Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
053488
Nº Convencional: JSTJ00008191
Relator: CAMPELO DE ANDRADE
Descritores: ACÇÃO DE DESPEJO
DEPOSITO DA RENDA
FALTA DE NOTIFICAÇÃO
ARRENDAMENTO DE PREDIO URBANO
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ195005310534881
Data do Acordão: 05/31/1950
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Referência de Publicação: DG IªS 12-06-1950; BMJ N19, 325
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO.
Decisão: UNIFORMIZADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 6/1950
Área Temática: DIR PROC CIV.
DIR CIV - DIR CONTRAT.
Legislação Nacional: CPC39 ARTIGO 756 ARTIGO 759 N5 PAR4 ARTIGO 766 ARTIGO 767 ARTIGO 993 ARTIGO 996.
D 5411 DE 1919/04/17 ARTIGO 93 PAR4.
L 1662 DE 1924/09/04 ARTIGO 5 PAR1 B.
L 2030 DE 1948/06/22.
CCIV66 ARTIGO 759 N5 PAR4.
D 22661 DE 1933/06/13 ARTIGO 2.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1942/05/29 IN BOL OF ANO2 PAG166.
ACÓRDÃO STJ DE 1906/02/08 IN BOL OF ANO6 PAG12.
ASSENTO STJ DE 1929/11/14.
Sumário :
A falta de notificação do deposito da renda, referido no artigo 993 do Codigo de Processo Civil, não e motivo de despejo definitivo.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, em sessão plena:

A e marido, desta cidade, administradores do predio urbano, aqui situado, na Rua do Arco de Carvalhão, n. 86-A, propuseram esta acção especial de despejo contra B, actual arrendatario do primeiro andar, lado esquerdo, do dito predio, alegando, alem do mais que agora não interessa, que o reu deixara de pagar a renda relativa a Maio de 1943, vencida em 1 de Abril desse ano.


Contestando, alegou o reu, quanto a falta de pagamento dessa renda, que, tendo ido a casa dos autores, nos primeiros dias de Abril, para lha pagar, eles se recusaram injustificadamente a receber-lha.


Por isso, embora nessas condições estivesse dispensado de a depositar, fez em tempo util o respectivo deposito, não tendo requerido a notificação do mesmo deposito por a isso não estar obrigado.


E juntou com a contestação documento comprovativo de tal deposito.
Na sua resposta, impugnaram os autores o mencionado deposito por este não ter sido notificado.


Tendo a causa seguido os seus termos, foi a final a acção julgada procedente apenas pelo fundamento de falta de pagamento da referida renda pela sentença de folhas 84, tendo o despejo sido decretado, porque, como se ve da mesma sentença, embora o deposito da dita renda de Maio de 1943 e os das dos meses subsequentes, - Junho, Julho e Agosto - tivessem sido efectuados no prazo legal, tais depositos, porque não foram judicialmente notificados aos senhorios, não produzem efeito de pagamento para evitarem o despejo definitivo, nos termos do disposto no artigo 996 do Codigo de Processo Civil, conjugado com o preceito do artigo 93, paragrafo 4, do Decreto n. 5411.


Essa sentença foi, porem, revogada pela Relação de Lisboa, por acordão de folhas 207, com o fundamento de que, tendo o reu oferecido a renda oportunamente, e tendo os autores recusado recebe-la sem motivo legal, não era o reu obrigado a deposita-la, nada importando, em consequencia, que o deposito fosse ou não notificado.


Tendo os autores recorrido de revista, foi negada pelo acordão deste Supremo Tribunal de folhas 310.


E desse acordão, bem como do de folhas 333, proferido sobre um pedido de esclarecimento, recorreram os autores para o Tribunal Pleno, alegando oposição sobre a mesma questão de direito entre essa decisão e o que decidiram os acordãos, tambem deste Supremo Tribunal, de 29 de Maio de 1942 e de 8 de Fevereiro de 1946, publicados no Boletim Oficial do Ministerio da Justiça, respectivamente, ano 2, a paginas 166, e ano 6, a paginas 12.


Admitido o recurso e cumprido o disposto nos artigos
765 e 766 do Codigo de Processo Civil, decidiu-se pelo acordão de folhas 371 que o recurso prosseguisse, por se ter entendido que existe oposição entre o acordão recorrido e o de 29 de Maio de 1942 sobre o mesmo ponto de direito.


As partes alegaram e o digno Magistrado do Ministerio Publico emitiu o seu parecer, tendo-se observado tudo o mais que se determina no artigo 767 daquele Codigo.


Nestes termos, e porque se reconheceu e entendeu que, na presente hipotese, nenhum dos Juizes que compõem o Tribunal esta impedido de intervir na discussão e decisão deste recurso, e todos se declararam habilitados para o apreciar e decidir, o Tribunal passa a conhecer dele.
E, conhecendo:


E, inegavel que existe oposição de doutrina entre o acordão recorrido e o de 29 de Maio de 1942, pois que, enquanto naquele se decidiu que, não estando, o arrendatario em mora, não e obrigatorio o deposito da renda, para que se produzam efeitos de pagamento, e que, se o deposito foi feito, não pode atribuir-se qualquer valor a falta da sua notificação, no acordão de 1942, decidiu-se em sentido oposto, isto e, que o deposito da renda, para produzir efeitos de pagamento, e, portanto, para obstar ao despejo definitivo, tem de ser notificado.


E tambem não oferece duvidas que os dois acordãos foram proferidos em processos diferentes e no dominio da mesma legislação.


Finalmente, convem acentuar que apenas esta em causa o efeito juridico da falta de notificação de deposito simples de renda, efectuado em tempo util, e que, embora a Lei n. 2030 tenha dado nova redacção ao artigo 996 do Codigo de Processo Civil, tal circunstancia não se projecta, pelo menos directamente, no problema em discussão, pois este tem de ser apreciado e resolvido em face da legislação anterior a data em que essa lei entrou em vigor.
Posto isto, vejamos qual a solução a dar ao presente conflito de jurisprudencia, isto e, qual a doutrina que deve prevalecer, fixando-a em Assento.
Entendem os recorrentes que a doutrina exacta e a do acordão de 1942, segundo o qual o deposito da renda tem de ser notificado ao senhorio, sob pena de não produzir efeitos de pagamento, baseando-se para tal no disposto no artigo 996 do Codigo de Processo Civil e ate no facto de a Lei n. 2030, dando nova redacção a esse artigo, ter eliminado o final da primeira parte do mesmo artigo, o que, no seu modo de ver, leva a concluir que, a face da primitiva redacção do citado artigo 996, o deposito de rendas não notificado não impedia o despejo definitivo.


Por um lado, o recorrido, acentuando que, nos termos do artigo 993 do dito Codigo, e facultativo o deposito de rendas quando o inquilino não esta em mora, defende a doutrina do acordão em recurso, por ser inadmissivel que se ordene o despejo por falta de notificação de um deposito a que o inquilino não esta obrigado.


Na mesma orientação se pronuncia o digno Magistrado do Ministerio Publico no seu douto parecer, ou seja, no sentido de que a notificação do deposito de rendas não constitui condição necessaria para impedir o despejo definitivo.


Afigura-se-nos ser esta a melhor doutrina, por ser a que resulta da letra e do espirito da lei.


Com efeito:


Preceituava-se no artigo 93 do Decreto n. 5411 que, em qualquer dos casos do artigo 759 do Codigo Civil, o arrendatario poderia depositar a renda nos oito dias imediatos ao seu vencimento, dispondo-se no paragrafo 4 desse artigo que, feito o deposito, seria notificado ao senhorio, salvo o caso do n. 5 daquele artigo 759.


Na plena vigencia dessa disposição, a jurisprudencia dominante foi a de que a notificação era obrigatoria.


Mas, posteriormente, surgiram duvidas por virtude do disposto na alinea b) do paragrafo 1 do artigo 5 da Lei n. 1662, o que deu lugar ao assento de 14 de Novembro de 1929, onde se estabeleceu que, para a suspensão da acção de despejo por falta de pagamento de rendas, bastava a prova do deposito delas, independentemente de notificação.


O referido assento resolveu a questão da falta de notificação do deposito, mas apenas quanto ao despejo provisorio continuando de pe a questão relativamente ao despejo definitivo, mesmo depois da publicação do Decreto n. 22661 por virtude do preceituado no artigo
2 desse Decreto.


Aparece depois, em 1939, o Codigo de Processo Civil que, no artigo 993 dispõe que, quando o arrendatario não puder efectuar o pagamento da renda por se verificar algum dos casos do artigo 759 do Codigo Civil, tem a faculdade de a depositar nos oito dias imediatos ao vencimento.
E preceitua o mesmo Codigo no artigo 996 que o deposito feito em tempo util impedira o despejo provisorio, independentemente de notificação; mas não impedira o despejo definitivo se não for notificado.


Como se ve, nos termos expressos daquele artigo 993, o deposito de rendas não constitui para o arrendatario uma obrigação. E uma faculdade.
Não e, pois, o arrendatario obrigado a depositar, ou melhor, conforme diz o Professor Doutor Jose Alberto dos Reis, no seu Codigo de Processo Civil Anotado, o arrendatario não perde o direito ao arrendamento pelo facto de não depositar a renda que o senhorio tenha recusado receber.
Ora, se o arrendatario, que não esteja em mora, não fizer o deposito por o artigo 993 não lhe impor a obrigação de o efectuar, e se, não depositando, não perde por esse facto, o direito ao arrendamento, e claro que a circunstancia de ter efectuado o deposito a que não e obrigado, não pode coloca-lo em pior situação pelo facto de o deposito não ter sido notificado.
O que aquele artigo 996 quer significar e que o deposito não notificado não impede o despejo definitivo, quando o despejo tenha de ser ordenado por procederem os fundamentos da acção.


Se tais fundamentos não procederem, não havendo, portanto, que decretar o despejo definitivo por virtude de tal improcedencia, e bem de ver que não ha despejo a impedir.


O artigo 996, que estamos analisando, não diz, nem da sua analise pode concluir-se, que a falta de notificação do deposito constitua so por si motivo de despejo.


O que nele se preceitua e que o deposito não notificado não impede o despejo definitivo.


Portanto, a falta de notificação do deposito de renda so e de considerar quando o despejo deva ser ordenado porque o fundamento da acção procede, e nunca quando pela improcedencia de tal fundamento, não deva decretar-se o despejo.


Ora, no caso dos autos, e segundo vem provado das instancias, o reu, ora recorrido, ofereceu a renda oportunamente aos autores, senhorios, ora recorrentes, tendo estes recusado receber-lha.


Se não tivesse efectuado o deposito, a acção tinha de ser julgada improcedente.
Mas o reu fez o deposito. Tal circunstancia, porem, não pode influir na decisão da causa, pelo facto do deposito não ter sido notificado, pois que, como ja se notou, a falta de notificação so poderia não impedir o despejo definitivo, se este tivesse de ser decretado, o que não poderia ter lugar perante os factos que as instancias deram por provados e que conduzem a improcedencia da acção.


Nestes termos, negando provimento ao recurso e confirmando a decisão recorrida, com custas pelos recorrentes, estabelecem o seguinte Assento:
A falta de notificação do deposito da renda, referido no artigo 993 do Codigo de Processo Civil, não e motivo de despejo definitivo.


Lisboa, 31 de Maio de 1950

Campelo de Andrade (Relator) - Artur A. Ribeiro - Jaime de Almeida Ribeiro - Rocha Ferreira - Raul Duque - A. Cruz Alvura - Antonio de Magalhães Barros - Alvaro Ponces - A.

Bartolo - Lencastre da Veiga - Jose de Abreu Coutinho -
- Roberto Martins - Tem voto de conformidade, constando do livro de lembranças, dos Excelentissimos Conselheiros Bordalo e Sa e Mario de Vasconcelos, que não assinam por não estarem presentes. Campelo de Andrade.