmeza e segurança o acto jurisdicional e o interesse de que não prevaleçam as sentenças que contradigam ostensivamente a verdade, e através dela, a justiça, solução que se revê na consagrada possibilidade limitada de revisão das sentenças penais.
Se a segurança é um fim do processo penal, não é seguramente o único e nem sequer o prevalente, que se consubstancia na justiça.
O recurso de revisão inscreve-se também, parcialmente, nas garantias de defesa, no princípio da revisão que resulta da Constituição ao dispor que os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão de sentença e à indemnização pelos danos sofridos (n.º 6 do art. 29º).
A lei chamada pelo normativo constitucional está plasmada nos artigos 449.º a 466.º do Código de Processo Penal (CPP), admitindo a revisão das decisões penais, não só a favor da defesa, mas igualmente da acusação.
Dispõe aquele art. 449.º sobre a admissibilidade e fundamentos da revisão, podendo estes ser sintetizados da seguinte forma:
- falsidade dos meios de prova: falsidade reconhecidos por sentença transitada, de meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão a rever (art. 449.º, n.º 1, al. a)];
- sentença injusta: crime cometido por juiz ou jurado, reconhecido em sentença transitada relacionado com o exercício de funções no processo [art. 449.º, n.º 1, al. b)];
- inconciabilidade de decisões: inconciabilidade entre os factos que fundamentam a condenação e os dados como provados em outra decisão, por forma a suscitar dúvidas graves sobre a justiça da condenação [(art. 449.º, n.º 1, al. c)];
- descoberta de novos factos ou meios de prova: descoberta de novos factos ou meios de prova que, confrontados com os que foram apreciados no processo, suscitem dúvidas sobre a justiça da condenação [art. 449.º, n.º 1, al. d)].
Do articulado legal resulta, pois, que o legislador ordinário não se limitou a consagrar a possibilidade de revisão das sentenças condenatórias, antes abrindo a possibilidade de serem revistas também as decisões penais favoráveis ao arguido.
Mas, ponderando igualmente o princípio constitucional de ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime (n.º 5 do artigo 29º da CRP), que não inviabiliza a revisão, mas limita fortemente a possibilidade de revisão contra o arguido, previu, para este último caso, dois fundamentos de revisão contra os quatro previstos para as decisões condenatórias.
Com efeito, dos fundamentos já enunciados só os dois primeiros, em que está em causa genuinidade da decisão, em que esta está afectada no seu nascimento (por uso de meios de prova falsos ou de intervenção de membro de tribunal suspeito, com toda a quebra de confiança geral no sistema) é que podem fundar o pedido de revisão contra a defesa.
Já os dois outros fundamentos: inconciabilidade de decisões [(artigo 449º, n.º 1, al. c)] e descoberta de novos factos ou meios de prova [(artigo 449º, n.º 1, al. d)] só operam, como resulta do uso ali feito da expressão «graves dúvidas graves sobre a justiça da condenação», em relação a decisões condenatórias.
O pedido de revisão afigura-se manifestamente infundado.
Desde logo porque não existe, como alega o recorrente, oposição de julgados, ou, como se expressa, ‘manifesta oposição de julgados, do que resultam graves dúvidas sobre a justiça da decisão’.
O acórdão proferido na 7ª Vara Criminal não apreciou, nem enquadrou jurídico-criminalmente, a actividade do menor A , à data inimputável.
Que, efectivamente, só foi objecto de decisão no Tribunal de Família e Menores de Lisboa, e com a dimensão supra referenciada.

Como bem refere o Ministério Público nesta Instância ambos os acórdãos se reportam aos factos ilícitos praticados, em comparticipação, no dia 4 de Julho de 2000, na área da Amadora, e, efectivamente, ambos mencionam expressamente o menor A como tendo tomado parte activa nesses mesmos factos.
Porém, como decorre da diversa natureza dos referidos processos, o primeiro (o processo tutelar) apenas aprecia a conduta do então menor A, enquanto o segundo (o processo criminal) só aprecia a conduta e responsabilidade dos restantes comparticipantes (relevo nosso).
Assim, no processo tutelar, considerou-se, nomeadamente, que, "sabia e aceitou igualmente o menor A que, em especial nas circunstâncias de lugar e modo em que a sua acção decorreu, o tipo de violência que usou, juntamente com os seus companheiros, sobre a pessoa da vítima (B), era meio apto a tirar-lhe a vida".
Já no processo criminal, cuja oposição ora se reclama, decidiu-se entre outros elementos de facto que:
"Após, todos os cinco elementos do grupo começaram a dar pontapés por todo o corpo do B, atingindo-o na cabeça, tronco, pernas e braços.
(..) O arguido C... passou com o rodado da motorizada por cima do corpo do B, afectando-lhe as zonas do tórax e da cabeça.
(..) O arguido C ao passar com o rodado da motorizada por cima do corpo do B agiu movido da intenção de lhe causar morte.
(..) Os arguidos D, E e F agiram movidos da intenção de ofender corporalmente o B.
Sabendo que o seu actuar causava perigo para a vida do mesmo (..) representaram como possível a morte do B mas sem se conformarem com ela".
Naturalmente que estes factos não se podem perfilar como inconciliáveis entre si, na medida em que, repete-se, a actividade do menor A não foi valorada no processo criminal da 7ª Vara, onde depôs como testemunha, antes foi apreciada e qualificada no processo do tribunal de família e menores, certamente com o contributo da sua confissão dos factos ai dados como provados - com reservas -, como flui, expressamente, da fundamentação da pertinente decisão, em audiência cujo contraditório não é questionado.
O recorrente aduz que ‘o Tribunal criminal afastou a prática do crime de homicídio pelos arguidos que, tendo causado lesões corporais à vítima, não lhe passaram por cima do corpo’; e que ‘o A pertence ao grupo de jovens que ofendeu corporalmente a vítima, mas que não lhe passou com a motorizada por cima’.
Daí a conclusão: ‘deve rever-se a sentença na parte em que lhe imputa o crime de homicídio, a título de dolo eventual’.
Cremos residir neste ponto a confusão do recorrente.
Uma coisa é a decisão da 7ª Vara, que não julgou o A, coisa absolutamente diversa é o processo do tribunal de menores que o julgou e condenou, em decisão transitada em julgado.
Não se pode, de uma vez por todas, ficcionar - como faz o recorrente - que na 7ª Vara o A foi afastado da actividade por que foi condenado neste último tribunal - porquanto só aqui ele foi presente em audiência e julgado.
Não há duas decisões, sobre os mesmos factos, em que o menor figure como arguido!
Logo, não há qualquer oposição entre as apontadas decisões.
O recorrente vai mais longe:
Alega: ‘impõe-se nova apreciação, devido ao conjunto de elementos existentes no processo tutelar educativo que, combinados com o acórdão da 7ª Vara Criminal, suscitam sérias dúvidas sobre a justiça da decisão’.
As várias questões que em seu entender inquinam a referida decisão - em especial, a irregularidade da leitura do auto de inquirição em audiência, o regime fechado e o princípio da aplicação da lei mais favorável, a gravação da prova em audiência, o tempo decorrido após os factos, a sucessão de leis e a justiça relativa e mesmo as incidências do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa:
Como sublinha o Exmº. Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, no Parecer junto aos autos, todos esses factores, porventura de grande relevância em recurso ordinário e que por circunstâncias várias que para o caso não interessam não chegaram a ser reapreciadas, não configuram o pressuposto fixado na alínea d) do nº 1 do artigo 449º do CPP - descoberta de novos factos ou meios de prova.
Parece mesmo poder concluir-se que a recorrente, como de certa forma decorre da respectiva motivação, continua a reiterar a discordância com a decisão de aplicação daquela medida tutelar em concreto e que ora pretende revista, com argumentação mais própria do recurso ordinário que por razões meramente formais soçobrou.
E o certo é que, invocando-o, o recorrente não alinha qualquer facto ou factos novos, ou meios de prova que, de per si, ou combinados com os que foram apreciados no processo suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
(Exemplificando, a própria indicação do relatório da autópsia da vítima, como concluindo pela não intenção de matar (item 20. das conclusões) é irrelevante, comum que é à decisão da 7ª Vara e à do tribunal de menores!).
As considerações já formuladas sobre o conteúdo e expressão do documento que o recorrente pretende definir como facto novo - o conteúdo da decisão da 7ª Vara Criminal -, enquanto contrapostas ao acórdão tutelar, afastam decisivamente uma tal pretensão.
Factos novos ou novos meios de prova são aqueles que não tenham sido apreciados no processo que levou à condenação, embora não fossem ignorados pelo arguido na ocasião em que se realizou o julgamento.
Sendo certo que para suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação, como a Lei exige, sempre terão de constituir uma grave presunção de inocência do arguido.
O que não é, em definitivo, o caso dos autos.
Nestes termos, acordam os Juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, em, considerando o pedido manifestamente infundado, negar a pedida revisão.
Não é devida tributação.

Lisboa, 8 de Julho de 2003
Costa Mortágua
Oliveira Guimarães
Abranches Martins
Rodrigues da Costa
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(1) Cfr., por todos, o acórdão proferido em 20.03.2003, no processo nº 151/03-5, relatado pelo Exmº. Conselheiro Simas Santos, que seguimos de perto.
(2) Cfr. Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo penal, III, 1957, págs. 37.
(3) Ibidem, págs. 38.
(4) Cfr. Direito Processual Penal, I, págs. 44.