Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05A2695
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ALVES VELHO
Descritores: COMPRA E VENDA EM GRUPO
OBRIGAÇÃO PECUNIÁRIA
PRESTAÇÃO
PRESCRIÇÃO
PRAZO
Nº do Documento: SJ200510250026951
Data do Acordão: 10/25/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 9010/04
Data: 01/27/2005
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Sumário : - As prestações pecuniárias ou mensalidades devidas pelos participantes em contratos de compras em grupo não são de considerar "prestações periodicamente renováveis" no sentido contemplado na al. g) do art. 310º C. Civil e, consequentemente, incluídas no prazo prescricional de 5 anos referido nesse preceito.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. - "A - Gestão de Compras em Grupo, S. A." intentou acção declarativa contra "B, Lda" e outros, reclamando o pagamento da importância esc. 19.408.146$00 ( 9.690.878$00 de capital, 968.764$00 de multa e 8.748.504$00 de juros vencidos) e juros vincendos, por falta de pagamento de 108 das 150 mensalidades de um "contrato de participação", celebrado em 1/7/987, para aquisição de um apartamento tipo T3.

Os RR. contestaram e, além do mais, defendendo-se por excepção, invocaram a prescrição das prestações e juros vencidos até 24/12/96.

As excepções foram julgadas procedentes e os RR. absolvidos dos pedidos, decisão que a Relação manteve.

A Autora pede ainda revista para ver qualificadas as mensalidades do contrato de participação como sujeitas ao prazo ordinário prescricional de 20 anos, previsto no art. 309º C. Civil e não ao de cinco anos previsto no art. 310 g) do mesmo Código e, por isso, não prescritas.

Os RR. responderam e apresentaram douto parecer, concluindo pela confirmação do decidido.

2. - A única questão proposta é a de saber se as "mensalidades" devidas pela Ré, como participante no contrato de compra em grupo que celebrou com a Autora, se integram na figura das prestações periodicamente renováveis para efeitos de prescrição e inclusão na previsão do art. 310 g) do C. Civil.

3. - Em sede de matéria de facto releva o seguinte:

- No exercício da actividade que exercia, a A. realizou com a Ré um "contrato de participação", com a inclusão desta no "Grupo Hab 01", para adquirir, mediante o pagamento de 150 mensalidades, um apartamento tipo T3, tendo-lhe sido atribuído o n.º 127 de participante no referido grupo;
- A A. peticiona prestações vencidas desde 01/02/1991 (43ª prestação) a 27/01/1995 (150ª prestação) e correspondente multa pelo seu não pagamento;
- A acção deu entrada no tribunal em 19/12/2001.

4. 1. - Ninguém põe em causa que as prestações ou valor das mensalidades cujo pagamento vem pedido aos RR. se encontravam vencidas há mais de cinco anos quando foi praticado o acto interruptivo da prescrição - art. 323º C. Civil.

O art. 310º C. Civil, subtrai à regra do prazo prescricional ordinário, de 20 anos, estabelecido no art. 309º, submetendo-as ao prazo curto de 5 anos, "a) as anuidades de rendas perpétuas ou vitalícias; b) as rendas e alugueres devidos pelo locatário, ainda que pagos por uma só vez; c) os foros; d) os juros convencionais ou legais e os dividendos das sociedades; e) as quotas de amortização do capital pagáveis com juros; f) as pensões alimentícias vencidas; e, g) quaisquer outras prestações periodicamente renováveis."

No art. 2º do DL n.º 393/87, de 31/12, diploma aplicável ao tipo de contrato celebrado pelas Partes, define-se a compra em grupo como "o sistema pelo qual um conjunto previamente determinado de pessoas, designadas por participantes, constitui um fundo comum, mediante a entrega de prestações periódicas de natureza pecuniária, obrigando-se a sociedade administradora de gerir esse fundo por forma a que cada um dos participantes venha a adquirir os bens ou serviços a que se reportar o contrato", estabelecendo-se, nomeadamente, como seus requisitos fundamentais "que as prestações periódicas dos participantes sejam equivalentes ao preço do bem ou serviço a atribuir ou a prestar, dividido pelo número de períodos correspondentes aos dos respectivos planos de pagamento, que os encargos a recair sobre os participantes a favor da sociedade administradora se limitem a uma quota de inscrição e uma quota de administração, uma e outra determinada em função do preço do bem ou serviço a atribuir" e "que se preveja nos contrato celebrar o direito de os participantes poderem desistir da sua posição no grupo e recuperar as prestações efectuadas, a título de amortização, designadamente no caso de impossibilidade objectiva da prestação", do mesmo passo que se proíbe a aplicação do regime de vendas a prestações - arts. 2º, 3º-2, 3 e 6 13º.

O Dec-Lei n.º 237/91, de 2/7, que revogou e substituiu aquele diploma não alterou substancialmente o conteúdo das disposições transcrita, limitando-se a incluir na "noção de compras em grupo" que a "entrega periódica de prestações pecuniária, com vista à aquisição (...) ocorre "ao longo de um período de tempo previamente estabelecido".

O regulamento do contrato escrito junto aos autos não se desvia dos princípios legalmente fixados, prevendo-se, designadamente, a indexação da mensalidade ao valor actualizado do bem, correspondendo ao quociente da divisão deste valor pelo número de meses da duração do Grupo, e o reembolso das quantias pagas pelo participante em caso de desistência ou exclusão por inadimplência (cláusulas II, VII, VIII e XII). O prazo foi logo fixado em 150 meses.

4. 2. - Do exposto se vê que as "mensalidades" devidas pelos participantes correspondem basicamente ao valor do bem, repartido por certo número de prestações pecuniárias, a liquidar durante um lapso de tempo fixado no contrato, que, por sua vez, correspondem a um plano de pagamento ou amortização.
O que acaba por distinguir o regime das compras em grupo do da venda a prestações é a circunstância de na relação creditícia, que nestas se estabelece directamente entre o comprador e o vendedor, existir uma instituição - a SACEG - que estabelece a intermediação entre comprador e vendedor (cfr. preâmbulo do DL 49/89, de 22/2).
Acresce que a denúncia ou resolução do contrato dão lugar à restituição das prestações pecuniárias pagas.

E, assim sendo, a prestação, tão só sujeita às variações do preço do bem a adquirir, encontra-se pré-fixada, ou seja, é, em si mesma, uma obrigação unitária, encontrando-se apenas fraccionada quanto ao seu cumprimento, de harmonia com o plano de pagamento também previamente acordado.
Compativelmente com o regime das prestações fraccionadas, "puros modos de concreção de um programa acabadamente definido", a resolução do contrato abarca, no essencial, as parcelas da prestação já efectuadas, o que não sucede nos contratos duradouros com prestações de execução continuada ou trato sucessivo.
O que caracteriza estas últimas, distinguindo-as da execução de um plano de pagamentos, é a conexão intrínseca entre as prestações periódicas e os "diversos espaços temporais em que é possível seccionar a sua duração global", havendo como que "uma certa autonomia de cada uma das prestações dentro de um programa contratual in fieri" (RUI ALARCÃO, "Direito das Obrigações", lições policopiadas, Coimbra, 1983).

Não se trata, no caso, de prestações periódicas representativas do correspectivo do gozo de uma coisa alheia, da utilização de um capital ou de um outra obrigação cujo objecto se prolongue no tempo ou se renove por períodos consecutivos, como sucede nos previstos no art. 310º C. Civil.
Estamos, insiste-se, perante uma modalidade de pagamento de bens ou serviços e não perante prestações periódicas renováveis no sentido contemplado na al. g) do preceito, inexistindo a "autonomia entre a prestação periódica e a relação jurídica unitária de que a prestação deriva" que justifica a analogia a que faz apelo a norma residual (P. DE LIMA e A. VARELA, "C. Civil, Anotado", I, 281).
Falta-lhes, seguramente, essa nota de autonomia que, a nosso ver, a lei pretende traduzir ao aludir, não apenas à periodicidade da prestação, mas ainda à sua renovabilidade.

Conclui-se, em conformidade, que as prestações pecuniárias ou mensalidades devidas pelos participantes no contrato de compra em grupo não estão incluídas no prazo prescricional de 5 anos referido na al. g) do art. 310º C. Civil.

5. - Termos em que se decide:

- Conceder a revista;
- Revogar o acórdão impugnado na parte em que julgou extintas, pela prescrição, as mensalidades peticionadas pela Autora, devendo prosseguir os autos para conhecimento das demais questões relativas a esse pedido;

- Condenar nas custas da revista os Recorridos, reportando-se o respectivo valor ao do capital em discussão (9.690.878$00).

Lisboa, 25 de Outubro de 2005
Alves Velho,
Moreira Camilo,
Lopes Pinto.