Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2ª SECÇÃO | ||
Relator: | ABRANTES GERALDES | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE BANCÁRIA VALORES MOBILIÁRIOS INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO ILICITUDE NEXO DE CAUSALIDADE | ||
Data do Acordão: | 06/06/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Área Temática: | DIREITO DOS VALORES MOBILIÁRIOS - INVESTIMENTO EM VALORES MOBILIÁRIOS. | ||
Doutrina: | - Felipe Canabarro Teixeira, “Os deveres de informação dos intermediários em relação aos seus clientes e a sua responsabilidade civil”, em Caderno de Mercado dos Valores Mobiliários, nº 31, de Dezembro de 2008, p. 74 e segs.. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DOS VALORES MOBILIÁRIOS (CVM): - ARTIGOS 7.º, 291.º, N.º1, AL. C), 304.º, 312.º, Nº. 1, AL. A), E N.º 2), 314.º. | ||
Sumário : | A responsabilidade civil assacada ao intermediário financeiro, designadamente no âmbito de contrato de consultadoria para investimento em valores mobiliários, pressupõe a prova da ilicitude resultante do incumprimento de deveres legais ou contratuais, numa relação de causalidade adequada com o sinistro financeiro verificado. A.G. | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I - AA
demandou
BANCO ..., SA,
pedindo que o R. seja condenado a pagar ao A. a quantia de € 398.118,75, acrescida de juros contados à taxa legal desde a sua citação até efectivo e integral pagamento, ou subsidiariamente, caso se entenda que, não obstante o R. ter comunicado ao A. a aludida perda do capital de € 391.000,00 aplicado pelo mesmo na compra das obrigações em causa e que encontrando-se o ... Bank insolvente, o seu activo não permite o pagamento dos seus credores por créditos subordinados, deverá o R. ser condenado a pagar, a título de indemnização pelos danos causados pela sua conduta, a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença.
Alega para tanto que em Agosto de 2007 pretendeu fazer um aplicação financeira, isenta de riscos, de capital assegurado e por um período não superior a cinco anos, face à sua avançada idade, de cerca de € 400.000,00 que tinha disponíveis numa conta numa dependência do R. Foi então aconselhado por um funcionário do R., e por um outro indicado com especialista em investimentos financeiros a aplicar aquela quantia em obrigações de um banco islandês, que lhe disseram ser grande e sólido, o ... Bank, dizendo-lhe que essa aplicação era segura e isenta de risco, dando um rendimento garantido, anual e fixo de 6,75% líquidos, pagos trimestralmente, e que no resgate, em 6 de Julho de 2012, lhe seria devolvida a totalidade do capital que investisse. A partir de 30 de Setembro de 2008 o R. não creditou na conta do A. mais nenhuns juros daquelas obrigações, sendo notícia que o ... Bank estava numa situação de ruptura financeira ou insolvência. Na sequência da informação solicitada pelo A. em Fevereiro de 2009, foram-lhe remetidos documentos, de cuja análise resulta que os títulos em causa tem uma "maturidade" definida como sendo perpétua, competindo ao emitente o direito de os resgatar em 6 de Julho de 2012, sendo também de risco elevado. O R. reclamou em nome do A. junto do ... Bank um crédito total de € 459.743,75, sendo que o activo daquela instituição não é suficiente para pagar aos credores por créditos subordinados, pelo que o mesmo não permite o pagamento aos seus credores por créditos de obrigações subordinadas, o que significou para o A. uma perda efectiva e total do capital que investiu nas referidas obrigações. O A. quando deu a ordem da compra das obrigações em causa e as adquiriu desconhecia a existência de uma ficha técnica relativa às mesmas e a respectiva relevância, mas que o R. conhecia, sabendo que o conhecimento e a compreensão da mesma eram determinantes para uma tomada de posição consciente e esclarecida por banda do A. quanto à sua aquisição. Só através da carta do R. de 27 de Fevereiro de 2009, o A. veio a saber que as obrigações em causa eram transaccionáveis num mercado restrito e específico, sabendo o R., que ao aconselhá-lo a adquirir as obrigações, o estava a aconselhar a comprar algo que sabia o A. não desejava comprar, nem compraria se conhecesse as características ou tipologia dessas obrigações.
A R. veio contestar impugnando a responsabilidade que lhe é assacada pelo A.
Realizado julgamento foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo o R. do pedido.
O A. apelou e a Relação confirmou a sentença.
Foi interposto revista que foi admitido como revista excepcional, concluindo o A. que:
Houve contra-alegações.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II – Arguição de nulidades que contendem com a decisão da matéria de facto: 1. O recorrente começa por arguir uma nulidade do acórdão recorrido relativamente ao modo como foi apreciada a impugnação da decisão da matéria de facto. Quanto aos pontos 1º e 2º, a divergência entre o que ficou a constar da decisão e o que o recorrente pretendia que constasse situava-se apenas na localização temporal do primeiro contacto havido entre o A. e o R. relacionado com a aplicação financeira que veio a concretizar-se no mês de Agosto de 2007. Não procede a invocada nulidade por omissão de pronúncia, nem a decisão da matéria de facto acerca daqueles pontos é atacável por outra via, a do excesso de pronúncia. Pode o recorrente discordar do que a Relação decidiu, mas não justifica a alegada nulidade, uma vez que a Relação exerceu de modo completo e apurado o poder de sindicar a decisão advinda da primeira instância. Quanto ao segundo aspecto, aquele que efectivamente ainda poderia relevar em termos de revista, também não se confirma o excesso de pronúncia, já que a concretização da localização temporal do referido contacto em data anterior àquela que foi referida pelas partes não deixa de ter a natureza instrumental, não se vendo que efeitos o recorrente pretenderia extrair de uma outra resposta que situasse o contacto durante o mês de Agosto. Com efeito, o cerne do litígio não se situa na data em que ocorreu aquele contacto, facto instrumental, circunstancial, periférico, em suma, irrelevante, nem no facto de o A. não ter reflectido suficientemente acerca do risco do investimento, antes na delimitação da sua efectiva vontade e na resposta que lhe foi dada pela entidade bancária a que se dirigiu para realizar a aplicação financeira. O que acaba de afirmar-se acerca da natureza instrumental de certos factos pode ser transposto para a decisão quanto às respostas aos pontos 7º, 8º e 25º que foram dadas pela 1ª instância e mantidas pela Relação, as quais se inscrevem nos limites do que estava controvertido, sendo respostas explicativas, cuja assunção é legítima, como bem o justificou a Relação, sem que essa opção possa ser sindicada no âmbito da revista. Dir-se-á ainda que também não se detecta que efeitos poderiam extrair-se de uma alteração das respostas em confronto com os que foram extraídos a partir da sua versão dada pelas instâncias. Improcede, assim, a arguida nulidade do acórdão recorrido.
III - Factos provados: 17. Em 14-8-07 o A. subscreveu na dependência do R. de Vila Nova de Gaia, com o seu referido gerente, Sr. M..., a seguinte ordem de compra (fls. 21): "Solicito a compra de aprox. € 400.000 da Obrigação emitida pelo ... Bank, (Banco Islandês-Rating A2e Moody's e A- daFitch) com as seguintes características: - Taxa juro anual de 6,75% ilíquidos; - Pode terminar em 6-7-2012 (call-opção do ... Bank em terminar esta emissão). - Emissão efectuada à cotação de 100,00. - Cotação actual de +/-99,00. - Pagamento de juros fixos trimestrais, independentemente do valor de cotação. - Comissão de transacção de 0,26% na compra e na venda. - Comissões actuais de dossier de títulos de € 151,25 semestral. - Comissões actuais de 2% sobre os juros pagos. 27. O A., por documento escrito datado de 16-2-09 (fls. 28), solicitou ao R.: - Cópia do contrato e respectiva ficha técnica do produto em causa; - Cópia do documento que titula a aplicação financeira em causa (ordem de compra); - Informação de qual o mercado bolsista em que são transaccionados estes títulos; 28. Por carta datada de 27-2-09 (fls. 29), mas apenas expedida em 3-3-09, o R. respondeu ao A. nos seguintes termos: "Remetemos em anexo, o documento de subscrição efectuado no momento da aquisição da emissão. De igual modo a respectiva ficha técnica retirada de "Bloomberg". Relativamente à questão que coloca, no que respeita ao tipo de mercado, onde se transaccionam as emissões deste tipo, informamos que não são no mercado bolsista. Neste tipo de activos, o mercado é "OTC" (Over-the-Counter). O Banco Popular na posição de intermediário na colocação destes títulos não apresentou quaisquer garantias. As garantias prestadas dizem respeito ao emitente dos títulos, conforme referido no documento que V. Exª assinou no momento da subscrição do investimento. No caso específico, o ... Bank. Embora lamente profundamente a perda de capital que resultou deste investimento, o Banco Popular não pode ser responsabilizado pelo resultado do mesmo e os comerciais do Banco que o acompanhavam sempre tiveram uma actuação perfeitamente adequada ao longo deste período. Infelizmente, a crise financeira que atravessamos acabou por afectar a generalidade dos Bancos e investimentos considerados de risco reduzido acabaram por ter resultados totalmente imprevisíveis. Foi o caso das obrigações que adquiriu que, embora tivessem uma notação de rating "investment grade" e, como tal, não poderem ser consideradas de risco elevado, acabaram por ter os resultados que todos sabemos. 30. O A., por carta datada de 16-3-09 (fls. 36), comunicou ao R. o seguinte: "Com referência à carta de V. Exªs, datada de 27/02/09 que fizeram expedir em 3/03/09 e que se reporta ao assunto em referência, cumpre-me fazer as seguintes observações: Não corresponde à verdade que os vossos colaboradores que me acompanharam nesta questão tenham tido sempre uma actuação adequada e isenta de reparo. Desde logo terei de referir que me sinto enganado relativamente ao "produto" que me venderam e às condições que então me foram anunciadas. Assim, para além de me terem concretamente anunciado que poderia reaver o capital investido a todo o momento a partir de 2012 e sem qualquer prejuízo. Anunciaram-me, também o pagamento de uma taxa de juro anual de 6,75% ilíquidos com pagamento assegurado de juros trimestrais. Constato agora, pelos documentos que a meu pedido me remeteram, que os títulos em causa (obrigações) têm uma "maturidade" definida como sendo perpétua competindo ao emitente o direito de resgatar os títulos em 06/07/2012 e que, contrariamente ao que me anunciaram, tais títulos eram de risco elevado o que contrariou em absoluto o meu pedido de pretender uma aplicação isenta de risco e de capital assegurado. Também é rotundamente falso que, os colaboradores desse Banco tenham colocado essa instituição à margem de qualquer responsabilidade na promoção e venda daqueles títulos e cumprimento das obrigações daí decorrentes. Nem tal consta do documento que me enviaram, como agora pretendem fazer vingar. Acresce que, apesar do referido em 4., não me foram liquidados os juros devidos relativos ao último trimestre vencido, juros esses que vinham sendo creditados na minha conta por esse Banco. Não me satisfaz assim o lamento desse Banco relativamente à actual situação, tomando, porém, devida nota da vossa informação relativamente às medidas que dizem ter assumido na defesa dos interesses dos vossos clientes, reservando-me o direito de tomar posição sobre a matéria e relativamente a esse Banco. 31. O R., por carta de 30-3-09 (fls. 41), comunicou ao A. o seguinte: 32. Por carta datada de 13-7-09 (fls. 42), o R. comunicou ao A. o seguinte: "Em resposta à carta de V. Exª. datada de 16/03/09 e na sequência da nossa carta de 30/03/2009, informamos que procedemos à recolha de todas as informações e documentos, no sentido de poder responder. Verificamos, desde já, que V. Exª tomou conhecimento, por ter sido informado através do Departamento de ...Banking do Banco Popular, das características do investimento subscrito, nomeadamente, através da carta datada de 27/02/09. Deste modo e dando sequência ao nela vertido, o Banco ..., SA, vem por esta via, informar de que tem vindo a tentar manter-se a par das informações disponibilizadas pela nova administração do Banco ... e pelas autoridades islandesas competentes, designadamente no que respeita à situação do banco e à reclamação de créditos. Como será do conhecimento de V. Exa, no passado dia 9-10-08 e na sequência do acima exposto, o Governo Islandês assumiu o controlo do Banco ..., reconhecido como sendo um dos maiores e mais sólidos bancos da Islândia. Já após essa intervenção, os tribunais islandeses nomearam um grupo de administradores com o objectivo de gerir e recuperar financeiramente o Banco ... durante um período de tempo determinado (e que nunca poderá ultrapassar o dia 24-11-10). Apesar de o Banco ... não ter sido declarado insolvente, a legislação islandesa para estas situações de emergência permite que o banco, na fase actual, suspenda todos os pagamentos aos seus credores, sem que estes possam reagir judicialmente. Foi por força dessa legislação que os pagamentos devidos nos termos do Programa das Obrigações detidas em carteira por V. Exa. foram suspensos, até indicação em contrário. Ao abrigo desta legislação, o Banco ... Portugal, SA precedeu já ao registo, junto do banco ..., da reclamação do montante global dos créditos relativos às Obrigações adquiridas pelos seus clientes. Contudo, soubemos que foi recentemente publicada uma alteração legislativa nesta matéria, que vem estabelecer novas regras para as instituições bancárias em situação idêntica à do Banco .... De acordo com a referida legislação, a suspensão de pagamentos mantém-se, devendo os credores interessados em recuperar os seus investimentos proceder à reclamação dos créditos junto dos bancos seus devedores, até à meia-noite do dia 30-10-09. Esta nova legislação dispõe igualmente que a não apresentação das reclamações dos credores dentro do prazo referido, determinará que as mesmas deixarão de poder ser apresentadas e de ser tidas em consideração a partir dessa data. Uma vez que o Banco ..., SA já reclamou os créditos em momento anterior à publicação desta alteração legislativa, a necessidade de apresentação de nova reclamação, bem como quaisquer outras possíveis consequências desta nova lei, estão ainda a ser analisadas. Haverá que ter presente que, nos termos da lei islandesa, o Banco ... deve proceder primeiramente ao pagamento de todos os créditos relativos aos depósitos bancários e, só após o ressarcimento destes, dar início ao processo de pagamento dos restantes créditos. Também no que respeita a esta matéria, estamos a analisar o novo quadro legal islandês, o qual, aliás, ainda não foi objecto de implementação plena. O Banco ..., S.A., vem também informar os seus clientes da sua disponibilidade para, sem qualquer custo adicional para os seus clientes, continuar a acompanhar a situação do Banco ... e promover as reclamações de créditos que venham a ser necessárias, através dos procedimentos que venham a ser fixados para o efeito (nomeadamente através de reclamações formais ou participação em assembleia de credores). Se tal nos for exigido para esse efeito, poderá vir a ser necessário dotar o Banco ..., S.A. de procuração ou outro instrumento de representação para que possamos agir em nome e representação de V. Exa. Saliente-se contudo, que a actuação do Banco ..., S.A. será sempre numa base graciosa e de desenvolvimento das diligências necessárias para o acompanhamento da situação do Banco ... e para a reclamação dos créditos dos seus clientes, não podendo daí resultar uma qualquer responsabilidade para este banco pelos esforços que venha a desenvolver neste domínio. Se constrangimentos de ordem legal ou administrativa dificultarem de um modo relevante a nossa actuação, ou a mesma apenas for possível através de um dispêndio desproporcionado de recursos, daremos nota disso aos nossos clientes e proporemos as soluções alternativas que nos parecerem mais adequadas.
IV – Decidindo: 1. Invoca o recorrente que, mesmo considerando a decisão da matéria de facto fixada pelas instâncias, se impunha uma decisão diversa que desse procedência ao pedido formulado, pretensão que não encontra acolhimento. Trata-se de aferir se a matéria de facto apurada integra os requisitos da responsabilidade civil contratual emergente do incumprimento de deveres resultantes de um contrato de intermediação financeira que se estabeleceu entre o A., como cliente, e o R., como instituição financeira.
2. Importa realçar, antes de mais, que deve atentar-se na regulamentação jurídica que existia na data em que ocorreram os contactos entre o A. e a R. e em que se concretizou a aplicação financeira. Na verdade, depois de ter sido despoletada a grave crise financeira global, ocorreram modificações no quadro normativo e regulamentar relacionadas com a actividade de comercialização ou de intermediação de produtos financeiros que visaram reforçar os deveres dos intermediários financeiros relativamente às diversas operações e, simultaneamente, proteger mais acentuadamente os investidores, maxime os investidores não institucionais, como o recorrente. Porém, tais desenvolvimentos normativos e regulamentares não servem para resolver o caso concreto, uma vez que os direitos e deveres de cada um dos sujeitos devem ser contrastados com quadro jurídico que se encontrava em vigor na data em que ocorreram os factos. Também deve ponderar-se o circunstancialismo então vigente, em que, designadamente, os riscos financeiros se revelavam (ao menos aparentemente) inferiores aos reais, bem diverso daquele que agora se verifica, em que os assuntos de ordem financeira marcam as agendas quer da comunicação social, quer das entidades de natureza política e financeira, transmitindo-se também para os potenciais investidores.
3. A ponderação do quadro normativo e regulamentar que importa para o caso não permite verificar os pressupostos da responsabilidade civil que o A. pretende assacar à R. O “sinistro” financeiro que ocorreu e que afectou o investimento efectuado pelo A. e que fora intermediado pela R. é o realmente parece: um efeito determinado por uma operação financeira que, como muitas outras, comportava riscos. Depois de a aplicação financeira ter gerado, durante um determinado período, os juros que o A. pretendia, por motivos que não são imputáveis à R. e que este nem sequer podia prevenir, ocorreu a desvalorização das obrigações que haviam sido adquiridas respeitantes a um banco que entrou em situação de ruptura. Ora, ainda que a “euforia bolsista” ou outros factores levem à frequente desconsideração da natureza e dos riscos que envolvem determinadas operações financeiras, a história demonstra (e já deveria ter ensinado) que tais riscos são recorrentes e periódicos, encontrando-se o factor de incerteza apenas na data da sua ocorrência ou na sua dimensão. No caso, tal risco estava aparentemente dissimulado sob a capa de uma aplicação financeira que se traduzia na aquisição de obrigações emitidas por uma entidade bancária bem cotada pelas entidades que a isso se dedicam e integrada num sistema financeiro – o islandês - que igualmente se encontrava bem cotado por tais agências de rating. Aparentemente, tudo se conjugava para que tal aplicação financeira produzisse os resultados que o A. pretendia, sendo assegurados não tanto pela natureza do concreto “produto”, antes pelo facto de este e o sistema financeiro em que se integrava gozarem – aparentemente – de boas qualidades. Ora, são precisamente estas as circunstâncias que proporcionam a ocorrência de sinistros de maior amplitude, com prejuízos mais elevados e quebra das expectativas dos interessados, envolvendo no vórtice da crise investidores com menor capacidade de entender ou de antecipar os incidentes ou com menor capacidade de absorção dos prejuízos. Se é verdade que a qualquer investidor é legítimo esperar que os investimentos realizados produzam os resultados projectados, não pode ser jamais desconsiderado que qualquer investimento, mesmo aqueles que parecem mais seguros, como ocorre com os depósitos bancários, comporta uma determinada margem de risco que, em última instância, será repercutido na esfera do investidor. E se tal ocorre em investimentos tradicionais, é natural que esse risco seja proporcionalmente superior quando se trate de investimentos com maiores riscos potenciais (ainda que eles não se revelem então aparentes), designadamente quando assentem em produtos com elevada dose de especulação, com variabilidade de factores que influem nos resultados, com características que são de difícil apreensão por parte dos investidores não profissionais, com aplicações realizadas noutros mercados financeiros (que nem sequer se encontram sujeitos a regulação credível ou normalizada) ou que surgem com linguagem indecifrável pelo comum investidor. Seja como for, não é correcto eleger como factor decisivo a ocorrência do sinistro e dos prejuízos inerentes, para depois, numa inversão do percurso metodológico, encontrar os responsáveis relativamente aos quais possam ser reclamadas as compensações, antes deve caminhar-se no sentido natural que passa pela apreciação dos factos que, no circunstancialismo atendível, isto é, na ocasião em que é realizado o investimento, importem para terceiros a responsabilidade pelos prejuízos. Se tal não for encontrado, resta concluir que os prejuízos acabarão por ser absorvidos unicamente pelo investidor, como fruto de uma actuação que visando a extracção de proveitos … pode também acarretar prejuízos que potencialmente nela se contém. Assim é no caso concreto, tendo em conta os factos provados e o direito aplicável.
3. Ao A., mediante prévia solicitação, foi-lhe apresentada pela R. uma operação financeira que acabou por se concretizar, agindo como intermediário financeiro. Sendo diversas as variantes desta actividade, a mesma envolve, além de outras, a “consultoria para investimento em valores mobiliários”. E foi este o serviço auxiliar que efectivamente foi prestado pelo R. no interesse do A. (art. 291º, al. c), do CVM). Decorre do art. 7º do CVM, na redacção que para o caso importa, que “a qualidade da informação” deve ser “completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita”. E, nos termos do art. 304º, “os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado”, observando os ditames da boa fé, da diligência, da lealdade e da transparência. Deve ainda, em especial, prestar informações que envolvam os “riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar”, sendo que a “extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente” (art. 312º, nº 1, al. a), e nº 2). Apenas na medida em que se revelasse necessário para o cumprimento dos deveres impunha-se que o intermediário financeiro se informasse “sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem” (nº 3 do art. 304º).
4. Decorre da matéria de facto apurada que: - Os colaboradores da R. informaram o A. das características das obrigações emitidas pelo ... Bank e que o capital seria reembolsado no seu resgate pelo próprio ... Bank e não pelo Banco ... ou por qualquer outra entidade; - O ... Bank era, na altura, uma instituição de crédito considerada e sólida, usufruindo de uma nota de rating A atribuída pela Agência Fitch; - A Islândia, país da sua sede e actividade principal, detinha um rating Aaa atribuído pela Moodys e de A+ atribuído pela Standard and Poors; - As obrigações adquiridas pelo A. detinham um rating de Aa2 atribuído pela Moodys; - Na sequência do primeiro contacto com a sucursal de Vila Nova de Gaia e em reuniões posteriores realizadas agora com participação de colaboradores do Banco, o A. reiterou a sua intenção de subscrever produtos que lhe proporcionassem altas taxas de remuneração; - O A., aquando da subscrição das referidas obrigações, pretendia obter uma elevada rentabilidade dos capitais investidos, por força da sua remuneração com uma taxa significativa; - As características que realmente interessavam ao A. estavam assinaladas no documento em que o A. solicitou a aquisição, sendo de assinalar a taxa de juro e o facto de as obrigações poderes ser resgatadas em 2012; - Só a partir de 2008 se revelou que o ... Bank estava numa situação de ruptura financeira ou insolvência.
4. Para que a R. pudesse ser responsabilizada pelo que ocorreu necessário era que, atento o disposto no art. 314º do anterior CVM, estivesse provada a violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, impostos pela lei ou por regulamento. Ainda que, nos termos do nº 2, se presuma a culpa no âmbito das relações contratuais, tal não afasta o pressuposto prévio da demonstração da ilicitude que recai sobre aquele que invoca o direito de indemnização e que em concreto se poderia ter traduzido na violação daqueles deveres, com função causal relativamente aos prejuízos. Aceite a existência de um prejuízo na esfera do A. que decorre do facto de o banco que emitiu as obrigações colocadas no mercado financeiro ter entrado em situação de ruptura financeira e ter sido intervencionado pelo Estado islandês, faltam para responsabilizar o R. outros pressupostos da responsabilidade contratual, onde avulta o incumprimento de deveres legais ou contratuais. Como intermediário financeiro cumpria à R. informar o A., enquanto investidor não institucional, da natureza do “produto” disponibilizado pelo mercado financeiro global. Nos termos do art. 7º do anterior CVM, a qualidade da informação a prestar aos investidores, maxime aos não institucionais, deve ser “completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita”. Mais concretamente, dirigindo-se aos intermediários financeiros, prescrevia o art. 304º que devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes, devendo observar os ditames da boa fé e com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência. Pode, assim, concluir-se que o grau de envolvimento dos serviços da R. nessa informação era bem superior ao que existiria se acaso se tratasse de um investidor institucional, devendo confrontar o interessado com os dados relevantes para a decisão, assinalar os riscos da aplicação e indicar as características do produto. Ainda assim, a não ser que se assuma a existência de uma capitis diminutio que recaia sobre todo e qualquer investidor relativamente a toda e qualquer operação, não podem ser descurados paralelamente os deveres de diligência de cada indivíduo, deveres estes que, além do mais, devem ser exercidos na procura da informação que permita tomar uma decisão conscienciosa, em vez de atentar apenas em alguns dos elementos, como a rendibilidade periódica ou a taxa de juro, orientados apenas pela obtenção dos lucros, sem atenção aos riscos. A respeito dos níveis de informação que na altura eram exigíveis, não pode ser desconsiderado o maior ou menor empenho revelado pelo interessado tanto na ocasião da concretização do investimento, como no período subsequente (sobre a matéria cfr. Felipe Canabarro Teixeira, Os deveres de informação dos intermediários em relação aos seus clientes e a sua responsabilidade civil, em Caderno de Mercado dos Valores Mobiliários, nº 31, de Dezembro de 2008, págs. 74 e segs.), sendo que, no caso, se travava de um investidor que efectuava um avultado investimento numa entidade bancária de um país remoto que nem sequer integrava a União Europeia. Ora, o aconselhamento e a correspondente aquisição do produto financeiro estavam ancorados em elementos credíveis que proporcionavam uma forte expectativa quanto à rentabilidade pretendida e quanto à recuperação do capital investido. Ainda que mais recentemente o público em geral (e, aparentemente até entidades de supervisão e de regulação dotadas de know how e adstritas a deveres que deveriam cumprir para salvaguarda do mercado financeiro e dos investidores) tenha sido confrontados com a falibilidade das apreciações das agências de rating ou mesmo com determinadas estratégias de diversos agentes que passavam pela ocultação de riscos, a verdade é que, situando-nos, como devemos situar-nos, em 2007, outras eram as circunstâncias que envolviam quer os intermediários financeiros, quer os investidores em geral. Em concreto, a matéria de facto não permite identificar qualquer falha de informação que fosse imputável à R. e cuja verificação tenha sido causal do que veio a ocorrer relativamente ao investimento que o A. através dela realizou. Aliás, o A., que era, afinal, o principal interessado na operação nunca questionou a bondade da referida aplicação que, durante um certo período de tempo, lhe garantiu efectivamente a rentabilidade procurada. Mas nada disso põe em causa aquilo que, nestas ou em quaisquer outras circunstâncias, é uma realidade periodicamente observável e o passado recente já deveria ter levado a interiorizar: no mercado de capitais não existem investimentos de risco nulo (afinal, até os depósitos bancários, que são considerados dos investimentos mais seguros, estão sujeitos ao risco de insolvência das entidade bancárias). Assim, tudo levar a concluir que, não fora a crise financeira do sub prime que se propagou a todo o sistema financeiro e que se concretizou, além do mais, na ruptura do mercado financeiro islandês e ainda mais concretamente, na ruptura financeira do banco que emitiu as obrigações em que o A. investiu as suas poupanças, este teria muito provavelmente recebido todos os juros pretendidos no período de duração do investimento e, depois, o respectivo capital. Enfim, a causa dos danos correspondentes à desvalorização absoluta dos títulos encontra-se num factor que era estranho à R. (a crise financeira global despoletada em 2007), sem que algo permita concluir que a mesma pudesse antecipar e comunicar ao A. o risco da sua ocorrência. A R. forneceu ao A. as informações de que dispunha e tudo se desenhava para que esse investimento fosse rentável, tanto mais que nada fazia antever nem a degradação do mercado financeiro mundial, nem a do mercado islandês, nem a da concreta instituição financeira emitente das obrigações. Nem sequer as características específicas das obrigações intermediadas fariam supor algum risco que devesse ser assinalado ao A., antes de este decidir, pois que na referida ocasião era praticamente indiferente que as obrigações tivessem uma ou outra característica, já que nada fazia supor o default da instituição financeira bem cotada pelas agências de rating. Pode existir a tentação de encontrar nas entrelinhas da situação uma falha a que deva imputar-se o que veio a ocorrer, mas trata-se de uma tentativa que não suporta uma tal conclusão, tanto mais que o ponto de referência para a avaliação da diligência no cumprimento dos deveres deve situar-se na data em que ocorreram os factos, e não nas actuais circunstâncias em que, para além da inflação informativa, nos confrontamos com os factos consumados.
IV – Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente a revista, confirmando o acórdão recorrido. Custas a cargo do recorrente. Notifique.
Abrantes Geraldes
Bettencourt de Faria
Pereira da Silva |