Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
67/07.OTCGMR.G1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MOREIRA ALVES
Descritores: VEÍCULO AUTOMÓVEL
ALUGUER DE LONGA DURAÇÃO
CONTRATO ATÍPICO
NEGÓCIO INDIRECTO
CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
DOCUMENTO
FALTA DE ENTREGA
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
MORA
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: SJ
Apenso:
Data do Acordão: 10/12/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
Doutrina: - ANTUNES VARELA, DAS OBRIGAÇÕES EM GERAL – II – 4ª ED.,102 E SEGS..
- PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL, 2005,3ª ED..
- PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, CONTRATOS ATÍPICOS, ALMEDINA.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 473.º, 474.º, 795.º, 798.º, 801.º, N.º 2, 804.º, 808.º, 873.º, 883.º
DL 354/86, DE 23-01: - ARTIGO 21.º, N.º1 .
DL 149/95, DE 24-06 E SUAS ALTERAÇÕES:- ARTIGO 23.º.
Sumário : I - O contrato de aluguer de longa duração (ALD) é um contrato atípico, com a natureza de um negócio indirecto, sendo o tipo de referência o aluguer e o fim indirecto a venda a prestações com reserva de propriedade, ao qual se aplicam as regras do DL n.º 354/86, de 23-01, que disciplina o aluguer de veículos automóveis sem condutor – rent a car –, bem como as da locação em geral, em tudo o que não contrarie o dito diploma legal, bem como as cláusulas contratuais estipuladas ao abrigo do princípio da liberdade contratual.
II - Os negócios indirectos são todos aqueles em que as partes se servem de um tipo legal de negócio (negócio típico), com a finalidade de conseguirem, através dele, um fim que não é o fim próprio desse tipo negocial, mas que, apesar disso, ele permite, de algum modo, alcançar.
III - No caso concreto do ALD de automóveis novos o fim indirecto que é tido em vista pelos contratantes é conseguido através da conjugação de estipulações típicas dos contratos de aluguer e da venda a prestações com reserva de propriedade, gerando-se um verdadeiro contrato misto.
IV - Estando provada a celebração do contrato de aluguer de veículo e até o pagamento do preço de aquisição estipulado no contrato-promessa, estava a ré obrigada a entregar ao autor os documentos do veículo automóvel, designadamente, o título de registo de propriedade e o livrete, como tudo resulta, não só das normas gerais aplicáveis, como expressamente do disposto no art. 21.º, n.º 1, do DL n.º 354/86.
V - Não tendo a ré dado cumprimento ao determinado pela lei, na medida em que reteve em seu poder os documentos da viatura, incorreu na obrigação de indemnizar o autor por todos os prejuízos que eventualmente tivesse, por causa dessa omissão.
VI - Se a prestação não realizada se torna impossível, quer porque não pode já realizar-se no contexto contratual convencionado, quer porque, ainda que materialmente possível, perdeu o interesse para o credor, está-se perante um incumprimento definitivo da prestação. Só nestes casos é que, para além do direito à indemnização, pode o credor resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro, caso o não cumprimento seja imputável ao devedor – cf. arts. 798.º, 801.º e 808.º do CC.
VII - Mas o não cumprimento (em sentido amplo) pode, ainda, resultar de a prestação não ter sido realizada no momento devido, mas sendo ainda possível, o credor nela mantiver interesse, apesar do retardamento. Está-se, então, perante a figura da simples mora, que, se for imputável ao devedor, faz nascer para o credor o direito a ser indemnizado pelos prejuízos sofridos em consequência desse retardamento – art. 804.º do CC –, mas não consente, com base nela, a resolução do contrato.
VIII - In casu, não se trata de qualquer impossibilidade da prestação, visto que, retendo a ré os documentos na sua posse, estava em condições de os entregar ao autor, que mantinha interesse nessa entrega, tanto que manteve o automóvel na sua posse e pagou as posteriores rendas devidas, sem nunca ter transformado a mora da ré em incumprimento definitivo.
IX - As rendas pagas pelo autor constituem o preço da cedência do gozo do veículo e o valor residual fixado no contrato-promessa corresponde à contrapartida (ou preço) pela transferência da propriedade do veículo para o autor.
X - O contrato atípico de ALD distingue-se da locação financeira (regulada pelo DL n.º 149/95, de 24-06, e suas alterações), no âmbito da qual a ideia fundamental não é a aquisição do bem locado, mas sim o seu gozo temporário e oneroso. Não é por via do contrato que o locatário adquire a propriedade da coisa, finda a locação; tal direito resulta directamente da lei, é um direito postestativo que o locatário pode ou não exercer, sem quaisquer consequências jurídicas, i.e., não se constitui em qualquer obrigação jurídica de adquirir o bem ou de indemnizar a locadora financeira, não o fazendo, diferentemente do que ocorre no contrato de ALD, em que o locador se obriga, através do contrato-promessa, a vender o bem ao locatário, finda a locação, sob pena de incorrer em responsabilidade pelo não cumprimento.
Decisão Texto Integral:
Relatório
*
No Tribunal Judicial da Comarca de Guimarães,
AA, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra
BB... – Aluguer de Automóveis, S.A.
alegando resumidamente:
*
- em 1/8/95, o A. alugou à Ré o veículo automóvel de marca Mercedes, matrícula ...-...-FG devidamente equipado e documentado;
- A dada altura da vigência do contrato o A. viu-se numa situação de incumprimento que levou a R. a resolver o contrato e a intentar uma providência cautelar para apreensão da dita viatura, assim como intentou uma acção ordinária para ver reconhecida a resolução do contrato, a restituição definitiva do veículo com todos os seus documentos e a chave, bem como para obter a condenação do A. na respectiva indemnização pelo incumprimento;
- Porém, o A. acabou por pagar tudo quanto devia, acabando a Ré por desistir da instância, quer na providência cautelar, quer na acção principal;
- não obstante o acordo que esteve na base das referidas desistências das instâncias, a Ré nunca mais lhe entregou os documentos relativos à viatura que o A. pagou integralmente;
- Assim, dado não possuir título de registo de propriedade nem livrete, o A. ficou com o carro, mas sem poder circular com o mesmo até hoje (isto é, até instauração desta acção em 31/1/2007);
- o A. não teve alternativa senão de o deixar parado, o que lhe causou graves prejuízos e incómodos;
- Na verdade, o A. despendeu a quantia de 50.000€ na aquisição da viatura;
- liquidou 1.215 € a título de despesas com o contrato;
- liquidou 343€ de despesas pelas desistências dos processos acima referidas;
- Viu-se forçado, durante todo este tempo a efectuar uma série de despesas para resolver a questão, tendo consultado vários profissionais forenses para se aconselhar, com o que gastou 2.000 €;
- Fez várias deslocações (mais de 10) de Guimarães ao Porto, tendo despendido 2.500€;
- Gastou 250€ em fotocópias;
- Além disso toda esta situação causou grande sofrimento moral do A., dificultando-lhe o sono e o descanso;
- o seu bom nome, honra, respeito e consideração de que goza na zona em que vive, foram postos em causa;
- Ficou afectado psicologicamente, tendo de ser assistido por médico que lhe ministrou anti-depressivos.
Conclui a sua alegação, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a indemnização global de 102.648 €, sendo 90.148 € de danos patrimoniais (já acrescidos dos juros vencidos) e 12.500€ de danos morais.
A Ré contestou, alegando, no essencial que o A. após o acordo que justificou a desistência das instâncias na providência cautelar e na acção principal, o A. apenas pagou 8.230,16 € por conta dos juros e alugueres vencidos, e depois 342,47 € de despesas processuais, não pagando quaisquer outros valores (e devia 11.263,40 €).
*
O A. replicou.
*
Elaborou-se despacho saneador, fixaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória.
*
Procedeu-se a julgamento e, discutida a causa e lida a decisão sobre a matéria de facto, proferiu-se sentença final que julgou a acção improcedente, absolvendo a Ré do pedido.
*
Recorreu o A. de facto e de direito.
*
A Relação, apreciando a apelação, alterou a resposta dada ao quesito 10º, tendo por provado que “O A. entregou à ré a quantia de 44.951,625€ por causa dos contratos de aluguer de longa duração e contrato-promessa de compra e venda, celebrados em 1/8/1995, com vista à aquisição da viatura identificada em A)”.
Não obstante tal alteração, entendeu a Relação que ela não implicava a revogação em alteração da decisão recorrida, que, por isso manteve.
*
Novamente inconformado, volta a recorrer o A., agora de revista e para este S.T.J..
*
* *
*
Conclusões
Apresentadas tempestivas alegações formulou as seguintes conclusões:
*
*
*
Conclusão da Revista do Autor
*
*
*
*
*
CONCLUSÕES:
1ª - Face aos factos dados como provados (isto é, que a Recorrida não entregou ao Recorrente o título de registo de propriedade e o livrete relativos ao veículo automóvel em causa, da marca Mercedes Benz, 200 C, matrícula ...-...-FG; que não foi, por isso, entregue a documentação que habilitaria o Recorrente à condução daquele veículo: título de registo de propriedade e livrete; que à Recorrida incumbia a entrega de tais documentos pois essa constituía uma condição para que o recorrente pudesse usufruir da coisa, gozar dela; e que o recorrente entregou à recorrida a quantia de 44.951,625 € com vista à aquisição daquela viatura),

2º - ao recorrente assiste o direito de ser indemnizado dos prejuízos causados e dos benefícios que deixou de obter em consequência do incumprimento da recorrida, mais devendo ser ressarcido pelos danos não patrimoniais que, peia sua gravidade, mereçam tutela do direito. Estão pois preenchidos os princípios relativos à obrigação de indemnizar, previstos nos artigos 562° e seguintes do Código Civil.
3º - Embora a 1ª instância e a Relação tenham considerado que a recorrida não assegurou a perfeita execução da sua prestação por não ter entregue os documentos da viatura ao recorrente, não reconheceram, a posteriori, a responsabilidade desta decorrente desse incumprimento contratual. Estamos no âmbito da responsabilidade contratual e neste sede, a lei presume a culpa do devedor, presunção esta que não resulta ilidida da fundamentação de facto. Refira-se que está dado como assente que o recorrente interpelou várias vezes a recorrida para lhe entregar os documentos da viatura. Estamos diante do chamado dano de cálculo ou dano abstracto, ou seja, o valor pecuniário do prejuízo causado ao lesado.
4º - No âmbito do "ALD", o dever de "concessão do gozo da coisa" que recai sobre o locador não se esgota com a entrega do veículo automóvel ao locatário, abrangendo ainda a entrega da "documentação relativa ao veículo", de que o condutor deve ser portador, nomeadamente do "título de registo de propriedade ou documento equivalente" e do "documento de identificação do veículo ou documento que o substitua".
5º - No caso concreto, recaindo sobre a recorrida locadora o dever de entrega do veículo e respectivos documentos ao recorrente locatário, competia-lhe provar que o não cumprimento atempado dessa obrigação, não procedeu de culpa sua (art. 799, n.° 1 e 2 do Cód. Civil).
6º - Por isso, a não entrega pela recorrida, como locadora e promitente vendedora do veículo automóvel em causa, dos documentos que lhe estão inerentes, sendo que estes são condição para circulação do mesmo, tal origina a resolução do contrato de aluguer e do contrato promessa de compra e venda e consequente indemnização dos prejuízos.
7º - O tribunal não pode deixar de atender que a recorrida é responsável pelos danos sofridos pelo recorrente, sendo que o montante da indemnização deve também ser apurado segundo o princípio fixado na parte final do n.° 1 do art. 795° do CC "...nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa", pois
8º - quando no "contrato bilateral uma das prestações se torne impossível, fica o credor desobrigado da contraprestação e tem o direito, se já a tiver realizado, de exigir a sua restituição nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa".
9º - O princípio geral fixado no n° 1 do artigo 473° do CC diz-nos que "aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou". Sendo que no n° 2 se lê que a "obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou".
10° - O recorrente pagou à recorrida as prestações a que se obrigou; a recorrida não lhe entregou o livrete e registo de propriedade da viatura; o recorrente, sem tais documentos, não pode circular com a mesma.: Por isso, esta situação, a manter-se como está, vai acarretar, caso não haja uma indemnização fixada de forma adequada, num enriquecimento injustificado para a recorrida.
11º - E para evitar tal desiderato e aplicar o fixado no art. 473° do CC - enriquecimento sem causa - deve a recorrida ser condenada a restituir ao recorrente o montante referente à aquisição da viatura, no valor que a Relação apurou de 44.951,625 €.
12° - E assim, à pergunta do que deve então ser restituído pela ré, se dirá que tal obrigação se mede pelo enriquecimento efectivo à custa do empobrecido, na procura da resposta aos limites definidores do quantitativo da medida do enriquecimento e da medida do empobrecimento. São estas as circunstâncias que devem ser atendidas pelo tribunal na busca da indemnização justa e razoável a fixar ao lesado.
13° - Este Venerando Tribunal não pode deixar de considerar que o recorrente jamais poderá circular com a viatura, por causa imputável à recorrida, com a falta de entrega do livrete e registo de propriedade da mesma. Este é o dano sofrido pelo autor e que o Tribunal da Relação não atendeu, a nosso ver erradamente. O tribunal deve seguir as regras da equidade a que se reporta o art. 883° do CC.
14° - Acresce que, constituindo o ALD uma "operação de natureza similar ou com resultados económicos equivalentes" aos da locação financeira, não pode ser realizada de forma habitual, sob pena de nulidade.
15° - Foi o que se passou no presente caso, pois do teor dos contratos celebrados entre as partes ("contrato de aluguer de longa duração" e "contrato promessa de compra e venda") podemos concluir estarmos em presença de uma operação realizada, de forma habitual, pela Recorrida. Ao contrário do que entende a Relação, a habitualidade está bem patente nos autos, pois, desde logo, é a própria recorrida quem o confessa nos artigos 2º, 25° (aplica juros a taxas de operações de crédito) da contestação, sendo que o próprio nome da recorrida (AUTO LEASING) indicia a realização de operações de locação financeira.
16º - Consequentemente, é nulo o contrato de aluguer de longa duração celebrado entre as partes, sendo que a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal - artigo 286° do CC.
17° - Pelo exposto, resulta assim que, ao decidir do modo como o fez, entende o recorrente que, salvo o devido respeito por diferente opinião, o Tribunal da Relação não aplicou, ponderada e concretamente, os normativos consagrados nos artigos 562°, 496,1, 799, 1 e 2, 795, 1, 473, 1, 883 todos do Código Civil e arts. 17, 2, alínea e), 21, 1, 4 e 5 do DL 354/86 de 23/01 e art. 23 do Decreto-Lei 149/95.
*
Não foram oferecidas contra-alegações:
*
*
OS FACTOS
A relação fixou a seguinte matéria de facto:
*
*
1) Em 01.08.1995 a autora declarou ceder ao réu o gozo do veículo automóvel da marca Mercedes Benz, 200C, com a matrícula n° ...-...-FG, equipado e acompanhado da respectiva documentação (al. A) dos F.A.).

2) Correu termos na 3ª secção do 2º Juízo Cível da Comarca do Porto a acção declarativa autuada em 18.03.96 com o n° 297/96, em que era autora a ora ré e réus, entre os demais, o ora autor e respectivo cônjuge, tendo a mesma terminado (com trânsito em julgado) com a homologação judicial, em 16.09.96, da transacção com o seguinte teor:
1ª A autora desiste da instância contra todos os réus;
2ª Os réus AA e esposa CC aceitam a desistência da instância;
3ª - Os réus AA e mulher suportam as custas do processo" Cfr. certidão de fls. 187 a J89, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (a. B) dos F.A.).

3) Na acção indicada em 1) a autora alegava, entre o demais, que o réu AA detinha o gozo do veículo Mercedes Benz, 200C, com a matrícula n°...-...-..., sem que contudo viesse pagando as rendas mensais a que estava obrigado - por via do acordo das partes - como contrapartida da cedência desse gozo, pelo que o contrato se encontrava resolvido desde 08.01.96, com o que se impunha o reconhecimento dessa resolução, a restituição e, bem ainda, o pagamento de uma indemnização, o pagamento da quantia fixada em cláusula penal e o pagamento das rendas vincendas, para além dos honorários e despesas judiciais suportados pela então autora - cfr. certidão de fls. 191 ss., cujo teor se dá por integralmente reproduzido (ai. C) dos F.A., acrescida da parte em itálico cujo teor se dá por integralmente reproduzido (ai. C) dos F. A., acrescida da parte em itálico nos termos do art. 659°, n° 3, do Código de Processo Civil).

4) Dou por integralmente reproduzido o documento (original) de fls. 29, datado de 22.07.96, relativo a uma providência cautelar não especificada, onde se refere, entre o demais, o seguinte:" O requerido (ora réu) entrou em negociações com a requerente (ora autora) e prometeu pagar os alugueres vencidos, pelo que, requer se digne oficiar à autoridade competente a devolução do pedido de apreensão do veículo Mercedes modelo200 D, cora a matrícula ...-...-FG (al. D) dos F.A.).

5) Dou por integralmente reproduzidos os documentos de fls. 33 e 34, datados de 19.07.96 e 01.08.95, respectivamente, epigrafados de " recibo provisório" (al. E) dos F.A.).

6) Com a desistência referida em 2) o autor suportou, a título de custas, a quantia de € 342,47- al. G) dos F.A.

7) Em 19.07.96 o autor pagou à ré a quantia de € 8.230,16 (1.650.000S00) - al. H) dos F.A.

8) O que se refere em 2) e 4) ocorreu em virtude de o ora autor ter liquidado os montantes que se encontravam em dívida à data (quesito 1º).

9) Apesar do que se refere em 2) e 4) a ré não lhe entregou o título de registo de propriedade e o livrete relativos ao veículo identificado em 1) - quesito 2º .

10) O autor solicitou à ré a entrega dos documentos referidos em 9) previamente à propositura da presente acção (quesito 3º).

11) - " O autor entregou à ré a quantia de 44.951,625 6 por causa dos contratos de aluguer de longa duração e contrato-promessa de compra e venda, celebrados a 1/8/1995, com vista à aquisição da viatura identificada em A) (resposta ao quesito 10.°).
*
Fundamentação
*
Como se vê das conclusões, são duas as questões suscitadas.
A primeira consiste em saber se o A. deve ser indemnizado pela Ré, como pretende, em virtude de esta não ter cumprido integralmente os contratos entre ambos celebrados.
Na sua opinião, a indemnização deve ser a correspondente ao preço pago pela aquisição do veículo, cujos documentos a Ré não lhe entregou.
A segunda traduz-se em determinar se o contrato é nulo face ao que se dispõe no Art. 23º do D.L. 149/95.
*
* *
*
1ª Questão
*
Indemnização
*
Sabemos que, por contrato de 1/8/1995, o A. e a Ré celebraram um contrato que denominaram de “Aluguer de Longa Duração”, por via do qual, esta cedeu aquele, o gozo do veículo automóvel de marca Mercedes Benz, 200 C, com matrícula ...-...-FG, equipado e acompanhado da respectiva documentação, pelo prazo de um mês, automaticamente renovável por outros 35 períodos iguais, sendo o valor dos alugueres mensais de 164.769$00 + IVA, acrescendo as despesas do seguro e outras.
Na mesma data e funcionalmente ligado a tal contrato de ALD, subscreveram ainda o A. e a Ré, um contrato-promessa de compra e venda tendo por objecto o já referido veículo, que a Ré promete vender ao A. no estado em que se encontrar à data da venda, calculada para 1/8/98, ou seja, findo o contrato de aluguer, podendo ser antecipado se as partes nisso acordaram.
O preço seria de 2.707.025$00 + IVA.
A título de caução para garantir o bom e pontual cumprimento do contrato o A. entregou à Ré a quantia de 3.167.220$00, que será descontado no preço no momento do pagamento.
Mais se convencionou que a Ré interpelará o A. por carta registada, para pagar o preço e receber a contraprestação, no prazo de 5 dias. Se o preço não for pago nesse prazo, considera-se a promessa incumprida, excepto se a Ré optar pela execução específica do contrato.
Estipulou-se ainda que em caso de incumprimento por culpa da Ré esta terá de devolver a caução e pagar-lhe, a título de indemnização quantia de igual valor.
Se o incumprimento for por culpa do A. terá este de indemnizar a Ré em quantia igual à caução prestada, podendo a Ré apropriar-se desse valor, compensando o direito de indemnização com esse crédito que a caução constitui.
*
Ficou também provado que a determinada altura da vigência do contrato de aluguer o A. deixou de pagar algumas rendas mensais, pelo que a Ré, após o interpelar para efectuar o pagamento, resolveu o contrato e intentou uma providência cautelar para apreensão do veículo e, depois, uma acção declarativa ordinária para ver reconhecida a resolução do contrato, a entrega definitiva do veículo e obter a condenação do aqui A. na indemnização devida pelo incumprimento.
Mas, entretanto A. e Ré chegaram a acordo, pelo que a Ré veio desistir da instância em ambas aquelas acções.
Ora, ficou provado que apesar desse acordo e das desistências referidas a ré não entregou ao A. a título de registo de propriedade e o livrete relativos ao veículo. (Aliás, pouco se sabe do que ocorreu na realidade entre a A. e a Ré dada as imensas lacunas da matéria alegada, o que dificulta a decisão. Por exemplo, fica-se por saber como é que os documentos foram parar à posse da Ré, visto que, ao que parece (?) terão sido entregues ao A. no início da vigência do contrato de aluguer, e a Ré desistiu da instância na providência cautelar, requerendo nesse processo a devolução dos mandatos de apreensão sem cumprimento ... (cof. fls. 122).
Também não deixa de causar espanto que, tendo os factos ocorridos em 1996, só em 2007 o A. se tenha lembrado de que está prejudicado por não poder usar o veículo ... que, ao que parece, pagou integralmente ...).
Teve-se também por provado que o A. pagou à Ré, por causa dos mencionados contratos (aluguer e contrato-promessa compra e venda), com vista à aquisição do veículo, a quantia de 44.951,625€, (a que corresponderá sensivelmente o preço global do carro, considerando-se as quantias pagas a título de rendas e o valor residual constante do contrato-promessa).
*
Perante este quadro factual, único que pode ser aqui atendido, parece poder defender-se que as partes celebraram um contrato atípico, denominado de longa duração (ALD), como melhor adiante se verá, ao qual, parte importante da doutrina e da jurisprudência atribui a natureza de um negócio indirecto, sendo o tipo de referência a aluguer e o fim indirecto o da venda a prestações com reserva de propriedade.
A tal contrato, aplicar-se-ão as regras do D.L. 354/86, que disciplina o aluguer de veículos automóveis sem condutor – rent a car – bem como as da locação em geral, em tudo que não contrarie o dito diploma legal, bem como as cláusulas contratuais estipuladas ao abrigo do princípio da liberdade contratual.
Ora, conforme alega a recorrente, estando provado a celebração do contrato de aluguer do veículo em causa e até, ao que parece, o pagamento do preço de aquisição estipulado no contrato-promessa, estava a Ré obrigada a entregar ao A. os documentos do automóvel, designadamente, o título de registo de propriedade e o livrete, como tudo resulta, não só das normas gerais aplicáveis, como expressamente do disposto no Art. 21º n.º 1 do D.L. 354/86, que até estabelece uma coima para a infracção àquela determinação legal e determina que pertence à locadora a responsabilidade pelas infracções decorrentes da não exibição dos referidos documentos perante as autoridades policiais, pelo locatário.
Assim sendo, não tendo a Ré dado cumprimento ao determinado pela lei na medida em que reteve em seu poder os documentos da viatura, incorreu na obrigação de indemnizar o A. por todos os prejuízos que eventualmente tivesse, por causa dessa omissão.
Quanto a este ponto, não existe qualquer dúvida.
Porém, o incumprimento da Ré, ao não entregar ao A. os documentos da viatura, traduz-se em simples mora, como salientou a Relação, o que, todavia a constituiria na obrigação de indemnizar o A. pelos prejuízos que desse retardamento lhe adviessem.
*
Mas, para evitar mais confusões, convém referir que o não cumprimento ou a falta de cumprimento da obrigação pode provocar diversos efeitos.
Assim, se a prestação não realizada se torna impossível, quer porque não pode já realizar-se no contexto contratual convencionado, quer porque, ainda que materialmente possível, perdeu o interesse para o credor, estaremos perante um incumprimento definitivo da prestação.
Só nestes casos é que, para além do direito à indemnização, pode o credor resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro, caso o não incumprimento seja imputável ao devedor (cof. Arts. 798, 801 e 808 do C.C.).
Mas o não cumprimento (em sentido amplo) pode, ainda, resultar de a prestação não ter sido realizada no momento devido, mas sendo ainda possível, o credor nela mantiver interesse, apesar retardamento.
Estamos, então, perante a figura da simples mora, que, igualmente, se for imputável ao devedor, fez nascer para o credor o direito a ser indemnizado pelos prejuízos sofridos em consequência desse retardamento (Art. 804º), mas não consente, com base nela, a resolução do contrato.
Porém uma situação de mora, pode evoluir, transformando-se em incumprimento definitivo por qualquer das vias previstas no Art. 808 do C.C. (interpelação admonitória e perda de interesse pelo credor (esta, apreciada objectivamente)).
*
No caso concreto, ao que resulta da prova, apesar de o A. ter incorrido em incumprimento do contrato de aluguer, as partes chegaram a acordo em manter o contrato, o que explica a desistência da instância efectuada pela Ré nos já mencionados processos – providência cautelar e acção declarativa – visto que o A. liquidou as rendas em dívida (cof. resposta ao quesito 1º, conjugado com as alíneas B) e D) dos factos assentes).
A Ré, porém, não lhe entregou os documentos do veículo alugado – título de registo de propriedade e livrete –, como igualmente se provou (cof. resposta ao quesito 2º) não obstante o A. lhos ter solicitado previamente à propositura da presente acção (cof. resposta ao quesito 3º), e apesar de se manter na posse do veículo.
Tal omissão da Ré corresponde ao não cumprimento atempado de uma obrigação contratual, mas, como se disse, na modalidade de simples mora.
Não se trata, portanto, de qualquer impossibilidade da prestação, visto que, retendo a Ré os documentos na sua posse, estava em condições de os entregar ao A., que mantinha interesse nessa entrega, tanto que manteve o automóvel na sua posse e pagou as posteriores rendas devidas, como resulta dos documentos dos autos, sem nunca ter transformado a mora da Ré em incumprimento definitivo nos termos acima referidos, como facilmente podia fazer.
Assim sendo e face à factualidade provada a Ré mantém-se em mora, mas não incorreu em incumprimento definitivo.
Tal mora é imputável à Ré, que não provou que a falta de entrega dos documentos não decorreu de culpa sua, daí ter-se constituído na obrigação de indemnizar o A. pelos danos ou prejuízos que dessa mora pudessem decorrer para o A.
Quer dizer, a dita responsabilidade da Ré só pode efectivar-se havendo prejuízos ou danos para o A. emergentes da sua omissão, uma vez que, como é sabido, não há obrigação de indemnizar se não ocorrerem danos ou prejuízos.
*
Ora, é verdade que o A. alegou diversos prejuízos decorrentes da falta dos documentos da viatura, entre eles a forçada paralisação do automóvel.
Tal matéria de facto foi levada à base instrutória, como se vê dos quesitos 4º a 8º, sendo certo que nenhum deles provou, apesar de a ele pertencer o ónus da prova dos prejuízos alegados.
Portanto, nenhuma indemnização podia ser arbitrada ao A. pelos alegados, mas não provados prejuízos.
*
Alegou igualmente o A. que despendeu com a aquisição do veículo 50.000€, tendo-se provado que o valor em questão foi apenas de 44.951.625 € (cof resposta ao quesito 10º).
Ao que parece, inclui o A. esta quantia, equivalente ao preço dos alugueres pagos e do preço residual constante do falado contrato-promessa, como prejuízo indemnizável.
Pretende, por conseguinte que a Ré o indemnize desse gasto, sendo este o objecto do presente recurso.
*
Não lhe assiste razão.
As rendas pagas pelo autor , constituem a preço de cedência do gozo do veículo e o valor residual fixado no contrato-promessa corresponde à contrapartida (ao preço) pela transferência da propriedade do veículo para o A.. Quer dizer, constituem a contra-prestação devida à Ré pelo A. não se traduzem, por isso, em qualquer prejuízo decorrente da mora da Ré.
Como ensina A. Varela (Das Obrig. em geral – II – 4ª ed. – 102 e seg.) “ os direitos do credor por virtude do inadimplemento da obrigação não se esgotam, porém, no direito à indemnização dos danos sofridos. Tornando-se a prestação impossível por causa imputável ao devedor, ou tendo-se a obrigação por definitivamente não cumprida, se a obrigação se inserir num contrato bilateral pode o credor preferir a resolução do contrato à indemnização correspondente à prestação em falta”.
É o que determina o Art. 801º n.º 2 do C.C..
Quer dizer, mesmo quando o credor opte pela resolução a lei prevê o direito a indemnização.
“Trata-se da indemnização do prejuízo que o credor teve com o facto de se celebrar o contrato – ou, por outras palavras, do prejuízo que ele não sofreria, se o contrato não tivesse sido celebrado ... que é a indemnização do chamado interesse negativo ou de confiança. Desde que o credor opte pela resolução do contrato, não faria sentido que pudesse exigir do devedor o ressarcimento do benefício que normalmente lhe traria a execução do negócio. O que ele pretende, com a opção feita, é antes a exoneração da obrigação que, por seu lado assumiu (ou a restituição da prestação que efectuou) e a reposição do seu património no estado em que se encontraria, se o contrato não tivesse sido celebrado (interesse contratual negativo)”.
Portanto, tratando-se de negócio bilateral “o credor tem nesse caso que optar ou pela resolução do contrato (com a possível indemnização do interesse contratual negativo) ou pela manutenção dele (com direito, nesse caso, à indemnização do interesse contratual positivo)” (cof. autor e obra citada).
*
Resulta do que fica dito que, no caso concreto, as prestações já efectuadas pelo A. no âmbito dos contratos em causa só podia ser peticionada se ele tivesse resolvido o contrato com base no incumprimento definitivo, o que, como se vê dos autos não se verificou.
Na verdade em nenhum dos seus articulados o A. alega ter resolvido o contrato, como de resto, da factualidade alegada, nada resulta quanto à conversão da mora da Ré em incumprimento definitivo. Daí que o A. nem sequer tenha pedido a resolução do contrato.
Ora, não o tendo feito nos seus articulados na acção, é claro que não pode, agora, em fase de recurso, alegar tal incumprimento definitivo e a resolução.
Não tem assim qualquer sentido o que se diz na conclusão 6ª.
Tão pouco tem sentido o alegado nas conclusões 7ª e 8ª uma vez que, como já se deixou dito, não tem aqui qualquer aplicação o disposto no Art. 795º do C.C. ou o Art. 801º n.º 2 do mesmo diploma legal.
*
Por outro lado, não se vê a que propósito se chama à colação o enriquecimento sem causa (Art.º 473º do C.C.), aliás nem sequer alegado pelo A. na sua petição inicial.
Na verdade não existe qualquer enriquecimento sem causa da Ré à custa do A. uma vez que o pagamento das rendas e do preço residual teve uma causa manifesta nos contratos celebrados entre o A. e a Ré, não havendo qualquer confusão entre o incumprimento dos contratos e o instituto do enriquecimento sem causa.
Aliás, competiria ao A. demonstrar a falta de causa do alegado enriquecimento da Ré, o que não fez, até porque nem tal alegou.
Acresce que o recurso à acção de enriquecimento sem causa só é possível se e quando a lei não facultar ao A. outro meio de se ressarcir dos prejuízos (Art. 474 do C.C.), situação que não se verifica no caso concreto.
Ora, não só o A. podia accionar a Ré exigindo-lhe a entrega dos documentos (e fica por entender porque não o fez ao longo de todos estes anos) como podia pedir-lhe uma indemnização pelos danos decorrentes da omissão da Ré, como, aliás, fez, por via desta acção, embora sem êxito, porque não provou quaisquer prejuízos.
*
Finalmente se dirá que não tem cabimento a pretendida aplicação do disposto no Art. 883º do C.C., visto que não está, nem nunca esteve em causa a determinação do valor das rendas ou do preço da aquisição do veículo.
*
* *
*
2ª Questão
*
Nulidade
*
Já se disse que estaremos em presença de um contrato atípico, denominado aluguer de longa duração (ALD), que é um negócio indirecto, sendo o tipo de referência o aluguer e o fim indirecto a venda a prestações com reserva de propriedade.
*
Convém, por isso, caracterizar melhor o que seja um negócio indirecto.
Considera a doutrina negócios indirectos todos aqueles em que as partes se servem de um tipo legal de negócio (negócio típico) com a finalidade de conseguirem, através dele, um fim que não é o fim próprio desse tipo negocial, mas que, apesar disso, ele permite, de algum modo, alcançar.
Como ensina o Prof. Pedro Pais de Vasconcelos (Teoria Geral do Direito Civil – 2005 – 3ª ed.), “no negócio indirecto importa considerar o tipo de referência e o fim indirecto, devendo o primeiro ser um tipo negocial legal por referência ao qual as partes celebram o negócio, sendo o fim indirecto atípico, no sentido de que não é o característico do tipo de referência ou negócio-meio.
Pode, porém, o fim indirecto ser típico, no sentido de que pode ser o fim correspondente à função característica de um outro tipo negocial.
Há, portanto, no negócio indirecto “uma divergência entre a função típica e o fim concreto com que é celebrado (fim indirecto)”.
E, como refere o citado autor “o fim indirecto é relevante na caracterização da disciplina jurídica do negócio indirecto. Na verdade, na sua interpretação, na sua integração, mas também, e sem ser exaustivo, no que respeita à boa-fé pré-contratual, ao regime dos vícios da vontade, da usura, da alteração das circunstâncias, do cumprimento, pode ser muito relevante a consideração do fim indirecto com que as partes celebraram o negócio e qual a utilidade prática que com ele visam alcançar”.
“O negócio indirecto não se reduz ao carácter típico do negócio adoptado e não pode deixar de ser relevante juridicamente o fim indirecto com que é celebrado.
A afirmação da irrelevância do fim indirecto não pode ser aceite.
O fim indirecto é comum a ambas as partes e constitui um dos fundamentos concretos da celebração do negócio, senão mesmo o principal. Sem ele, as partes não o teriam celebrado.
A interpretação e a integração do negócio, e mesmo a aplicação do direito dispositivo do tipo de referência, não podem ser feitas de tal modo e com tais resultados que as partes, ou uma delas, se os tivessem previsto, não teriam celebrado o negócio” ... “a concretização da boa-fé, da exigibilidade concreta, dos deveres acessórios, a consideração da justiça interna e do sentido do negócio não suportam a total irrelevância do fim indirecto”.
*
Ora, no caso concreto de ALD de automóveis novos, como parece ser o caso “o fim indirecto que é tido em vista pelos contratantes é conseguido através da conjugação de estipulações típicas dos contratos de aluguer é de venda a prestação com reserva de propriedade, gerando-se um verdadeiro contrato misto (que nada tem «de reprovável ou de nocivo», resultando sim, «num enriquecimento importante da liberdade contratual, da capacidade de escolha pelas partes dos meios jurídicos para a satisfação dos seus interesses, e num aumento dos meios jurídicos disponíveis no comércio” (cof. autor citado – Contratos atípicos).
*
Por outro lado, existe entre nos diploma legal que disciplina o aluguer de veículos automóveis sem condutor – D.L. 354/86 – que, embora gizado, em geral, para o aluguer de curta duração, nenhuma restrição impõe quanto à duração dos contratos, pelo que nada impedia a Ré de efectuar com o A. o contrato de aluguer aqui em causa, prevendo a sua renovação automática pelo período de 35 meses (sendo as renovações mensais).
Assim como, ao abrigo do princípio da liberdade contratual, nada a impedia de prometer vender ao A., findo o contrato de locação, o veículo em questão.
*
Vê-se, assim, que os contratos atípicos de ALD, tal como acima o caracterizamos se distingue facilmente da Locação Financeira (regulada pelo D.L. 149/95 e suas alterações), no âmbito da qual, a ideia fundamental não é a aquisição do bem locado, mas sim o seu gozo temporário e oneroso. Não é por via do contrato que o locatário adquire a propriedade da coisa, finda a locação.
Tal direito resulta directamente da lei. É um direito protestativo que o locatário pode ou não usar, sem quaisquer consequências jurídicas, isto é, não se constitui em qualquer obrigação jurídica de adquirir o bem, ou de indemnizar a locadora financeira, não o fazendo, diferentemente do que ocorre nos contratos de ALD em que o locador se obriga, através do contrato-promessa a vender o bem ao locatário, finda a locação, sob pena de incorrer em responsabilidade pelo não cumprimento.
E, de resto, nada impede que igualmente se obrigue o locatário a comprar o bem findo o contrato, ou seja, a obrigação de transferir a propriedade tanto pode impender apenas sobre a locadora, através de contrato-promessa unilateral, como através de contrato-promessa bilateral em que também o locatário se obriga a comprar a coisa locada finda a locação.
A finalidade última do ALD é, como se disse a aquisição da coisa, daí a sua configuração de um contrato indirecto nos termos acima expostos.
É o que acontece no caso concreto, no qual, finda a locação está a R. é obrigada a vender ao A. o veículo em questão, estando este obrigado a comprá-lo, sob pena de perder o valor da caução, além de que ambas as partes submeteram o contrato ao regime de execução específica.
*
Assim, apesar de alguns pontos comuns entre o ALD e o Leasing (locação financeira), nesta o que prevalece é a obtenção do crédito que lhe permite usar a coisa locada, sem qualquer obrigação de, no fim do contrato a adquirir.
Portanto, sendo certo que também o ALD facilita o crédito a sua função económica é substancialmente diferente da que caracteriza o contrato da locação financeira, não havendo, por isso razão para que se lhe aplique o Art. 23º do D.L. 149 não se coloca, pois a questão da nulidade do contrato de ALD com base no referido preceito legal.
*
Acresce que o referido dispositivo só proíbe a outras entidades que não sejam empresas de locação financeira a realização de operações de natureza similar ou com resultados económicos equivalentes aos dos contratos de locação financeira se o fizeram de forma habitual, o que significa, não ser proibido tais operações se forem isolados ou esporádicas, isto é, quando realizados de forma não habitual.
Ora, no caso concreto, ainda que se entendesse que o contrato em causa tem similitude ou permite obter resultados económicos equivalentes a um contrato de locação financeira (e não se entende, como se disse), nunca poderia ter-se o contrato como nulo por força do dito Art. 23, isto porque nunca o A. alegou que a Ré pratica tais contratos de forma habitual, nem tal resulta dos elementos de facto disponíveis nos autos, pelo que não pode ter-se por provado essa factualidade que sempre seria essencial para levar ao resultado pretendido pelo A..
*
Improcedem, assim, todas as conclusões da revista.
*
* *
*
Decisão
*
Termos em que acordam neste S.T.J. em negar revista, confirmando-se o acórdão recorrido.
*
Custas pelo recorrente.
*

      Supremo Tribunal de Justiça
Lisboa, 12 de Outubro de 2010.

Moreira Alves (Relator)
Alves Velho
Moreira Camilo