Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
741/09.7YXLSB.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: GREGÓRIO SILVA JESUS
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
CONVOCATÓRIA
BOA FÉ
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
INADMISSIBILIDADE
Data do Acordão: 05/26/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITOS REAIS / PROPRIEDADE HORIZONTAL.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- Abílio Neto, Manual da Propriedade Horizontal, Coimbra Editora, 3.ª ed., págs. 334, 335, 336.
- Aragão Seia, Propriedade Horizontal – Condóminos e Condomínios, Almedina, 2.ª ed., pp. 172/173.
- Lebre de Freitas, Montalvão Machado, Rui Pinto, “Código de Processo Civil” Anotado, vol. 2.º, 2.ª ed., p. 224.
- Pires de Lima, Anteprojecto (BMJ 123.º-278).
- Pires de Lima e Antunes Varela, In “Código Civil” Anotado, vol. III, 2ª ed., p. 446.
- Rosendo Dias José, A propriedade horizontal – Comentários e Notas aos arts. 1414.º a 1438.º do C. Civil, Livraria Petrony, 1982, pp. 107/108.
- Rui Vieira Miller, A propriedade horizontal no Código Civil, Almedina, Coimbra, 3.ª ed., p. 272.
- Sandra Passinhas, A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, Almedina, 2.ª ed., pp. 224, 225 e 226.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 1432.º, N.º4.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 542.º, N.º3, 671.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
-DE 31/03/2011, PROC. Nº 1842/05.6TVLSB.L1-6.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
-DE 4/05/10, PROC. Nº 680/07.6TBLMG.P1.

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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 11/01/2000, PROC. Nº 99A1089, DE 4/07/2002, PROC. Nº 4.064/01-2, DE 13/11/2008, PROC. Nº 08B3299, 11/09/2012, PROC. Nº 2326/11.09TBLLE.E1.S1 NO IGFEJ, 5/02/2013, PROC. Nº 6815/03.0TBCSC.S1 E DE 12/09/2013, PROC. Nº 3317/06.7TBSTS.P1.S1, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - No âmbito do n.º 4 do art. 1432.º do CC, a preocupação do legislador na convocatória para uma 2.ª assembleia de condóminos, assentou prevalentemente não na protecção dos interesses dos condóminos presentes na 1.ª reunião frustrada mas nos dos ausentes, em viabilizar e procurar assegurar a presença destes na assembleia, pelo inquestionável interesse que a mesma importa numa intervenção efectiva na vida e gestão do condomínio e no alcance do bem-estar comum com a aprovação de soluções em prol do interesse colectivo com a maior abrangência possível.

II - O espaço de tempo a mediar entre a primeira e a segunda reunião não poderá ser tão curto, de algumas horas ou meia hora apenas, pois afrontaria os limites da boa fé, sabendo-se que, se não sempre pelo menos quase sempre, tal inviabilizaria a presença de quem pouco antes esteve ausente, assim como não lhe permitiria a reponderação da conveniência de estar presente na assembleia, e mesmo a sua preparação para nela participar e assumir uma correcta tomada de posição.

III - Não é admissível a segunda convocatória com a mera dilação de meia hora após a primeira.

IV - Por se estar perante um segundo grau de recurso, de acordo com o disposto no n.º 3 do art. 542.º do CPC, e em conformidade com o art. 671.º, n.º 1, do mesmo código, não é admissível recurso para o STJ da decisão proferida pela Relação que confirmou a decisão da 1.ª instância condenatória da autora por litigância de má fé.
Decisão Texto Integral:

                                              Recurso de Revista Excepcional nº 741/09.7YXLSB.L1.S1[1]



    Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


        I— RELATÓRIO       

AA, residente na Rua …, …, ..., intentou acção declarativa de condenação, sob a forma sumária, posteriormente a seguir a forma ordinária por força do despacho que fixou o valor da acção, contra BB, CC e DD, todas residentes na Rua ..., nº …, respectivamente, no ….º …. e …, em Lisboa, pedindo que fossem consideradas “ineficazes ou nulas ou sem vencimento" as deliberações constantes do doc. 13, a fls. 56-60 dos autos (acta documentando uma Assembleia de Condóminos Extraordinária de 19/12/2008, do prédio da Rua ..., nº …, Lisboa, realizada pelas 20,00h).

Para tanto, alegou, em síntese, que as rés convocaram uma assembleia de condóminos extraordinária, do aludido prédio, para o dia 19/12/2008, pelas 19,30h, enviando a respectiva convocatória.

Existia quorum de funcionamento e deliberativo, os representantes das 1ª e 2ª rés apresentaram-se e deslocaram-se para o exterior, os trabalhos da assembleia iniciaram-se, aqueles representantes recusaram-se a entrar na assembleia apesar de para tal convidados, foram discutidos todos os pontos constantes da ordem de trabalhos, a sessão foi encerrada às 19,45h, foi elaborada acta assinada pelos intervenientes e enviada aos condóminos ausentes.

Em 20/01/2009, a autora recebeu uma acta subscrita por aqueles dois representantes das rés e uma outra pessoa (doc. 13), onde se noticia uma assembleia extraordinária de condóminos realizada no mesmo dia 19/12/2008, pelas 20,00h, na qual os seus subscritores discutiram e tomaram decisões sobre todos os assuntos da ordem de trabalhos, a que a autora respondeu expressando a sua discordância e voto contra cada uma das deliberações.

 Regularmente citadas, as rés contestaram excepcionando a caducidade do direito de impugnação, e controverteram o essencial dos factos alegados, invocando que quando aguardavam pela chegada do representante da proprietária do …, cerca das 19,40h, o administrador do condomínio, marido da autora, acompanhado de três pessoas que estavam presentes, cuja identidade as rés desconhecem, ausentou-se do local destinado à assembleia sem dizer o que quer que fosse aos condóminos presentes, não mais tendo regressado, sem que tenha sido feita a abertura da assembleia, sido assinada alguma lista de presenças, ou havido discussão sobre os pontos da ordem de trabalhos.

Entretanto, cerca das 19,45h, chegou o representante da proprietária que aguardavam, os três condóminos esperaram pela vinda do administrador e demais condóminos até às 20,00h, segunda hora marcada para a realização da assembleia, e deram início à assembleia de acordo com a convocatória, com a presença dos três condóminos que asseguravam quorum de funcionamento e deliberativo.

Em reconvenção, pedem que as deliberações tomadas na assembleia extraordinária de condóminos realizada em 19/12/2008, pelas 20,00h sejam declaradas válidas e eficazes e a autora condenada a reconhecê-las como tal, e ainda condenada por litigância de má fé.

A autora respondeu defendendo a improcedência da excepção e da reconvenção, pedindo também a condenação das rés como litigantes de má fé.

No despacho saneador julgaram-se improcedentes o pedido reconvencional, dele se absolvendo a autora, e a excepção de caducidade, procedendo-se de seguida à condensação dos autos.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, com a decisão da matéria de facto a não motivar alguma reclamação, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo as rés do pedido e da litigância de má fé, e condenou a autora como litigante de má fé em multa de 10 UCs e indemnização que fixou posteriormente nos seguintes termos: a) reembolsar as rés procedendo ao pagamento directo ao mandatário destas de honorários no montante de 3.000,00€; b) pagar a cada uma das rés 2.500,00€, a título de satisfação dos demais prejuízos por estas sofridos como consequência daquela má fé processual (fls. 305 a 326 e 348/349).  

Inconformada, apelou a autora, com parcial êxito, porquanto a Relação de Lisboa, por unanimidade, no acórdão de 14/07/14 (fls. 462 a 474), julgou improcedente o recurso quanto à questão de fundo, mas parcialmente procedente quanto à sua condenação como litigante de má fé, decidindo:

E assim, vão as rés absolvidas do pedido principal da autora e do pedido de condenação como litigantes de má fé; e vai a autora condenada como litigante de má fé, na indemnização de € 1.050,00 a cada ré, totalizando € 3.150,00, dos quais € 3.000,00 a pagar diretamente ao Ex.mo Mandatário (art. 543.4 do CPC); mantendo-se a condenação na já referida multa de 10 UCs.”.

Continuando irresignada, pediu revista excepcional a este Supremo Tribunal, invocando o disposto no art. 672.º, nº 1, als. a), b) e c) do Código de Processo Civil, na redacção introduzida pela Lei nº 41/2013, de 26/06, aceite pelo colectivo de Juízes que constituem a Formação a que alude o nº 3 do mesmo normativo por virtude da relevância jurídica da questão suscitada (al. a)).

Nas alegações que apresentou formula as seguintes conclusões:

A. A Recorrente, intentou uma acção contra as Recorridas, peticionando que o tribunal declarasse ineficazes, nulas ou sem vencimento, as deliberações da assembleia de condóminos extraordinária do prédio sito na Rua ..., n° …, em Lisboa, realizada no dia 19.12.08 às 20:00h;

B. O tribunal de 1ª instância considerou válida a referida assembleia pelo que julgou improcedente a acção, condenando ainda a Autora como litigante de má fé;

C. E isto pese embora a referida assembleia se ter realizado em segunda convocatória marcada para meia hora depois do da primeira;

D. A Relação confirmou a sentença da 1ª instância no que a esta parte se refere;

E. Consideraram, assim, os tribunais inferiores, válida e regular uma assembleia de condóminos em segunda convocatória marcada para meia hora depois da primeira convocatória;

F. Contudo, tem sido entendimento largamente maioritário na doutrina e melhor jurisprudência de que a segunda data referida na convocatória tem de consistir numa verdadeira segunda data e não numa segunda hora do mesmo dia;

G. Aceitar-se uma segunda convocatória para 30 minutos após a primeira é subverter totalmente o espírito e a letra da lei, tanto mais que, nesta segunda data, sempre será possível deliberar com um quarto do valor total do prédio, o que, aliás, sucedeu nos presentes autos;

H. Assim sendo, sendo inválida a assembleia em apreço, por maioria de razão, são igualmente inválidas as deliberações nelas tomadas;

I. Pelo que, salvo o devido respeito, teria necessariamente de proceder a acção proposta pela ora Recorrente;

J. E procedendo a acção, não faria qualquer sentido e seria mesmo incongruente a condenação da Autora como litigante de má fé;

K. Concluindo, violou o mui douto tribunal recorrido os art°s 177° 1430°, 1431°, 1432° e 1433° do Código Civil,

As recorridas/rés não contra-alegaram.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.



O objecto dos recursos acha-se delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, salvo as questões de conhecimento oficioso, nos termos dos artigos 635.º, nº 4 e 639.º, nº 1 do Código de Processo Civil, na redacção introduzida pela Lei nº 41/2013, de 26/06 aqui aplicável – por diante CPC.

São as seguintes as questões suscitadas.

a) Se é válida e regular a assembleia de condóminos realizada em segunda convocatória marcada para meia hora depois da primeira convocatória;

b) Condenação da autora por litigância de má fé, na eventualidade de resposta infirmativa à anterior questão.



                                             II-FUNDAMENTAÇÃO

DE FACTO

Vem tida por assente a seguinte matéria de facto:

A) As Rés convocaram uma assembleia de condóminos extraordinária do prédio sito na Rua ..., n° …, em Lisboa para o dia 19 de Dezembro de 2008, pelas 19h30m, e enviaram a competente convocatória (art. 1° e 2° da p.i.), Alínea A) dos Factos Assentes

B) No dia 19 de Dezembro de 2008, pelas 19h30m encontravam-se no hall do prédio o Sr. EE, o Sr. FF em representação da 1ª Ré, o Sr. GG, em representação da 2ª Ré e mais três homens (arts. 6 a 8 da p.i, e 22 a 24 da contestação). Alínea B) dos Factos Assentes

C) Em 20 de Janeiro de 2009, a Autora recebeu no seu domicílio o documento intitulado “Acta”, correspondente ao junto a fls. 56 a 73, subscrito pelos Senhores FF, GG e Dr. HH (art. 19 da p.i. e 101 da contestação). Alínea C) dos Factos Assentes

D) II também recebeu o documento identificado na alínea anterior (art. 19 da réplica). Alínea D) dos Factos Assentes

E) Encontra-se descrito na 7ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n° … da freguesia de …, um prédio urbano sito na Rua ..., números …, …, … e …, tendo sido registadas, quanto ao mesmo, as seguintes apresentações:

- apresentação 27/140789 - constituição de propriedade horizontal - Fracções e permilagens: “…” e “…” - 63 cada uma; “…” - …; e “…”, “…”, “…”, “…”, “…” e “I” - … cada uma.

- apresentação 13/300896- alteração de constituição de propriedade horizontal - ( ... ) A casa de porteira passou a constituir a fracção “…”. Fracções e permilagens: “…” e “…” - 61 cada uma; “….”, “….”, “…”, “…”, “…”, “…” e “…” - 120 cada uma; “…” - 38.”. Alínea D) dos Factos Assentes

F) Sobre o mesmo prédio, encontram-se registadas as seguintes aquisições das fracções autónomas:

- “…” - a favor de II, por compra, (apresentação n° ….);

- “…” - a favor de “JJ- Leasing - ..., SA.”, por compra (apresentação n° …);

- “…” - a favor de BB, por compra (apresentação n° ….);

- “…” - a favor de CC, por compra (apresentação n° …);

- “…”,”…”, “….” e “…” - a favor de AA, de 1/49 avos, por partilha, pela apresentação ….; e de 48/49 avos, por compra, pela apresentação n° ….;

- “…” - a favor de DD, por compra (apresentação n° …);

- “….” - a favor de “JJ- Leasing - ..., SA.”, por compra (apresentação n° …). Alínea F) dos Factos Assentes

G) O Administrador eleito do condomínio era, em 19 de Dezembro de 2008, o Sr. EE, o qual não foi convocado para a assembleia pelas Rés. Resposta ao quesito l° da Base Instrutória

H) Duas das pessoas que estavam presentes na data, hora e local indicados na alínea B) eram o Dr. KK, enquanto mandatário da Autora e o Sr. LL, enquanto mandatário da proprietária da fracção …. Resposta ao quesito 2°

I) Na data, hora e local indicados na alínea B), os Srs. FF e GG detiveram-se no exterior do edifício, junto à porta. Resposta ao quesito 3°

J) A Autora, apesar de entender desprovida de valor a acta junta a fls. 56 a 73, com vista a acautelar-se, enviou uma comunicação aos signatários daquela acta, que a receberam, expressando a sua discordância e correspondente voto contra cada uma das deliberações. Resposta ao quesito 8

K) Na ocasião referida na alínea B), os três homens presentes não se identificaram perante os demais, nem ninguém os apresentou. Resposta ao quesito 9

L) Entre as 19h40m e as 19h50m o Sr. EE e os três homens que o acompanhavam saíram do hall de entrada do prédio, não mais regressando. Resposta ao quesito 11

M) Após a saída das pessoas referidas em L) chegou o representante da condómina do 3° direito e às 20h reuniram-se no hall do edifício os subscritores do documento junto a fls. 56 ss., que assinaram a lista de presenças de fls. 61, e que entre si decidiram o que daquele documento consta. Resposta aos quesitos 12 e 13

N) O livro de actas do condomínio do prédio está em poder do Sr. EE, que se recusa a entregá-lo a FF. Resposta ao quesito 14

O) O documento intitulado “Acta”, correspondente ao junto a fls. 56 a 73, foi também enviado a MM e a II. Resposta ao quesito 15

P) As Rés receberam, por carta registada com aviso de recepção, convocatória para uma assembleia de condóminos a realizar em 28 de Janeiro de 2009. Resposta ao quesito 16

Porque se mostra admitido por acordo, inserto na convocatória enviada pelas rés e junto com a petição inicial, doc. de fls. 16/17, nos termos dos arts. 607.º, nº 4, 2ª parte, 663.º, nº 2 e 679.º do CPC, este Tribunal adita o seguinte facto:

Q – Consta da convocatória referida em A), além do mais, que “Se à hora marcada não houver quórum suficiente para a realização da referida assembleia, considera-se a mesma convocada para a mesma data, às 20:00horas, sendo a mesma realizada e deliberando com os condóminos presentes”.      

DE DIREITO

A) Se é válida e regular a assembleia de condóminos realizada em segunda convocatória marcada para meia hora depois da primeira convocatória

Estamos perante uma acção de impugnação das deliberações tomadas em assembleia geral de condóminos, e da síntese conclusiva apresentada pela recorrente retira-se defender não ser válida e regular a assembleia de condóminos que se realizou em segunda convocatória, marcada para 30 minutos após a primeira, por isso subverter totalmente o espírito e a letra da lei, tanto mais que nessa segunda sempre será possível deliberar com um quarto do valor total do prédio.

Defende a recorrente que sendo inválida a assembleia em apreço, por maioria de razão, são igualmente inválidas as deliberações nela tomadas, e necessariamente terá de proceder a acção por si proposta.

Vejamos.

Dispõe o art. 1432.º do Código Civil (a que pertencerão todos os normativos doravante citados sem menção expressa de origem), na sua actual redacção introduzida pelo DL n.º 267/94, de 25/10, no que ao caso importa que:

“1. A assembleia é convocada por meio de carta registada, enviada com 10 dias de antecedência, ou mediante aviso convocatório, ou mediante aviso convocatório feito com a mesma antecedência, desde que haja recibo de recepção assinado pelos condóminos.

2. A convocatória deve indicar o dia, hora, local e ordem de trabalhos da reunião e informar sobre os assuntos cujas deliberações só podem ser aprovadas por unanimidade dos votos.

3. As deliberações são tomadas, salvo disposição especial, por maioria dos votos representativos do capital investido.

4. Se não comparecer o número de condóminos suficiente para se obter vencimento e na convocatória não tiver sido desde logo fixada outra data, considera-se convocada nova reunião para uma semana depois, na mesma hora e local, podendo neste caso a assembleia deliberar por maioria de votos dos condóminos presentes desde que estes representem, pelo menos, um quarto do valor total do prédio.

5. As deliberações que careçam de ser aprovadas por unanimidade dos votos podem ser aprovadas por unanimidade dos condóminos presentes desde que estes representem, pelo menos, dois terços do capital investido, sob condição de aprovação da deliberação pelos condóminos ausentes, nos termos dos números seguintes.

6. As deliberações têm de ser comunicadas a todos os condóminos ausentes, por carta registada com aviso de recepção, no prazo de 30 dias. (...)”.

Como flui do transcrito nº 4, na convocatória da assembleia de condóminos pode fixar-se, desde logo, e para o caso de não comparecer o número de condóminos suficiente para se obter vencimento, outra data para nova reunião.

No caso em apreço, fixou-se uma outra hora, na mesma data, para a nova reunião, para 30 minutos após a primeira. Será que tal procedimento subverte totalmente o espírito e a letra da lei, como defende a recorrente?

Indo um pouco atrás na demanda de resposta, em anotação ao art. 1432.º na redacção anterior à vigente [2], Pires de Lima e Antunes Varela esclareciam que no seu n.º 3 [3]não se estabelece nenhum intervalo mínimo obrigatório entre as duas reuniões, com o fim de obstar a que a segunda convocação, em lugar de ser uma nova chamada, se converta num mero prolongamento da primeira (...). Como tem, porém, de haver nova convocação esta há-de ser efectuada nos termos prescritos no n.º 1 (com ressalva da dilação de 10 dias, que neste caso não tem de ser observada), além de a reunião ter de efectuar-se num dos dias seguintes (e nunca no mesmo dia em que falhou a primeira convocação), não há que recear semelhante perigo[4].

Rosendo Dias José, comentando esta mesma redacção do art. 1432.º, divergindo muito ligeiramente deste entendimento, embora o recomende na prática, e reconhecendo posições contrárias à sua, defende que “A lei não exige que esta nova reunião seja efectuada em dia diferente da primeira, mas sim que o seja dentro dos dez dias imediatos. Poderá, assim, efectuar-se em seguida à primeira desde que ambas tenham sido convocadas validamente.

(…) O legislador teve precisamente em vista, ao redigir este artigo, que a convocatória da nova reunião se faria sempre com a antecedência de 10 dias e estava a pensar na convocação simultânea da primeira reunião e do que chamou de «nova reunião».

Outro aspecto da letra da lei que tem conduzido à interpretação de que é noutro dia que se deve efectuar a reunião é a expressão «nova reunião». Porém, não surge como necessária a ilação – exigência de novo dia – porque os factos de se exigir quorum diferente, maioria diferente e convocação específica, já seriam bastante para ter sido designada pelo legislador como «nova reunião».

Para procedimento a adoptar pelos administradores ou condóminos aconselha-se, como mais seguro, que se convoque a reunião da assembleia para um dia e, prevendo a hipótese de se não obterem as presenças que satisfaçam ao quorum, convocar simultaneamente (na mesma convocatória mas de modo independente) nova assembleia para um dos dias seguintes (dentro dos dez dias), para funcionar com qualquer número de condóminos desde que representantes de, pelo menos, um terço do capital investido. Este procedimento envolve duas convocatórias (lógica que não materialmente) para dias diferentes e observa quanto às duas o prazo do número 1 do artigo (antecedência de dez dias)[5].

Acontece que o DL n.º 267/94, de 25/10, entre outros propósitos, modificou algumas normas em matéria da organização do condomínio, “com a finalidade de alcançar soluções mais eficientes, ajustadas a uma administração que, por via de regra, é levada a cabo por condóminos sem preparação profissional específica e destituídos de experiência de gestão”, pretendendo designadamente que os condóminos, presentes ou representados, passassem a ter intervenção activa nas ditas assembleias.

Dentro desse espírito se enquadra a nova redacção que conferiu ao art. 1432.º, em particular ao seu nº 4, que regula a matéria de que se ocupava o anterior nº 3, visando garantir a efectiva participação dos condóminos na vida do condomínio, permitindo que na convocatória se fixasse, desde logo, outra data para a nova reunião, no caso de a assembleia se não poder reunir por falta de condóminos que inviabilizasse o número suficiente para se obter vencimento, e que, na eventualidade de a convocatória nada indicar nesse sentido, ficavam logo cientes de que se considerava “convocada nova reunião para uma semana depois, na mesma hora e local”.

Conferiu, assim, o legislador aos administradores e condóminos meios com suficiente agilidade e maleabilidade para que pudessem tornar conciliáveis as reuniões dos condomínios com os afazeres profissionais, familiares, e sociais de cada um, em ordem a serem presentes às assembleias.

Interpretando essa preocupação legislativa, Aragão Seia escreve que “É conveniente que na primeira convocatória, prevendo a hipótese de não ser possível efectuar a reunião por falta de quorum, seja desde logo fixada outra data para a sua realização, dispensando-se, assim, as formalidades de uma nova convocação. Essa data deve respeitar um intervalo mínimo de uma semana, da data primeiramente designada.

Não se pode efectuar no mesmo dia, embora com dilação horária, para possibilitar que os condóminos que não compareceram por qualquer razão tenham mais uma oportunidade de participarem na assembleia, evitando-se, assim, o recurso imediato a uma deliberação com quorum reduzido, já que, em segunda convocação, a assembleia pode deliberar por maioria dos votos dos condóminos presentes, desde que estes representem, pelo menos, um quarto do valor total do prédio[6].

Concordante com esta posição se mostra Abílio Neto, para quem “Constitui prática corrente (…) fazer constar da convocatória inicial que, na falta de quorum, a assembleia se realizará, em regime de segunda convocação, no mesmo dia e local, passado certo lapso de tempo, por via de regra, fixado em uma hora, prática essa que, embora eventualmente merecedora de futura consagração em sede legislativa, reputamos como frontalmente violadora do n.º 4 deste art. 1432.º: ao estabelecer um prazo fixo de uma semana entre a primeira e a segunda reunião, o legislador ficcionou ser essa a dilação mínima aceitável para que os condóminos reponderassem a necessidade ou conveniência de participarem na assembleia, e que, consequentemente, se justificasse a redução para metade do quorum constitutivo inicial. O entendimento contrário, subjacente à mencionada prática, afronta a razão de ser da norma em apreço, e não serve o interesse da efectiva participação dos condóminos na gestão do condomínio, tal como ele foi entendido – bem ou mal – pelo legislador.[7].

Preconizam, pois, estes Autores que o intervalo mínimo entre as duas datas a fixar pelo administrador deve ser coincidente com o supletivamente estipulado pelo legislador. Com todo o respeito que nos merecem, não cremos que assim tenha de ser, pois os condóminos, no seu todo ou na maioria de vencimento e deliberação, pode estar de acordo, e ter interesse, em que a segunda convocatória possa ter lugar em tempo mais breve.

Neste preciso sentido se expressa NN, concordante em que a nova reunião, por falta de quorum na primeira, não pode ter lugar na mesma data desta, afirmando que ” A formulação do preceito, na medida em que exige tanto a designação, na convocatória, de “outra data” para a eventual nova reunião, como, não havendo essa designação, a observância do intervalo de uma semana entre a primeira e a segunda data, leva à conclusão de que a nova reunião, por falta de quorum na primeira, não pode ter lugar na mesma data desta, mas em outra suficientemente espaçada para abrir aos condóminos, faltosos ou não, a possibilidade de comparecerem e assegurar assim a intervenção do maior número.

A exigência justifica-se como meio de obstar a uma precipitada revogação da maioria fixada no n.º 3, com imposição, numa quase imediata segunda reunião, do quorum, inferior, assinado no n.º 4.

Será, assim, ilegal a menção na convocatória de que, não havendo a maioria legal, a reunião terá lugar, em segunda convocatória, na mesma data e após o decurso de certo lapso de tempo sobre a hora fixada; como ilegal será a reunião que eventualmente se fizer nessas condições[8].

Nesta mesma linha de entendimento aparenta posicionar-se Sandra Passinhas, quando escreve que “A lei não fixa autonomamente um quórum constitutivo da assembleia, equiparando-o ao quórum deliberativo.

Se não comparecer na reunião o número suficiente de condóminos para se obter vencimento (o vencimento obtém-se com a maioria dos votos representativos do capital investido) e na convocatória não tiver sido desde logo fixada outra data, considera-se convocada nova reunião para uma semana depois, na mesma hora e local. A segunda assembleia tem necessariamente a mesma ordem do dia que a primeira.

Da letra da lei não se retira que a data para a marcação da segunda assembleia seja posterior a uma semana. Parece-nos que, dentro dos limites da boa fé, a reunião poderá ter lugar num espaço mais curto; a lei não estabelece um intervalo mínimo obrigatório. Os condóminos já foram regularmente informados da realização da primeira reunião, com a devida antecedência, pelo que não há aqui a considerar especiais exigências de tutela do interesse dos condóminos. “[9].

Feito este périplo pelos autores que maior atenção e saber têm conferido a esta questão, é altura de nos centrarmos no que a nossa jurisprudência vem considerando a tal propósito, e o que se nos depara é que muito poucas vezes foi chamada a pronunciar-se, não obstante o inegável interesse social da questão. Não admira, por isso, que seja muito escasso o número de decisões que se conhecem publicadas. A nível das Relações, para além do acórdão recorrido, encontram-se os Acórdãos da Relação do Porto de 4/05/10, Proc. nº 680/07.6TBLMG.P1 e da Relação de Lisboa de 31/03/11, Proc. nº 1842/05.6TVLSB.L1-6, e neste Supremo Tribunal de Justiça os Acórdãos de 11/01/00, Proc. nº 99A1089, todos disponíveis na base de dados do IGFEJ, e de 4/07/02, na Revista nº 4.064/01-2, nos Sumários da Assessoria Cível deste Tribunal.

No primeiro, ponderou-se que “se alguém não pode estar presente em certo dia e hora, dificilmente lhe será possível estar presente meia hora mais tarde, daí que se tenha consignado na lei, para possibilitar a efectiva comparência do condómino que não pode estar presente no dia e hora designados para 1.ª reunião, que a convocatória deverá indicar “nova data”, no sentido de novo dia e hora“, deste modo enjeitando a possibilidade da 2ª reunião ter lugar no mesmo dia designado para a 1ª reunião. Não se deu a saber, contudo, qual esse “novo dia”, se coincidente com o de uma semana tal como o legislador ficcionou, se num espaço mais curto com esse limite.

No segundo, o comprometimento com a linha de pensamento acima anotado de Sandra Passinhas é notório. Assim nele se sumariou: “6. Do artigo 1432.º, n.º 4, CC, não se retira que, em caso de falta de quórum para a constituição da primeira assembleia, a segunda tenha de ter lugar sete dias depois.

7. Trata-se de norma supletiva, que não impede a fixação de prazo mais curto, dentro dos limites da boa fé.

8. A lei não fixa um prazo mínimo de dilação entre a primeira e a segunda assembleias, mas tal prazo não deve ser tão exíguo que impeça a possibilidade de os que não compareceram à primeira poderem comparecer à segunda, pelo que se deve ter por excluída a possibilidade de a segunda assembleia ser convocada com uma dilação de meia hora relativamente à primeira. “.

Por sua vez, o Acórdão deste Supremo Tribunal de 11/01/00, sem necessidade de se debruçar intrinsecamente sobre esta questão, confina-se, na prática, a referenciar os termos supletivos da lei: ” No actual regime da propriedade horizontal se à assembleia de condóminos não comparecer o número necessário de condóminos e se na respectiva convocatória se não indicar a data da nova assembleia, a nova reunião considera-se convocada para uma semana depois. “.

Já o Acórdão de 4/07/02 acolheu o pensamento de Aragão Seia, não aceitando que a segunda assembleia se pudesse efectuar no mesmo dia que a primeira, ainda que com dilação horária. Assim se sumariou: “A assembleia de condóminos aprazada para a eventualidade de uma primeira se não realizar por haver falta de quorum, não pode ser convocada para meia hora depois da hora marcada para esta.“.

Feito este excurso pela doutrina e jurisprudência conhecidas, um ponto comum nelas se descortina: por falta de quorum na primeira reunião, a segunda não pode ter lugar na mesma data, ou seja, no mesmo dia, embora com dilação horária.

Aqui chegados, vejamos o de relevante vem apurado:

- as rés convocaram uma assembleia de condóminos extraordinária para o dia 19/12/2008, pelas 19h30m, e enviaram a competente convocatória (A);

- nessa convocatória fizeram constar que “Se à hora marcada não houver quórum suficiente para a realização da referida assembleia, considera-se a mesma convocada para a mesma data, às 20:00horas, sendo a mesma realizada e deliberando com os condóminos presentes” (Q);           .

- naquele dia, pelas 19h30m, encontravam-se no hall do prédio o administrador do condomínio que não fora convocado para a assembleia, os representantes da lª e 2ª rés e mais três pessoas que não se identificaram, sendo que duas delas eram os mandatários da autora e da proprietária da fracção A (B, G H e K);

- os representantes das rés detiveram-se no exterior do edifício, junto à porta (I);

- entre as 19h40m e as 19h50m o administrador do condomínio Sr. EE e os três homens que o acompanhavam saíram do hall de entrada do prédio, não mais regressando (L);

- após a saída destas quatro pessoas chegou o representante da condómina do 3.° direito e às 20h reuniram-se no hall do edifício os subscritores da acta junta a fls. 56 ss., que assinaram a lista de presenças de fls. 61, e que entre si decidiram o que daquele documento consta. (C e M).

Temos, assim, que não vem provado que se tenha realizado a 1ª reunião fixada para as 19,30h, e que, correspondendo à 2.ª convocatória, reuniu a 2ª assembleia meia hora depois da hora designada para a 1ª, a que corresponde o documento intitulado “Acta”, junto de fls. 56 a 73.

Perante esta realidade, o acórdão recorrido, indiferente ao debate acima descrito, de forma sublime, trilhando diferente e original caminho, muito curto e linear, diga-se, decidiu a inexistência de alguma irregularidade e a validade da 2ª reunião, na aparência desvalorizando a relevância jurídica da questão como se infere do brevíssimo trecho hermenêutico que lhe destinou. Assim: “Trata-se de uma prática frequente nas convocatórias de reuniões, que acautela os interesses dos condóminos presentes na primeira hora designada, tendo em conta os possíveis atrasos, para obviar ao risco de na segunda convocatória estarem presentes ainda menos condóminos. A lei não a proíbe (art. 1432.4 :CC): apenas estabelece supletivamente que, se não for convocada inicialmente nova data alternativa, considera-se convocada nova reunião para uma semana depois, na mesma hora e local. Não há pois aqui qualquer irregularidade.“.

Como se vê, os decisores julgaram a validade da assembleia das 20 horas por duas ordens de razões: porque a lei não proíbe, e porque corresponde a uma prática frequente que acautela os interesses de quem está presente.

Por tudo o que acima anotámos, é óbvio que não podemos concordar com esta abordagem da questão, feita em tal perspectiva e consequente solução, pois que a preocupação do legislador na convocatória para uma 2ª assembleia assentou prevalentemente não nos interesses dos presentes mas nos dos ausentes. Em viabilizar e procurar assegurar a sua presença na assembleia, pelo inquestionável interesse que a mesma importa para uma intervenção efectiva na vida e gestão do condomínio e no alcance do bem-estar comum com a aprovação de soluções em prol do interesse colectivo com a maior abrangência possível, mais do que premiar os presentes na reunião frustrada. Se assim fosse, seguramente o legislador teria encurtado o prazo supletivo de uma semana que estabeleceu.

Com efeito, a reforma de 94 manteve o mesmo espírito que presidia à lei na sua redacção anterior, de que a segunda reunião não deve ser um prolongamento da primeira. Certo que não estabeleceu um intervalo mínimo obrigatório entre as duas reuniões, e compreende-se que assim tenha sido porquanto se está perante uma situação que tem em causa, exclusivamente, interesses dos condóminos, deferindo ao critério de conveniência dos mesmos o estabelecer do intervalo mais conveniente. Mas esse espaço de tempo não poderá ser tão curto, de algumas horas ou meia hora como no nosso caso, por claramente afrontador dos limites da boa fé, uma vez que pelo conhecimento advindo da experiência do quotidiano social se sabe que, se não sempre pelo menos quase sempre, tal reduzido espaço de intervalo na prática inviabiliza a presença de quem pouco antes esteve ausente, assim como não lhe permite a reponderação da conveniência de estar presente na assembleia, e mesmo a sua preparação para nela participar e assumir uma correcta tomada de posição.

Como pondera NN, a nova reunião deve ter lugar em nova data “suficientemente espaçada para abrir aos condóminos, faltosos ou não, a possibilidade de comparecerem e assegurar assim a intervenção do maior número, até porque, na segunda assembleia o quorum é menos exigente, na prática as deliberações seriam tomadas com uma menor representatividade do capital investido, pelo que é conveniente evitar-se o recurso imediato a uma deliberação com quorum reduzido.

Razões que ganham particular visibilidade e premência nos condomínios onde a vida nem sempre é fácil, onde se instalou um ambiente de “guerrilha”, nos quais importa evitar que se proceda abusivamente a “hábeis” marcações das convocatórias em ordem a impedir ou dificultar a presença dos condóminos incómodos, o que só se consegue observando uma dilação razoável entre as duas reuniões.

Pelo que se deixa dito, importa neste campo que os administradores procedam com sensibilidade, sensatez, e conhecimento do tecido social e profissional do condomínio, em ordem a ter em conta as exigências comuns dos condóminos e a agir dentro desse limite de boa fé, marcando as convocatórias para prazos razoáveis, no ponto do equilibro entre a urgência da resolução e a disponibilidade dos condóminos.

Não é, pois, admissível a segunda convocatória com a mera dilação de meia hora após a primeira. Tal procedimento é contrário à razão de ser da norma em apreço, não serve o interesse da efectiva participação dos condóminos na vida e gestão do condomínio, e compromete o bem estar social tal como foi entendido pelo legislador.

Sabe-se ser esta uma prática corrente, mas não é curial que assim seja, muito menos pode valer como se fosse lei, como se intui do acórdão recorrido. Como tal, a interpretação segundo a qual a convocatória se fixar outra data para nova reunião deverá fazê-lo para dia subsequente ao da reunião inicial, assegurado que seja um intervalo razoável entre elas[10], será a mais consentânea com a letra da lei e com o espírito do legislador.

A decisão recorrida nesta parte não pode subsistir.

B) Condenação da autora por litigância de má fé

A culminar as suas alegações, defende a recorrente que procedendo a acção não faz qualquer sentido, e seria mesmo incongruente, a sua condenação como litigante de má fé.

Não lhe assiste razão, pelos seguintes motivos.

A primeira, e nuclear, porque essa condenação tem a sua motivação na circunstância de a recorrente haver invocado factos que não se provaram, e que sabia não serem verdadeiros. Mais precisamente, haver alegado a ocorrência de uma assembleia de condóminos pelas 19,30h, que teria tomado as deliberações expressas no doc. de fls. 47/50 (doc. nº 7 junto com a petição inicial), para fundar a sua pretensão de inexistência da reunião que posteriormente veio a ter lugar pelas 20,00h, acima objecto de ponderação.

Consideraram as instâncias ser essa sua versão absolutamente falsa, como resultava das respostas negativas dadas aos quesitos 4.º a 7.º, pois não houvera qualquer assembleia às 19,30h, com discussão e tomada de deliberações, pelo que o seu comportamento era completamente incompreensível, injustificável, a sua conduta “foi conscientemente dolosa ao invocar factos que sabia serem falsos”.

Em suma, a motivação da condenação em causa exorbita do círculo de fundamentos que conduzem à procedência da acção, e que, por isso mesmo, não retiram censurabilidade à sua conduta naquela estrita dimensão, a justificar essa condenação.

Acresce, a reforçar esta solução, a circunstância de não ser possível a este Supremo sindicar essa condenação de forma autónoma.

Como estamos no caso vertente perante um segundo grau de recurso, de acordo com o disposto no nº 3 do artigo 542.º do CPC, segundo o qual, relativamente à decisão que condene por litigância de má fé, independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível um grau de recurso, e em conformidade com o art. 671.º, nº 1 do mesmo código, não pode este Tribunal conhecer desta parte da decisão proferida pela Relação[11].

Resta sumariar:

I - No âmbito do nº 4 do art. 1432.º do Código Civil, a preocupação do legislador na convocatória para uma 2ª assembleia de condóminos, assentou prevalentemente não na protecção dos interesses dos condóminos presentes na 1ª reunião frustrada mas nos dos ausentes, em viabilizar e procurar assegurar a presença destes na assembleia, pelo inquestionável interesse que a mesma importa numa intervenção efectiva na vida e gestão do condomínio e no alcance do bem-estar comum com a aprovação de soluções em prol do interesse colectivo com a maior abrangência possível;

II – O espaço de tempo a mediar entre a primeira e a segunda reunião não poderá ser tão curto, de algumas horas ou meia hora apenas, pois afrontaria os limites da boa fé, sabendo-se que, se não sempre pelo menos quase sempre, tal inviabilizaria a presença de quem pouco antes esteve ausente, assim como não lhe permitiria a reponderação da conveniência de estar presente na assembleia, e mesmo a sua preparação para nela participar e assumir uma correcta tomada de posição;

III - Não é admissível a segunda convocatória com a mera dilação de meia hora após a primeira;

IV – Por se estar perante um segundo grau de recurso, de acordo com o disposto no nº 3 do artigo 542.º do CPC, e em conformidade com o art. 671.º, nº 1 do mesmo código, não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça da decisão proferida pela Relação que confirmou a decisão da 1ª instância condenatória da autora por litigância de má fé.

III-DECISÃO

Pelos motivos expostos, acordam os juízes no Supremo Tribunal de Justiça em julgar procedente a revista, revogar o acórdão recorrido e, em consequência, julgar a acção procedente anulando-se as deliberações tomadas pela assembleia de condóminos realizada em 19/12/08, pelas 20,00h, a que corresponde a acta de fls. 56 a 73.

Custas da revista e nas instâncias pelas recorridas.

                                                     Lisboa, 26/05/15

Gregório Silva Jesus (Relator)

Martins de Sousa

Gabriel Catarino

____________________
[1] Relator: Gregório Silva Jesus - Adjuntos: Conselheiros Martins de Sousa e Gabriel Catarino.
[2] Que teve por fontes os arts. 30.º e 31.º e respectivo § único do DL nº 40.333 de 14/10/1955 e 134.º do Anteprojecto Pires de Lima (BMJ 123.º-278).
[3] Em que se dispunha: “Se não comparecer o número de condóminos suficiente para se obter vencimento, é convocada nova reunião dentro dos dez dias imediatos, podendo neste caso a assembleia deliberar por maioria de votos dos proprietários presentes, desde que estes representem, pelo menos, um terço do capital. “.
[4] In Código Civil Anotado, vol. III, 2ª ed., pág. 446.
[5] In A propriedade horizontal – Comentários e Notas aos arts. 1414.º a 1438.º do C. Civil, Livraria Petrony, 1982, págs. 107/108.
[6] In Propriedade Horizontal – Condóminos e Condomínios, Almedina, 2.ª ed., págs. 172/173.
[7] In Manual da Propriedade Horizontal, Coimbra Editora, 3.ª ed., págs. 334, 335, 336.
[8] In A propriedade horizontal no Código Civil, Almedina, Coimbra, 3.ª ed., pág. 272.
[9] In A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, Almedina, 2.ª ed., págs. 224, 225 e 226.
[10] O que não acontecerá, por exemplo, se a 1ª assembleia estava marcada para as 23,30h e a 2ª para as 0,01h do dia seguinte.
[11] Cfr., entre muitos outros, neste sentido, e mantendo actualidade, os Acs. do STJ de 13/11/08, Proc. nº 08B3299, 11/09/12, Proc. nº 2326/11.09TBLLE.E1.S1 no IGFEJ, 5/02/13, Proc. nº 6815/03.0TBCSC.S1 e de 12/09/13, Proc. nº 3317/06.7TBSTS.P1.S1, estes desta conferência e relator; ainda Lebre de Freitas, Montalvão Machado, Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, 2ª ed., pág. 224.