Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
049664
Nº Convencional: JSTJ00010801
Relator: AVELINO LEITE
Descritores: IMPUGNAÇÃO DE PATERNIDADE LEGÍTIMA
APLICAÇÃO DA LEI
LEGITIMIDADE
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ19380722049664
Data do Acordão: 07/22/1938
Votação: MAIORIA COM 7 VOT VENC
Referência de Publicação: DG IªS 04-08-1938; COL OF ANO37,335
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO.
Decisão: UNIFORMIZADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 2/1938
Área Temática: DIR CIV - TEORIA GERAL / DIR FAM.
Legislação Nacional: D 2 DE 1910/12/25 ARTIGO 1 ARTIGO 10 ARTIGO 12 ARTIGO 22 ARTIGO 40 ARTIGO 59.
CCIV867 ARTIGO 106.
CPC876 ARTIGO 1176 PAR6.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1937/04/16 IN COL OF ANO36 PAG138.
ACÓRDÃO STJ DE 1936/06/12 IN COL OF ANO35 PAG138.
Sumário :
O filho havido por legitimo pode propor acção para impugnar a sua legitimidade, visto estar revogado o artigo 106 do Codigo Civil.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, em secções reunidas:

Na acção de investigação de paternidade ilegitima que, em consequencia do acordão deste Supremo Tribunal de 5 de Fevereiro de 1929, A teve de propor de novo e propos contra B, e C, com seu marido, D.
Sociedade E, Limitada, e F, o despacho saneador, entre o mais que não interessa relatar, decidiu que a autora não era parte legitima para ilidir a presunção legal da sua legitimidade, proveniente de G, sua mãe, ser, ao tempo da concepção e nascimento, casada com H.


Como tal decisão, confirmada na Relação, foi mantida neste Supremo Tribunal pelo acordão proferido a folhas 1262 dos autos e publicado a paginas 138 e seguintes da Colecção Oficial, ano 36, a autora interpos para o tribunal pleno o presente recurso, com o fundamento de o mesmo acordão estar em oposição com o de 12 de Junho de 1936, publicado a pagina 138, ano 35, da referida Colecção.


O recurso foi interposto em tempo e, porque a arguida oposição e manifesta, cumpre decidir se a legitimidade dos filhos pode ser por eles proprios impugnada, como decidiu o acordão citado em confronto, ou se so o pode ser pelo pai presumidamente legitimo ou seus herdeiros, como dizem e pretendem os reus e se decidiu no acordão recorrido.
Esse ponto de direito de familia tem sido realmente objecto de controversia, mas e de reconhecer que nem a letra nem o espirito da lei justificam a duvida que aparentemente determina o debate.


O Codigo Civil foi, em materia de filiação, substituido pelo decreto n. 2 de 25 de Dezembro de 1910, e portanto e escusado dizer que e por este diploma, denominado Lei de protecção aos filhos, e não pelo que dispunha o Codigo, que aquele ponto tem de ser legalmente resolvido.
Ora, lido o artigo 59 dessa lei, verifica-se que o artigo 106 do Codigo, onde estabelecia que so podem impugnar a legitimidade dos filhos o pai ou seus herdeiros, foi expressamente revogado por esse artigo, e tanto foi revogado, e não substituido, como se pretende, que do debate, não obstante o saber e a habilidade dos opositores, não resulta indicação aceitavel do artigo ou paragrafo que possa seriamente induzir a convicção de o legislador de 1910 ter mantido ou haver pretendido manter a restrição que, pelo modo imperativo do artigo 106, o legislador de 1867 fazia a impugnação da legitimidade. E nem logicamente e possivel atribuir-lhe tal intuito, porque, permitindo o artigo 22 a perfilhação "de todos os filhos ilegitimos, excepto os incestuosos", não se compreenderia como os adulterinos haviam de fazer valer o seu direito sem a faculdade de eles proprios ilidirem a presunção estabelecida no artigo 1.


Argumenta-se que, dispondo o artigo 40: "Quando a mãe era inabil pelo facto de estar casada com outrem nos primeiros cento e vinte dias dos trezentos que precederam o nascimento do filho ilegitimo, a acção de investigação de paternidade so podera ser recebida em juizo quando uma sentença passada em julgado tiver declarado, nos termos dos artigos 10 e 12, que o filho não e do matrimonio"; isto, pela referencia expressa a estes artigos, leva a conclusão de que so o pai ou seus herdeiros podem impugnar a legitimidade dos filhos nascidos na constancia do casamento.
O argumento seria valioso se por essas disposições se pudesse suprir a norma, revogada, do artigo 106 do Codigo; mas basta le-las para se ver que não contem, como este continha, preceito que atribua aqueles interessados competencia exclusiva para a impugnação. O que elas contem e cousa bem diferente: as condições e prazos em que so e licito ao pai ou seus herdeiros fazer essa impugnação.


Portanto, o que a alusão aos artigos 10 a 12 significa e o que disse, e bem, o confrontado acordão de 12 de Junho de 1936, isto e, no caso previsto no artigo 40, ou seja o de perfilhação judicial do adulterino, "a exigencia da declaratoria decisão que do matrimonio da mãe exclua o perfilhando se faz tao necessaria como quando a especie ajuizada seja a daquelas disposições".
Nada Mais.


No proposito de atenuar a dificil situação em que a falta de preceito igual ao do artigo 106 do Codigo coloca a tese de competencia exclusiva do pai ou seus herdeiros tambem se invoca subtilmente o espirito da protecção aos filhos que anima o decreto de 1910 para se concluir que não podia estar no intuito do legislador atribuir aos filhos competencia para a impugnação, porque, sendo o estado de filho legitimo superior ao de ilegitimo, eles nenhum interesse tem em impugnar a sua legitimidade.
O argumento nada vale. O estado de legitimo e, com efeito, superior ao de ilegitimo quando corresponde a realidade dos factos, e não quando, em contrario dela e da verdade sabida e notoria, apenas resulta da mera presunção da lei.


Com a manutenção da legitimidade, neste caso, não se protege o filho cujo interesse moral e pertencer ao pai cujo e: o que se proteje, sacrificando esse interesse e beneficios materiais, e a hipocrisia social, e foi a esta desonestidade que o legislador de 1910 procurou por cobro, ampliando no artigo 22 do decreto o direito a perfilhação e não adoptando nesse diploma a disposição limitativa do artigo 106 do Codigo.


Entendem, pois, por estas razões - e parece não serem precisas outras -, que e de seguir e manter a doutrina do citado acordão de 12 de Junho de 1936, ja admitida pelo que em 5 de Fevereiro de 1929 julgou a primeira acção da autora, como inequivocamente se deduz do seu nono "atendimento"; e, por isso, julgando, como julgam, a mesma autora parte legitima quanto ao pedido da ilisão da sua legitimidade dão provimento ao recurso, revogam nessa parte o acordão recorrido e o da Relação que ele nessa parte confirmou e mandam que o processo volte a secção para se prosseguir na apreciação e julgamento das mais questões que, por efeito e consequencia da decisão ora revogada, deixaram de ser apreciadas e julgadas.
Custas pelos recorridos.


E, agora, para os efeitos do paragrafo 6 do artigo 1176 do Codigo de Processo Civil, firmam o seguinte assento:
O filho havido por legitimo pode propor acção para impugnar a sua legitimidade, visto estar revogado o artigo 106 do Codigo Civil.



Lisboa, 22 de Julho de 1938


Avelino Leite - E. Santos - Costa Santos - Sampaio Duarte - Adolfo Coutinho - Cesar A. Santos - Ramiro Ferreira - Luiz Osorio (Vencido pelas razões do acordão revogado) - Magalhães Barros (Vencido pelos mesmos fundamentos) - Abilio de Andrade (Vencido pelos fundamentos do acordão recorrido) - Alberto Placido (Vencido pelos mesmos fundamentos) - Lopes Cardoso (Vencido pelos mesmos fundamentos) - Carlos Alves (Vencido pelas mesmas razões) - Adriano Fernandes (Vencido pelos fundamentos do acordão recorrido) - Americo de Sousa.