Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
052176
Nº Convencional: JSTJ00008197
Relator: LUIZ OSORIO
Descritores: TESTAMENTO
VONTADE DO TESTADOR
HERDEIRO
LEGATARIO
NOMEAÇÃO TESTAMENTARIA
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ194407210521761
Data do Acordão: 07/21/1944
Votação: MAIORIA COM 4 VOT VENC
Referência de Publicação: DG IªS 24-08-1944; BOMJ 4/385; RT ANO1962, 274
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O TRIB PLENO.
Decisão: TIRADO ASSENTO.
Indicações Eventuais: ASSENTO 2/1944
Área Temática: DIR CIV - DIR SUC.
Legislação Nacional: CCIV867 ARTIGO 1740 PARUNICO.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1903/07/24 IN DIR ANO36 PAG131.
ACÓRDÃO STJ DE 1918/04/16 IN COL OF PAG1111.
ACÓRDÃO STJ DE 1886/03/30 IN BT VI PAG394.
ACÓRDÃO STJ DE 1920/05/04 IN RJ ANO5 PAG155.
Sumário :
O testador não pode encarregar outrem de escolher herdeiro ou legatario, ainda que indique as pessoas de entre as quais a escolha deva ser feita.
Decisão Texto Integral:
Do acordão de folhas 329 recorrem A e outros contra B e outros, por estar em oposição com o de 26 de Abril de 1918, pois o recorrido julgou não ser nula, em face do corpo do artigo 1740 do Codigo Civil, a disposição: "a um dos filhos sobreviventes do major Durão, a escolha do pai, deixar-lhe-ei o meu prazo...", e o acordão de 1918 julgou ser nula, por ofensiva do mesmo artigo, a disposição: " da parte dos seus bens... deixa o usufruto... a... sua mulher e, por morte desta, aquele de seu filho ou filhos do sexo masculino que a sua referida mulher escolher, por melhor lhe fazer a vontade".
Esta, portanto, em discussão interpretar e aplicar o corpo do artigo 1740. O paragrafo unico preve hipotese diversa, pois nela o testador institui todas as pessoas compreendidas em certa generalidade, e no caso dos acordãos em confronto foi instituida uma so pessoa das incluidas na generalidade; naquele caso as pessoas são certas, todas as incluidas na generalidade; neste o legatario e incerto, pois e so um, não indicado, dos incluidos na generalidade. Por outra os acordãos em contradição so procuraram interpretar e aplicar o corpo do artigo 1740, e nisso ficaram em divergencia, divergencia que fundamenta o recurso.


A regra do artigo 1740 não distingue entre instituição de herdeiro e de legatario, e antes expressamente se refere aos dois casos, equiparando-os - "quer pelo que toca a instituição de herdeiros e legatarios" -, diz o artigo.
Em ambas as questões o testador encarregou outrem de escolher o legatario de entre certa generalidade de pessoas; em ambas essa generalidade foi bastante restrita - os filhos de determinada pessoa.
Poderia faze-lo? Eis a questão.


E aqui temos ja de esclarecer certa confusão.


Em caso de duvida sobre a interpretação de disposição testamentaria observar-se-a o que parecer mais ajustado com a intenção do testador, conforme o contexto do testamento. Ora, anulando a instituição, viriam a herdar o prazo os herdeiros legitimos, precisamente aqueles que o testador quis excluir.


Não se atenderia a intenção do testador, não se executaria a sua vontade. Mas aquela regra e aplicavel em caso de duvida sobre a interpretação do disposto no testamento, sobre o que o testador quis, e aqui não se trata disso.
Não se trata de saber qual a vontade do testador para nos sujeitarmos a ela, mas de saber qual a vontade da lei para eventualmente sujeitarmos a ela a vontade do testador. A questão portanto e de saber o que o testador podia determinar e não o que determinou.


No antigo direito portugues Correia Teles distinguia entre herdeiros e legatarios: podia deixar-se a eleição de terceiro a escolha de herdeiro entre o numero de certas pessoas, Digesto, volume III, pagina 1549; podia ficar ao arbitrio do herdeiro ou de terceiro a escolha do legatario (volume III, pagina 1701). Coelho da Rocha, paragrafo 689, declarava validos os legados deixados a pessoas incertas, mas determinaveis, e nos legados para sufragios e obras de piedade podia a determinação ser cometida ao herdeiro ou a terceiro.


O Codigo Civil abandonou estas regras e distinções.


A fonte do artigo 1740 foi o artigo 558 das Concordancias, de Goyena, que dizia: "O testamento e acto personalissimo: a sua formação não pode deixar-se no todo ou em parte ao arbitrio de terceiro. Tampouco se pode deixar ao arbitrio de terceiro a substancia da instituição de herdeiro ou legatario, nem a designação da quantidade; mas sim a repartição, quando a disposição compreende toda uma classe de pessoas, como parentes, pobres, criados".


O nosso legislador em vez da expressão "no todo ou em parte" enumerou as partes em que o arbitrio não pode recair. Assim não pode haver arbitrio quer pelo que respeita a instituição de herdeiros, quer pelo que respeita ao objecto, quer finalmente, pelo que pertence ao cumprimento ou não cumprimento do testamento.


Temos, portanto, que o artigo proibe o arbitrio de terceiro na designação de legatario. E a consequencia logica de o testamento ser acto pessoal.
O Codigo Civil Frances nada diz a esse respeito, mas no relatorio ao Tribunal o tribuno Jaubert declarou de maneira absolutamente geral "O silencio da lei basta para advertir que esta faculdade (de eleger legatario) não pode mais ser conferida" (Plan. V. 631, n. 5). E o nosso legislador conhecia bem a historia deste Codigo.


O testador, limitando o numero de pessoas de entre as quais o terceiro pode escolher, limita o arbitrio, mas so exclui quando a limitação vai ate ao ponto de individualizar o instituto. Mesmo quando o terceiro tem de escolher entre duas pessoas, se nenhuma indicação ha para a escolha entre os dois,esta fica ao arbitrio do terceiro.


Se o legislador quisesse permitir a escolha quando restrita a um pequeno circulo de pessoas, tinha de indicar esse circulo. O não indicar a excepção mostra que a não admitiu.


A faculdade de escolha conferida a outrem, alem de tirar ao testamento o seu caracter pessoal, leva a uma situação que o legislador procura evitar: a de um direito de propriedade sem titular. Enquanto o terceiro não faz a escolha não se sabe quem e o titular dos bens deixados.
Ha uma situação que a lei não regula e devia regular se a quisesse admitir.
Mas o encargo feito nos termos em discussão leva ainda a outra ofensa do artigo 1740.


O testamento não pode deixar-se dependente do arbitrio de outrem pelo que pertence ao cumprimento do mesmo testamento. Ora, encarregando-se alguem de escolher legatario, e não havendo meio, como não ha, de obrigar essa pessoa a fazer a nomeação, o cumprimento do testamento fica dependente do arbitrio do encarregado pois a falta de nomeação impede o cumprimento do testamento. Se o legislador tivesse querido admitir a possibilidade de o testador encarregar alguem de escolher o legatario, para proteger a execução da vontade do testador tinha de indicar a maneira de suprir a falta de nomeação, como fez o Codigo Civil Italiano.
E de notar que o terceiro ainda não fez a escolha, e, assim, mesmo que admissivel fosse a integração da vontade do testador pela de terceiros, a verdade e que essa integração ainda se não fez, e assim falta um elemento para a existencia do legado, não se sabe se esse elemento vira a verificar-se.
Mantem assim este Tribunal a sua jurisprudencia ja anteriormente fixada nos acordãos de 30 de Março de 1886 no Boletim dos Tribunais, volume I, pagina 394, de 24 de Julho de 1903, em o Direito, ano 36, pagina 131, de
16 de Abril de 1918, na Colecção Oficial, pagina 111, e de 4 de Maio de 1920, na Revista de Justiça, ano 5, pagina 155.


Acordam, por isso, os do Supremo Tribunal de Justiça em revogar o acordão recorrido, condenar os recorridos nas custas e fixar o seguinte assento:
O testador não pode encarregar outrem de escolher herdeiro ou legatario, ainda que indique as pessoas de entre as quais a escolha deva ser feita.


Lisboa, 21 de Julho de 1944

Luiz Osorio - Pereira e Sousa - Heitor Martins - Miranda Monteiro - Jose Coimbra - Bernardo Polonio - Rocha Ferreira - Miguel Crespo - Magalhães Barros (vencido. Em materia testamentaria, diz a lei e tem julgado este Supremo em inumeros acordãos, o primeiro elemento a ser tomado em consideração e a vontade do testador. No caso dos autos o testador expressamente pretendeu excluir o legado da fruição dos seus herdeiros, o que não sucedera a ser aceite a doutrina do presente acordão.
O artigo 1740 do Codigo Civil proibe que a instituição de herdeiros ou legatarios fique ao arbitrio de outrem, mas este caso não se da, pois o testador indicou a pessoa do legatario - um dos tres filhos do major Durão -, conferindo somente a este a designação do legatario, que so pode ser um desses tres filhos) - F. Mendonça (vencido pelas mesmas razões) - Teixeira Direito (vencido pelos mesmos fundamentos expostos no primeiro vencido)
- Baptista Rodrigues (vencido pelos mesmos fundamentos).