Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
024074
Nº Convencional: JSTJ00012704
Relator: AREZ
Descritores: CULPA
PUNIÇÃO
FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ19360320024074
Data do Acordão: 03/20/1936
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DG IªS 07-04-1936; COL OF ANO35,90
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: FIXADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 1/1936
Área Temática: DIR CRIM - TEORIA GERAL.
Legislação Nacional: CP886 ARTIGO 41 ARTIGO 43 PARUNICO ARTIGO 44 N7 ARTIGO 52 ARTIGO 110 ARTIGO 238 PAR1 PAR4.
Sumário :
A culpa em materia penal e sempre punida, nos termos dos artigos 43, paragrafo unico, e 110 do Codigo Penal, e não apenas nos casos em que a lei especialmente a manda punir.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, em sessão plena:

Responderam na comarca de Torres Vedras, pelo crime do paragrafo 1 do artigo 238 do Codigo Penal, A, B, C, D e E, porque em processo por homicidio voluntario contra F, de que resultou uma condenação injusta, depuseram falsamente no corpo de delito, indirecto, e na audiencia de julgamento.
Responderam tambem G, H, I e J, como incursos na sanção do paragrafo 4 desse artigo, testemunho falso na fase preparatoria dos autos.
Foram absolvidos D, E, H, I e J; condenados na pena fixa A e B; e correccionalmente C e Antonio Apolinario.


O Tribunal da Relação, confirmando e revogando em parte aquela decisão, absolveu os dois ultimos reus, acordão que, em grau de revista, manteve o Supremo Tribunal.


Porem o magistrado do Ministerio Publico, não se conformando com semelhante julgado, recorreu dele para o tribunal pleno, em tempo oportuno, por contradição com o acordão de 6 de Julho de 1933.
Verifica-se a oposição alegada sobre o mesmo ponto de direito, pois no acordão invocado foi dito que a regra do artigo 52 do Codigo Penal responsabiliza os agentes de todos os factos puniveis, mesmo quando desprovidos de intenção criminosa, se se mostrar que procederam por culpa, ao passo que, na decisão em causa, sustentou-se que a culpa so e punivel nos casos especialmente previstos na lei.


Ha agora que assentar uma jurisprudencia sobre uma materia tão debatida no labutar constante dos tribunais, nos livros e revistas juridicas.
Sera a regra do artigo 110 do citado Codigo aplicavel a todos os casos meramente culposos e não somente aqueles em que o legislador especificadamente manda punir?


Ou essa norma devera ser observada nas expressas hipoteses em que a lei fala na culpa como elemento de incriminação; e a culpa unicamente punida em circunstancias especificadamente prescritas?


O artigo 52 dispõe que tem responsabilidade criminal todos os agentes de factos puniveis em que não concorrer alguma circunstancia dirimente dessa responsabilidade, nos termos do artigo 41 e subsequentes, salvas as excepções consignadas nas leis.


E o artigo 44, n. 7, diz que justificam o facto os que tiverem procedido sem intenção criminosa e sem culpa.


Para que se verifique, portanto, a dirimente da responsabilidade criminal e indispensavel que cumulativamente se conjuguem a falta da intenção com a falta da culpa, pois so a ausencia simultanea de uma e outra pode importar a absolvição do acusado.


Uma das circunstancias, separada da outra, não pode excluir a responsabilidade criminal - resultando a dirimente somente da reunião dos dois requisitos absolutamente indispensaveis a justificação do facto.
Donde segue-se que onde faltar a intenção malefica, mas se provar a culpa, não pode um agente de qualquer facto punivel beneficiar da absolvição por falta de responsabilidade criminal e incorre ele na penalidade correspondente ao crime cometido, aplicada nos termos prescristos nas leis.


Pelo Codigo Penal de 1886, que não e um diploma de caracter legislativo, mas uma compilação de leis antes promulgadas, realizada pelo Governo no uso da autorização concedida pelo n. 5 da carta de lei de 14 de Junho de 1884, a punição de delitos meramente culposos obedece a normas inteiramente diferentes das do Codigo de 1852, pois, enquanto este considerava como intencionais todos os crimes não especialmente punidos, aquele preceitua que tais crimes sejam reprimidos pela forma especial estabelecida para a sua punição, se a houver, e, quando a não haja, pela regra geral do artigo 110, em que se não permite pena superior a de prisão correccional e multa correspondente.


Como se ve do referido acordão de 4 de Julho, o texto do artigo 52 responsabiliza os agentes de todos os factos puniveis, mesmo desprovidos de intenção malefica, se se mostrarem informados de negligencia ou culpa, sendo esta, como sinonima daquela, uma regra de atenuação em todos os crimes dolosos.


Na referencia ao paragrafo unico do artigo 43, aquele artigo 52 não pode deixar duvidas sobre a responsabilidade criminal dos agentes do crime culposo, logo que ele se prove.


Neste sentido se tem acentuado a jurisprudencia deste Supremo e sustentam tambem o professor Dr. Beleza dos Santos, juiz Pereira do Vale e Revista de Legislação e Jurisprudencia, embora de opinião contraria sejam os professores Drs. Abel de Andrade, Caeiro da Mata e Pedro Martins e a licenciada Helena Guimarães.


Pelo que fica exposto, e


Atendendo a que contra os recorridos C e G o tribunal colectivo deu como verificado que procederam eles sem intenção criminosa, mas com culpa;
Atendendo a que, assim, não deviam ser absolvidos, como foram, por sobre esses reus pesar a responsabilidade criminal dos agentes de delito culposo;
Concedendo, pois, provimento ao recurso, revogam nesta parte a decisão sub judice; e, em julgamento definitivo, consideram valida a sentença da 1 instancia, proferida de harmonia com a lei e circunstancias que dos autos constam, com o minimo de imposto de justiça devido por cada um dos recorridos, nos termos da legislação em vigor, tanto na Relação como neste Supremo.
E tiram o assento seguinte:


A culpa em materia penal e sempre punida, nos termos dos artigos 43, paragrafo unico, e 110 do Codigo Penal, e não apenas nos casos em que a lei especificadamente a manda punir.


Lisboa, 20 de Março de 1936

Arez - Arnaldo Vidal - Pires Soares -
- Ramiro Ferreira - Alexandre de Aragão -
- Amaral Pereira - E. Santos - A. Campos -
- Mendes Arnaut - Ponces de Carvalho -
- Carlos Alves - J. Soares - Pedro de Castro - Sampaio Duarte - A. Osorio de Castro.