Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1981/07.9TBGRD.C1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: SALAZAR CASANOVA
Descritores: CONTRATO DE COMPRA E VENDA
BEM IMÓVEL
ALTERAÇÃO DO CONTRATO
IMPOSTO
NEGÓCIO FORMAL
FORMA LEGAL
ESCRITURA PÚBLICA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 09/14/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - NEGÓCIO JURÍDICO ( DECLARAÇÃO NEGOCIAL)
Doutrina: - Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol I, 2ª edição, pág. 385.
- Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 2005, 4ª edição por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, págs. 429 e 433.
- Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2008, 5ª edição, págs. 710 e 714.
- Vaz Serra, Prova Testemunhal e Validade de Cláusulas Acessórias Verbais de Contrato-Promessa de Compra e Venda de Bens Imobiliários, R.L.J., Ano 99º, pág. 258.
- Vaz Serra, Provas. Direito Probatório Material, 1962, B.M.J. 112, pág. 183.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 220.º E 221.º/2, 373.º A 379.º, 394.º, 458.º
CÓDIGO DO NOTARIADO: - ARTIGO 89.º,ALÍNEA A).
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 9-3-1995, B.M.J. 445-423.
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA: - DE 8-1-1985, C.J., 1, PÁG. 58.
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: - DE 22-5-1986,C.J., 3, PÁG. 203.
Sumário : I - A estipulação adicional a contrato de compra e venda de imóveis por via da qual o comprador se obriga a suportar o pagamento dos impostos que forem liquidados ao vendedor (designadamente, mais-valias) pela aludida transacção implica para o comprador um agravamento das suas obrigações contratuais.
II - Assim sendo, uma tal estipulação está sujeita à forma legal prescrita para a compra e venda (escritura pública: art. 89.º, al. a), então vigente do CN) por lhe serem aplicáveis as razões da exigência especial da lei para a declaração negocial (art. 221.º, n.º 2, do CC).
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. AA, empresário, e esposa, BB, assistente social, residentes na Quinta do P..., Cavadoude, intentaram contra CC- Transportes B... M... Lda., com sede em V... C...do M..., a presente acção declarativa de condenação com processo comum sob a forma ordinária, pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia de 23.967,12 €, bem como juros, à taxa legal, e dos quais liquidou já 871,36 €.

2. Alegou que o peticionado corresponde ao valor dos prejuízos derivados de incumprimento de estipulação contratual, na sequência do não pagamento da quantia que a mesma ré se havia comprometido a assumir, através de escrito assinado e reconhecido por notário.

3. Contesta a ré, alegando, e resumidamente, que a estipulação é nula por não constar de escritura pública, que não sabe se os autores suportaram prejuízos, e que foi o autor quem abordou a ré para o negócio, em termos e condições que não incluíam tal cláusula, a qual foi assinada pela ré através de coacção moral do autor sobre o representante legal da ré, que se viu confrontado com o quadro de assinar a mencionada declaração ou de perder o dinheiro que havia entregue.

4. Os AA replicaram, afirmando que a mencionada estipulação escrita é acessória, não carecendo de maior formalidade, e inexistir qualquer coacção moral.

5. Foi proferida sentença que, julgando a acção procedente, condenou a ré a pagar aos AA a quantia de 23.967,12 €, e ainda de juros, à taxa legal, sobre aquela quantia, desde 21 de Julho de 2006 e até integral pagamento.

6. Interposto recurso pela ré para o Tribunal da Relação, este Tribunal, por acórdão de 2-2-2010, negou provimento.

7. A ré interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça formulando as seguintes conclusões:

I- Face ao vertido na petição inicial, a obrigação cujo cumprimento os recorridos peticionaram em juízo faz parte do preço devido pela recorrente aos recorridos em consequência da celebração entre eles de um contrato de compra e venda tendo por objecto bens imóveis

II- Essa obrigação, enquanto parte do preço - e, portanto, estipulação negocial essencial - não consta das escrituras públicas de fls. 16 a 19 dos autos sendo, assim, nula, por não constar de documento que, em 2002, a lei exigia para a declaração negocial - cf. artigo 875.º do Código Civil, na redacção anterior à do Decreto-Lei n.º 263-A/2007, de 23 de Julho.

III- Porque a nulidade impede a produção de efeitos jurídicos, deveria o tribunal a quo ter decretado a absolvição da ré do pedido.

IV- A idêntica conclusão teria de ter chegado o tribunal a quo mesmo considerando, como (smj, indevidamente) considerou, que a alegada obrigação corporizada no documento de fls. 20 é uma estipulação acessória do contrato principal e posterior àquele.

V- Isto porque, versando tal obrigação sobre uma das prestações principais - preço - que definem o tipo ou módulo da relação obrigacional é manifesto que tal estipulação - na medida em que amplia aquele e, em consequência, agrava as obrigações da recorrente - estava sujeita também a escritura pública, dado que as razões da exigência especial da lei lhe eram inteiramente aplicáveis. [Conclusão idêntica à conclusão constante da alínea e) do recurso interposto para o Tribunal da Relação].

VI- Ao julgar formalmente válida a cláusula inserida no documento de fls. 20 quanto à composição final do preço de venda, violou o Tribunal os artigos 221.º,nº2 e 220.º do Código Civil.

8. Factos Provados

1. A 1 de Outubro de 2002, no Cartório Notarial de Celorico da Beira, foi outorgada uma escritura pública cujo teor, que aqui se dá por integralmente reproduzido, é o da cópia que consta das folhas 16 e 17.

2. A 21 de Novembro de 2002, no mesmo Cartório, foi outorgada uma escritura pública cujo teor, que aqui se dá por integralmente reproduzido, é o da cópia que consta das folhas 18 e 19.

3. A 21 de Novembro de 2002, no Cartório Notarial de Celorico da Beira, foi notarialmente reconhecida a assinatura de DD, feita no termo de uma declaração manuscrita cujo teor, que aqui se dá por integralmente reproduzido, é o da cópia que consta da folha 20.

4. Por ofício datado de 29 de Junho de 2006, o Serviço de Finanças da Guarda citou AA, no âmbito do processo executivo nº -----------, nos termos que melhor constam do documento cujo teor, que aqui se dá por integralmente reproduzido, é o da cópia que consta das folhas 21 e 22.

5. O mesmo Serviço de Finanças emitiu, a 23 de Junho de 2006, e no âmbito do mesmo processo, uma certidão de dívida contra os aqui autores, cujo teor, que aqui se dá por integralmente reproduzido, é o da cópia que consta da folha 23.

6. O autor, por fax de 21 de Julho de 2006, enviou a DD a missiva cujo teor, que aqui se dá por integralmente reproduzido, é o da cópia que consta da folha 24.

7. À mesma respondeu DD, a 24 de Julho de 2006, nos termos do documento cujo teor, que aqui se dá por integralmente reproduzido, é o da cópia que consta da folha 25.

8. O Serviço de Finanças da Guarda emitiu a certidão cujo teor, que aqui se dá por integralmente reproduzido, é o da cópia que consta das folhas 26 a 33.

9. Correu termos, no 4º juízo cível de Coimbra, sob o nº ---/1997, execução ordinária movida pelo Banco Totta & Açores contra os aqui autores, no âmbito da qual, a 27 de Abril de 1998, e para segurança do pagamento da quantia de 26.435.330$7, juros e custas, foi penhorado o prédio transaccionado pela mencionada escritura pública de 1 de Outubro de 2002.

10. Nesse processo, os executados procederam ao pagamento da quantia exequenda, tendo o tribunal, a 24 de Abril de 2003, determinado o levantamento da penhora, em face da extinção da execução pelo pagamento.

11. A 1 de Outubro de 2002, o Banco Totta & Açores declarou ter recebido da sociedade aqui ré a importância de 114.723,52€, para liquidar a responsabilidade dos executados nesse processo.

12. A 20 de Maio de 1994 o aqui autor requereu no Serviço de Finanças da Guarda a rectificação da área constante do prédio transaccionado pela mencionada escritura pública de 1 de Outubro de 2002, fazendo-se constar a área correcta de 61.120 m2.

13. A 30 de Novembro de 2001 foi desanexada deste prédio uma parcela de terreno com a área de 25.000 m2, tendo tal prédio passado a ter a área de 36.120 m2.

14. Essa parcela desanexada deu origem ao prédio transaccionado pela mencionada escritura pública de 21 de Novembro de 2002.

15. Na descrição predial do prédio transaccionado pela mencionada escritura pública de 1 de Outubro de 2002 consta actualmente que o prédio tem a área total de 36.120 m2.

16. Na declaração para inscrição matricial do prédio transaccionado pela mencionada escritura pública de 21 de Novembro de 2002, apresentada pelo aqui autor a 23 de Agosto de 2000, consta que esse prédio tem a área de 25.000 m2.

17. A Conservatória do Registo Predial da Guarda emitiu, a 30 de Dezembro de 2002, informação cujo teor, que aqui se dá por integralmente reproduzido, é o da cópia que consta das folhas 69 a 71.

18. O valor dos prédios transaccionados pelas mencionadas escrituras públicas de 1 de Outubro e de 21 de Novembro de 2002, obtido por um perito em Março de 1994, ascendia a 450.000,00€.

19. O autor, no início das negociações, propôs a realização do negócio por valor que, em concreto, não foi possível apurar.

20. O autor, em momento que, em concreto, não foi possível apurar, propôs ao sócio e efectivo dirigente da sociedade ré que o mesmo assegurasse o pagamento de impostos que viessem a incidir sobre ele (autor) por via das vendas em causa, proposta esta feita em termos e condições que, em concreto, não foi possível apurar.

21. O sócio e efectivo dirigente da sociedade ré, em termos e mediante condições que, em concreto, não foi possível apurar, aceitou subscrever a declaração constante da folha 20 do processo.

22. O sócio e efectivo dirigente da sociedade ré, em termos e mediante condições que, em concreto, não foi possível apurar, igualmente negociou com o autor a compra de um prédio rústico sito ao R..., freguesia do P... da C..., concelho da Guarda, inscrito na matriz sob o art.º --- e descrito na Conservatória do Registo Predial sob os nºs ----, na folha -- do livro B- ---, actualmente descrito sob o nº ---.

23. Sempre foi intenção dos autores transmitir à ré a totalidade do que haviam combinado vender-lhe: 61.120 m2, sendo uma parte rústica e outra urbana.

24. As negociações havidas entre os autores e a ré foram da iniciativa do autor, o qual contactou a ré, perguntando-lhe se não estaria interessada na aquisição de tais prédios.

25. Fê-lo porque o prédio transaccionado pela mencionada escritura pública de 1 de Outubro de 2002 havia sido penhorado na mencionada execução pendente no 4º juízo cível de Coimbra.

26. Na iminência de tal prédio ser vendido judicialmente, e como forma de evitar que tal acontecesse, o autor propôs ao sócio e efectivo dirigente da sociedade ré que lhe adquirisse os prédios em causa, por valor que, em concreto, não foi possível apurar.

27. O sócio e efectivo dirigente da sociedade ré negociou, propondo valores que, em concreto, não foi possível apurar.

28. Foi estabelecido entre o autor e o sócio e efectivo dirigente da sociedade ré um entendimento, em termos e mediante condições que, em concreto, não foi possível apurar, mas que incluíam a realização de escrituras mencionando um valor de venda próximo dos 144.000 euros.

29. Em toda a negociação havida entre o autor e o sócio e efectivo dirigente da sociedade ré, em termos e mediante condições que, em concreto, não foi possível apurar, este último representou a aquisição de um prédio com a área de 61.120m2.

30. O sócio e efectivo dirigente da sociedade ré, confrontado com uma impossibilidade de registo, a favor da ré, de uma área de 61.120m2, solicitou ao autor que diligenciasse no sentido de permitir tal registo, o que se entendeu que seria feito mediante a outorga da escritura de 21 de Novembro de 2002.

31. Essa escritura foi outorgada para regularizar essa situação.

32. As partes acordaram em que constaria, das escrituras referentes aos prédios mencionados em 2. e 22., e respectivamente, os montantes de 10.000,00€ e de 5.000,00€.

Apreciando:

9. A primeira questão suscitada pelo recorrente é a de saber se a declaração de fls. 20 de 21-11-2002 referida em 3 (da matéria de facto supra) com assinatura reconhecida na mesma data em que foi outorgada a escritura pública de compra e venda do imóvel referido em 2 (da matéria de facto supra) traduz uma estipulação nula por respeitar ao preço, elemento essencial do contrato, carecendo, portanto, de ser outorgada por escritura pública, pois, ampliando as obrigações do comprador, faz parte do preço, constituindo estipulação essencial e, consequentemente, sendo nula por não ter sido observada a forma legal (artigo 220.º do Código Civil).

10. Diz a declaração:

“ Declaro para os devidos efeitos que em relação à compra nos artigos nº --- com a área de 36120m2 (rústico) e n.º ---[…] com a área de 25.000m2 (urbano), caso haja lugar a qualquer imposto, nas Finanças ou Câmara Municipal incidirá a favor do comprador”.

11. Face a esta declaração , o autor reclamou da ré o pagamento do imposto de mais-valias liquidado, conforme certidão de dívida de 2006 ( ver supra 5 da matéria de facto) pelos Serviços de Finanças no montante de 21.952,96€.

12. Os imóveis referenciados na declaração foram vendidos pelos AA à ré nos dias 1-10-2002 e 21-11-2002 pelos preços, respectivamente, de 125.000€ e 10.000€.

13. Os AA sempre pretenderam transmitir à ré a totalidade do que haviam combinado vender-lhe: 61.120 m2, sendo uma parte rústica e outra urbana (23 supra) e foi essa a área que à ré sempre se representou adquirir (29 supra). Sucede, porém, que, antes da outorga da escritura de 1-10-2002, ou seja, em 30-11-2001 (ver 13 supra) tinham os AA desanexado 25.000m2 ao imóvel e, por isso, quando na escritura se fez constar que a área do imóvel era de 61.120m2 tal declaração não correspondia já à realidade, pois a área do imóvel limitava-se a 36.120m2

14. Face a essa situação, ou seja, verificando o sócio e efectivo dirigente da ré que estava impossibilitado de registar a aquisição do imóvel transaccionado em 1-10-2002 com a área declarada de 61.120m2, foi então outorgada a escritura de 21-11-2002 para regularizar tal situação ( ver 30 e 31 supra), o que efectivamente veio a suceder.

15. Autor e ré acordaram que esta viesse a assegurar o pagamento de impostos que viessem a incidir sobre o autor por via das vendas em causa (ver 20 supra), não se apurando nem o momento, nem os termos e condições em que o sócio e efectivo dirigente da sociedade ré aceitou subscrever a declaração constante de fls. 20 do processo ( ver 21 supra).

16. O documento de fls. 20 de 21-11-2002, já transcrito (assinado apenas pelo representante da ré), que comprova o acordo das partes, é posterior à escritura de 1-10-2002 e contemporâneo da escritura de 21-11-2002.

17. No entanto, tal como se mencionou no acórdão, a declaração proferida é acessória do contrato principal ( aquele em que se declarou que a área do imóvel era de 61.120m2 - contrato de compra e venda de 1-10-2002) pois o outro contrato visou, como se disse, tão somente regularizar a situação decorrente da assinalada inexactidão da atribuída área do imóvel, inexactidão da inteira responsabilidade dos AA que à data da escritura já tinham desanexado desse imóvel 25.000m2 (ver 13 supra).

18. Assim sendo, não se compreende, e os factos provados não nos dão resposta, a razão por que a ré acordou pagar o valor dos impostos que fossem liquidados aos AA; não foi seguramente para os compensar do erro constante da escritura de 1-10-2002 ou da necessidade de efectuar uma escritura ulterior destinada a regularizar a situação, pois, como se disse, a responsabilidade dessa situação recai sobre os AA. Por outro lado, e no que respeita ao preço estipulado constante da primeira escritura, se tal preço correspondia ao valor devido pelo imóvel transaccionado com a mencionada área, então não se mostraria necessário estipular quantia pela compra e venda (10.000€), pois bastaria mencionar que o preço era o que constava da escritura de 1-10-2002.

19. Tudo isto para significar que estamos face a uma estipulação acessória posterior à escritura de compra e venda, estipulação comprovada pela declaração emitida pela ré; tudo isto para evidenciar também que a referida estipulação adicional ou acessória não se traduz numa alteração do preço da compra e venda (elemento essencial do contrato) que foi fixado pelas partes. De uma alteração já se trataria se as partes tivessem estipulado que ao preço mencionado nas escrituras acresceria o montante que os AA iriam pagar, a título de imposto, pelas aludidas transacções. Nesse caso dúvida alguma se suscitaria de que se nos deparava uma cláusula passível de ser sujeita à mesma forma (escritura pública) exigida legalmente para a compra e venda de imóveis (artigo 220.º e 221.º/2 do Código Civil).

20. No entanto - e eis-nos face à segunda questão suscitada pela recorrente ( ver conclusões IV e V) - a aludida estipulação, não implicando uma alteração do preço de venda, afecta a posição contratual do comprador, pois, a verificar-se o condicionalismo referido, o comprador vai suportar pela aquisição dos imóveis um encargo superior ao que resulta das aludidas escrituras.

21. Rege, no caso, a disposição constante do artigo 221.º/2 do Código Civil que diz:

2- As estipulações posteriores ao documento só estão sujeitas à forma legal prescrita para a declaração se as razões da exigência especial da lei lhes forem aplicáveis.

22. As razões de exigência especial da lei ao impor a outorga da escritura de compra e venda para a compra e venda de imóveis que têm sido apontadas são as de se assegurar uma “ mais elevada dose de reflexão das partes”, “separar os termos definitivos do negócio da fase pré-contratual”, “ permitir uma formulação mais precisa e completa da vontade das partes”, proporcionar um mais elevado grau de certeza sobre a celebração do negócio e os seus termos”, “ possibilitar uma certa publicidade do acto”: cf. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 2005, 4ª edição por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, pág. 429); a forma mais solene de escritura pública “ permite o controlo prévio pelo notário da capacidade e da legitimidade das partes, da licitude do conteúdo, e até da liberdade de celebração e da consciência e compreensão do acto e do seu conteúdo” (Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2008, 5ª edição, pág. 710).

23. O S.T.J. já decidiu que sendo o preço da compra e venda elemento essencial da obrigação de vender e de comprar, "as razões da exigência de forma do contrato-promessa valem para as estipulações contratuais posteriores que alterem de um ou de outro modo o preço convencionado, devendo as mesmas, consequentemente, ser também, reduzidas a documento assinado pelos promitentes" (Ac. do S.T.J. de 9-3-1995 - Mateus da Silva - B.M.J. 445-423). No Ac. da Relação de Coimbra de 8-1-1985, (António Pires de Lima) C.J.,1, pág. 58 decidiu-se que "uma cláusula que altera o preço e a forma de ele ser encontrado não deve ser considerada como não fazendo parte das exigências de escritura pública". No Ac. da Relação do Porto de 22-5-1986 (Lopes Furtado),C.J.,3, pág. 203 também se refere que " as estipulações posteriores contrárias ao que consta do documento, alterando as prestações do contrato-promessa, acham-se abrangidas pelas exigências de forma. É, assim, nula a alteração verbal de um contrato-promessa de venda de um andar no sentido de que o promitente-comprador, a troco de uma redução no preço de venda, aceitou a não construção, antes acordada, de um quarto de arrumar no sótão"

24. O Prof. Vaz Serra muito impressivamente dizia que " em matéria de pactos ou estipulações acessórias verbais de um contrato sujeito a forma legal, põe-se uma questão de prova e uma questão de validade. A primeira consiste em saber se é admissível prova testemunhal de tais pactos; a segunda em saber se estes são válidos. É claro que aquela depende desta: se os pactos forem nulos, por não revestidos de forma legal, não há que prová-los, ou, se forem provados, nem por isso deixam de ser nulos; quando, diversamente, forem válidos, é que aquela primeira questão se põe, pois há que averiguar se podem ser provados por testemunhas".("Prova Testemunhal e Validade de Cláusulas Acessórias Verbais de Contrato-Promessa de Compra e Venda de Bens Imobiliários", R.L.J., Ano 99º, pág. 258).

25. Mota Pinto referia que a aplicação deste critério - de as razões especiais da lei serem aplicáveis às estipulações posteriores ao documento - “ será segura nalguns casos. Vaz Serra considerava que os pactos pelos quais se altera a área do prédio vendido , ou aumenta ou se agrava as obrigações ( p. ex. fiança), cuja constituição a lei sujeita a forma, devem considerar-se abrangidos pela exigência de forma legal; mas já não quando o pacto cancele ou reduza as obrigações de alguma ou de ambas as partes (sujeição a um prazo da obrigação de pagar o preço, remissão do preço, limitação da obrigação do fiador, etc. Noutras hipóteses pode haver lugar a dúvidas” ( loc. cit., pág. 433). Com efeito, Vaz Serra (Provas. Direito Probatório Material”, 1962, B.M.J. 112, pág. 183) referiu a este propósito o seguinte:

Pode, todavia, acontecer que a razão da exigência da forma não abranja as estipulações acessórias. Se, por exemplo, a forma é exigida em atenção apenas às estipulações essenciais do contrato ( trata-se, v.g., de forma exigida somente para fins de publicidade dessas estipulações) ou ela é exigida para garantir a ponderação das partes, ao assumirem as obrigações contratuais, a razão da forma não é aplicável às estipulações acessórias, no primeiro caso, nem às estipulações que cancelem ou reduzam as obrigações, no segundo caso ( uma vez que a forma é exigida para evitar que as partes contraiam levianamente obrigações, ela não é aplicável às estipulações que excluam ou atenuem essas obrigações).

Parece de presumir, dado que a forma visa, em regra, assegurar a ponderação das partes, que ela não é aplicável às convenções que excluam ou reduzem as obrigações derivadas do contrato ou da declaração negocial”

26. Ora, no caso vertente, se não quisermos ver na aludida estipulação uma alteração do preço da compra e venda, afigura-se inegável que, por via dessa estipulação, os encargos resultantes da compra e venda assumidos pelo comprador foram agravados.

27. Por isso, afigura-se-nos que o acordo verbal com base no qual o comprador emitiu a declaração de fls. 20 está sujeito à forma legal prescrita para a compra e venda de imóvel, importando salientar que a referida declaração se traduz num meio de prova do acordo estabelecido entre autores e ré.

28. Repare-se que, no caso vertente, os compradores foram prejudicados pela actuação dos vendedores não apenas porque houve a necessidade de outorgar duas escrituras de compra e venda como ainda porque o preço fixado para a compra e venda do primeiro imóvel supunha uma área que apenas com a segunda escritura se considerou, pagando, no entanto, a ré ainda assim novo preço por esta transacção.

29. Ora, se com a referida estipulação se originou um agravamento da posição contratual da ré e se esta estipulação apenas foi objecto de declaração em momento subsequente à primeira escritura, é bom de ver que de todo se verificavam as razões para sujeitar a estipulação adicional ou acessória à forma legal prescrita para a compra e venda de imóvel.

30. O acórdão recorrido reconhece que a declaração proferida revestiu um determinado formalismo, menos solene que a escritura pública; no entanto, porque ele se mostra reconhecido presencialmente no notário, considera que o compromisso não foi assumido irreflectidamente e, porque tal declaração foi emitida no próprio dia da escritura de venda do segundo imóvel, que completava a primeira escritura, isso inculca que o dirigente da ré proferiu declaração séria e se quis vincular ao estipulado entre os contraentes; assinala ainda o acórdão que, correspondendo essa declaração a uma obrigação de pagamento de impostos, caso venham a ser devidos, prestação incerta e futura, tal declaração não está sujeita a nenhuma exigência de carácter formal.

31. Como já se disse, antes de uma questão de prova, põe-se uma questão de validade; não se duvida de que a referida declaração ( reproduzida em 10 supra) prova a existência de um acordo entre as partes, questão relevante visto que a prova das convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos particulares mencionados nos artigos 373.º a 379.º não pode ser obtida por testemunhas (artigo 394.º do Código Civil); podendo, no entanto, alcançar-se a prova da convenção por confissão ou por documento, a referida declaração constitui relevante e válido meio de prova. Sublinhe-se ainda que, a entender-se que a aludida declaração corporiza o acordo modificativo do contrato - o que não parece , pois estamos face a uma mera declaração emitida por uma das partes destinada a provar o acordo verbal anterior conforme resulta de 20 e 21 supra - ainda assim tal situação está abrangida pelos artigos 221.º e 222.º do Código Civil cujo alcance não se cinge às estipulações verbais mas também abrange as estipulações escritas em que foi observada forma com solenidade inferior à que a lei exige: ver Pedro Pais de Vasconcelos, loc. cit., pág. 714).

32. Sucede que a lei não admite como válidas tais estipulações nos casos em que as razões da exigência especial da lei lhes forem aplicáveis ( artigo 221.º/2 do Código Civil). Ora as razões da exigência especial do formalismo ( outorga de escritura pública) imposto por lei à declaração negocial são aplicáveis quando da estipulação resulte um agravamento das obrigações contratualmente assumidas; e se elas são aplicáveis, isto é, se as estipulações adicionais implicam a necessidade de uma salvaguarda de segurança que a forma prescrita na lei garante, não pode deixar de ser observada essa forma; não há que discutir - discussão que seria tremenda e à qual a lei não abriu portas - se, por via de outra forma menos solene daquela que a lei impõe à declaração negocial, seriam igualmente proporcionadas as mesmas garantias de reflexão e de informação e esclarecimento que são garantidas pela escritura pública, afastando-se, assim sendo, a própria imposição da forma legal.

33. A obrigação de pagamento pelo comprador de encargos fiscais resultantes de determinada transacção pode, com efeito, integrar-se no âmbito de contrato, não se vendo que a lei o sujeite a determinada forma; mas se tal obrigação se traduz em cláusula adicional ou acessória de contrato que, por lei, está sujeito a determinada forma, então a validade da cláusula deve ser aferida à luz das regras constantes dos artigo 221.º e 222.º do Código Civil.

34. Refira-se que a aludida declaração configura em si mesma uma promessa de cumprimento de prestação (artigo 458.º do Código Civil), negócio jurídico unilateral que dispensa o credor de provar a relação fundamental, cumprindo ao devedor o ónus de alegar e provar que tal declaração não tem por base nenhum contrato e, por isso, se diz que a presunção que dimana do artigo 458.º/1 do Código Civil “ não consagra um desvio ao princípio do contrato. Nenhum dos actos a que nele se alude (promessa de prestação ou reconhecimento de uma dívida) constitui, com efeito, fonte autónoma de uma obrigação” (Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol I, 2ª edição, pág. 385). Ora, invocada a relação fundamental que, no caso em apreço, é constituída pelo contrato de compra e venda outorgado no dia 1-10-2002, então a referida declaração assume a expressão e o significado que lhe advêm dos termos do contrato em que se insere, ou seja, revela-se com a natureza de estipulação acessória ao aludido contrato.

35. Reconhecer se uma cláusula reduz ou agrava as obrigações contratualmente assumidas depende dos termos em que foi contratualmente fixada. No caso vertente, porque não se provaram ( ver 19, 20, 27 e 29 supra da matéria de facto) os termos e condições em que ela foi negociada e ajustada, não pode deixar o Tribunal de a considerar na sua pura objectividade e, nessa medida, ela traduz inequivocamente um agravamento das obrigações que sobre o comprador dimanam do contrato. Mas podia ter-se provado que tal cláusula afinal não implicava um agravamento. Os autores tiveram esse cuidado quando alegaram que o valor dos imóveis transaccionados ascendia a 450.000€, propondo-se a ré pagar um valor muito inferior chegando-se a acordo pelo valor total de 135.000€ pelos dois imóveis, valor muito abaixo do valor real dos bens e, por isso, porque o diminuto valor patrimonial atribuído na matriz a esses prédios fazia antever uma eventual liquidação de mais-valias fiscais significativas, o A. impôs como condição do negócio que a ré assumisse a responsabilidade pelo pagamento de eventuais impostos que viessem a ser liquidados posteriormente à escritura de compra e venda, condição que foi aceite (ver artigos 5º a 10º da petição). Se estes factos se tivessem provado, e uma vez que também se não provaram os factos com os quais a ré pretendeu provar que assinou a referida declaração porque os AA se recusavam, sem essa declaração, a celebrar a escritura de regularização da compra e venda (ver 21 supra), então poder-se-ia considerar que a aludida cláusula não traduzia afinal um agravamento da posição do comprador pois ela mais não visava do que atenuar o prejuízo para o vendedor de uma transacção muito abaixo do valor real dos bens ( note-se que o imóvel vendido em 1-10-2002 se encontrava penhorado pelos serviços tributários) e não agravar a obrigação do comprador. E o Tribunal formulou os quesitos indispensáveis, designadamente o quesito 3º (assim formulado: o autor marido, previamente à celebração das escrituras referidas em a) e b) e como condição para a sua celebração, nos termos aí constantes, impôs à ré que assumisse a responsabilidade pelo pagamento de eventuais impostos que viessem a ser liquidados posteriormente à escrituração de compra e venda?) que mereceu a resposta restritiva que constitui o facto 20 que não permite concluir no sentido acima indicado, conclusão que, aliás, as instâncias não assumiram.

Concluindo:

I- A estipulação adicional a contrato de compra e venda de imóveis por via da qual o comprador se obriga a suportar o pagamento dos impostos que forem liquidados ao vendedor (designadamente, mais-valias) pela aludida transacção implica para o comprador um agravamento das suas obrigações contratuais.
II- Assim sendo, uma tal estipulação está sujeita à forma legal prescrita para a compra e venda (escritura pública: artigo 89.º,alínea a) então vigente do Código do Notariado) por lhe serem aplicáveis as razões da exigência especial da lei para a declaração negocial (artigo 221.º/2 do Código Civil).

Decisão: concede-se a revista, absolvendo-se a ré do pedido.

Custas pelos AA nas instâncias

Supremo Tribunal de Justiça

Lisboa, 14 de Setembro de 2010

Salazar Casanova (Relator)*
Azevedo Ramos
Silva Salazar

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Sumário elaborado pelo Relator