Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02A062
Nº Convencional: JSTJ00042872
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
PRÉDIO RÚSTICO
PRÉDIO CONFINANTE
UNIDADE DE CULTURA
Nº do Documento: SJ200202280000626
Data do Acordão: 02/28/2002
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR CIV - DIR REAIS.
Legislação Nacional: CCIV66 ARTIGO 1380 N1.
L 2116 DE 1962/08/14 BVI N1.
DL 384/88 DE 1988/10/25 ARTIGO 18.
PORT 202/70 DE 1970/04/21 ARTIGO 1.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1993/10/13 IN RLJ ANO127 PAG294.
Sumário : Há direito recíproco de preferência entre os donos dos prédios rústicos confinantes, desde que um deles (seja aquele cujo dono quer vendê-lo, seja o outro contíguo, que pretende comprá-lo) tenha área inferior à unidade de cultura.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

A, instaurou no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, em 26 de Maio de 2000, acção com processo ordinário contra B e mulher C, e D, pedindo se reconheça ao autor o direito de preferência na venda de um prédio rústico feita pela ré D ao réu B, declarando-se assim o autor substituído aos réus compradores no direito de propriedade sobre o identificado prédio desde a data da respectiva aquisição.

Contestaram os réus para alegar que o autor não tem o direito de preferência, pois ambos os prédios confinantes; o do autor e o dos réus, têm uma área superior à unidade de cultura.

Replicou o autor para manter a sua posição inicial.

Logo no saneador foi a acção julgada improcedente, com a absolvição dos réus do pedido.
Inconformado, apelou o autor.

O Tribunal da Relação de Coimbra, pelo acórdão de fls. 89 e seguintes, datado de 22 de Maio de 2001, negando provimento ao recurso, confirmou o saneador-sentença.

Ainda não conformado, o autor interpôs o presente recurso de revista, em cuja alegação formula as conclusões seguintes:
1ª - Decorre, nomeadamente do texto do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 384/88, de 25 de Outubro, que o objectivo fundamental da lei era precisamente o aumento da área dos prédios e das explorações agrícolas por forma a conceber unidades agrícolas de grande dimensão capazes de criar condições de produção agrícola que não só satisfizessem as necessidades agrícolas do país como corrigissem níveis de competitividade dentro do mercado único europeu;
2ª - A objectivação de tal princípio levou, precisamente, ao corte com o regime até então vigente, ao permitir o emparcelamento de prédios rústicos aptos para a cultura, independentemente da área dos mesmos;
3ª - O artigo 18º do Decreto-Lei 384/88, de 25 de Outubro, permite o exercício do direito de preferência (nos termos do artigo 1380º do Código Civil) ainda que a área daqueles prédios seja superior à unidade de cultura;
4ª - Não faz, assim, a lei qualquer restrição do direito de preferência quando a área dos prédios é superior à unidade de cultura;
5ª - Foram violados os artigos 18º do Decreto-Lei 384/88 e 9º do Código Civil.

Contra-alegando, os recorridos pugnam pela manutenção do julgado.

Cumpre decidir.

Os factos considerados provados pela Relação são os seguintes:
- Os autores são donos do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 682º da Freguesia de Silgueiros, com a área de 9,2397 hectares;
- Esse prédio confina do lado Norte/Sul com outro rústico, com a área de 17,7399 hectares;
- Este último pertencia à 2ª ré, que o cedeu mediante determinado preço ao 1º réu, conforme escritura pública de 3 de Dezembro de 1999, pelo preço declarado de 3000000 escudos;
- Ao autor não foram comunicados os elementos atinentes com o contrato de compra e venda referido;
- Ambos os prédios referidos destinam-se à cultura arvense de pinhal.

Postos os factos, entremos na apreciação do recurso.

Dúvidas não há que qualquer dos dois prédios rústicos referidos nos autos tem uma área superior à da unidade de cultura fixada no artigo 1º da Portaria n.º 202/70, de 21 de Abril.

Assim sendo, terá o autor o direito de preferência que invoca?
A resposta, tal como decidiram as instâncias, é negativa.

O direito de preferência em causa tem a sua origem na lei n.º 2116, de 14 de Agosto de 1962.

Segundo a Base VI, n.º 1, dessa Lei, os proprietários de terrenos confinantes com um prédio rústico alienado gozavam do direito de preferência desde que este prédio tivesse área inferior à unidade de cultura.

Com a entrada em vigor do Código Civil, artigo 1380, n. 1, o direito de preferência só passou a aproveitar aos proprietários de prédios confinantes com área também inferior à unidade de cultura.

Preceitua hoje o artigo 18º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 384/88, de 25 de Outubro, que "os proprietários de terrenos confinantes gozam do direito de preferência previsto no artigo 1380º do Código Civil, ainda que a área daqueles seja superior à unidade de cultura".

Qual a interpretação a dar a esta norma?

Ter-se-á querido consagrar o princípio de estender a preferência legal a todas as alienações onerosas de prédios rústicos vizinhos sem se atender às respectivas áreas?

A resposta é negativa.

A questão mostra-se estudada em termos convincentes no acórdão deste Supremo de 13 de Outubro de 1993 e na brilhante anotação do professor Antunes Varela a fls. 294 e seguintes da Rev. Leg. Jur., ano 127º.

O legislador de 1988 pretendeu aumentar a eliminação dos minifúndios, afastando o regime do Código Civil e não querendo regressar à disciplina legal de 1962.

Assim sendo, como diz o Professor Antunes Varela, Revista decana, ano 127º, págs. 373-374, "uma única solução á capaz de corresponder simultaneamente a esse duplo objectivo - que é a de estabelecer um direito recíproco de preferência entre os donos dos prédios rústicos confinantes, desde que um deles (seja aquele cujo dono quer vendê-lo, seja o outro contíguo, que pretende comprá-lo) tenha área inferior à unidade de cultura".

Na verdade, só com esta interpretação do artigo 18º do decreto-Lei n.º 384/88 se consegue eliminar um minifúndio e tornar o terreno economicamente rentável na sua exploração agrícola.

Não é o que se passa no caso dos autos, pois nenhum dos dois prédios rústicos tem uma área inferior à unidade de cultura.

O autor não tem, pois o direito que invoca, pelo que nenhuma censura merece o acórdão recorrido.

Termos em que se nega a revista.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 28 de Fevereiro de 2002
Tomé de Carvalho,
Silva Paixão,
Armando Lourenço.

1º - Juízo do T. Judicial Viseu - P. 175/00
T. Relação de Coimbra - P. 838/01