Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
026328
Nº Convencional: JSTJ00007424
Relator: SAMPAIO E MELO
Descritores: APLICAÇÃO DA LEI PENAL NO TEMPO
FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ194707180263283
Data do Acordão: 07/18/1947
Votação: MAIORIA COM 3 VOT VENC
Referência de Publicação: DG IªS DE 15-08-1947; BMJ N2,151; RLJ 80,126
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO.
Decisão: FIXADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 6/1947
Área Temática: DIR CRIM - TEORIA GERAL.
Legislação Nacional: CP886 ARTIGO 6 N1.
DESP DE 1946/04/16.
PORT 11147 DE 1945/10/27.
Sumário :
A excepção 1 do artigo 6 do Codigo Penal (de 1886) não e aplicavel as infracções previstas em leis de emergencia.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, em tribunal pleno:

O Excelentissimo Procurador da Republica junto da Relação de Lisboa recorreu extraordinariamente, nos termos do artigo 669 do Codigo de Processo Penal, do acordão dessa Relação, de 30 de Outubro de 1946, proferido no processo contra A para cobrança de multa imposta por transgressão dos preceitos sobre o racionamento de gasolina.
Nesse acordão, diz aquele magistrado, julgou-se que não era de cobrar a multa, porque constitui pena imposta por um acto que constituia transgressão e que actualmente ja o não e, operando portanto, a favor do transgressor, o disposto no artigo 6, n. 1, do Codigo Penal, acordão este em oposição com os proferidos em 20 e 24 de Julho do mesmo ano - de que junta certidões - nos quais a Relação julgou que a disposição daquele artigo do Codigo penal não tem aplicação as penas impostas em leis temporarias ou de emergencia.


Admitido o recurso na Relação, apresentou o recorrente a sua alegação, conforme o preceituado no artigo 765 do Codigo do Processo Civil, aplicavel por força do artigo 669 e paragrafo unico do 668, estes do Codigo de Processo Penal. Sustenta que, nesses acordãos, o ponto debatido e o mesmo: se as infracções puniveis por leis de natureza temporaria, seja qual for o objecto a que respeitam, se aplica ou não o preceituado no artigo 6, n. 1, do Codigo Penal; nos acordãos de 20 e 24 de Julho, julgou-se que não, de harmonia com a doutrina defendida pelo magistrado do Ministerio Publico; no de 30 de Outubro, decidiu-se o contrario. E pois manifesta a oposição e espera que esta se considere existente.


O magistrado do Ministerio Publico junto deste Supremo Tribunal pronunciou-se pela existencia da indicada oposição, entendendo que, por isso, devia ser mandado seguir o recurso.


(Assim decidiu, em acordão, a acção respectiva do Supremo Tribunal - acordão que passou em julgado).


No seguimento do recurso, alegou este ilustre magistrado, tirando, da sua douta alegação, estas conclusões: a) Não deve aplicar-se, as infracções puniveis em leis penais de duração limitada, a excepção 1 do artigo 6 do Codigo Penal; b) São leis penais de duração limitada as que punem factos licitos ou indiferentes perante os principios politico- -sociais dominantes, mas que, devido a certas circunstancias, o legislador entendeu dever punir; c) O acto legislativo que determina o termo da vigencia de uma lei de duração limitada não e lei nova, visto que não adopta principios politico-sociais diferentes dos da lei revogada; d) Não havendo lei nova a eliminar um facto do numero das infracções, não se aplica aquela excepção; e) Deve por isso dar-se provimento ao recurso, revogar-se o acordão recorrido e tirar-se o Assento em que se defina a doutrina consignada na alinea a).


Correram os vistos dos juizes, conforme o aplicavel artigo 767, 2 parte, do Codigo de Processo Civil.


Tudo visto:


No acordão recorrido de 30 de Outubro - no processo executivo contra A, instaurado por o arguido não pagar voluntariamente a multa que lhe fora aplicada pelo Conselho de Racionamento do Instituto Portugues de Combustiveis por infracção do n. 13 das regras de racionamento de gasolina publicadas no Diario do Governo, de 31 de Dezembro de 1941, a Relação de Lisboa, em recurso, fazendo aplicação da excepção 1 do artigo 6 do Codigo Penal, em virtude do despacho do Ministerio da Economia, publicado no Diario do Governo, de 10 de Abril de 1946, que determinou a suspensão, a partir desta data, do regime de racionamento de gasolina, ao tempo em vigor, passando a ser absolutamente livre a compra deste combustivel, mandou arquivar os autos, julgando extinta a pena.
Nos acordãos de 20 e 24 de Julho, aos crimes de especulação - venda de batata por preço superior ao legalmente fixado - cometidos na vigencia da lei que os punia, e que punidos deixaram de o ser pela Portaria n. 11147, de 27 de Outubro de 1945, que estabeleceu o regime de compra e venda livre de batata, - não se julgou aplicavel aquela excepção.


Confirma-se a existencia da oposição.


Passa a conhecer-se do conflito de jurisprudencia, cuja resolução envolve o caso concreto dos autos.


Termos em que o conflito vem posto.


Pelo magistrado do Ministerio Publico, na Relação:


Se as infracções puniveis por leis temporarias ou de emergencia se aplica a excepção 1 do artigo 6 do Codigo Penal?


Pelo magistrado do Ministerio Publico, no Supremo Tribunal: Se esta excepção e aplicavel as infracções puniveis em leis de duração limitada?
Dispõe o citado artigo 6: A lei penal não tem efeito retroactivo, salva as seguintes excepções:


1 - A infracção punivel por lei vigente, ao tempo em que foi cometida, deixa de o ser se uma lei nova a eliminar do numero das infracções. Tendo havido ja condenação transitada em julgado, fica extinta a pena, tenha ou não começado o seu cumprimento.


Com a doutrina que reputamos mais exacta e rigorosa, chamaremos: leis temporarias, as leis limitadas a um determinado periodo de vigencia: ou porque o tempo seja nelas prefixado ou se circunscreva a duração de certo acontecimento previamente identificado; e leis de emergencia, as destinadas a vigorar enquanto se mantiverem as circunstancias extraordinarias ou excepcionais, de interesse publico, que as determinaram: circunstancias de duração indefinida, mais ou menos longa.
E a pressão destas circunstancias que as determina; e, nisso esta, a sua caracteristica essencial e diferencial das leis temporarias.


O conflito incide sobre acordãos que decidiram, sem duvida, sobre leis de emergencia, e portanto deve ele ser assim posto: se a referida excepção e aplicavel as infracções puniveis por leis de emergencia?
A "infracção", referida na excepção 1: e a violação de uma determinada norma etico-juridica, de principios basilares de ordem social, com a natural consequencia dessa violação - a sanção penal.


O legislador cura da essencia da infracção, dos factos precisos que a constituem, da ilicitude desses factos, e, dominado por certa etica e principios, classifica tais factos como constituindo a infracção.
Se, passado tempo, atendendo a considerações de ordem politica e social, numa compreensão mais perfeita das necessidades sociais e juridicas, informado doutra etica e principios, o legislador se convence e conclui que errou na qualificação desses factos - de ilicitos e anti-sociais, altera o seu primitivo conceito, rectifica o seu anterior juizo acerca de tal qualificação, e, em lei nova, elimina a infracção (formada por estes factos) do numero das infracções.


Nesta hipotese, o criterio do legislador modificou-se, consideraram-se não reprovados pela consciencia colectiva e não anti-sociais os referidos factos - praticados tanto depois da vigencia da lei nova, como ja no dominio da lei anterior que punia a infracção; e, quer se trate de leis comuns, quer de emergencia, aplica-se a excepção 1.


Mas, e e a regra nas leis punitivas de emergencia, se a infracção - com a respectiva sanção, vem a ser eliminada (como sucede no caso dos autos), não porque o legislador adoptasse outro criterio quanto a ilicitude e anti - sociabilidade dos respectivos factos, mas apenas porque mudaram ou desapareceram as circunstancias que levara a classifica-los daquele modo, então ja não e de aplicar a excepção 1; os factos continuariam a ser reprovados pela consciencia colectiva, nocivos ao interesse nacional, se se mantivessem as circunstancias que originaram a lei punitiva; e ate se diria, em face da mutabilidade das circunstancias, ligada aos factos, que a lei nova não poderia precisar e atingir estes, e, com eles, a "infracção".
E, em caso de duvida ou ambiguidade da lei sobre a excepção, deve prevalecer a regra da não retroactividade estabelecida no artigo 6 do Codigo Penal.


Veja-se a doutrina consagrada na secção criminal deste Supremo Tribunal: nos acordãos, publicados nos Boletins Oficiais de Março e Maio de 1947, de 5, 26 de Fevereiro e 26 de Março desse ano.


Pelos fundamentos expostos, concedem provimento ao recurso, revogam o acordão recorrido, e firmam o seguinte:


Assento:
A excepção 1 do artigo 6 do Codigo Penal não e aplicavel as infracções previstas em leis de emergencia.



Lisboa, 18 de Julho de 1947

Sampaio e Melo (Relator) - Heitor Martins - Oliveira Pires - Pedro de Albuquerque - Amaral Cabral - A. Cruz Alvura - Azevedo e Castro - Raul Duque - Magalhães Barros- Tavares da Costa - Roberto Martins - Rocha Ferreira (vencido. O Codigo Penal nada dispõe quanto a leis de emergencia. As disposições da lei penal sobre os efeitos da pena devem aplicar-se em tudo quanto seja favoravel ao reu. Tendo a infracção, como tal classificada, deixado de ser punida, em consequencia de uma providencia ministerial, e de aplicar a excepção 1 do artigo 6 do Codigo Penal, visto o artigo 18 so a declarar inadmissivel para qualificar qualquer facto como crime).


Artur A. Ribeiro (vencido. A distinção entre leis de emergencia e não de emergencia, embora feita pela doutrina, e demasiadamente filosofica, pois de emergencia são, afinal, todas as leis humanas, visto que elas so surgem quando as necessidades as impõem, e desaparecem pela sua revogação quando essas necessidades cessam.


Razão, pois, não ha para se exceptuar da aplicabilidade da
1 excepção do artigo 6 do Codigo Penal, essas leis. De resto, ha um pressuposto que na interpretação da lei nunca se pode por de parte: o de que o legislador não tem esquecimentos ou ignorancia. E, assim a lei traduz sempre o que ele quis. Ora, sendo assim, como o e, desde que o legislador não disse expressamente, como o fez o das Leis ns. 683 e 922 que aquela excepção do artigo 6 não se aplica ao caso vertente, ha que concluir pela sua aplicação as chamadas leis de emergencia).


Teixeira Direito (Vencido pelos fundamentos dos dois colegas que não votaram o acordão).