Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
167/11.2TTTVD.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: FERREIRA PINTO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PROVA GRAVADA
ÓNUS A CARGO DO RECORRENTE
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 07/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / CONSENTIMENTO DO LESADO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / FUNDAMENTOS DA REVISTA.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 340.º, N.º 1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 640º, N.ºS 1, ALÍNEAS A) E C), E 2, ALÍNEA A), 674.º, N.º 3, E 682.º, N.º 2;
REGIME DE REPARAÇÃO DE ACIDENTES DE TRABALHO E DE DOENÇAS PROFISSIONAIS, APROVADO PELA LEI N.º 98/09, DE 04-09: - ARTIGOS 8.º, N.º 1, E 10.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


-DE 22-09-2015, PROCESSO N.º 29/12.6TBFAF.G1.S1, IN
SSTJ - SUMÁRIOS CÍVEIS, ANO DE 2015, WWW.STJ.PT;
-DE 29-10-2015, PROCESSO N.º 233/09.4TVNG.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
-DE 09-02-2017, PROCESSO N.º 471/10.7TTCSC.L1S1, IN WWW.DGSI.PT.



Sumário :

I) Na verificação do cumprimento dos ónus de alegação previstos no artigo 640º do CPC, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

II) O apelante que inclui nas conclusões do seu recurso os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, que insere a decisão que pretende seja proferida sobre esses mesmos factos, que nelas remete para a alegação a indicação dos meios de prova, nomeadamente, dos depoimentos gravados que determinam, segundo o mesmo, uma decisão diversa da impugnada, e fazendo aí a transcrição dos trechos da gravação considerados relevantes para a impugnação, e fazendo a sua delimitação, cumpre todos os ónus estabelecidos no artigo 640º, n.ºs 1, alíneas a) a c), e 2, alínea a), do CPC

III) Os artigos 340º, n.º 1, do Código Civil, e 8º, n.º 1, e 10º, estes da Lei n.º 98/09, de 04 de setembro, não exigem certa espécie de prova para a existência do nexo de causalidade entre o acidente e a situação clínica do sinistrado, nem fixam a força probatória de qualquer meio de prova, limitando-se o primeiro a repartir o ónus da prova, o segundo a definir o conceito de acidente de trabalho, e o terceiro a indicar a quem compete a prova da origem da lesão.

IV) O Supremo Tribunal de Justiça só pode sindicar a matéria de facto fixada pela Relação nos precisos termos estabelecidos nos artigos 674º, n.º 3, e 682º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil.
Decisão Texto Integral:

Processo n.º 167/11.2TTTVD.L1.S1 (Revista) - 4ª Secção[1]

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça


I

Relatório[2]:

1). Através de participação efetuada no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte – Juízo do Trabalho de Torres Vedras, iniciou-se, em 04 de maio de 2011, a instância da presente ação, com processo especial, emergente de acidente de trabalho, em que é Autor AA, com benefício do Apoio Judiciário, e Réus ”BB – Sucursal em Portugal” e “CC – Sociedade Unipessoal, Lda.”, representado pelo Administrador de insolvência, peticionando que estas sejam condenadas a pagar-lhe:

A seguradora:


a) € 20.034,11, de indemnização por ITA’s;
b) € 1.867,96, a título de subsídio de elevada incapacidade permanente - IPATH;
c) € 4.657,17, pela pensão, anual e vitalícia, a pagar desde o dia imediato ao da alta;
d) Juros de mora legais até integral pagamento.

             

A Ré Empregadora:

                              
a) € 28,386,11, de indemnização por ITA’s;
b) € 2.646,74, a título de subsídio de elevada incapacidade permanente - IPATH;
c) € 6.598,83, pela pensão, anual e vitalícia, a pagar desde o dia imediato ao da alta;
d) Juros de mora legais até integral pagamento.

Subsidiariamente,


- As prestações globais que vierem a ser fixadas, conforme ao que vier a ser decidido em sede de incapacidade permanente e de IPATH e repartido entre elas na proporção correspondente à quota-parte das respetivas responsabilidades, assim como os seus respetivos juros moratórios devidos.

Como fundamento desta sua pretensão, alegou, em síntese, que no dia 18 de maio de 2010, cerca das 17h00, na ..., quando trabalhava na sua profissão de ..., por conta da Ré “CC”, mediante a remuneração mensal de € 1.200,00 por 14 meses, foi vítima dum acidente quando procedia à remoção dos painéis de chapa zincada, na obra do empregador, na “DD”, juntamente com mais 2 trabalhadores.

Quando seguravam um painel de chapa de zinco que estava a ser desmontado e colocado no chão, a fim de ser completamente desmanchado, os três operários não aguentaram o peso, tendo ficado sozinho a aguentar com o peso da dita chapa e sofrido mau jeito na coluna vertebral de que resultou entorse lombar com impotência funcional dolorosa.

Alegou, por fim, que desse acidente resultaram, para si lesões e incapacidade permanente, e que o seu empregador tinha transferido para a Ré seguradora a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho.

2). A Ré seguradora contestou impugnando os factos alegados pelo Autor e alegando que em maio de 2010 a Ré, Empregadora, tinha a sua responsabilidade infortunística laboral relativa ao Autor transferida para si pelo salário de € 475,00 x 14 meses, que só no dia 12 de janeiro de 2011 é que aquela lhe participou um eventual acidente ocorrido com o Autor, em 12 de maio de 2010, pelas 15h00, em ..., que se traduziu em ter sofrido uma queda, em virtude do que se magoou, nas costas, e que não aceita o alegado acidente como de trabalho.

                Alegou ainda que o Autor trabalhou entre maio e outubro de 2010, não lhe sendo devida a ITA que pediu nesse período, e pediu, a final, a absolvição do pedido.

3). Demonstrada a insolvência da empregadora, determinou-se a intervenção do “Fundo de Acidentes de Trabalho”[3] na posição processual que caberia à empregadora, e, quanto a esta, foi, ulteriormente declarada a inutilidade superveniente da lide.

4). O FAT apresentou também a sua contestação, na qual impugnou os factos alegados pelo Autor, afirmou que não era devido o pagamento de indemnização por ITA no período de maio a outubro, em que o Autor se encontrou a trabalhar, pôs em causa o modo de cálculo do subsídio de elevada incapacidade permanente e alegou que o FAT não garante o pagamento de juros de mora das prestações pecuniárias em atraso, devidos pela entidade responsável.

5). Foi proferido despacho saneador, em que foram selecionados os factos assentes e organizada a Base Instrutória.

Ordenada a realização de junta médica e organizado o apenso, relativo à fixação da incapacidade do Autor, foi-lhe, por decisão ali proferida, fixada uma IPP de 15 %, com IPATH.

Procedeu-se à audiência de julgamento e por sentença proferida, em 29 de março de 2017, julgou-se a ação totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência:


1) Não se reconheceu a existência de acidente de trabalho, absolvendo ambos os Réus do pedido;
2) Imputou-se ao Autor a responsabilidade pelas custas do processo, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia;
3) Fixou-se o valor da causa em € 75.671,45.

II

O Autor, inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso de apelação, tendo formulado, a terminar a alegação, as seguintes conclusões[4]:


1. “Conforme ao que consta dos autos e ao alegado “supra” neste recurso os factos dados como não provados constantes dos Pontos 1 e 2, alínea B), do Capítulo IV, da sentença devem considerar-se todos eles como provados.
2. E em consequência deve revogar-se a sentença e substituir-se a mesma por outra que julgue a ação procedente por provada condenando as R.R. nos respetivos pedidos.
3. O MMº Juiz “a quo” ao fundamentar a, aliás, douta decisão, no incumprimento pelo A. do disposto no n.º 1, do artigo 342º do C.C. violou este normativo, assim como na prolação dessa decisão violados foram os artigos 283 do C. do T. e o art.º 615 n.º 1 al. d) in fine do C.P.C. este na parte em que a sentença conheceu da falta de fundamentação das conclusões do exame pericial na medida em que tal não tinha sido reclamado pelas R.R. nos termos do art.º 485 n.º 2 do C.P.C.)
4. O MMº Juiz não podia ter substituído o parecer que venceu no Exame Pericial pelo parecer que aí resultou vencido, pois a validade dessa nova decisão teria que ser tomada com o formalismo exigido pela lei para os Exames Médicos, sendo por isso a decisão nula, nos termos do disposto no art.º 195º do C.P.C. dado que tal procedimento teve uma influência decisiva na decisão, assim como se encontra abrangida pela nulidade da sentença prevista no art.º 615 n,º 1 al. d) “in fine” que torna a sentença nula.
5. A decisão recorrida violou o princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de Direito Democrático consagrado no art.º 2º da C. da R. na medida em que o A. viu frustrada a sua confiança nas normas jurídicas vigentes e válidas cujos efeitos jurídicos nelas previstos e prescritos não resultaram da sentença.
6. E a aliás, douta decisão, violou, igualmente o disposto na Constituição, nos art.ºs 20º, n.º 4, “in fine”, 202º, n.º 2, em parte, e 204º, violações que se invocam para os efeitos previstos no art.º 75º-A, n.º 1, da Lei 28/82 de 15/11, já que o recurso para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, se tal se tornar necessário, está dependente de outros requisitos.”

Termina com o pedido do provimento do recurso e, consequentemente, da revogação da sentença recorrida.

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A R. seguradora defendeu nas suas contra-alegações a rejeição do recurso por o Autor/Recorrente não ter dado cumprimento aos ónus impostos no artigo 640.º n.ºs 1, alínea b), e 2, alínea a), do Código de Processo Civil.

Caso assim se não entendesse devia a sentença recorrida ser confirmada.

 

Por sua vez, o FAT não apresentou resposta à alegação do Autor.

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               O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 20 de novembro de 2017; decidiu.

               - a) Julgar improcedente a “questão prévia” da rejeição do recurso quanto à impugnação da matéria de facto, por o Recorrente ter indicado, nas suas conclusões, os concretos pontos de facto que impugnava, ter mencionado a decisão que em sua substituição devia ser tomada, e, quanto aos meios de prova, apesar de nada fazer constar nas conclusões, “[n]ão se lhe impunha que o fizesse na medida em que a invocação, de tais meios de prova integra a fundamentação da impugnação, sendo de considerar, por isso, que o ónus previsto na alínea b), do n.º 1, do artigo 640.º se tem por cumprido desde que seja feito constar no corpo das alegações, como aconteceu”.

- b) Julgar parcialmente procedente a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, acrescentando aos factos provados os factos ínsitos nos n.ºs 8º e 9º[5];

- c) Conceder provimento à apelação do recorrente e, em consequência, revogar a sentença recorrida, e condenar os Réus “BB– Sucursal em Portugal” e o “Fundo de Acidentes de Trabalho”, este em substituição da insolvente “CC – Sociedade Unipessoal Lda.”, a pagarem ao Autor AA:


1. Uma pensão anual e vitalícia no montante de € 8.904,00, devida a partir de 15 de abril de 2014, a pagar nos termos do art.º 72.º, n.ºs 1 e 2 da LAT, cabendo € 3.160,92 à seguradora (35,5%) e € 5.743,08 ao FAT em substituição do empregador (65,5%), pensão que é atualizável para:

· € 8.939,62 a partir de 1 de janeiro de 2016, cabendo € 3.173,56 à seguradora e € 5.766,05 ao FAT em substituição do empregador.
· € 8.984,32 a partir de 1 de janeiro de 2017, cabendo € 3.189,43 à seguradora e € 5.794,89 ao FAT em substituição do empregador.

2. Um subsídio de elevada incapacidade permanente de €. 4.122,60, a suportar integralmente pela seguradora;
3. A quantia de € 44.278,36 a título de indemnização pela ITA sofrida pelo sinistrado, cabendo € 15.718,22 à seguradora e € 28.559,54 ao FAT em substituição do empregador;
4. Juros de mora, à taxa legal, a contabilizar desde o vencimento das prestações em que a R. seguradora foi condenada, a suportar apenas por si e até integral pagamento (art.º 135. ° do CPT).

                d) Absolver os RR. do demais peticionado.

Fixou-se em € 186.858,16 o valor da ação (artigo 120.º do Código de Processo do Trabalho).

               

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O Fundo de Acidentes de Trabalho, após notificação do acórdão proferido, veio requerer a sua retificação alegando que o cálculo da indemnização por ITA se encontrava errado.

               Verificando-se a bondade do requerido, por acórdão de 21 de fevereiro de 2018, deferiu-se o pedido efetuado pelo FAT, retificando-se o número de dias em que o sinistrado esteve com ITA [1.276], o que determinou a alteração dos montantes da pensão, do subsídio de elevada incapacidade permanente, e das indemnizações por ITA.

Consequentemente, o valor da ação passou a ser o de € 185.788,02.

            

III

Inconformada ficou, agora, a Ré Seguradora que interpôs recurso de revista, finalizando a sua alegação com as seguintes conclusões:


A) “Ao admitir a impugnação da decisão de facto, o douto Acórdão revidendo violou, ou, pelo menos, aplicou erradamente, a lei do processo, pelo que, ao abrigo do disposto no art.º 674°, n.º 1- b) do C.P. Civil, impõe-se a sua revogação.
B) No recurso que interpôs relativo à decisão da matéria de facto o A./sinistrado, ali recorrente, não cumpriu as regras impostas no Artigo 640° n.ºs 1/b, e 2/a), do C.P. Civil.
C) Resulta do disposto no Artigo 640° n.ºs 1 e 2/a), do C.P. Civil que, para além da especificação dos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, o recorrente está obrigado a concretizar os meios probatórios com referência a cada um dos pontos concretos da matéria de facto que pretende ver alterada, indicando com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu desacordo com a decisão recorrida.
D) Contudo, nas conclusões da sua alegação o apelante não indicou qualquer meio concreto de prova, mormente qualquer depoimento testemunhal, nem, consequentemente, qualquer passagem das gravações de depoimentos, ou excertos de depoimentos, que, no seu entender, impunham decisão diversa da proferida.
E) Como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.02.2017 no processo 471/10.7TTCSCL1.S1, disponível em www.stj.pt,, a propósito do prazo de interposição de recurso em caso de reapreciação da prova gravada, "5. Se nas conclusões não existir, concreta ou implicitamente, qualquer referência à prova gravada e nem se fizer alusão a qualquer depoimento, não beneficia o recorrente daquele acréscimo" ensinamento que vale para o prazo de interposição do recurso e é válido também, necessariamente, quanto ao ónus de alegar e formular conclusões.
F) Mas, mais que isso, também no corpo das suas alegações, mormente quanto ao ponto B-1) do capítulo IV da sentença de primeira instância, o recorrente não cumpre as regras impostas no Artigo 640° n.ºs 1 b) e 2 a) do C.P.C., porquanto também ali o recorrente não indica com precisão os elementos de prova em que a Relação poderia fundamentar a eventual alteração da decisão impugnada.
G) Para impugnar a decisão de facto relativa ao ponto IV - B - 1) (discriminação dos factos que se consideram não provados) da douta sentença de primeira instância, o A., ali recorrente, sem fazer qualquer rastreio de partes concretas dos depoimentos, limitou-se a transcrever todas as declarações de parte prestadas por si próprio, bem como todo o depoimento de sua mulher, a testemunha EE e todo o depoimento da testemunha FF, sem indicar, em concreto, e com exatidão, as partes das gravações ou os extratos destes depoimentos com base nos quais discordava da decisão recorrida.
H) O apelante não cumpriu, pois, o ónus de alegação quanto à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, pelo que, como expressamente se prevê no Art.º 640°, n.º 1, do Código de Processo Civil, o recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa deveria, nesta parte, ter sido rejeitado.
I) Não o tendo rejeitado, antes tendo dele conhecido, o douto acórdão revidendo violou a lei do processo.
J) Pelo que, ao abrigo do disposto no Artigo 674°, n° 1-b), do Código de Processo Civil, deve agora ser revogado o acórdão revidendo e substituído por douto aresto que não admita o recurso relativo à decisão da matéria de facto e, em consequência, reponha em vigor a decisão constante do ponto IV – B - 1) e 2) da decisão de primeira instância, relativa à Discriminação dos factos que se consideram não provados,

Se assim se não entender:


K) Sempre se impõe a revogação do douto acórdão revidendo, uma vez que enferma de erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, por ofensa de disposição expressa da lei, a saber por violação do disposto nos Artigos 8.º, n° 1, e 10°, ambos da Lei n° 98/2009, de 04/09, bem como do disposto no Artigo 342° n° 1 do Código Civil.
L) No caso ”sub judicio”, posto que não foi, sequer, dada como provada a data exata do acidente, igualmente nenhuma lesão foi constatada no local e no tempo de trabalho.
M) Daí que o sinistrado não beneficie da presunção consagrada no n° 1, do Art.º 10°, da NLAT, em virtude do que, como impõe o n° 2 do preceito, cabia-lhe provar que a sua condição clínica constatada apenas a partir de outubro de 2010 foi consequência de um evento ocorrido em data não apurada do mês de maio de 2010, quando no tempo e no local de trabalho e em consequência desse trabalho.
N) E essa prova não consta dos autos.
O) Todos os documentos clínicos constantes dos autos, mormente os que foram juntos inicialmente pelo sinistrado, o que aconteceu por requerimento de 10 de outubro de 2011 - cf. fls. 35 a 52 - ou seja quase um ano e meio após a ocorrência do invocado acidente de trabalho, são relativos a situações clínicas ocorridas, ou constatadas, no ano de 2011.
P) Para lá da "Declaração" de fls. 41, que, ainda assim, tem a data de 26/01/2011, nenhum outro documento médico relata dados clínicos anteriores a 26 de outubro de 2010, quando é certo que o sinistrado alegava ter sofrido o acidente em 18 de maio de 2010.
Q) Como se decidiu no Acórdão da Relação de Lisboa de 20/05/2009, no processo 1014/03.4TTALM, disponível em www.dgsipt: "... tem de existir uma relação causal sucessiva e ininterrupta entre todos os elementos por aquela ordem, pois o acidente de trabalho é constituído por uma cadeia de factos em que cada um dos respetivos elos tem de estar entre si sucessivamente interligados por um nexo de causa e efeito: o evento naturalístico tem de estar conexionado com a relação de trabalho; a lesão perturbação ou doença terão que resultar daquele evento; e a morte ou a incapacidade para o trabalho deverão resultar da lesão, perturbação funcional ou doença, de tal forma que se esse elo causal se interromper em algum dos momentos do encadeado fáctico atrás descrito, não poderemos falar, sequer, em acidente de trabalho."
R) De igual modo que, como também decidido no Acórdão da Relação de Évora de 07.12.2016, no processo 33/14.0TTPTG.E1, disponível em www.dgsi.pt, "2. Ficando por demonstrar o nexo causal entre o acidente e a lesão, e não tendo esta tida manifestação imediata, não pode ser reconhecido o direito à reparação reclamado pelo trabalhador sinistrado."
S) Transpondo estes ensinamentos para o caso “sub judicio” mais não resta do que concluir que, face à total ausência de documentação clínica que pudesse dar suporte às queixas do sinistrado, ficou, claramente, por demonstrar o nexo causal entre o acidente e a lesão.
T) Ao alterar a decisão de facto constante da sentença de primeira instância considerando provados os factos constantes do ponto 9), ou seja, ao estabelecer o nexo de causalidade entre o acidente e a situação clínica do sinistrado constatada seis meses depois, o douto acórdão revidendo ofendeu o disposto nos Artigos 8º, n° 1, e 10°, ambos da Lei n° 98/2009, de 04/09, bem como o disposto no Art.º 342°, n° 1, do C. Civil, pelo que se impõe que este Supremo Tribunal, em revista, altere a decisão constante do ponto 9) dos Factos Provados, declarando toda esta matéria não provada […]”.

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Parecer do Ministério Púbico:

Neste Supremo Tribunal de Justiça, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta, ao abrigo do disposto no artigo 87º, n.º 3, do CPT, emitiu um profícuo parecer no sentido de não se conceder a revista, por dois motivos:


§ Por o recorrente ter dado cumprimento, quanto à matéria de facto, aos ónus exigidos no artigo 640.º, do CPC, dado que, “segundo a jurisprudência deste Supremo Tribunal, enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursivas, já não se afigura, que a especificação dos meios de prova e, muito menos, a indicação das passagens das gravações, devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não delimitam o objeto do nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória”
§ E por “a discordância da recorrente relativamente aos factos que foram aditados pelo Tribunal da Relação não se inscreveram nos parâmetros apertados em que é possível ao Supremo Tribunal de Justiça sindicar o modo como a Relação fixou os factos materiais da causa, posto que não corre, nem vem invocada, qualquer violação da prova vinculada.”

Notificado às partes, não obteve qualquer resposta.

IV


Do Recurso:

Tendo a instância se iniciado em 06 de maio de 2011 e o acórdão recorrido sido proferido em 22 de novembro de 2017, é aqui aplicável o Código de Processo Civil (CPC), anexo e aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, e o Código de Processo do Trabalho (CPT) na versão aprovada pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de novembro.

~~~~~~

O objeto do recurso:

1) - Se o Apelante, aqui Recorrido, quanto à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, cumpriu todos os ónus fixados no artigo 640º, do CPC;

2) - Se houve erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, por ofensa de disposição expressa da lei.                                                                                                                                                                                                     

Cumpre, assim, decidir.

                                                                                                                                                  

V

Fundamentação:

- Da matéria de facto:

As instâncias deram como provada a seguinte factualidade[6]:


1. CC, Sociedade Unipessoal, Lda. foi declarada insolvente por decisão proferida em 20.06.2013, transitada em julgado em 10.07.2013;
2. Por contrato de seguro celebrado em setembro de 2008, titulado pela apólice … a referida CC, Sociedade Unipessoal, Lda. havia transferido para ré seguradora a responsabilidade civil por danos emergentes de acidente de trabalho incluindo no quadro de pessoal abrangido pelo mesmo o autor com referência a um salário mensal de € 426,00;
3. Em maio de 2010 o referido contrato de seguro mantinha a sua vigência;
4. O Autor encontra-se afetado por uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 15%, com incapacidade permanente para o trabalho habitual (IPATH);
5. A empresa CC, Sociedade Unipessoal, Lda., dedicava-se à atividade de construção civil;
6. Em 15.04.2008 o Autor celebrou contrato de trabalho com a CC, Sociedade Unipessoal, Lda., nos termos do qual iria exercer as funções de servente mediante o pagamento por esta de uma retribuição mensal € 426,00;
7. Em 2010 o Autor trabalhava por conta da CC, Sociedade Unipessoal, Lda., como ... de 2ª auferindo uma retribuição ilíquida variável, proporcional ao número de horas trabalhadas, de valor mensal médio não inferior a € 1.200,00;
8. Em data não apurada do mês de maio de 2010, quando o autor executava as suas funções de ... sob as ordens de CC, Sociedade Unipessoal, Ld.ª., em obra por esta executada, ao remover painéis de chapa zincada com dois outros trabalhadores, os colegas que estavam a ajudar o autor não aguentaram o peso da chapa, tendo o Autor suportado sozinho esse peso;
9. Em consequência dos factos referidos no ponto anterior, o autor sofreu uma carga na sua coluna vertebral superior à que o organismo podia suportar, do que resultou lombalgia permanente e ciatalgia direita e radiculopatia crónica L5 direita, o que lhe determinou uma situação de incapacidade temporária absoluta (ITA) entre 19 e 21 de Maio de 2010 e entre 20 de Outubro de 2010 e 14 de Abril de 2014, data a partir da qual ficou afetado da incapacidade permanente referida no ponto 4) dos factos provados.
10. O A. nasceu em … de ….de 1973.

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Do direito:

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes – artigo 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, aplicáveis “ex vi” dos artigos 81º, n.º 5, e 87º, n.º 1, estes do Código de Processo do Trabalho.

Cumpre, pois, apreciar as questões suscitadas nas conclusões da alegação, excetuadas aquelas cuja decisão se mostre prejudicada pela solução, entretanto dada a outras, nos termos preceituados nos artigos 608º, n.º 2 e 679º, ambos do CPC.

A). Se o apelante, quanto à impugnação da matéria de facto, cumpriu todos os ónus fixados no artigo 640º, do CPC:

Dispõe o artigo 640º do CPC (ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto):


1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:


a. Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b. Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c.  A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a. Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b. Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3. O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.

Por sua vez, artigo 639º do CPC determina (ónus de alegar e formular conclusões):


1. O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a. As normas jurídicas violadas;
b. O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c. Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
3. Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.
4. O recorrido pode responder ao aditamento ou esclarecimento no prazo de cinco dias.
5. O disposto nos números anteriores não é aplicável aos recursos interpostos pelo Ministério Público, quando recorra por imposição da lei.

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                A exigência que o legislador consagrou no artigo 607º, n.º 4, do CPC, quanto à decisão da matéria de facto, impondo ao Tribunal o dever de fundamentação e de análise crítica da prova, tem como contraponto a exigência imposta às partes, que pretendam impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, de cumprirem os ónus estabelecidos nos artigos 639º e 640º, ambos do CPC.

                Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 639º, n.º 1, do CPC, interposto um recurso em processo civil e, consequentemente, em processo do trabalho,” ex vi” do artigo 81, n.º 5, do CPT, impõe-se ao recorrente, desde logo, o ónus de alegar e de concluir, devendo indicar, nas conclusões, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.

Exige-se que a alegação contenha conclusões para, através delas, se delimitar o objeto do recurso [artigos 635º, n.ºs 3 a 5, e 639º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC], fazendo-se o levantamento das questões controversas, assim se evitando, uma impugnação geral, vaga, indefinida e abstrata da decisão.

Por outro lado, as conclusões têm, também, como objetivo facilitar o exercício do contraditório, de modo a não criar dificuldades acrescidas para a outra parte, privando-a de elementos importantes para organizar a sua defesa, em sede de contra-alegações.

               

Ora, a este ónus, de alegar e formular conclusões nos termos impostos pelo artigo 639º do CPC, acrescem os ónus previstos no artigo 640º, que foram estabelecidos especificamente para os casos em que seja impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto.

De acordo com o disposto no artigo 640º, do CPC, a parte, que impugne a matéria de facto, tem que dar cumprimento a um triplo ónus, consistindo no dever de obrigatoriamente:


1. Circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
2. Fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa,
3. Enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.



Há, pois, que fazer uma interpretação desta norma mais consentânea com as exigências dos princípios da proporcionalidade e da adequação.
 

               Sobre estes ónus e sobre as consequências do seu não cumprimento, total ou parcial, têm vindo a consolidar-se no Supremo Tribunal de Justiça, as linhas jurisprudenciais, espelhadas, entre outros, no seguinte acórdão:

          - Acórdão proferido em 29.10.2015, no Processo n.º 233/09.4TVNG.G1.S1[7][8]:

    • Face aos regimes processuais que têm vigorado quanto aos pressupostos do exercício do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objeto e de fundamentação concludente da impugnação - que tem subsistido sem alterações relevantes e consta atualmente do n.º 1, do artigo 640º do CPC; e um ónus secundáriotendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas – indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exata das passagens da gravação relevantes (e que consta atualmente do artigo 640º, n.º 2, alínea a), do CPC).

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~~~~~~~

              No que respeita aos ónus constantes nas alíneas do n.º 1, do artigo 640º, do CPC, ou seja, quando não for cumprido o ónus “primário” ou “fundamental” de delimitação do objeto e de fundamentação concludente da impugnação há lugar à rejeição total ou parcial do recurso.

               Todavia, para que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto seja admitida, não é necessário que todos os ónus estabelecidos no artigo 640º, do CPC, constem obrigatoriamente da síntese conclusiva.

               Nesta conformidade, enquanto a especificação dos concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados deve constar obrigatoriamente da alegação e das conclusões recursivas, já não se torna forçoso que constem da síntese conclusiva a especificação dos meios de prova, e muito menos, a indicação das passagens das gravações.

              Quanto a elas, basta que figurem no corpo da alegação, desde que nas conclusões se identifique, com clareza, os concretos pontos de facto que se impugnam e a decisão que sobre eles se pretende que recaia.

VI

               a) No caso concreto, lidas as conclusões e a alegação do recurso de apelação, verifica-se que o Recorrente deu cumprimento a todos os ónus estabelecidos no artigo 640º, do CPC.

                Nas duas primeiras conclusões consta o seguinte:

               1) “Conforme ao que consta dos autos e ao alegado “supra” neste recurso os factos dados como não provados constantes dos Pontos 1 e 2, de B), do Cap. IV da sentença devem considerar-se todos eles como provados.

               2) E em consequência deve revogar-se a sentença e substituir-se a mesma por outra que julgue a ação procedente por provada condenando as R.R. nos respetivos pedidos.”

               Nestas duas conclusões, verifica-se que o Recorrente indica concretamente os pontos de facto que considera mal julgados [pontos 1 e 2, de B), Capítulo IV] fazendo referência ao modo como estão identificados na sentença, e não como constam na Base Instrutória.

               

           Tendo a sentença feito a junção de vários factos, que constam individualmente da B.I., agregando-os, o seu impugnante deve indicá-los e identificá-los tal como estão na sentença pois a impugnação deve referir-se a esta e não à B. I.

               Como se diz no acórdão recorrido, “[é] certo que, como diz a recorrida, estes factos correspondem aos constantes dos artigos 4. a 13. da base instrutória e o recorrente não faz a estes referência, mas a verdade é que foi a própria sentença que alterou a sua designação agrupando tais factos em dois pontos que nomeou com os números 1. e 2. dos factos “não provados”. É a estes números que o recorrente se reporta, identificando-os corretamente e em estrita correspondência com a designação que lhes foi conferida na peça processual que impugna em via recursória: a sentença proferida em 29 de março de 2017 nos presentes autos e não a base instrutória de setembro de 2015 que dos mesmos consta.”

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b). Por outro lado, o Autor, também indicou a decisão que, no seu entender, deve ser a proferida sobre os factos que impugnou.

A sua pretensão consiste, pois, que se considere “provados” esses factos que na sentença foram julgados como “não provados”.
Havendo BI, nada impede que essa decisão seja explicitada dessa maneira dado que os factos são aí formalizados através de frases interrogativas.

Do exposto resulta que, quer a concretização da matéria facto impugnada quer a decisão que se pretende que sobre ela recaia, constam das conclusões do recurso de apelação.

Verifica-se, pois, que foi dado cumprimento aos ónus estabelecidos no artigo 640º, n, º 1, alíneas a) e c), do CPC.

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C) Quanto ao ónus estabelecido no artigo 640º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, alínea a), ou seja, quanto aos meios de .prova em que o Autor se funda para pedir a alteração, as conclusões da apelação contêm uma referência aos mesmos, remetendo para a alegação.

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Com efeito, na primeira conclusão faz-se-lhes uma referência quando se diz que “conforme […] ao alegado supra neste recurso”, deve dar-se os factos impugnados como provados.

A referência ao “alegado supra”, mais não é do que uma alusão aos meios de prova que constam da alegação, que estão indicados a cada facto e que, no entender do Apelante, impõem decisão diversa da tomada sobre os factos impugnados, contendo, ainda, as transcrições das passagens da gravação em que aquele funda o seu recurso, os excertos dos depoimentos que foram considerados relevantes para a alteração pretendida e constando as passagens das gravações especificamente localizadas.

 Por tudo o que se expôs, deve concluir-se, como se conclui, que o Autor/apelante cumpriu todos os ónus fixados para a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto e que estão previstos no artigo 640º, nº 1, alíneas a) a c) e n.º 2, alínea a), do CPC.

 

               Assim, não merece qualquer censura a decisão do Tribunal da Relação ao conhecer da impugnação efetuada sobre os pontos 1) e 2), da matéria de facto não provada. 

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            No que respeita a esta questão, diz-se, em derradeiro termo, que a jurisprudência do acórdão de 09.02.2017, proferido no Processo n.º 471/10.7TTCSC.L1S1[9], citado pela apelante na alínea E), das suas conclusões, não é aqui aplicável porque não trata da mesma questão e nem mesmo de questão semelhante.

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               Esse acórdão tinha por objeto saber se aquela apelação tinha sido interposta tempestivamente, dadas as suas alegação e conclusões, ao passo que o objeto na presente revista consiste em saber se o apelante cumpriu, ou incumpriu, os ónus consagrados no artigo 640º, do CPC, dadas as presentes alegação e conclusões.

               Na fundamentação do acórdão citado pela Recorrente consta o seguinte:

               “Lendo a alegação e as conclusões do recurso de apelação em causa não se descortina qualquer referência à prova gravada e, por isso, não se verifica, e nem podia verificar-se o cumprimento de qualquer dos ónus estabelecidos no artigo 640º, do CPC”.

                […] No caso em apreço não pode haver lugar à rejeição da reapreciação da matéria de facto gravada porque ela não é objeto do recurso.”

               Estamos, pois, perante realidades ligadas à alegação e às conclusões, mas distintas, e perante fundamentações antagónicas.

               Não se pode, pois, transpor para estes autos aquela jurisprudência e aquela fundamentação.

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                B). Se houve erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, por ofensa de disposição expressa da lei:

           

               A Ré Seguradora alega, também, que se impõe a revogação do acórdão recorrido, pois, segundo ela, enferma de erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, por ofensa a disposição expressa da lei, ou seja, dos artigos 8º, n.º 1, e 10º, ambos da Lei n.º 98/09, de 04 de setembro, bem como do disposto no Artigo 342º, n.º 1, do Código Civil.

Segundo ela, “face à ausência total de documentação clínica que pudesse dar suporte às queixas do sinistrado, ficou, claramente, por demonstrar o nexo causal entre o acidente e a lesão” e, sendo assim, o Tribunal da Relação ao alterar a decisão de facto constante da sentença de primeira instância, considerando provados os factos constantes do ponto 9)[10], isto é, ao estabelecer o nexo de causalidade entre o acidente e a situação clínica do sinistrado , ofendeu o disposto nos artigos já mencionados.

Termina esta parte das alegações, dizendo que é obrigatório, para este Supremo Tribunal, alterar a decisão constante do ponto 9) dos Factos Provados, e declarar esta matéria não provada.

Ora, o artigo 342º, n.º 1, do Código Civil refere-se à repartição do ónus da prova, estipulando que àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito por ele alegado.

               Por sua vez, o artigo 8º, n.º 1, da Lei 98/09, de 04 de setembro, dá-nos o conceito de acidente de trabalho, e o artigo 10º, da mesma Lei, refere-se à prova da origem da lesão.

               Pretende, pois, a Recorrente, que este Supremo Tribunal altere a matéria de facto, sindicando a alteração feita pelo Tribunal da Relação.

               

Contudo, “[o]s poderes do Supremo Tribunal de Justiça, em sede de apreciação/alteração da matéria de facto, são muito restritos. Assim, o Supremo só poderá proceder a essa análise/modificação nas limitadas hipóteses contidas nos artigos. 674.º, n.º 3, 682.º, n.º s 2 e 3, do NCPC, isto é, quando a decisão das instâncias vá contra disposição expressa da lei que exija certa prova para a existência do facto ou fixe a força de determinado meio de prova (prova vinculada), quando entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, ou quando ocorrem contradições da matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito.”

O artigo 674º, n.º 3, dispõe que o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

Por sua vez, o artigo 682º, n.º 2, determina que a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674º, e nos termos do seu n.º 3, o processo só volta ao tribunal recorrido quando o Supremo Tribunal de Justiça entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de deficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito.

Determina, por outro lado, o artigo 662º, n.º 1, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Por último, estabelece o seu n.º 4, que das decisões previstas nos nºs 1 e 2, ou seja, das decisões da Relação sobre a matéria de facto não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça,

Dos normativos legais citados verifica-se que os poderes do Supremo Tribunal de Justiça, em sede de apreciação/alteração da matéria de facto, são muito restritos.

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No caso concreto, no recurso de apelação o ali Recorrente, aqui Recorrido, impugnou a decisão proferida na 1ª instância sobre a matéria de facto nos pontos 1 e 2, alínea B), Capítulo IV, que foram tidos como não provados.

 

O Tribunal da Relação, apreciando e conhecendo da sobredita impugnação, após ter feito uma análise crítica da prova e de acordo com o princípio da sua livre valoração, formou e formulou a sua própria convicção,

Convicção essa que foi divergente da formulada pela 1ª instância, pois esses factos foram, ao contrário do efetuado, julgados como provados.

A Recorrente pretende que este Supremo Tribunal sindique a convicção da Relação, formada sem estar limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida.                                                                                                                                                                                                                                                             

Contudo, o Supremo Tribunal de Justiça não pode fazer essa avaliação porque, além de esta não ser sindicável, nos termos do artigo 662º, n.º 4, do CPC, estaria a conhecer de matéria de facto em situação não enquadrável nas limitadas hipóteses contidas nas normas dos artigos 674º, n.º 3, e 682º, nºs 2 e 3, ambos do CPC.

Por fim, os artigos 340º, n.º 1, do CC, e 8º, n.º 1, e 10º, ambos da Lei n.º 98/09, de 04 de setembro, que determinam a repartição do ónus da prova e que contêm o conceito e estabelecem uma presunção de acidente de trabalho, não exigem certa espécie de prova para a existência do facto dado com provado pela Relação e nem fixam a força de qualquer meio de prova.

                                                                                                                                             


VII

Deliberação:


• Pelo exposto acorda-se em negar a revista e, consequentemente, em manter o acórdão recorrido.
Custas da revista pela Recorrente/Seguradora.
• Registe.

Anexa-se sumário do acórdão.

~~~~~~~


                               Lisboa, 12.07.2018

Ferreira Pinto (Relator)

Chambel Mourisco

Pinto Hespanhol

____________________
[1] - 019/2018 – (FP) – CM/PH
Nossos Negrito e sublinhado.
[2] - Relatório elaborado com base nos das instâncias.
[3] Doravante FAT.
[4] - “Ipsis verbis”.
[5] - Correspondem aos factos impugnados n. ºs.1 e 2, alínea B), Capítulo IV.
[6] - Os factos aditados pelo Tribunal da Relação de Lisboa constam em negrito e em itálico.
[7] - Este acórdão bem como todos os que não tiverem menção de origem são do Supremo Tribunal de Justiça.
[8] - www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/71730dbf9a0f062780257eed005712c6?OpenDocument
-de 22-09-2015, Processo n.º 29/12.6TBFAF.G1.S1, Sumários de Acórdãos Cíveis, ano de 2015.
in www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/Civel2015.pdf..    
[9] http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/7443ae1fb6005742802580c30039bf3a?OpenDocument.
[10] - Corresponde ao facto 2, alínea B), Capítulo IV, da sentença.