Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04B538
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: QUIRINO SOARES
Descritores: INSTITUIÇÃO BANCÁRIA
INSTITUIÇÃO DE CRÉDITO
DEVER DE INFORMAR
BOA-FÉ
MÚTUO
Nº do Documento: SJ200403090005387
Data do Acordão: 03/09/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 1596/02
Data: 06/05/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : 1. O artº75º, 1, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras Aprovado pelo DL 298/92, de 31/12, e alterado pelo DL 232/96, de 5/12 (RGICSF), que estabelece que as "instituições de crédito devem informar os clientes sobre...o preço dos serviços prestados e outros encargos suportados por aqueles", constitui, para a específica área da actividade creditícia e financeira, a aplicação do dever geral de boa fé na formação e no cumprimento das obrigações, que encontra abrigo nos artº227º e 762º, 2, CC Código Civil.
2. Nesta perspectiva das coisas, deve reconhecer-se ao mutuário de um contrato de mútuo para aquisição de casa própria o direito de conhecer de que maneira e com que factores a instituição de crédito calcula as prestações que lhe vai debitando, e também o direito de recusar a prestação enquanto a informação não for prestada, nos termos do nº1, do artº428º, CC, pois o dever de informação do credor está funcional e sinalagmaticamente ligado ao dever de prestar do devedor.
3. Mas, o mesmo princípio de boa fé que assim protege o mutuário também o conjura a uma posição colaborante, buscando a informação que está ao alcance de qualquer um, uma vez fornecidos, pelo banco, os dados indispensáveis.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. "A" embargou a execução que B, lhe moveu, com base numa escritura de mútuo com hipoteca;
disse que a mutuante o não informou sobre as alterações sucessivas que introduziu nas prestações do empréstimo, designadamente sobre as taxas de juro.
As instâncias não reconheceram mérito aos embargos.
O embargante pede, agora, revista, insistindo em que não lhe era exigível o pagamento das prestações enquanto a mutuante lhe não explicasse, como solicitou, "as alterações ocorridas nas mensalidades desde Janeiro de 1987".
A "B", também alegou.
2. São os seguintes os factos dados como provados nas instâncias:
no exercício da sua actividade creditícia, a exequente celebrou em 27-11-84,
com o executado, um contrato de mútuo com hipoteca, da quantia de 2.510.000$00, formalizado por instrumento notarial avulso;
clausulou-se no citado contrato que o capital mutuado venceria juros à taxa anual de 32.500%, alterável em função da variação da mesma, acrescendo, em caso de mora, a sobretaxa legal;
o referido empréstimo destinou-se à aquisição de habitação própria;
para garantia do capital mutuado, respectivos juros e despesas, foi constituída hipoteca sobre a fracção autónoma, designada pela letra L, correspondente ao terceiro andar direito frente do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito em Vila Nova de Gaia, rua Rei Ramiro, nº7031, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, sob o nº63228, do livro B-164, a fls. 133-vº, e aí registada pela apresentação 06/21.12.84;
o embargante, por diversas vezes, solicitou por escrito à B que explicasse as alterações ocorridas nas mensalidades desde Janeiro de 1987;
fê-lo em 28-07-88, em 23-11-88, em 19-05-89, em 25-01-91, em 05-08-91, em 26-03-92, em 12-06-92 e em 20-07-95, nos termos que constam dos documentos juntos com a petição de embargos;
o embargante, em 02-04-92, pagou de uma só vez 1.532.644$00;
a embargada respondeu ao embargante sobre as questões por ele postas nos documentos acima referidos, com os ofícios de 04.02.91, 05-09-91, 08-04-92, 20-07-92, e de 18-08-95;
o montante de 1.532.644$00, pago pelo embargante em 02.04.92, destinou-se a regularizar as prestações vencidas de 08-05-88 a 08-03-93 (prestações 41 a 87 parcialmente);
na altura, foi referido ao embargante (com fornecimento das listagens de pagamentos) que a falta de entrega da declaração de rendimentos referentes a 1987, 1988, 1989 e 1990, determinou a perda de bonificações e a correspondentes subida do valor das prestações.
na carta de 20 de Julho de 1995, que dirigiu à B, o embargante escreveu: "desde já fico à V/disposição para liquidação integral do empréstimo, sendo certo que deverão apresentar os cálculos necessários à justificação da dívida";
a embargada B enviou ao embargante a carta que constitui fls. 45 dos autos, informando-o da forma como foi calculada a 1ª prestação do empréstimo concedido, ocorrida em 08/01/85 "(aplicação ao capital inicial, de 2.510.000$00, do factor 0,020284955 que se obtém a partir da fórmula (taxa equivalente) 12 1+ i /100 - 1, em que i corresponde à taxa a cargo de V. Exa. que no início era de 27, 25%. Ao valor obtido (esc. 50.916$00) foram deduzidos 40%, correspondente à parte de juros capitalizados (esc. 20.366$00), tendo-se obtido o valor da prestação fixa (Escudos 30.550$00). Este montante deduzido do subsídio
familiar (calculado também pela fórmula indicada, à taxa de 8%) (Esc. 16.150$00) e acrescido das despesas de expediente (esc. 25$00), representa o valor da prestação mensal (Esc. 14.425$00));
consta ainda da referida carta que "a prestação fixa (mensalidade+ subsídio familiar - despesas de expediente), sofre durante o 1° período de vida do empréstimo e no início de cada ano, um aumento de 12% ao qual se deduz de novo subsídio familiar recalculado, que também reduz 0,5% anualmente (...) Por último, informamos V. Exa. de que o valor da prestação de 8/8/86 se manterá até 8/12/86, caso não ocorram novas alterações da taxa de juro ou entregas voluntárias. Anexamos plano de amortização do empréstimo".
3. Estão em causa as prestações do mútuo que se venceram a partir de Janeiro de 1987, inclusive.
Não está em causa, por outro lado, o entendimento do contrato, e, portanto, a abordagem das cláusulas contratuais gerais nele contidas, designadamente, no que se refere ao cumprimento dos deveres de comunicação (artº5º, DL 446/85, de 25/10 (1) e de informação (artº6º, do mesmo DL), a cargo da entidade bancária.
Não está em causa, de igual modo, a regularidade dos cálculos das sucessivas prestações daquele mútuo para aquisição de casa própria.
O que, sim, está em causa é saber se a B informou, ou não informou, no momento próprio, o mutuário sobre o método e os factores de cálculo das prestações que se foram vencendo, e se era seu dever fazê-lo.
O artº75º, 1, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (2) (RGICSF), estabelece que as "instituições de crédito devem informar os clientes sobre...o preço dos serviços prestados e outros encargos suportados por aqueles".
É, para a específica área da actividade creditícia e financeira, a aplicação do dever geral de boa fé na formação e no cumprimento das obrigações, que encontra abrigo nos artº227º e 762º, 2, CC (3).
O dever de informar constitui um dos inseparáveis componentes da boa fé.
Nesta perspectiva das coisas, não há como não reconhecer ao mutuário de um contrato da referida natureza o direito de conhecer de que maneira e com que factores a instituição de crédito calcula as prestações que lhe vai debitando.
E também o direito de recusar a prestação enquanto a informação não for prestada, nos termos do nº1, do artº428º, CC, pois o dever de informação do credor está funcional e sinalagmaticamente ligado ao dever de prestar do devedor.
Mas, também é claro que o mesmo princípio de boa fé que assim o protege também o conjura a uma posição colaborante, buscando a informação que está ao alcance de qualquer um, uma vez fornecidos, pelo banco, os dados indispensáveis.
Os bancos, as sociedades financeiras podem fazer consultoria (artº4º, 1, h, e 5º, RGICSF), mas como mais um serviço que prestam, devidamente contratualizado.
No caso em apreço, a B forneceu, em devido tempo (Outubro de 1986), informação sobre a fórmula de cálculo da 1ª prestação do empréstimo, e respectiva taxa de juro, assim como sobre as alterações que tal fórmula iria ter, em consonância com a natureza prestações crescentes do empréstimo, anexando-lhe um plano de amortização.
Depois, sempre que a taxa de juro mudou, incluiu a pertinente informação nos avisos de pagamento, com a correspondente alteração do montante da prestação.
Não se vê que mais é que a instituição bancária deveria fazer.
4. Por todo o exposto, negam a revista, com custas pelo recorrente.

Lisboa, 9 de Março de 2004
Quirino Soares
Neves Ribeiro
Araújo Barros
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(1) Que foi alterado pelos DL 220/95, de 31/08, e 07.07.99.
(2) Aprovado pelo DL 298/92, de 31/12, e alterado pelo DL 232/96, de 5/12.
(3) Código Civil.