Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
173052/11.0YIPRT.C1.S2
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ORLANDO AFONSO
Descritores: COMPENSAÇÃO
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
IMPUTAÇÃO DO CUMPRIMENTO
DIREITO POTESTATIVO
AUTONOMIA PRIVADA
RECONVENÇÃO
DEFESA POR EXCEPÇÃO
DEFESA POR EXCEÇÃO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 10/29/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CAUSA DE EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES / COMPENSAÇÃO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / FUNDAMENTOS DA REVISTA / JULGAMENTO DA REVISTA.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º1, 847.º, 848.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 722.º, N.º 3, 2.ª PARTE, 729.º, N.ºS 2 E 3.
Sumário :
I - A compensação é o meio que o devedor dispõe de se livrar da obrigação por extinção simultânea do crédito equivalente de que dispõe sobre o seu credor, podendo a mesma ser legal ou voluntária, sendo que esta última pode operar, ao abrigo do princípio da autonomia privada, independentemente da verificação de algum dos requisitos exigidos para a primeira.

II - A compensação legal constitui um verdadeiro direito potestativo, dependendo da declaração de uma da partes à outra para se tornar efectiva (art. 848.º do CC).

III - São pressupostos da compensação: (i) a reciprocidade dos créditos (isto é, que o devedor seja credor do seu credor); (ii) a validade, exigibilidade e exequibilidade do crédito do compensante (isto é, que o devedor possa impor ao notificado a realização coactiva do crédito que se arroga contra este); e (iii) a fungibilidade do objecto das obrigações (art. 847.º do CC).

IV - Quando a compensação é invocada pelo réu numa acção judicial, seja por reconvenção ou por excepção, recai sobre o mesmo o ónus de alegação e prova do seu suposto crédito contra o crédito do autor (arts. 847º, n.º 1, e 342.º, n.º 1, do CC).

V - Resultando da matéria fáctica assente que a autora, alegando dificuldades financeiras, solicitou à ré que esta lhe fosse fazendo entregas por conta do remanescente do preço estipulado como contrapartida de um contrato de permuta, que a ré acedeu a tal pedido e que ficou acordado que, posteriormente, seria feito um encontro de contas, não pode dizer-se que se esteja perante a figura da compensação, já que não existe qualquer contra crédito da ré sobre a autora, mas antes tão só e apenas uma imputação que consiste em abater ao montante de um crédito quantias já previamente pagas para, assim, o reduzir à sua justa expressão numérica.

Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes no Supremo Tribunal de Justiça:




A) Relatório:


 Pelo 4º juízo cível do Tribunal Judicial da comarca de Viseu corre processo comum, na forma ordinária, em que é A Construções AA e Irmão, Lda, identificada nos autos, e R BB - Investimentos Imobiliários e Turísticos, Lda, também identificada nos autos. A A requereu injunção contra a Ré, visando a sua notificação para lhe pagar a quantia de €321.768,02, sendo €98.615,02 de juros de mora e €153,00 de taxa de justiça.

No requerimento de injunção consta quanto aos factos que fundamentam a pretensão:

A e R celebraram em 9 de Novembro de 2006 escritura de permuta relativa ao prédio denominado Quinta CC em Viseu, em execução de contrato promessa de 27 de Maio de 2006.

O preço a pagar seria em Lotes e em dinheiro no montante de €1.525.000,00 tendo sido pago o valor de €375.000,00 com a escritura.

Tendo sido contratada a participação da Autora no valor das infra-estruturas do loteamento, até ao valor máximo de €285.000,00 o valor a pagar pela R seria de €865.000,00.

A obrigação de pagamento vencia-se na data da entrega dos Lotes, que ocorreu a 8 de Fevereiro de 2007. Numa interpretação mais favorável à R a entrega dos Lotes pode ter ocorrido a 28/7/2008 data a partir da qual são devidos juros pelo atraso nos pagamentos.

Nessa data a R apenas tinha pago à A a quantia de €100.000,00: Fez pagamentos parciais até ao dia 14/1/2010 mas ainda tem em dívida a quantia de € 223.000,00. Tendo em conta a data em que deveria ter pago venceram-se juros à taxa legal acrescida da sobretaxa devida para as operações comerciais, que no dia 9 de Março de 2011 ascendiam ao montante de € 98.615,02.

Nessa data, a Autora fez interpelação formal à Ré para pagamento dos valores em dívida, o que a R não contrariou mas também não pagou, alegando dificuldades de tesouraria.

Ao valor referido à data de 9 de Março de 2011 (€312.615,02) acrescem os juros devidos à mesma taxa até citação bem como os vincendos, sobre o capital, até integral pagamento.

A Ré deduziu oposição, alegando, em síntese:

- Na sequência e em cumprimento do contrato-promessa celebrado Autora e Ré, em 8.11.06 efectuaram a escritura de permuta na qual a Autora declarou ser dona do prédio misto descrito na C. R. Predial de Viseu sob o n.º … que pelo valor de €3.025.000,00 cedeu à Ré para esta o submeter a uma operação de loteamento urbano, recebendo em troca 4 lotes de terreno a constituir, tendo as partes atribuído a tais lotes o valor de €1.500.000,00, convencionando-se que a Ré ainda lhe pagaria a quantia de €1.525.000,00.

- No acto da escritura e, como da mesma consta, a Ré entregou à Autora a quantia de €375.000,00.

- Foi acordado que o remanescente do dinheiro seria pago na data da entrega dos lotes, após dedução das despesas da responsabilidade da Autora, que eram 45% das relacionadas com os projectos de infra-estruturas do loteamento e realizadas directamente ou por subempreitada – designadamente taxas municipais de urbanização, cauções, seguros, garantias até à aprovação final e levantamento da licença de construção – até ao limite máximo de €285.000,00, salvo variação extraordinária das taxas municipais de urbanização, com o valor de referência estimado de €2.500,00 por cada fogo.

- Foi acordado que o prazo máximo para a entrega dos lotes era de dois anos e meio a contar da data da aprovação do loteamento, o que a Ré cumpriu, tendo também procedido ao pagamento do valor em dívida.

- O alvará de loteamento foi aprovado em 8.2.2007, tendo sido emitido em 11.12.2007.

- O valor das despesas a suportar pela Autora foi de €285.000,00 uma vez que o valor real excedeu o montante acordado, valor este que a Ré deduziu ao montante em dívida.

- Na escritura pública de permuta também foi convencionado que caso não viesse a ser permitida a construção dos 15 fogos previstos para o lote 228, o preço do negócio seria reduzido em €75.000,00.

- Tendo só sido permitida a construção de 12 fogos foi deduzido ao valor em dívida o montante de €75.000,00.

- A pedido da Autora alterou-se a data do pagamento do preço, passando a Ré a ir fazendo entregas por conta desse valor, para mais tarde acertarem as contas.

- Assim, a Ré emitiu cheques que entregou à Autora e que esta sacou, no montante de €622.000,00, pelo que neste momento só deve à Autora €168.000,00.

- Em 4.3.2008 a Ré vendeu uma parcela de terreno pelo valor de €84.700,00 o qual foi entregue à Autora por conta do valor em dívida.

- A Autora tinha celebrado dois contratos promessa de compra e venda os quais tinham por objecto os lotes 229 e 238 do prédio que alienou à Ré, obrigando-se esta à conclusão do posto de transformação para abastecimento daqueles lotes, obrigando-se os compradores, como contrapartida, a contribuir com €12.000,00 para a construção do mesmo.

- Com a compra do prédio a Ré aceitou manter a obrigação de construir aquele posto contra o recebimento dos € 12.000,00, que também entende serem de deduzir ao valor em dívida à Autora, obtendo-se um saldo a favor desta de € 71.300,00.

- O contrato celebrado entre a Autora e a Ré teve por base, no respeitante à participação recíproca nas despesas relativas à empreitada da execução do loteamento, um orçamento que previa o valor para a sua realização de € 426.603,24, valor este aceite por Autora e Ré.

- Foi com base naquele valor que a comparticipação da Autora nas despesas foi fixada no valor máximo de € 285.000,00.

- No entanto, após a celebração do contrato a Câmara Municipal de impôs uma série de condições que determinaram a execução de trabalhos extra cujo valor ascendeu a € 237.265,66, que as partes aceitaram repartir entre si na proporção de 45% para a Autora e 55% para a Ré.

- Quando a Ré solicitou à Autora o pagamento da parte respeitante a estes trabalhos extra – € 106.769,54 – esta recusou-se a fazer o acerto de contas.

- Feitas as contas é a Requerida que tem um crédito sobre a Autora no valor de € 35.469,54.

Conclui pela improcedência da injunção e sua absolvição dos pedidos formulados.

A Autora apresentou articulado, pronunciando-se sobre a oposição deduzida, alegando, em síntese:

- A Ré levanta questões que não individualiza como excepção com o objectivo de desvirtuar a fórmula injuntiva;

- A Autora apenas invocou o contrato e só esse deve valer como conteúdo negocial a interpretar pelo Tribunal,

- O prazo máximo para a entrega dos lotes não foi o convencionado como prazo de pagamento, mas sim o da efectiva entrega dos lotes.

- O número de fogos previsto na escritura e que permite a redução contratual do preço a pagar pela Ré em € 75.000,00 teve por base o pressuposto de que a cada 120 m2 de área comercial corresponderia um fogo habitacional, prevendo-se:

a) para os lotes 223, 234, 236 e 237, um total de 50 fogos habitacionais, sem qualquer área de comércio

 b) para os lotes 226, 227 e 228, um total de 36 fogos habitacionais – embora o negócio tenha sido feito prevendo mais 3 fogos para o lote 228, porque para o 229, que era igual a CM de Viseu havia autorizado a construção de 15 fogos habitacionais – e 2.708 m2 de área comercial a que correspondiam 22,5 fogos habitacionais.

- Assim, a Autora ficaria com 50 fogos e a Ré com 61 fogos, aproximadamente, motivo pelo qual acordaram que as despesas de loteamento seriam suportadas na proporção de 45% e 55%, respectivamente.

- A constituição da propriedade horizontal permite concluir que a área comercial construída no lote 228 é pelo menos de 2.480,15 m2 ou de 2.729,05 m2, consoante de incluía ou não o terraço afecto à fracção X, contrariamente aos 2.028 m2 previsto no mapa de índices inicialmente aprovado e com base no qual foi celebrado o negócio entre a Autora e a Ré.

- O aumento da área comercial que a Ré assim obteve foi de cerca de 34%, correspondendo nos termos do acordo de preço celebrado a 5,8 fogos, ficando assim no lote 228 com 66 fogos num total de 113, contrariamente aos 61 negociados.

- A Ré age com abuso de direito quando invoca a referida cláusula contratual, porquanto abdicando dos 3 lotes obteve uma vantagem patrimonial superior aos € 75.000,00.

- As obras levadas a efeito a título de infra-estruturas não foram obras imprevistas, mas só necessárias, contando inclusive com o aumento das áreas comerciais de que a Ré beneficiou, nunca tendo a Autora acordado em pagar mais do que o limite máximo contratualmente acordado.

- Grande parte dessas obras teve a ver com alterações de iniciativa da Ré para os lotes com os quais iria ficar e para a movimentação de terras e colocação de meios necessários à preparação do terreno para suportar mais um piso que o previsto com o qual beneficiou da ampliação das áreas comerciais.

- Nunca o gerente da Autora aceitou alterar os termos do contrato, tendo havido um desentendimento relativo ao prazo de cumprimento.

- A declaração atribuída à Autora apenas foi emitida porque a Ré o exigiu em troca de um pagamento parcial.

- Em momento algum do contrato é referida a parcela do lote constante da escritura feita a DD, negócio que é muito anterior ao feito com a Ré.

- Os negócios celebrados entre a Autora e EE, Lda nada têm a ver com a Ré.

- A Ré adquiriu destes os lotes 229 e 238 por contrato que foi resolvido não tendo havido transmissão da posição contratual da Autora para a Ré.

- O encargo inicial com o posto de transformação que era exclusivo dos lotes 229 e 238 deixou de existir porque a Ré os integrou nos seus próprios lotes.

Concluiu pela procedência da sua pretensão.

Foi proferido despacho ordenado que a acção seguisse os termos do processo ordinário.

Procedeu-se a julgamento com observância das formalidades legais, conforme da acta consta, tendo sido proferida sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu a Ré do pedido.

Inconformada a Autora interpôs recurso de apelação tendo o Tribunal da Relação julgado parcialmente procedente o recurso interposto por Construções AA, Limitada, e, em consequência revogado a decisão recorrida.

Julgado parcialmente procedente a presente acção e, em consequência, condenado a Ré a pagar à Autora a quantia de € 83.3000, acrescida de juros de mora, desde 24-6-2011, até integral pagamento daquela quantia, calculados sobre ela, às taxas definidas por lei.


Deste acórdão recorre agora a A para o STJ alegando, em conclusão, o seguinte:


lª - Não ficou provado na Instancia de Julgamento da matéria de facto que os 84.700,00 € entregues pela Ré à Autora, o tenham sido a titulo de pagamento do preço do negócio, pelo que tal montante não pode ser considerado como pago.

2ª - Se assim se não entender, deverão ser considerado que tal valor não foi incluído pelas partes contratantes no objecto do negócio.

3ª - A imputação de uma determinada quantia a título de pagamento de um preço, é elemento constitutivo do direito de ver declarada a quitação

4ª - Não tendo a Ré provado tal facto, não pode ser provada a imputação pretendida.

5ª - A Ré entrou em mora em 8 de Fevereiro de 2007. Deverão ser calculados os juros devidos desde tal data, a atendendo aos pagamentos parciais efectuados, à taxa reclamada.

6a - O documento "declaração" junta aos autos, porque assinado com pressupostos factuais falsos em relação à mora, não tem a propriedade de renunciar aos direitos conferidos ao credor com a entrada do devedor em mora.

7ª - Não pode interpretar-se a declaração como de alteração de um prazo que já se havia vencido, quando o pressuposto era de que estava a alterar um prazo que não estava ainda vencido.

8ª - Estando as partes envolvidas perante negócio formal, - art2 238 do CC - não poderá a referida declaração valer com um sentido oposto do texto da escritura.

9ª - Quando assim se não entenda, a Autora remeteu duas cartas à Ré com objectivo de a interpelar ao pagamento, devendo ser considerada a mora a partir da data da primeira.

10ª - Não corresponde a impugnação de documentos e do seu valor probatório a declaração em como não é admissível o articulado onde foram apresentados.

11ª - Não tendo a Ré recorrido, nem subordinada mente, da decisão da primeira Instancia, não pode em Recurso de Revista ver tal decisão alterada.

12ª - No recurso de revista apenas de podem por em causa as decisões da Relação proferida pelo Tribunal da Relação, e já não da primeira Instancia.

Pretendem-se assim violadas as normas ínsitas pelo menos nos artigos 342 nº 1 do Cc, 664, 668 1 c) do CPC, 252, 779, 806, 809, 376 do CC, e artº 721 nº 1 do CPC. Termos em que: sempre com o Douto suprimento deste Tribunal, se pugna pela procedência do presente Recurso, provocando-se nova decisão de mérito que condena a Ré a pagar à Autora a quantia de 168.000,00 e acrescida de juros de mora desde 8 de Fevereiro de 2007


Recorre, também, a R alegando, em conclusão, o seguinte:


1ª- O douto acórdão recorrido, ao ter revogado a douta decisão proferida em 1ª instância, condenando a recorrente a pagar à recorrida a quantia de € 83.300,00 e juros, além de ter incorrido em manifesto erro de cálculo, procedeu a uma inadequada valoração da matéria de facto e, consequentemente, a uma errada interpretação e aplicação da lei. Na verdade,

2a.- No ponto "3.3 Dos Pagamentos Parciais", o douto acórdão recorrido fez consignar que a recorrente fez entregas por conta à recorrida no valor de € 622.000,00.


3a.- O douto acórdão recorrido, ao fixar tal valor, levou em linha de conta o consignado na alínea L) dos Factos Assentes do despacho saneador, na sua redacção originária. Porém,

 4a.- A recorrente na audiência de julgamento, na sessão realizada no dia 17 de Abril de 2012, juntou aos autos a cópia de mais dois cheques, no valor de € 5.000,00 cada, da qual constava a declaração do gerente da Autora que os mesmos lhe foram entregues, tendo igualmente requerido que fosse rectificada a alínea L) dos Factos Assentes, no sentido do valor global dos cheques entregues por conta ser de € 632.000,00 - tudo como melhor consta da respectiva acta.

5a.- A recorrida, no prazo concedido, não só não impugnou os documentos, como não impugnou que lhe tivesse sido entregue o valor aposto em tais cheques, nem se opôs ao pedido de rectificação da alínea L) formulado pela recorrente.

6a.- O douto acórdão recorrido não atendeu a tal factualidade, o que levou a que tivesse incorrido em erro de cálculo, ao consignar que a quantia entregue pela recorrente foi de apenas € 622.000,00, quando na verdade foi de € 632.000,00. Pelo que,

7a.- O remanescente em dívida, levando em conta os pagamentos efectuados, era de € 73.300,00 e não os € 83.300,00, referidos no douto acórdão, devendo o mesmo ser rectificado em conformidade."

8a.- O douto acórdão recorrido revogou a douta decisão proferida em 1a instância, por considerar que a ora recorrente não excepcionou a compensação do crédito de que dispunha sobre a recorrida, razão pela qual não podia influir no pedido condenatório formulado pela Autora.

9a.- Porém, ressalvado o devido respeito, a recorrente excepcionou a compensação do seu crédito sobre a recorrida. Na verdade,

10a.- A ora recorrente alegou que na execução do contrato de permuta que havia celebrado com a recorrida, aquando da emissão do Alvará, pela Câmara Municipal, esta impôs uma série de condições que supunham a realização de trabalhos extra.

11ª.- Alegou, ainda, que antes da execução de tais trabalhos extra, a ora recorrente e a recorrida aceitaram repartir entre si o custos dos mesmos, na proporção, respectivamente, de 55% e 45%. Porém,

12a.- Realizados os trabalhos extra pela recorrente, a ora recorrida, ao ter conhecimento do valor a que ascendia a sua quota-parte nos mesmos, recusou-se a fazer o acerto de contas, como se obrigara.

13a.- Tal factualidade foi levada à base instrutória (quesitos 18° a 22°), cuja decisão se dá por reproduzida.

14a.- A recorrida, ao ter alegado e provado que havia acordado com a recorrida a repartição do custo dos trabalhos extra, que seria levado em consideração no acerto de contas entre as mesmas, invocou a excepção por compensação.

15a.- Tanto assim que, conforme se fez constar da oposição à injunção, feita a compensação (ou seja, o acerto de contas) resultava um crédito de € 35.469,54 a favor da ora recorrente.

16a.- É certo que a ora recorrente, atenta a resposta restritiva ao quesito 19°, não logrou provar que o custo dos trabalhos extra ascendeu a € 237.265,66, provando-se apenas que os mesmos ascenderam a uma quantia que não foi possível apurar.

17a.- Mas, tendo-se provado a existência do crédito da ora recorrente (ainda que não quantificado) e a demais factualidade na resposta aos quesitos 18° a 22°, a iliquidez daquele não podia ter obstado a que funcionasse a compensação, atento o disposto no art.847°, nº3, do C.C.

18a.- Assim, tendo sido invocada, pela ora recorrente, a compensação deveria ter sido tal excepção levada em conta no douto acórdão recorrido, com os efeitos que daí decorrem, e, caso o Venerando Tribunal da Relação entendesse revogar a douta decisão proferida em 1 a instância, atenta a iliquidez do crédito da ora recorrente, deveria aquele douto acórdão ter reconhecido à recorrida um crédito no valor de € 73.300,00, bem como julgar válida e eficaz a excepcionada compensação do crédito da ora recorrente, condenando-se esta apenas a pagar àquela o remanescente do seu crédito (caso existisse) após a liquidação e compensação do crédito da recorrente.


19a.- Ao decidir de modo diverso, o douto acórdão recorrido violou o disposto no art.847°, ns.1,2 e 3 e art.848° do C.C., e o art.4870 do C.P.C., os quais deverão ser interpretados e aplicados nos termos preditos.

NESTES TERMOS,

DEVE O PRESENTE RECURSO SER RECEBIDO, JULGADO PROCEDENTE E, POR VIA DISSO, SER CONCEDIDA REVISTA; REVOGANDO-SE O DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO, NOS TERMOS PREDITOS.



***



Tudo visto,

Cumpre decidir:


B) Os Factos:


As instâncias consideraram provados os seguintes factos:


A – Autora e Ré celebraram em 27 de Maio de 2006 um acordo escrito denominado "Contrato-Promessa de Permuta" que consta da cópia desse acordo junta aos autos de fls. 182 a 186.

B – Na sequência do acordo referido em A), em 8 de Novembro de 2006, Autora e Ré celebraram, através de escritura pública lavrada a fls. 18-20 verso do Livro nº 28-A no cartório notarial da Sra. Dra. FF em Viseu, um contrato de permuta, cujo teor consta da cópia de tal escritura junta aos autos de fls. 16 a 21.

C – Pelo contrato referido em B) a Autora cedeu à Ré o prédio misto sito na Quinta CC freguesia de Santa Maria, em Viseu, inscrito na matriz predial urbana sob o art.º … e na matriz rústica sob o art.º … e descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Viseu sob o nº …, recebendo em troca quatro lotes de terreno a constituir e que, de acordo com o plano de pormenor já aprovado, foram identificados como sendo os lotes 233, 234, 236 e 237, a que atribuíram o valor global de €1.500.000,00 e ainda a quantia em dinheiro de €1.525.000,00.

D – Na data da realização da escritura referida em B) foi paga a quantia de €375.000,00.

E – Acordaram também nesse contrato que "o remanescente do dinheiro, no valor de um milhão, cento e cinquenta mil euros será pago na data da entrega dos lotes, depois de deduzido o montante das despesas adiante referidas."

F – No contrato referido em B) as partes acordaram ainda que "todas as despesas a efectuar pela sociedade representada do segundo outorgante (aqui Ré) relacionadas com os projectos e infra-estruturas do loteamento e realizados directamente ou por subempreitada, designadamente taxas municipais de urbanização, cauções, seguros, garantias, até à aprovação final e levantamento da licença de construção, serão suportadas em quarenta e cinco por cento pela sociedade representada do primeiro outorgante (aqui Autora), mediante a apresentação de prova documental. / Que aquele valor correspondente a quarenta e cinco por cento do valor total não poderá, no entanto, exceder a quantia de duzentos e oitenta e cinco mil euros, salvo variação extraordinária das taxas municipais de urbanização, que neste momento se estimam em dois mil e quinhentos euros por cada fogo, como valor de referência."

G – Acordaram ainda que "para o caso de não ser permitida a construção dos quinze fogos previstos no lote duzentos e vinte e oito, o preço do negócio será reduzido em setenta e cinco mil euros."

H – E também que "o prazo de concretização do negócio (entrega dos lotes) não poderá exceder os dois anos e meio a contar da data de aprovação do loteamento."

I – O alvará de loteamento foi aprovado pela deliberação da Câmara Municipal de Viseu de 08 de Fevereiro de 2007, tendo sido emitida certidão a fim de servir de título à Ré em 11 de Dezembro de 2007.

J – Os lotes referidos em C) foram entregues em 8 de Fevereiro de 2007.

K – Dos quinze fogos previstos para o Lote 228, apenas foi permitida a construção de doze fogos.

L – No dia 04 de Abril de 2008, a Ré emitiu e entregou à Autora o cheque nº …86, com a quantia de €32.500,00 (trinta e dois mil e quinhentos Euros), sacado sobre o "Banco GG"; No dia 22 de Abril de 2008 a Ré emitiu e entregou à Autora o cheque nº…95, com a quantia de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), sacado sobre o "Banco GG"; No dia 06 de Maio de 2008 a Ré emitiu e entregou à Autora o cheque nº …99, com a quantia de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), sacado sobre o "Banco GG"; No dia 06 de Junho de 2008 a Ré emitiu e entregou à Autora o cheque nº...12, com a quantia de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros), sacado sobre o "Banco GG"; No dia 11 de Julho de 2008 a Ré emitiu e entregou à Autora o cheque nº...81, com a quantia de €5.000,00 (cinco mil euros), sacado sobre o "Banco GG"; No dia 05 de Agosto de 2008 a Ré emitiu e entregou à Autora o cheque nº …91, com a quantia de €10.000,00 (dez mil euros), sacado sobre o "Banco GG"; No dia 14 de Outubro de 2008 a Ré emitiu e entregou à Autora o cheque nº …12, com a quantia de €5.000,00 (cinco mil euros), sacado sobre o "Banco GG"; No dia 31 de Outubro de 2008 a Ré emitiu e entregou à Autora o cheque nº…56, com a quantia de €5.000,00 (cinco mil euros), sacado sobre a "Banco HH"; No dia 04 de Dezembro de 2008 a Ré emitiu e entregou à Autora o cheque nº…58, com a quantia de €10.000,00 (dez mil euros), sacado sobre a "Banco HH"; No dia 08 de Janeiro de 2009 a Ré emitiu e entregou à Autora o cheque nº…38, com a quantia de €5.000,00 (cinco mil euros), sacado sobre o "Banco GG"; No dia 23 de Janeiro de 2009 a Ré emitiu e entregou à Autora o cheque nº…44, com a quantia de €5.000,00 (cinco mil euros), sacado sobre o "Banco GG"; No dia 06 de Fevereiro de 2009 a Ré emitiu e entregou à Autora os cheques nºs. ….43 e …45, cada um com a quantia de €5.000,00 (cinco mil euros), sacados sobre o "Banco GG"; No dia 06 de Março de 2009 a Ré emitiu e entregou à Autora os cheques nºs….50 e …49, cada um com a quantia de €5.000,00 (cinco mil euros), sacados sobre o "Banco GG"; No dia 06 de Abril de 2009 a Ré emitiu e entregou à Autora o cheque nº…53, com a quantia de €10.000,00 (dez mil euros), sacado sobre o "Banco GG"; No dia 06 de Maio de 2009 a Ré emitiu e entregou à Autora o cheque nº…56, com a quantia de €10.000,00 (dez mil euros), sacado sobre o "Banco GG"; No dia 08 de Junho de 2009 a Ré emitiu e entregou à Autora o cheque nº…63, com a quantia de €10.000,00 (dez mil euros), sacado sobre o "Banco GG"; No dia 06 de Julho de 2009 a Ré emitiu e entregou à Autora o cheque nº…97, com a quantia de €10.000,00 (dez mil euros), sacado sobre o "Banco GG"; No dia 07 de Agosto de 2009 a Ré emitiu e entregou à Autora o cheque nº…70, com a quantia de €10.000,00 (dez mil euros), sacado sobre o "Banco GG"; No dia 07 de Setembro de 2009 a Ré emitiu e entregou à Autora o cheque nº …74, com a quantia de €10.000,00 (dez mil euros), sacado sobre o "Banco GG"; No dia 09 de Outubro de 2009 a Ré emitiu e entregou à Autora o cheque nº …54, com a quantia de €10.000,00 (dez mil euros), sacado sobre o "Banco GG"; No dia 10 de Novembro de 2009 a Ré emitiu e entregou à Autora o cheque nº…57, com a quantia de €10.000,00 (dez mil euros), sacado sobre o "Banco GG"; No dia 07 de Dezembro de 2009 a Ré emitiu e entregou à Autora o cheque nº…63, com a quantia de €10.000,00 (dez mil euros), sacado sobre o "Banco GG"; No dia 08 de Janeiro de 2010 a Ré emitiu e entregou à Autora o cheque nº…71, com a quantia de €10.000,00 (dez mil euros), sacado sobre o "Banco GG"; No dia 10 de Fevereiro de 2010 a Ré emitiu e entregou à Autora o cheque nº …75, com a quantia de €10.000,00 (dez mil euros), sacado sobre o "Banco GG"; No dia 08 de Março de 2010 a Ré emitiu e entregou à Autora o cheque nº …84, com a quantia de €10.000,00 (dez mil euros), sacado sobre o "Banco GG"; No dia 09 de Abril de 2010 a Ré emitiu e entregou à Autora o cheque nº …92, com a quantia de €10.000,00 (dez mil euros), sacado sobre o "Banco GG"; No dia 12 de Maio de 2010 a Ré emitiu e entregou à Autora o cheque nº …08, com a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), sacado sobre o "Banco GG"; No dia 04 de Junho de 2010 a Ré emitiu e entregou à Autora o cheque nº …19, com a quantia de €10.000,00 (dez mil euros), sacado sobre o "Banco GG"; No dia 22 de Junho de 2010 a Ré emitiu e entregou à Autora o cheque nº …07, com a quantia de €100.000,00 (cem mil euros), sacado sobre a 'Banco HH"; No dia 30 de Julho de 2010 a Ré emitiu e entregou à Autora o cheque nº …31, com a quantia de €75.000,00 (setenta e cinco mil euros), sacado sobre o "Banco GG"; No dia 06 de Setembro de 2010 a Ré emitiu e entregou à Autora o cheque nº …58, com a quantia de €50.000,00 (cinquenta mil euros), sacado sobre o "Banco GG"; No dia 13 de Outubro de 2010 a Ré emitiu e entregou à Autora o cheque nº …69, com a quantia de €50.000,00 (cinquenta mil euros), sacado sobre o "Banco GG"; No dia 26 de Novembro de 2010 a Ré emitiu e entregou à Autora o cheque nº …15, com a quantia de €15.000,00 (quinze mil euros), sacado sobre a "Banco HH"; No dia 20 de Dezembro de 2010 a Ré emitiu e entregou à Autora o cheque nº …42, com a quantia de €12.000,00 (doze mil euros), sacado sobre o "Banco GG"; No dia 17 de Janeiro de 2011 a Ré emitiu e entregou à Autora o cheque nº …48, com a quantia de €12.500,00 (doze mil e quinhentos euros), sacado sobre o "Banco GG"; No dia 04 de Fevereiro de 2011 a Ré emitiu e entregou à Autora o cheque nº …62, com a quantia de €10.000,00 (dez mil euros), sacado sobre o "Banco GG"; No dia 22 de Fevereiro de 2011 a Ré emitiu e entregou à Autora o cheque nº …23, com a quantia de €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), sacado sobre a "Banco HH", tudo no montante de €622.000,00 (seiscentos e vinte e dois mil euros)

M – Todos os cheques referidos em L) tiveram boa cobrança.

N – Em 04-03-2008, através de escritura pública lavrada, a fls. 47-48/vº. do Livro nº 72-A, no cartório notarial da Senhora Drª FF, em Viseu, a Ré alienou, a favor de DD, uma parcela de terreno com a área de 79,43 m2, desanexada da parte rústica do prédio misto inscrito na matriz rústica sob o art.º nº … e na urbana sob o art.º nº …, da freguesia de Santa Maria de Viseu, pelo preço de €84.700,00 (oitenta e quatro mil e setecentos euros).

O – A 28 de Julho de 2008, a Ré tinha pago à Autora quantia que não foi possível fixar.

P – Até ao dia 14 de Janeiro de 2010, a Ré efectuou pagamentos parciais, de montante global que não foi possível apurar.

Q – O gerente da Autora, alegando dificuldades financeiras, solicitou à Ré se lhe podia ir fazendo entregas por conta do remanescente do preço.

R – O gerente da Ré, em face de tal pedido, aceitou fazer essas entregas, tendo ambos acordado que, posteriormente, seria feito encontro de contas.

S – O preço referido em "N" foi entregue ao representante da Autora.

T – O representante da Autora, na sequência de negócios que não foi possível concretizar com referência aos lotes 229 e 238, recebeu a quantia de doze mil euros (€12.000,00).

U – A Câmara Municipal, pela emissão do alvará, condicionou o loteamento à realização, pelo empreiteiro, de diversas obras.

V – Tais condições levaram à execução de trabalhos cujo valor ascendeu a quantia que não foi possível fixar.

W – Antes da execução daqueles trabalhos, Autora e Ré, na presença de técnico da confiança de ambas, aceitaram repartir entre si o custo desses trabalhos extra na proporção de 45% para a requerente e 55% para a requerida.

X – A final, o representante da Autora não aceitou suportar 45% das despesas, e recusou efectuar o acerto de contas com o representante da ré.

Y – Entre outros dados, o negócio celebrado pelos representantes da Autora e da Ré previa o valor de € 25.000,00 por cada fogo habitacional.

Z – Entre outros dados, o negócio celebrado pelos representantes da Autora e da Ré previa que a cada cento e vinte metros quadrados de área comercial correspondia um fogo habitacional.

AA – Entre outros dados, o negócio celebrado pelos representantes da Autora e da Ré previa, para o lote 228, mais três fogos do que os que foram autorizados.

BB – As despesas referidas em F) somaram €. 896.235,29 (aditado, nos termos do art.º 712º, n.º 1, a), do C. P. Civil, por existir acordo tácito das partes nos articulados quanto a este facto).


C) O Direito:


Delimitando o “thema decidendum” entende a A que não ficou provado na Instancia de Julgamento da matéria de facto que os 84.700,00 € entregues pela Ré à Autora, o tenham sido a título de pagamento do preço do negócio, pelo que tal montante não pode ser considerado como pago.

Se assim se não entender, deverão ser considerado que tal valor não foi incluído pelas partes contratantes no objecto do negócio.

Por seu turno, entende a R no seu recurso que o douto acórdão recorrido, ao ter revogado a douta decisão proferida em 1ª instância, condenando a recorrente a pagar à recorrida a quantia de € 83.300,00 e juros, além de ter incorrido em manifesto erro de cálculo, procedeu a uma inadequada valoração da matéria de facto e, consequentemente, a uma errada interpretação e aplicação da lei.

Em segundo lugar a recorrente excepcionou a compensação do seu crédito sobre a recorrida.


Alega a R recorrente que o acórdão recorrido, ao ter revogado a decisão proferida em 1ª instância, condenando esta a pagar à A a quantia de € 83.300,00 e juros, além de ter incorrido em manifesto erro de cálculo, procedeu a uma inadequada valoração da matéria de facto e, consequentemente, a uma errada interpretação e aplicação da lei.

No ponto "3.3 Dos Pagamentos Parciais", o acórdão recorrido fez consignar que a R fez entregas por conta à A no valor de € 622.000,00.

O acórdão recorrido, ao fixar tal valor, levou em linha de conta o consignado na alínea L) dos Factos Assentes do despacho saneador, na sua redacção originária. Porém,

A R na audiência de julgamento, na sessão realizada no dia 17 de Abril de 2012, juntou aos autos a cópia de mais dois cheques, no valor de € 5.000,00 cada, da qual constava a declaração do gerente da Autora que os mesmos lhe foram entregues, tendo igualmente requerido que fosse rectificada a alínea L) dos Factos Assentes, no sentido do valor global dos cheques entregues por conta ser de € 632.000,00, tudo como melhor consta da respectiva acta.

A A, no prazo concedido, não só não impugnou os documentos, como não impugnou que lhe tivesse sido entregue o valor aposto em tais cheques, nem se opôs ao pedido de rectificação da alínea L) formulado pela R.

O acórdão recorrido não atendeu a tal factualidade, o que levou a que tivesse incorrido em erro de cálculo, ao consignar que a quantia entregue pela recorrente foi de apenas € 622.000,00, quando na verdade foi de € 632.000,00. Pelo que, o remanescente em dívida, levando em conta os pagamentos efectuados, era de € 73.300,00 e não os € 83.300,00, referidos no acórdão.

Retira-se dos autos a fls. 245 e segs. que a R, na primeira sessão de julgamento, requereu a junção ao processo de dois documentos referentes a dois cheques de 5.000,00 € cada um com os ns. ...45 datado de 2/11/2009 e ...43 datado de 6/2/2009 sacados sobre o Montepio e de onde consta a declaração do gerente da autora que os mesmos lhe foram entregues.

Consta, também da acta a fls 246 que o Mmº Juiz proferiu o seguinte despacho: “Por se poderem revestir-se de interesse para a boa decisão da causa admite-se a junção aos autos dos documentos ora apresentados”.

Após a realização da audiência de julgamento a 1ª instância não mais procedeu à valoração de tais documentos até porque veio a julgar a acção improcedente por não provada dela absolvendo a R.

O Tribunal da Relação decidindo em sentido contrário ao da 1ª instância não reapreciou a matéria de facto no que concerne aos dois documentos em questão pronunciando-se pela sua valoração ou não para efeitos da exactidão dos montantes efectivamente pagos pela R, ora recorrente.

Não se trata como diz a recorrente de um mero erro de cálculo mas de uma omissão de apreciação da matéria de facto que podia e devia ter sido feita pela 2ª Instância nos termos do art.712ºnº1 a) 1ª parte do Código do Processo Civil (CPC) na versão de 2008 aqui aplicável.

O Supremo Tribunal de Justiça de Justiça conhece de matéria de facto (podendo alterá-la nos termos do art.729ºnº2) apenas nas duas hipóteses contempladas na 2ª parte do nº3 do art.722º do CPC, ou seja, quando o Tribunal recorrido tiver dado como provado um facto sem que tenha procedido a prova que, segundo a lei, é indispensável para demonstrar a sua existência, ou quando tenham sido desrespeitadas as normas que regulam a força probatória dos diversos meios de prova admitidos no nosso sistema jurídico.

Não pode, pois, o STJ valorar documentos que embora admitidos como material probatório não foram objecto de apreciação pelas instâncias.

Resta-nos que a apreciação do recurso da R carece de base fáctica suficiente para a decisão de direito.

Assim sendo, nos termos do art.729ºnº3 do CPC deve o processo voltar ao Tribunal recorrido para que este aprecie os documentos em causa ampliando-se ou não (justificadamente) a matéria de facto.

Fica prejudicado o conhecimento das demais questões invocadas pelas recorrentes.



Nesta conformidade, por todo o exposto, acórdão os Juízes no Supremo Tribunal de Justiça, em determinar que o processo volte ao Tribunal recorrido por se entender que a decisão de facto pode ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito.

Custas a final


Lisboa, 29 de Outubro de 2015


Orlando Afonso (Relator)

Távora Victor

Silva Gonçalves