Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
047843
Nº Convencional: JSTJ00012709
Relator: AREZ
Descritores: LEGITIMIDADE
CONJUGE
ACÇÃO POSSESSORIA
APLICAÇÃO DA LEI
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ19350616047843
Data do Acordão: 06/16/1935
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Referência de Publicação: DG IªS 25-07-1935; COL OF ANO34,183
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: UNIFOMIZADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 6/1935
Área Temática: DIR CIV - DIR REAIS.
Legislação Nacional: CPC867 ARTIGO 130 N5 ARTIGO 1176 PAR1.
CCIV876 ARTIGO 361 ARTIGO 1191.
D 5411 DE 1919/04/17 ARTIGO 20.
Sumário :
O artigo 1191 do Codigo Civil, na parte em que não permite ao marido estar em juizo por causa de questões de posse de bens imobiliarios sem outorga da esposa, e aplicavel as acções possessorias referidas no artigo
20 do Decreto n. 5411, de 17 de Abril de 1919, ainda quando o reu seja o proprio senhorio.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, em secções reunidas:

A, propos a presente acção contra a Camara Municipal do Porto, por haver praticado actos de esbulho violento, desapossando-o de um quintal e barracão de que o autor era inquilino; contra o casal B, por o marido, como encarregado de obras, ter-se apoderado do terreno, ocupando-o com operarios e construindo nele um alpendre, trabalho preliminar de novo predio, destinado ao Montepio Geral; contra esta associação e contra a Companhia de Fiação e tecidos de Alcobaça, por ignorar o autor se essas obras se procedem ainda por conta da Companhia, se ja com o acordo um do outro.


Pede que seja restituido a posse, e, finalmente, a acção julgada procedente, com condenação dos reus na indemnização das perdas e danos resultantes do esbulho.


Na contestação alegou-se:


A ilegitimidade do autor para estar em juizo, sem outorga da mulher; a nulidade do n. 5 do artigo130 do Codigo do Processo Civil; e, finalmente, que os factos articulados como constituindo esbulho violento não podem merecer a classificação que o autor da e pretende.


A sentença considerou legitimo o autor; ilegitimo o casal Magalhãis; teve, quanto ao Montepio, o pedido como improcedente; e julgou provada a acção contra as referidas Camara e Companhia, decisão mantida em 2 instancia e confirmada em revista.


Do acordão do Supremo recorreram as res para o tribunal pleno, com o fundamento de que se julgou em sentido contrario de outras decisões relativamente a legitimidade do autor, que sendo casado, demanda as res sem outorga da esposa, e a competencia do juizo civil para conhecer dos actos dos corpos administrativos no exercicio das funções do poder publico.
A proposito do primeiro ponto de direito apontam-se acordãos datados de 1874 e 1875 e mui especialmente o de 6 de Fevereiro de 1931; e sobre o segundo, as decisões de 1915, 1917, 1925 e 1931.


Minutado e contraminutado, observado o preceito do artigo 1176, na parte do final do paragrafo 3, o acordão de folha... resolveu que o recurso tivesse andamento e seguisse unicamente quanto a materia da legitimidade arguida porque so nesta parte e que se verificava a oposição exigida por aquele preceito da lei.
Assim, o ambito do recurso esta perfeitamente limitado, sendo sobre tal caso apenas que o Tribunal tem que resolver, quando reconheça que na verdade o acordão esta, na parte sub judice, em oposição com o indicado e proferido sobre o mesmo ponto de direito.


O que tudo visto, relatado e discutido:


O caso do acordão de 1931 e, em resumo:


O reu, arrendatario, foi citado para a acção de posse do predio requerida pelo senhorio; arguiu a sua ilegitimidade por não ter sido pedida a citação da esposa; e o Supremo julgou que, versando a posse sobre bens imobiliarios e sendo o detentor do predio, cuja posse se pretende efectivar, casado, não podia a mulher deste deixar de estar em causa, em obediencia ao artigo 1191 do Codigo Civil.


Com esta decisão a contradição e, pois, indubitavel; e consequentemente tem o Supremo de se pronunciar agora sobre se aquele texto da lei e aplicavel, ou se o não e no caso de se tratar de um arrendatario que esta a defender a posse do seu direito ao arrendamento, ainda que ela se considere em nome alheio.


E atendendo a que a acção de que se trata e de restituição de posse por esbulho violento;


Atendendo a que o direito que se pretende reivindicar e o direito ao arrendamento e desse diz o autor ser possuidor e proprietario em nome proprio;
Atendendo a que o direito ao arrendamento e, nos termos do artigo 361 do Codigo Civil, um bem imobiliario.


Atendendo a que o artigo 1191 diz que não e licito ao marido estar em juizo por causa de questões de propriedade ou posse sem outorga da mulher;
Atendendo a que, se o inquilino possui o predio em nome do senhorio, todavia possui em nome proprio o direito ao arrendamento, sendo este o que ele projecta defender judicialmente;


Atendendo a que aquele artigo não faz restrição alguma, logo não deve o interprete nem o julgador faze-la, como o faziam os que antigamente sustentavam que o arrendatario por ser um possuidor em nome alheio, não podia intentar acções possessorias;


Atendendo a que foi para que não continuasse a decidir-se que o arrendatario não podia defender, por meio das acções possessorias, o seu direito ao arrendamento que o artigo 20 do Decreto n. 5411 veio dispor que o inquilino que for ilegalmente perturbado ou esbulhado na posse dos direitos que pelo arrendamento tem sobre o respectivo predio pode usar das acções possessorias e dos embargos de terceiro, afim de ser mantido ou restituido na sua posse, durante o periodo do arrendamento;
Atendendo a que a posse que, assim, o inquilino alega e a do direito que, pelo arrendamento, tem sobre o predio, e esta posse e em nome proprio e e a invocada nesta causa;


Atendendo a que o autor, casado, esta em juizo sem sua esposa, quando e certo que litiga em assunto de posse relativo a bem imobiliario, e a reivindicação pretendida so pode obter-se mediante acção conjunta do casal;
Atendendo a que, portanto o recurso tem base legal e fundamento bastante para a sua procedencia;


Dando provimento, revogam o acordão sub judice, julgam o autor parte ilegitima na causa, absolvem as res da inatancia e condenam o mesmo autor nas custas devidas.


E tiram este assento:


"O artigo 1191 do Codigo Civil, na parte em que não permite ao marido estar em juizo por causa de questões de posse de bens imobiliarios sem outorga da esposa, e aplicavel as acções possessorias referidas no artigo 20 do Decreto n. 5411, de 17 de Abril de 1919, ainda quando o reu seja o proprio senhorio".


Lisboa, 16 de Junho de 1935

Arez - J. Soares - A. Osorio de Castro -
- Alexandre de Aragão - Ponces de Carvalho -
- Amaral Pereira - B Veiga - Carlos Alves -
- Crispiniano - Silva Monteiro - Mendes Arnaut -
- Pires Soares - E. Santos - A. Campos (vencido: o artigo 1191 do Codigo Civil não e aplicavel as acções possessorias do artigo 20 do Decreto n. 5411).