Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
225/15.4T8VNG.P1-A.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ROSA TCHING
Descritores: DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
REGISTO DA ACÇÃO
REGISTO DA AÇÃO
NEGLIGÊNCIA
AUDIÇÃO PRÉVIA DAS PARTES
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
DECISÃO SURPRESA
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
Data do Acordão: 03/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – ACÇÃO, PARTES E TRIBUNAL – PROCESSO EM GERAL / INSTÂNCIA / EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA.
Doutrina:
-António Júlio Cunha, Direito Processual Declarativo, 2.ª Edição, p. 56;
-Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 3.ª Edição, p. 157 e 158;
-Paulo Ramos de Faria, O Julgamento da Deserção da Instância Declarativa, Breve Roteiro Jurisprudencial, in http://julgar.pt/wp-content/uploads/2015/04/O-JULGAMENTO-DA-DESER%C3%87%C3%83O-DA-INST%C3%82NCIA-DECLARATIVA-JULGAR.pdf;
-Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 66.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 6.º, N.º 1, 7º, N.º 1, 278.º, N.º 3 E 281.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 21-10-1993, IN CJSTJ, ANO I, TOMO III, P. 84;
- DE 12-01-1995, ANO III, TOMO I, P. 19;
- DE 20-09-2016, PROCESSO N.º 1742/09.0TBBNV-H.E1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 14-12-2016, PROCESSO N.º 105/14.0TVLSB.G1.S1,IN WWW.DGSI.PT;
- DE 25-02-2018, PROCESSO N.º 473/14.44T88CR.L1.S2.
Sumário :
I. Não obstante o Código de Processo Civil, na redação dada pela Lei nº 41/2013, de 26.06, ter posto em destaque o dever do Juiz de dar prevalência, tanto quanto possível, a decisões finais de mérito sobre decisões meramente processuais (art. 278º, n.º 3), o dever de gestão processual, dirigindo ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere (art. 6º, n.º 1), e de cooperação com as partes, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio (art. 7º, n.º 1), isso não pressupõe que o juiz tenha de se substituir às partes no cumprimento do ónus de promoção do andamento do processo.

II. Tendo sido notificado às partes, designadamente ao mandatário do autor, o despacho de suspensão da instância para efeitos de o autor proceder ao registo da acção, não impende sobre o Tribunal o dever de fazer constar desse despacho a advertência de que a inércia do autor, por mais de 6 meses, determinaria a deserção da instância, porquanto não só se tornou bem claro ser, exclusivo, ónus do autor providenciar pela feitura desse registo como o mesmo não podia deixar de saber, até porque está representado por advogado, que, em face da decretada suspensão da instância com o dito fundamento, teria que demonstrar a realização do referido registo dentro do prazo de seis meses estabelecido no art. 281º, n.º 1 do C. P. Civil, a fim de impulsionar o andamento dos autos antes de decorrido este mesmo prazo, sem prejuízo de, justificadamente alegar e provar que, não foi possível fazê-lo sem culpa/ negligência.

III. No contexto da deserção da instância, inexiste fundamento legal, nomeadamente à luz do princípio do contraditório, para a prévia audição das partes com vista a aquilatar da negligência da parte sobre quem recai o ónus do impulso processual.

IV. A negligência a que se refere o art. 281º, n.º 1 do C. P. Civil, é a negligência retratada objectivamente no processo (negligência processual ou aparente), pelo que a assunção pela parte de uma conduta omissiva que, necessariamente, não permite o andamento do processo, estando a prática do ato omitido apenas dependente da sua vontade, é suficiente para caracterizar a sua negligência.

V. Estando o autor onerado com o ónus de proceder ao registo da ação e tendo deixado decorrer o prazo de seis meses estabelecido no art. 281º, n.º 1 do C. P. Civil, sem ter comprovado a realização desse registo ou mostrado que não foi possível fazê-lo sem culpa sua, é-lhe imputável, e não ao Tribunal, o efeito cominatório resultante do incumprimento do ónus especial de impulso processual que sobre ele recaía e que, no caso, consiste, na deserção da instância.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça



I – Relatório


1. AA intentou, em 11.01.2015, ação declarativa sob a forma comum contra BB - Contabilidade, fiscalidade e Gestão, Lda, pedindo que se declare nulas as deliberações sociais constantes da Ata nº 9 da sociedade ré ou, em alternativa, se proceda à anulação destas mesmas deliberações sociais.

2. Citada, a ré contestou.

 

3. Findos os articulados, em 5 de julho de 2016, foi proferido despacho judicial com o seguinte teor:

« Notifique o autor para proceder ao registo da ação – art. 9º do CRC, ficando a instância suspensa».

4. Em 23 de janeiro de 2017, foi proferido despacho judicial com o seguinte teor:

«Atenta a falta de impulso processual das partes e o disposto no art. 281º, nº 1 do CPC, julgo deserta a instância».


5. Inconformado com esta decisão, dela apelou o autor para o Tribunal da Relação do Porto, tendo o Senhor Juiz Desembargador relator proferido, em 29.05.2017, decisão sumária que julgou procedente a apelação e, em consequência, revogou a decisão recorrida, ordenando o prosseguimento da ação, designadamente com a notificação das partes para se pronunciarem sobre a paralisação processual.


6. Inconformado com esta decisão, o autor reclamou para a conferência, na sequência do que o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão proferido em 27.09.2017, manteve a decisão singular que revogou a decisão recorrida.  


7. Inconformado com esta decisão, dela interpôs o autor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações de recurso  com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

«1. Não obstante o devido respeito por opinião contrária, não pode a Recorrente concordar com o Acórdão proferido a fls.. do processo, razão pela qual pugna pela sua substituição por outro que confirma sentença proferida em sede de primeira instância.

2. No entender da Recorrente, a decisão da Relação do Porto não promoveu por uma correta aplicação da lei processual, mormente dos artigos 281.°, 195.°, 199.° do Código de Processo Civil (doravante CPC), concluindo, dessarte, por uma decisão que não se considera justa.

3. Determina, o n.° 2 do referido artigo 671.° do CPC que os acórdãos que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual só podem ser objeto de revista (b) quando estejam em contradição com outro já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, ou (a) nos casos em que o recurso é sempre admissível.

Ora, nas alíneas do n.° 2 e do n.° 3 do artigo 629.° do CPC, procedeu, o legislador, à identificação das decisões relativamente às quais é sempre possível recurso, independentemente do valor da causa e da sucumbência, prevendo-se, então, na alínea d) do n.° 2, como situação em que o recurso é sempre admissível, aquela em que o acórdão da Relação se encontra em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

4. Salvo melhor opinião, o que se discute, no âmbito dos presentes autos, é da validade da decisão judicial, de fls. 82 do processo, que julgou deserta a instância e da consequência da falta de arguição, pelo A., no prazo de dez dias a contar daquele despacho, de nulidade por omissão de ato devido.

5. No entender do Tribunal a quo, não só o tribunal de primeira instância andou mal quando determinou a deserção da instância, como, mais considerou, que a arguição da existência de uma irregularidade processual, com influência no exame ou decisão da causa, pode ser feita em sede de alegações recursórias, apresentadas para lá do prazo de dez dias previsto na lei processual civil para a arguição de nulidades.

6. Não obstante a vénia que o mui douto Tribunal nos merece, certo é que o seu sentido decisório não é acompanhado por toda a jurisprudência.

7. Concretamente, em situação fáctica em tudo idêntica, o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa decidiu, no âmbito do processo n.° 3422/15.9T8LSB.L1-7, sem prejuízo do mais, que a decisão que declara a deserção da instância tem efeito declarativo não constitutivo, de modo que, após a ocorrência da deserção (inércia de seis meses e um dia) e antes de ser ela judicialmente reconhecida, os atos putativamente processuais praticados, de forma espontânea, pela parte anteriormente relapsa são potencialmente desprovidos do seu efeito jurídico processual típico, sendo inidóneos a precludir a declaração de deserção, sendo que a omissão de tal despacho integra a nulidade que deve ser arguida pela parte sob pena de não ser, posteriormente, passível de recurso por inexistência de despacho a sancionar a nulidade.

8. Salvo melhor opinião, é a Recorrente da opinião que o acórdão acima citado, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do processo n.° 3422/15.9T8LSB.L1-7, datado de 20-12-20169, constitui válido fundamento para solicitar que a matéria sob discussão nos presentes autos seja submetida à consideração deste Supremo Tribunal de Justiça, por, no fundo, ser a mesma a questão de direito que motivou a decisão de improcedência, no caso do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (doravante apenas designado como acórdão fundamento), e de procedência, no caso do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto.

9. Tanto o processo da ação referida no acórdão fundamento como o da presente se encontram sujeitos às regras processuais constantes do Código de Processo Civil, publicado em anexo à lei n.° 41/2013, de 26 de junho.

10. Mais ali se pode ler que foi por não se conformar com a decisão que põe termo ao processo, dela apelou a autora, formulando as suas conclusões, onde, em síntese, entende ser errada a interpretação que o tribunal fez do art. 281.°, n.° 1 do CPC, no sentido de ser de decretar a deserção da instância sem prévio convite à parte para se pronunciar quanto à existência de negligência, e também quanto à inatividade da parte.

11. Por seu lado, nos presentes autos, a decisão do douto tribunal a quo decorre do facto de o A. não se ter conformado com a decisão proferida em 23.01.2017, com o seguinte teor "Atenta a falta de impulso processual das partes e o disposto no art. 281" n." 1 do CPC, julgo deserta a instância. ", sendo que, previamente a este, [Por despacho exarado em 5 de julho de 2016 foi determinado a notificação do autor " para proceder ao registo da ação - art. 9" do CRC, ficando a instância suspensa". ( cfr. relatório do Acórdão constante de fls. do processo)

12. No entender da Recorrente, o que se analisou no âmbito do processo que deu origem ao acórdão fundamento é, em tudo, semelhante ao que se discutiu nos presentes autos e deu origem à decisão recorrida, a saber: (i) em ambos os processos foi proferido despacho que decretou deserta a instância e extinto o processo, sendo que (ii) o que esteve na base de tais despachos foi a ausência de intervenção processual do Autor, no processo, por mais de seis meses e (iii) os despachos que declararam extintas as instâncias não foram precedidos de qualquer expresso alerta à cominação constante do artigo 281.° do CPC, bem como de qualquer convite prévio à pronúncia sobre a negligência processual (iv) que a falta desse convite ou do alerta à cominação constante do artigo 281.° constitui nulidade processual.

13. Igualmente, em ambos os processos, o tribunal de recurso decidiu pronunciar-se sobre as alegações recursivas dos respetivos autores, tendo, em ambas as decisões, sido proferidas considerações sobre a correta interpretação do artigo 281.° do CPC e sobre o momento em que os autores deveriam ter arguido a dita nulidade processual.

14. Sucede que, e aqui reside a génese e fundamento do presente recurso, se no âmbito do processo n.° 3422/15.9T8LSB.L1, os Excelentíssimos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa, entenderam que a decisão da deserção, ainda que obrigatória, se limita ao reconhecimento de um facto extintivo da instância que ocorreu quando se verificaram seis meses após o último ato processual do autor, e que a falta de atuação preventiva do tribunal - no sentido da audição das partes, previamente à prolação do dito despacho constitui uma nulidade processual, essa nulidade processual tem de ser obrigatoriamente arguida no prazo de dez dias contados da data em que foi proferida a decisão de extinção da instância, sem prejuízo de qualquer ulterior recurso.

15. E isto porque, se bem o interpretamos, entendeu o Coletivo que, na medida em que apenas a arguição e reconhecimento da nulidade têm o efeito de anular os termos dos atos subsequentes que dela dependam absolutamente; apenas essa arguição é capaz de salvar o processo da extinção, na medida em que, a deserção ocorre pela simples ausência de intervenção processual, não justificada, pelo prazo de seis meses, o que a decisão se limita a declarar.

16. Ou seja, e uma vez mais se bem o interpretamos, para que a instância não fosse declarada extinta, era obrigatório anular no processo os pressupostos que conduzem à deserção da instância (o decurso do tempo) e esse efeito retroativo ablativo apenas pode ser alcançado por via da atempada arguição da nulidade; tempo esse que é de dez dias e se conta a partir da decisão de extinção da instância, não se confundindo com o recurso da decisão final nem podendo servir como seu fundamento, porque consolidado na ordem jurídica, uma vez que, acrescentamos nós, se tratam de nulidade que não são de conhecimento oficioso.

17. Por seu lado, na decisão recorrida, o douto tribunal a quo considerou que a omissão do dever de audição das partes prévio das partes, quanto à intenção do tribunal de declarar a deserção da instância, pode ser feita em sede de alegações recursórias, o que, salvo o devido respeito por opinião contrária, se mostra absolutamente contrário àquela outra decisão proferida no âmbito do processo n.° 3422/15.9T8LSB.L1 e, destarte, justifica a pronúncia de Vossas Excelências a respeito, e, a final, a prolação de decisão que, revogando o acórdão recorrido, confirma a sentença proferida em sede de primeira instância.

Mas mais, e sem prescindir

18. O n.° 2 do artigo 671.° do CPC determina, ainda, a admissibilidade do recurso proferido pelo Tribunal da Relação quando esteja em contradição com outro já transitado em julgado proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça.

19. Por acórdão datado de 20.09.2016, proferido no âmbito do processo n.° 1742/09.0TBBNV-H.E1.SI, pronunciou-se este Digníssimo Tribunal a propósito da verificação dos pressupostos de deserção da instância.

20. Na douta decisão, que se anexa, e se bem a entendemos, sufragaram, Vossas Excelências, entendimento contrário àquela que foi a interpretação proferida pela Relação de Lisboa, no processo supra identificado, e a Relação do Porto, no âmbito dos presentes autos,

21. O referido processo teve início no ano de 2009, todavia, atentas as regras referentes à aplicação da lei no tempo, constantes da Lei n.° 41/2013, de 26 de junho, também aí a questão referente à deserção da instância foi avaliada à luz do artigo 281.°, com a redação constante do Código de Processo Civil publicado em anexo à Lei n.° 41/2013, de 26 de junho.

22. Neste processo n.° 1742/09.0TBBNV-H.E1.S1, pronunciou-se este Supremo Tribunal de Justiça no sentido de tratando-se na declaração de deserção simplesmente de fazer atuar um efeito processual que, associado a certo comportamento omissivo da parte, está diretamente estabelecido na lei e que em nada se resolve numa questão de facto, numa questão de prova nem numa questão de direito material suscitada pela contraparte, nem tão-pouco numa decisão-surpresa, nada há a contraditar. Isto só não seria assim se acaso a lei determinasse que nenhum despacho relativo aos termos do processo poderia ser proferido sem uma prévia audição das partes. Mas não determina, estando ela própria recheada de hipóteses em que ao silêncio ou inação das partes se segue imediatamente (isto é, sem prévia audição das partes) a declaração judicial do efeito processual cominatório que lhe está associado.

23. Salvo o devido respeito, se bem o entendemos, foi, ali, sufragado o entendimento que é desnecessário, previamente à prolação de despacho que declare deserta a instância, a prolação de qualquer outra decisão de convite às partes para que se venham a pronunciar sobre a ausência de impulso processual.

24. Neste mesmo sentido, no acórdão datado de 14.12.2016, proferido no âmbito do processo n.° 105/14.0TVLSB.G1.S1, pronunciou-se, novamente, este Digníssimo Tribunal a propósito da verificação dos pressupostos de deserção da instância, determinando, sem prejuízo do mais, que o aludido preceito não prescreve que a decisão a considerar deserta a instância seja proferida, notificando-se previamente as partes para se pronunciarem sobre se estão efetivamente verificados os pressupostos que a determinam.

25. No referido processo que teve início no ano de 2014, a questão referente à deserção da instância foi avaliada à luz do artigo 281.°, com a redação constante do Código de Processo Civil publicado em anexo à Lei n.° 41/2013, de 26 de junho.

26. Salvo o devido respeito, se bem o entendemos, foi, ali, sufragado o entendimento que é desnecessário, previamente à prolação de despacho que declare deserta a instância a prolação de qualquer outra decisão de convite às partes para que se venham a pronunciar sobre a ausência de impulso processual.

27. Assim que, face ao vindo de dizer, aqui reside, igualmente, a génese e fundamento do presente recurso, pois que, se, no âmbito dos presentes autos, se pronunciaram os Exmos. Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto, no sentido de ser necessária a audição das parte, previamente, à prolação do despacho que decreta a deserção da instância, e que não ocorrendo tal ato, estamos perante uma verdadeira omissão processual, na veste de nulidade processual, que, dessarte, determina a revogação da decisão recorrida, com o consequente prosseguimentos dos autos, com a notificação das partes para se pronunciarem sobre a paralisação processual,

28. Contrariamente, já em momentos anteriores foram proferidos Acórdãos por este Supremo Tribunal de Justiça, concretamente no processo n.° 1742/09.0TBBNV-H.E1.S1 e no processo n.° 105/14.0TVLSB.G1.S1, que foram no sentido da inexistência de qualquer dever de audição prévia das partes, o que, a ser assim e porque é assim, retira qualquer mácula à decisão proferida no âmbito dos presentes autos e, consequentemente, determina a extinção da instância.

29. Salvo o devido respeito por opinião contrária, esta absoluta contradição entre aquela que foi já a pronúncia de Vossas Excelências a respeito e aquela que se encontra sufragada na decisão recorrida, justifica e fundamenta o presente recurso, e, a final, a prolação de decisão que, revogando o acórdão recorrido, confirme a sentença proferida em sede de primeira instância.

30. Razão pela qual face ao vindo de dizer, sufraga a Recorrente a posição vertidas nos acórdãos fundamento, mas, sem prescindir, oferece a V. Exas. as seguintes considerações quanto ao thema decidendum:

31. Salvo devido respeito por opinião contrária, e atenta a evolução acima referida, o despacho recorrido procedeu à correta aplicação do estatuído no referido artigo 281.° CPC.

32. Nos termos do artigo 281.° do Código de Processo Civil, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.° 41/2013, a instância considera-se deserta quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses, sendo que a deserção é julgada no tribunal onde se verifique a falta, por simples despacho do juiz ou do relator.

33. Do vertido resulta, tal qual foi já o entendimento deste Supremo Tribunal de Justiça, não existir qualquer obrigatoriedade de prévia audição das partes, já que, desde logo, nenhuma surpresa há com a aplicação da comunicação, uma vez que esta decorre da simples aplicação da lei.

34. Previamente às alterações introduzidas na regulação do processo civil pela Lei n.° 41/2013, a deserção da instância encontrava-se regulamentada no artigo 291.° do Código de Processo Civil, onde se previa que " Considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quanto esteja interrompida por dois anos ".

35. O comportamento processual omissivo e negligente sempre foi um pressuposto do instituto da deserção da instância; todavia, se, na vigência do anterior Código de Processo Civil, essa negligência se tornava necessária para operar a interrupção que, num segundo nível, fazia operar a deserção, independentemente de qualquer decisão judicial, o legislador de 2013 optou por eliminar o nível da interrupção e reduzir, drasticamente, o hiato temporal necessário para que a deserção da instância pudesse operar, numa evidente e clara tentativa de evitar a delonga dos processos judiciais.

36. Assim, quando se diz que " a deserção deixou de se verificar de forma automática ", o que se pretende demonstrar, com a utilização dessa expressão, é que o legislador de 2013 decidiu eliminar a referência à desnecessidade de despacho.

37. Isto é, quando a doutrina e a jurisprudência se referem à natureza não automática da deserção, o que, de facto, pretendem sublinhar é que, hodiernamente, a mesma carece de ser afirmada por despacho - tal qual o foi presentemente, por via do despacho que determinou a deserção da instância.

38. Porque assim é, o efeito constitutivo extintivo da deserção permanece no decurso do prazo e na ausência de impulso processual.

39. É certo que, porque a lei o obriga, há a necessidade de essa deserção ser alvo de despacho; todavia, essa decisão destina-se, apenas, a concluir o que naturalmente decorre dos pressupostos da deserção.

40. Assim e face ao vindo de dizer, aquando da prolação do despacho judicial com a referência 370274692, que determinou que os autos ficassem a aguardar pelo registo da ação, principiou-se o prazo de seis meses de deserção previsto no artigo 281.° do CPC, deserção que se verificou a 06.01.2017, de forma automática e sem necessidade de qualquer adicional inquirição.

41. Assim, no momento em que o Autor tomou a iniciativa de vir aos autos relatar a sua pretensa dificuldade, já os autos se encontravam desertos e essa deserção declarada!

42. Do que se retira que, o referido requerimento de 24.01.2017 e o requerimento com a referência de envio n.° 24709242 foram apresentados já após a extinção da instância, sendo, por conseguinte, atos inexistentes e sem qualquer validade.

43. Como parece, aliás, decorrer do acórdão recorrido, há muito que estava retratado nos autos, a paralisação processual, a objetiva ausência de impulso/andamento processual!

44. Ainda que se admita a opinião do douto tribunal a quo em considerar que a objetividade não permite o decretamento da negligência, certo é que, essa não foi a opinião do legislador, e, acima de tudo é a lei que tem de ser cumprida.

45. Para efeito de determinação de um comportamento processual negligente de nada relevam os pretensos esforços que o Autor teve à margem do processo, pois que, aqui também vale a máxima quod non est in actis non est in mundo.

46. O comportamento negligente que opera para efeitos do artigo 281.° do CPC, é, como a própria norma o indica, o comportamento processual; assim, a negligência é valorada atentas as atuações ou omissões que as partes trazem ao processo, já que, apenas o que consta do processo interessa!

47. Neste sentido, se pronunciou, alias, este Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do processo n.° 1742/09.0TBBNV-H.E1.S110

Acresce que,

48. Na medida em que inexiste, no processo, qualquer prova documental de onde decorra a atuação atempada do A. e porque quod non est in actis non est in mundo, não se pode aceitar o entendimento sufragado no douto acórdão antecedente, pois que, volvido o prazo imposto pela lei, e consultado o processo, nada havendo neste em sentido contrário, nenhuma outra poderia ser a decisão, para lá da de extinção da instância.

Mais,

49. De acordo com a douta decisão recorrida, o douto tribunal a quo entendeu que a douta sentença recorrida padecia de vício na medida em que, previamente à sua prolação, foi omitido ato prévio de audição das partes, tal qual, aliás, foi arguido pelo A. nas suas alegações de recurso.

50. Sucede que, s.m.o. a omissão dos referidos deveres não podia ser conhecido pelo tribunal a quo na medida em que esta não é uma nulidade de conhecimento oficioso e não foi, atempadamente, arguida junto do tribunal de primeira instância, tal qual, aliás, foi sufragado naquele acórdão do Tribunal da relação de Lisboa, proferido no âmbito do processo n.° 3422/15.9T8LSB.L1.

51. Ainda que o entendimento, que o processo civil se encontra total e completamente na disponibilidade das partes, tenha vindo a sofrer alterações, o processo civil, mantém-se, ainda hoje, como um processo de partes. Assim, que o artigo 4.° do Código de Processo Civil continue a prever que o tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdade, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou sanções processuais e o artigo 6.°, do mesmo diploma, ao mesmo tempo que faz recair sobre o juiz dever de gestão processual, proíbe que, por via do exercício desse dever, se elimine o ónus de impulso processual imposto por lei às partes.

52. Destarte, ainda que o artigo 7.° do Código de Processo Civil estabeleça o dever de cooperação mútua entre os diversos intervenientes processuais, não pode este preceito ser usado como mecanismo de subversão da dinâmica de forças que é o processo civil ou impedir a aplicação, no domínio do processo, da máxima constante do artigo 6.° do Código Civil. Mesmo no domínio processual civil, a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas.

53. Face ao exposto, não pode a Recorrente concordar com o entendimento que vai no sentido da primeira instância dever comunicar às partes que o processo aguardava o seu impulso. Salvo devido respeito por opinião contrária, um tal dever não resulta plasmado em qualquer preceito do Código de Processo Civil, não podendo, por conseguinte, servir de fundamento à revogação do despacho recorrido.

54. O provimento de um tal entendimento constituiria, em suma, um claro e evidente ato de violação da lei processual civil, mormente do princípio do dispositivo e da igualdade de partes, na medida em que, a comunicação, decorrente da falta de impulso processual, é expressa e, claramente, decorre da lei.

55. Desta forma, não se verifica in casu, por via da decisão proferida em sede de primeira instância, qualquer violação ao princípio do contraditório! Defendê-lo, in casu, equivale a dizer que há violação do princípio do contraditório quando opera a revelia porque o réu deduziu contestação fora de prazo ou que se dá por provado um facto por falta de impugnação da prova documental!

56. O A. podia, querendo, ter evitado a deserção da instância...bastava que, em tempo, tivesse praticado o ato processual que se lhe impunha. Não o tendo feito, não pode o A. desviar o foco cominatório para o julgador. O juiz não é parte no processo, não é sua função prestar assistência legal às partes, nem é esse o alcance que o legislador visou imprimir no artigo 7.° do Código de Processo Civil.

Não obstante e sem prescindir,

57. Ainda que se entendesse que o Tribunal omitiu, indevidamente, o dever de cooperação ou desrespeitou o princípio do contraditório, não poderia, tal omissão ser sindicada nos moldes pretendidos pelo A. e que mereceram acolhimento junto do tribunal a quo.

58. Isto porque, nesse enquadramento, o que se ataca não é, afinal, o despacho recorrido, mas a omissão de um ato processual que lhe deveria ter antecedido.

59. Ora, as normas constantes da Secção VII, do Capítulo I, do Título I do Código de Processo Civil são passíveis de aplicação aos atos do tribunal.

60. Nos termos do artigo 195.° do Código de Processo Civil, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreva constituem uma nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa, sendo que a declaração de nulidade do ato, ao abrigo do n.° 1 do artigo 195.° do CPC, determina a nulidade dos termos subsequentes que dele dependam absolutamente,

61. Tendo, esta nulidade secundária, de ser expressamente arguida pelas partes e no prazo de 10 dias a contar do seu conhecimento.

62. Ora, não se tendo verificado o efeito constitutivo do decurso do prazo de deserção, o A. recorreu de um despacho quando a instância já se encontrava finda desde 06.01.2017. Quisera o A. atacar os efeitos da deserção por força da omissão de um dever, deveria ter sindicado pela omissão de um ato processual - o pretenso dever do tribunal em ouvir as partes —, em momento oportuno e local próprio, nos termos do artigo 195.° do Código de Processo Civil, o que, assim, lhe permitiria lançar mão do efeito ablativo da nulidade que apagaria a deserção, entretanto, verificada.

63. Todavia, na medida em que, quando confrontado com o despacho de deserção da instância, o A. se limitou a requerer o prosseguimento dos autos, deixou de arguir a nulidade de omissão do ato processual por parte do tribunal e, assim, de poder invocar, nesta sede, como fundamento de recurso, a referida omissão e de permitir à douta Relação sobre ela sindicar».


Termos em que requer seja revogado o acórdão recorrido e a sua substituição por outra decisão que reitere a decisão proferida em sede de primeira instância, considerando verificada a deserção operada nos autos.


8. O autor não respondeu. 


9. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.



***



II. Delimitação do objecto do recurso


Como é sabido, o objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do C. P. Civil, só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa[1].


Assim, a esta luz e prejudicado que ficou, com a prolação do despacho de admissão do recurso de revista interposto pela ré, o conhecimento das 1ª a 30ª conclusões de recurso, a única questão a decidir consiste em saber se, estando o processo a aguardar o impulso processual há mais de seis meses, o Tribunal, antes de julgar deserta a instância, deve ouvir as partes por forma a avaliar se a falta de impulso processual é imputável  a comportamento negligente da parte omissa.



***



III. Fundamentação


3.1. Fundamentação de facto


Dos elementos constantes dos autos resulta que:

 1. AA intentou, em 11.01.2015, ação declarativa sob a forma comum contra BB - Contabilidade, fiscalidade e Gestão, Lda, pedindo que se declare nulas as deliberações sociais constantes da Ata nº 9 da sociedade ré ou, em alternativa, se proceda à anulação destas mesmas deliberações sociais.

2. Citada, a ré contestou.

 

3. Findos os articulados, em 5 de julho de 2016 foi proferido despacho judicial com o seguinte teor:

« Notifique o autor para proceder ao registo da ação – art. 9º do CRC, ficando a instância suspensa».

4. Este despacho foi notificado ao autor, na pessoa do seu mandatário, Dr. BB, através do Citius e em 06.07.2016. 

5. Em 23 de janeiro de 2017, foi proferido despacho judicial com o seguinte teor:

«Atenta a falta de impulso processual das partes e o disposto no art. 281º, nº 1 do CPC, julgo deserta a instância».


6. Em 24 de janeiro de 2017, o autor apresentou nos autos um requerimento com o seguinte teor:

«1. Por despacho desse Douto Tribunal, foi o Autor notificado para proceder ao registo dos presentes autos.

2. Prontamente, envidou o Autor todos os esforços para proceder ao registo comercial ordenado.

3. Todavia, tal não se revelou possível já que é entendimento das Conservatórias do Registo Comercial que o registo não pode ser efectuado por a entidade sobre a qual se requer o registo já se encontra cancelada.

4. O Autor tentou por todas as vias cumprir o ordenado no despacho, mas sem sucesso.

5. Por último, tentou mesmo efetivar o registo, em janeiro de 2017, na Conservatória do Registo Comercial de …, tendo recebido despacho de rejeição, como já tinha sido verbalmente advertido de que aconteceria – que se junta como Doc. único, - cujo prazo de recurso ainda não findou.

6. Desta forma, não pode o Autor, por não ser aceite pela Conservatória do Registo Comercial, cumprir com o douto despacho que ordena o registo da presente acção.


Nestes termos, requer-se o prosseguimento dos autos, sem o registo da acção, por tal registo não ser aceite na Conservatória do Registo Comercial»


7. Com este requerimento juntou cópia do despacho de rejeição, nos termos do at. 46º do C. R. Comercial, proferido pela Adjunta do Conservador, datado de 11.01.2017 e do seguinte teor:

«Rejeito a requisição de registo por o requerimento apresentado não respeitar o modelo aprovado.

O facto requerido – acção- está sujeito a registo nos termos da alínea e) do art. 9º do CRComercial, mas será um registo por transcrição por se tratar de um pedido de declaração de anulação de deliberação social que baseou o pedido de dissolução e liquidação da entidade comercial (alínea g) do nº 5 do art. 53ºA, do referido diploma, por interpretação à contrario). O modelo apresentado foi o modelo 2 quando deveria ter sido o modelo 1.

Ainda assim sempre seria de recusar por a entidade sobre a qual se requer o registo já se encontrar cancelada desde a Ap. 15/20141212, perecendo assim o objecto do registo.

Nos termos do art. 101 e segs do Código do Registo Comercial, pode V. Exª recorrer no prazo de 30 dias a contar desta notificação».  


8. Em 26 de janeiro de 2017, o autor apresentou novo requerimento com o seguinte teor:

«1. Foi o Autor notificado do despacho que julga deserta a instância, nos termos do artigo 281º, nº 1 do CPC.

2. Ora, antes de proferido o Despacho mencionado, deveriam as partes ter sido pronunciadas para se virem pronunciar aos autos.

3. Neste sentido, veja-se o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de …, no processo 368/12.6TBVIS.C1:

4. “Para ser julgada deserta a instância, nos termos do art. 281º, nº1 do CPC é necessário não só que o processo esteja parado há mais de seis meses a aguardar o impulso processual das partes, mas também que tal se verifique por negligência da mesma m promover o seu andamento.

5. Não sendo automática a deserção da instância pelo decurso do prazo de seis meses, o tribunal, antes de proferir o despacho a que alude o nº4 do art. 281º do CPC, deve ouvir as partes de forma a melhor avaliar se a falta de impulso processual é imputável a comportamento negligente”

6. Caso o Autor tivesse sido notificado para se pronunciar, poderia ter vindo prestar o esclarecimento devido aos autos para a sua aparente inércia.

7. Mormente, poderia ter vindo explicar que estava a providenciar pelo registo ordenado por Despacho nos presentes autos.

8. Registo esse que entendem as Conservatórias do Registo Comercial não ser possível, conforme requerimento e respectivo documento junto aos autos pelo Autor a 24-01-2017.

9. Aliás, à data de hoje, o Autor tem ainda prazo para recorrer do Despacho de Rejeição do registo realizado pelo Autor.

10. Com o que se vem de explicar, facilmente se conclui que não houve inércia do Autor.

11. Na medida em que, havia o Autor praticado atos, nomeadamente de registo no stricto cumprimento do Despacho ordenado, dentro do prazo legal de suspensão ( e não há mais de seis meses, como reza o nº 2 do art. 281º do CPC).

12. Sucede que o Autor tem que realizar atos extrajudiciais para poder cumprir com o Despacho proferido nos presentes autos.

13. Atos que se realizam no enquadramento geral do processo, não existindo, assim, qualquer inércia por parte do Autor, pois naturalmente não depende da sua vontade, mas sim, de terceiros, in casu das Conservatória do Registo Comercial, a concretização do registo ordenado nestes autos.

14. Tendo o Autor constatado, já no decurso da tramitação do registo, ser inviável a prossecução do mesmo, por a entidade sobre o qual se requer o (presente) registo já se encontrar cancelada, conforme Despacho de Rejeição supra referenciado e já junto aos autos.

Neste termos, requer-se legalmente o prosseguimento dos autos»   


9. Sobre os requerimentos supra referido nos ponto 6 e 8 recaiu, em 26.04.2017, despacho do seguinte teor:

« Em 06.07.2016 foi o A. notificado para proceder ao registo da acção, ficando suspensa a instância.

Nestes casos entendemos que o tribunal não tem que proceder a nova notificação, uma vez que se trata de uma obrigação do A., pelo que, se algum problema houvesse, este teria de comunicar aos autos.

Deste modo, passados 6 meses sem que o A. viesse juntar comprovativo do registo e/ou dizer o que quer que fosse, ao abrigo do disposto no art. 281º do CPC, o tribunal por despacho de 23.01.2017, julgou deserta a instância, notificado o autor em 24.01.

Só com o recebimento de tal notificação, o A. veio (de mediato) justificar o não registo da acção.

Ora, o despacho de rejeição pela CRC data de 11.01.2017, pelo que o A. deveria ter logo de imediato comunicado aos autos a razão do não registo da acção, o que não fez, só o tendo feito quando foi notificado pelo tribunal.

Deste modo, mantenho o despacho de fls. 82.

Notifique as partes.

(…) »



***



3.2. Fundamentação de direito


Conforme já se deixou dito, a única questão a decidir, no âmbito do presente recurso, consiste em saber se, estando o processo a aguardar o impulso processual há mais de seis meses, o Tribunal, antes de julgar deserta a instância, deve ouvir as partes por forma a avaliar se a falta de impulso processual é imputável a comportamento negligente da parte omissa.


No sentido afirmativo, pronunciou-se o acórdão recorrido, razão pela qual revogou a decisão de 1ª instância que, ante o decurso do prazo de 6 meses sem que o autor tivesse vindo aos autos juntar comprovativo do registo e/ou dizer o que quer que fosse, ao abrigo do disposto no art. 281º do C. P. Civil, julgou deserta a instância.


Diversamente, sustenta a ré recorrente inexistir qualquer obrigatoriedade de prévia audição das partes.   


Vejamos, então, de que lado está a razão, tendo em conta que, no caso dos autos, estamos no âmbito de uma ação de anulação de deliberações sociais proposta em 11.01.2015 e, por isso, sujeita ao regime do atual Código de Processo Civil, introduzido pela Lei nº 41/2013, de 26.06.


*



Como é consabido e decorre do dever de gestão processual consagrado no art. 6º, n.º 1 do C. P. Civil, a partir da propositura da ação cabe ao juiz providenciar pelo andamento regular e célere do processo, sem prejuízo de preceitos especiais imporem às partes o ónus de impulso subsequente, mediante a prática de determinados atos cuja omissão impeça o prosseguimento da causa[2].

É o caso do art. 9º, al. e) do Código de Registo Comercial que estabelece que estão sujeitas a registo as ações de declaração de nulidade ou anulação de deliberações sociais. 

Assim, neste tipo de ações, findos os articulados, sem que exista tal registo, impõe-se, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 269.º n.º 1 alínea d) e 276.º n.º 1 alínea d), ambos do C. P. Civil, decretar a suspensão da instância até que a ação seja registada, sendo certo  competir à parte interessada o ónus de diligenciar pelo registo da ação.

Mas, a verdade é que, mesmo na perspetiva de uma justiça cooperada, a lei não deixa de prever mecanismos para obstar à eternização dos processos em tribunal, quando a parte se desinteressa da lide ou negligencia a sua atuação, não promovendo o andamento do processo quando lhe compete fazê-lo.

 Entre esses mecanismos, encontra-se a deserção da instância que, de harmonia com o disposto no art. 277º, al. c) do C. P. Civil, constitui uma causa de extinção da instância e que, segundo o disposto no art. 281, n.º 1 do citado diploma legal, ocorre «quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mas de seis meses», sendo, nos termos do disposto no n.º 4 deste mesmo artigo, «julgada no tribunal onde se verifique a falta, por simples despacho do juiz ou do relator».  


Ora, é precisamente na interpretação deste art. 281º, n.ºs 1 e 4 que radica a divergência entre a posição assumida pela decisão da primeira instância, que a recorrente pretende, através deste recurso de revista, seja repristinada e a posição defendida no acórdão recorrido.

Assim, seguindo a lógica argumentativa do acórdão recorrido, constatamos assentar esta decisão no pressuposto de que, contrariamente ao que sucedia na vigência do Código de Processo Civil, na redação anterior à introduzida pelo DL nº 41/2013, de 26 de junho – em que o art. 291º, n.º 1 considerava deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando esta estivesse interrompida durante dois anos - , o novo Código de Processo Civil, impõe, no citado art. 281º, n.ºs 1 e 4, para além do decurso do referido prazo de seis meses, a necessidade de apreciar e valorar a existência de omissão negligente da parte em promover os termos do processo, o que só pode ser alcançado mediante a prolação de decisão judicial precedida da averiguação do motivo/causa da falta de impulso processual.  

Não se questiona, tal como se afirma no acórdão recorrido, ter o novo Código de Processo Civil, operado, quanto ao regime jurídico da deserção, uma mudança significativa.

No anterior regime, a inércia das partes sobre quem recaia o ónus processual de impulsionar o processo apenas produzia efeitos depois de ultrapassado um ano, ao que se seguia a prolação de decisão judicial a declarar a interrupção da instância por negligência das partes em promover os seus termos (cfr. art. 285º), iniciando-se, desde então, um novo prazo de dois anos, findo o qual operava, sem mais, a extinção da instância por deserção (cfr. art. 291, n.º1).

Daí decorria, por um lado, que deserção da instância pressupunha a prévia interrupção durante um período de 2 anos, constituindo, por isso, a interrupção da instância requisito antecedente da deserção.

E, por outro lado, que a deserção da instância operava ope legis, isto é, ocorria automaticamente verificada que fosse a inatividade das partes durante o referido lapso de tempo, dispensando qualquer decisão judicial

Diversamente e como nos dá conta o recente Acórdão do STJ, de 25.02.2018 (revista nº 473/14.44T88CR.L1.S2)[3], com o novo Código de Processo Civil, não só «foi abandonada a opção que fazia depender o efeito extintivo do decurso de um (largo) período de interrupção da instância, em que, na realidade, a instância ficava “adormecida” », abolindo-se, por isso,  a figura da interrupção da instância, como reduziu acentuadamente o período situado entre o momento em que se constitui sobre a parte o ónus de promover o andamento da causa e aquele em que ocorre a extinção da instância (art. 281, n.º 1).

Dito de outro modo e ainda nas palavras deste acórdão, «o legislador atuou em dois segmentos diferenciados: para além de reduzir para 6 meses o período de inércia inconsequente, extraiu dessa inércia um efeito extintivo imediato, sem a intermediação de qualquer período de interrupção da instância», passando-se, de imediato da mera situação de inércia, com ou sem suspensão da instância, para a extinção da instância, desde que a inércia seja imputável à parte sobre quem recai o ónus de promoção da actividade processual».

Assim, mais do que uma profunda alteração introduzida, nesta matéria, estamos perante uma verdadeira mudança de paradigma, pois, ainda como se refere no citado acórdão, foi vontade clara do legislador «penalizar as partes pela inércia processual, atribuindo maior relevo ao princípio dispositivo (no que concerne ao ónus de promoção da tramitação processual) e fazendo emergir de forma mais substancial a autoresponsabilidade das partes». 

E se é certo ter o novo Código de Processo Civil, posto também em destaque o dever do juiz de dar prevalência, tanto quanto possível, a decisões finais de mérito sobre decisões meramente processuais (art. 278º, n.º 3), o dever de gestão processual, dirigindo ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere (art. 6º, n.º 1), e de cooperação com as partes, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio (art. 7º, n.º 1), a verdade é que isso não pressupõe que o juiz tenha de se substituir às partes no cumprimento do ónus de promoção do andamento do processo.    

Julgamos, contudo, que, no caso dos autos, a questão não pode deixar de ser colocada em termos de se saber se o juiz devia atuar de forma preventiva de molde a evitar que o processo sucumbisse por deserção da instância, ou seja, se o juiz devia, no despacho que proferiu em 5 de julho de 2016 e em que determinou a notificação «do autor para proceder ao registo da ação – art. 9º do CRC, ficando a instância suspensa», advertir o mesmo de que essa suspensão ocorreria “sem prejuízo do disposto no art. 281º, n.º 1 do Código de Processo Civil”.

Sobre o dever de prevenção do tribunal, ensina Teixeira de Sousa[4], que tal dever tem uma finalidade assistencial e «vale genericamente para todas as situações em que o êxito da acção a favor de qualquer das partes possa ser frustrado pelo uso inadequado do processo. São quatro as áreas fundamentais em que a chamada de atenção decorrente do dever de prevenção se justifica: a explicitação de pedidos pouco claros, o caráter lacunar da exposição dos factos relevantes, a necessidade de adequar o pedido formulado à situação concreta e a sugestão de uma certa atuação».

Trata-se, pois, de um dever que emerge quer do dever de gestão processual consagrado no citado art. 6º, n.º 1, quer do dever de cooperação previsto no mencionado art. 7º, n.º 1. 

Mas a verdade, é que, no caso dos autos, não se descortina a necessidade de a referida notificação ser acompanhada da advertência de que a inércia do autor na realização do registo da ação e respetiva comprovação por mais de 6 meses determinaria a deserção da instância.

Desde logo porque, tendo sido notificado às partes, designadamente ao mandatário do autor, o despacho de suspensão da instância para efeitos de o autor proceder ao registo da presente ação, não só se tornou bem claro ser, exclusivo, ónus do autor providenciar pela feitura desse registo como o mesmo não podia deixar de saber, até porque está representado por advogado, que, em face da decretada suspensão da instância com o dito fundamento, teria que demonstrar a realização do referido registo dentro do prazo de seis meses estabelecido no art. 281º, n.º 1 do CPC, a fim de impulsionar o andamento dos autos antes de decorrido este mesmo prazo, sem prejuízo de, justificadamente alegar e provar que, não foi possível fazê-lo sem culpa/ negligência.

Ora, no caso dos autos, o que resulta da matéria de facto provada é que, desde a notificação do supra referido despacho judicial ao mandatário do autor, Dr. CC, efectuada através do Citius, em 06.07.2016, decorreu o prazo legal máximo de seis meses sem que o autor tivesse tomado qualquer iniciativa processual ou invocado qualquer motivo justificativo da sua inércia processual, pelo que não poderemos deixar de considerar que tal inação é imputável, em exclusivo, ao autor.

Foi precisamente com base neste fundamento que o tribunal de 1ª instância, através de despacho proferido em 23 de janeiro de 2017, julgou deserta a instância ao abrigo do disposto no art. 281º, nº 1 do CPC.

Não deixa, contudo, de ser controversa, tal como, aliás, evidencia o presente recurso, a questão de saber se o tribunal, antes de julgar deserta a instância, devia ter promovido a audição da parte omissa, no caso o autor, por forma a avaliar se a falta de impulso processual foi devida a negligência sua, pelo que importa tomar posição sobre a mesma.

Mas, a este respeito diremos, contrariamente à tese defendida no acórdão recorrido e perfilhando-se o entendimento seguido no Acórdão do STJ, de 14.12.2016 (proc. n.º 105/14.0TVLSB.G1.S1)[5], não se justificar interpretação corretiva do citado art. 281º, n.º 1 do C. P. Civil no sentido de impor a audição das partes, decorrido o prazo de seis meses  a antes de ser proferida decisão a julgar deserta a instância.

Desde logo porque, tal como se afirma neste acórdão, «o aludido preceito legal não prescreve que a decisão a considerar deserta a instância seja proferida, notificando-se previamente as partes para se pronunciarem sobre se estão efectivamente verificados os pressupostos que a determinam».

Depois, porque « não se vê que este entendimento não seja razoável ou desproporcionado ou que o prazo não seja suficientemente amplo para viabilizar aos interessados o conhecimento de que os autos estão suspensos para poderem levar ao tribunal o conhecimento de situações que justifiquem manter-se a suspensão da instância para além do referido prazo» e porque «se a lei aqui não cuidou de impor a prévia audição das partes foi porque considerou que a fixação peremptória da deserção da instância nos termos assinalados a impor, no caso de inércia, a prolação de decisão leva a que esta não possa considerar-se inesperada ou surpreendente».

E ainda porque «o princípio do contraditório tem em vista questões de facto ou de direito que sejam suscitadas no processo, impondo-se ao Tribunal decidi-las, não tem em vista, o que é completamente diferente, impor ao Tribunal, no âmbito de um incidente inominado que não está previsto na lei, convidar os interessados que, no aludido período de seis meses optaram por não juntar aos autos nenhum documento nem suscitar qualquer questão, explicar o seu comportamento ou apresentar os documentos ou suscitar as questões que podiam ter suscitado e não suscitaram».       

De igual modo e sufragando-se a orientação seguida no Acórdão do STJ, de 20.09.2016 (proc. nº 1742/09.TBBNV-H.E1.S1) [6], importa realçar que a negligência de que fala o citado art. 281º, n.º1 do CPC « é necessariamente a negligência retratada ou espelhada objectivamente no processo (negligência processual ou aparente)» e que «se a parte não promove o andamento do processo e nenhuma justificação apresenta, e se nada existe no processo que inculque a ideia de que a inacção se deve a causas estranhas à vontade da parte, está apoditicamente constituída uma situação de desinteresse, logo de negligência».   

No mesmo sentido, escreve Paulo Ramos de Faria[7], que a conduta negligente consubstancia-se na omissão que não resulta de facto de terceiro (estranho à parte) ou de força maior que impede o demandante de praticar o ato. Deste modo, a assunção pelo demandante de uma conduta omissiva que, necessariamente, não permite o andamento do processo, estando a prática do ato omitido apenas dependente da sua vontade, é suficiente para caracterizar a sua negligência. Tal conduta omissiva e negligente só «cessará com a prática do ato que, utilmente, estimule a instância, ou com a superveniência de uma circunstância que subtraia à vontade da parte a possibilidade da sua prática».

Ora, resultando da matéria de facto provada que, no caso vertente, o autor deixou decorrer o prazo legal máximo de seis meses estipulado no art. 281º, n.º1 do C. P. Civil sem ter comprovado o registo da ação e sem ter levado ao conhecimento do Tribunal nenhum elemento que permitisse ao juiz do processo contrariar esta situação de negilência aparente espelhada no processo, por não ter sido ainda realizado o registo da ação, dúvidas não restam que ao Tribunal impunha-se declarar deserta a instância, facto, aliás, exclusivamente imputável ao autor.

E se é certo ter o autor, na sequência da notificação do despacho que julgou deserta a instância, vindo ao processo justificar o não registo da ação, não se vê que, nas circunstâncias dos autos, tal ato possa ser considerado idóneo para impedir o julgamento de deserção da instância, pois que o mesmo não deixa de conferir maior evidência à negligência do autor na medida em que, tendo o despacho de rejeição do registo da ação sido proferido pelo Conservador do Registo Comercial em 11.01.2017, o autor poderia/deveria ter dado conhecimento dele ao Tribunal a tempo de evitar a prolação do despacho que julgou deserta a instância.

Não o tendo feito, nem tendo tão pouco alegado que teve conhecimento deste despacho de rejeição em data posterior a 23.01.2017 (data da prolação do despacho que declarou a extinção da instância por deserção), evidente se torna ser-lhe imputável, e não ao Tribunal, o efeito cominatório resultante do incumprimento do ónus especial de impulso processual que sobre ele recaía e que, no caso, consiste, na deserção da instância.


Termos em que procede a argumentação aduzida pela recorrente, não podendo, por isso, manter-se o acórdão recorrido.   



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III – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em conceder a revista e, revogando o acórdão recorrido, em manter o despacho proferido pelo Tribunal de 1ª instância que julgou extinta a instância por deserção.


Custas a cargo do autor recorrido.


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Supremo Tribunal de Justiça, 8 de março de 2018

(Texto elaborado e revisto pela Juíza relatora).

Maria Rosa Oliveira Tching (Relatora)

Rosa Maria Ribeiro Coelho

João Luís Marques Bernardo

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[1] Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respectivamente.
[2] Neste sentido, cfr. Lebre de Freitas in “ Introdução ao Processo Civil”, 3º ed., págs. 157 e 158 e António Júlio Cunha, in, “ Direito Processual Declarativo”, 2ª ed.,  pág. 56.
[3] Relatado por Abrantes Geraldes e ainda não publicado.
[4] In “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, pág. 66.
[5] Publicado in www dgsi. pt. No mesmo sentido, Acórdão do STJ de 20.09.2016 (proc. nº 1742/09.0TBBNV-H.E1.S1).
[6] Publicado in www dgsi. pt.
[7] In “O Julgamento da Deserção da Instância Declarativa, Breve Roteiro Jurisprudencial”,
http://julgar.pt/wp-content/uploads/2015/04/O-JULGAMENTO-DA-DESER%C3%87%C3%83O-DA-INST%C3%82NCIA-DECLARATIVA-JULGAR.pdf.