Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06S2451
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
CONCURSO
INSTITUTO DE ESTRADAS DE PORTUGAL
INCONSTITUCIONALIDADE
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: SJ200711140024514
Data do Acordão: 11/14/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : I - É inconstitucional, por violação do disposto no artigo 47.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, a norma extraída da conjugação dos artigos 41.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho, 44.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, e 13.º dos estatutos do Instituto para a Conservação e Exploração da Rede Rodoviária (ICERR), aprovados pelo Decreto-Lei n.º 237/99, de 25 de Junho, interpretados no sentido de permitirem a contratação de pessoal sujeito ao regime jurídico do contrato individual de trabalho, designadamente na parte em que permite a conversão dos contratos de trabalho a termo em contratos de trabalho sem termo, sem imposição do procedimento de recrutamento e selecção dos candidatos à contratação que garanta o acesso em condições de liberdade e igualdade (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 409/2007, de 11 de Julho de 2007, proferido nos autos).
II - Compete à trabalhadora/autora alegar e provar que foi observado o procedimento administrativo de recrutamento e selecção que assegurou a liberdade e igualdade de acesso à função pública.
III - Não se mostra efectuada tal prova se a matéria fáctica assente apenas demonstra que a autora foi contratada na sequência de um processo de avaliação de currículos de candidatos, com entrevista de selecção.
IV - A interpretação referida nas proposições anteriores não viola o princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da CRP, uma vez que da mesma decorre um tratamento igual para todo o pessoal contratado pelo ICERR ao abrigo de contrato individual de trabalho sem que tenha havido um procedimento de recrutamento e selecção de candidatos equiparável a concurso.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. Em 24 de Novembro de 2003, no Tribunal do Trabalho de Coimbra, AA, intentou a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra INSTITUTO DAS ESTRADAS DE PORTUGAL (ex-ICERR, integrado, por fusão, no Instituto das Estradas de Portugal), actualmente denominado EP – Estradas de Portugal, Entidade Pública Empresarial, pedindo: (a) se declare ilícito e nulo o seu despedimento; (b) se declare que é trabalhadora do réu, ao abrigo de contrato sem termo, desde 7 de Junho de 2001; (c) a condenação do réu a reintegrá-la no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, e do direito de optar, em sua substituição e até à data da sentença, pela indemnização prevista no artigo 13.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro; (d) a condenação do réu a pagar-lhe os salários e subsídios que se vencessem desde o seu despedimento até ao trânsito em julgado da sentença, acrescidos de juros de mora à taxa legal, a contar do vencimento de cada uma dessas importâncias até efectivo e integral pagamento, bem como a quantia de € 1.471,68, correspondente a férias não gozadas, subsídio de férias e subsídio de Natal, que não lhe foram pagos.

No decurso da audiência de julgamento, a autora optou, «em substituição da reintegração, pela indemnização correspondente a um mês de remuneração base por cada ano de antiguidade ou fracção, nos termos legais» (fls. 135).

Realizado julgamento, foi exarada sentença que julgou a acção parcialmente procedente, declarou a ilicitude do despedimento e condenou o réu a reconhecer a existência de um contrato de trabalho sem termo, entre as partes, com efeitos reportados a 7 de Junho de 2001, e a pagar à autora a quantia de € 7.548,35, «a título de remunerações e indemnização acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a citação (9/12/2003), até integral e efectivo pagamento».

2. Inconformado, o réu interpôs recurso de apelação, alegando, em suma: (i) a proibição da conversão do contrato a termo firmado entre as partes em contrato por tempo indeterminado, nos termos do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, e da Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho; (ii) o erro ou lapso na redacção do contrato quanto à não concretização do motivo justificativo do termo apenas impõe a sua rectificação e não a cominação estabelecida no n.º 3 do artigo 42.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89; (iii) a autora, ao celebrar posteriormente à cessação do contrato de trabalho a termo um contrato de prestação de serviços com o réu, sem apor quaisquer reservas, renunciou a quaisquer créditos emergentes da anterior relação; (iv) não é devido o subsídio de Natal de 2003 (€ 1.140,75), porque em tese a autora apenas teria direito à parte proporcional daquele subsídio (de 24.10.03 a 31.12.03), ou seja, € 209,14, mas na altura da cessação do contrato a termo foi pago à autora a quantia de € 570,38 a esse título; (v) para efeito do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, devem ser contabilizados os vencimentos auferidos em actividades iniciadas posteriormente ao despedimento, e não apenas desde a data em que são devidas as retribuições, ou seja, desde 24.10.03; (vi) a antiguidade releva em número de anos completos, acrescida da fracção excedente, tendo apenas a autora quatro anos completos de antiguidade, mais uma fracção de 15 dias (0,5:12), correspondentes em termos de indemnização a € 4.610,55 (1.140,75x4+1.140,75:12x0,5); (vii) ao valor da indemnização deve deduzir-se a quantia de € 2.053,62, paga à autora, em Dezembro de 2002, como compensação pela cessação do contrato, a fim de evitar uma situação de dupla fonte de rendimentos injustificados ou situação de enriquecimento sem causa, sendo devido € 2.556,93 (4.610,55-2.053,62); (viii) relativamente à indemnização a mora só se verifica a partir da sentença.

O Tribunal da Relação, tendo considerado que «a relação juslaboral em causa — estabelecida entre o R., um Instituto Público do Estado, e a A. — está sujeita à disciplina legal constante do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, que definiu o regime de constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na Administração Pública» e que «o contrato de trabalho a termo cessou, no caso, por caducidade, com a comunicação do R. à A., em 7 de Novembro de 2002, da não renovação do contrato de trabalho a termo, com efeitos a contar de 6.12.2002», julgou procedente a apelação, revogando a sentença e absolvendo o réu do pedido.

A autora interpôs, então, recurso de revista, no qual formulou as conclusões que se passam a transcrever:

«1.ª Por douta sentença proferida pelo Tribunal do Trabalho de Coimbra foi decidido julgar a acção emergente de contrato individual de trabalho instaurada pela A. contra o Réu procedente por provada;
2.ª Fundamentou-se a decisão de 1.ª instância – em síntese [:] o contrato de trabalho a termo certo celebrado entre Autora e R. não contém qualquer fundamentação concreta quanto ao motivo justificador do recurso a esta forma de contrato; que o novo regime jurídico do Contrato Individual de trabalho da Administração Pública (Lei n.º 23/2004) não se aplica ao caso dos autos (ao abrigo do princípio da não retroactividade da aplicação das leis – artigo 26.º), mantendo-se válida a disciplina contida nos Estatutos do R., em que se determina a aplicação do Regime Jurídico do Contrato Individual do Trabalho, sem qualquer reserva ou limitação quanto à constituição de um vínculo laboral por tempo indeterminado; que não houve renúncia, tácita ou expressa, com a celebração do contrato de prestação de serviços, a créditos emergentes da anterior relação, tanto mais que se verificou uma inexistência de qualquer modificação quanto aos termos e condições em que o trabalho era executado pela A. e, por fim, que a rescisão do contrato, em 6 de Dezembro de 2002, consubstancia um despedimento ilícito, por efectuado no âmbito de um contrato sem termo, sem existência de justa causa e sem a precedência de um processo disciplinar válido;
3.ª O Tribunal da Relação de Coimbra, no recurso de apelação intentado pelo R., decidiu – erradamente – que o contrato a termo cessou, em 7 de Novembro de 2002, por caducidade por força do disposto no Decreto-Lei n.º 427/89, de 7/12, o que se não aceita (não obstante a A. ter continuado a laborar para o R. até Outubro de 2003!);
4.ª Não é aplicável ao R. o disposto no Decreto-Lei n.º 427/89, de 7/12, designadamente, quanto ao contrato de trabalho a termo e consequências da sua invalidade;
5.ª Nos termos do disposto nos Estatutos do ICERR (aprovados pelo Decreto-Lei n.º 237/99, de 25 de Junho), artigo 13.º, o pessoal do ICERR está sujeito ao regime jurídico do contrato individual de trabalho;
6.ª Ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 227/2002, de 30 de Outubro (que aprovou os Estatutos do IEP e que integrou, por fusão, o ICERR), o pessoal do IEP está sujeito ao regime jurídico do contrato individual de trabalho;
7.ª O IEP foi transformado em entidade pública empresarial EP – Estradas de Portugal – EPE e, nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 239/2004, de 21 de Dezembro, o seu pessoal está sujeito ao regime jurídico do contrato individual de trabalho;
8.ª Aplicando-se, necessariamente, o regime previsto na LCCT e, actualmente, no Código do Trabalho;
9.ª Assim, à relação laboral existente entre a A. e o R. aplica-se o regime jurídico do contrato individual de trabalho e, consequentemente, o disposto no artigo 41.° do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27/2 (com a redacção da Lei n.º 17/200[1], de 3 de Julho), convertendo-se o contrato de trabalho a trabalho a termo em contrato de trabalho sem termo, em virtude [da] invalidade do contrato a termo, face à ausência de motivo justificativo;
10.ª E tanto é assim que fazem parte dos quadros de pessoal do R. trabalhadores contratados por contrato individual de trabalho, por termo indeterminado, sem precedência de processo concursal;
11.ª O Réu tem celebrado, actualmente, contratos de trabalho por tempo indeterminado, na sequência de acordos de integração dos trabalhadores (na mesma situação da ora Autora) no IEP no âmbito de processos judiciais que correram termos no Tribunal do Trabalho de Coimbra (Processos n.º 815/04.OTTCBR e 934/04.3TTCBR do 1.º Juízo do Tribunal do Trabalho de Coimbra) e sem a prévia existência de concurso público;
12.ª Significa então que é possível a celebração inicial de contratos de trabalho por tempo indeterminado, sem a precedência de processo de concurso, mas já não é possível a conversão dos contratos a termo em contratos sem termo (mesmo quando a trabalhadora tenha sido submetida a um processo prévio de avaliação dos currículos com entrevista de selecção – ponto 8. da matéria de facto dada como provada)?!?
13.ª Ora, salvo melhor entendimento, tal posição implica uma desigualdade de tratamento dos trabalhadores do Réu, em manifesta violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13.° da Constituição da República Portuguesa;
14.ª Sem prescindir e caso se entenda que ao R. é aplicável o disposto no Decreto-lei n.º 427/89, de 7/12 – o que se não aceita, mas que se aflora como mera hipótese de trabalho –, não seria legalmente possível a conversão dos contratos de trabalho a termo em contratos de trabalho sem qualquer termo, como entendeu o Tribunal da Relação de Coimbra;
15.ª No entanto, desconhece-se, no caso concreto dos autos, qual o preceito legal que expressamente consagre a impossibilidade da conversão dos contratos de trabalho a termo certo em contratos de trabalho sem termo, nem o regime da nulidade previsto no Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27/2, foi afastado por qualquer norma específica, designadamente, pelos Decretos-Leis n.º 237/99, de 25/6, n. ° 227/2002, de 30/10 e n.º 239/2004, de 21/12, nem dos Estatutos do Ex-ICERR, do ex-IEP e da actual EP – Estradas de Portugal, EPE;
16.ª Sendo certo que uma decisão nesse sentido, sempre seria iníqua, desde logo porque seria o próprio R., enquanto infractor à lei (ao celebrar um contrato de trabalho a termo certo em manifesta violação à lei), a beneficiar da ilegalidade que ele próprio criou e fraudulentamente manteve;
17.ª A violação da lei determinaria, tão-só e apenas, consequências gravosas e nefastas para a própria A., ou seja, a caducidade do contrato inválido;
18.ª O que determinaria uma situação absurda: o contrato podia durar indefinidamente, sem qualquer benefício para o trabalhador, dado que o mesmo nunca podia ser convertido em contrato de trabalho sem termo ou por tempo indeterminado;
19.ª O R. e o próprio Estado beneficiam assim de um tratamento mais favorável do que o empregador privado, quando lhes incumbe precisamente assegurar a legalidade e política de emprego (artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa);
20.ª Deve ser reconhecida a existência de uma relação laboral de emprego privado disciplinada pelo direito comum de trabalho, atendendo à nulidade do contrato de trabalho a termo certo celebrado entre A. e R. e à consequente conversão do mesmo em contrato de trabalho sem qualquer termo;
21.ª Ao não decidir nestes termos, violou o douto acórdão da Relação de Coimbra, entre outros, o disposto na LCCT (designadamente, artigos 41.º e 42.º) e os Decretos-Leis n.º 237/99, de 25/6, n.º 227/2002, de 30/10 (artigo 14.º) e n.º 239/2004, de 21/12, Estatutos do Ex-ICERR (artigo 13.º), do ex-IEP (artigo 13.º) e da actual EP – Estradas de Portugal, EPE (artigo 11.º) e artigos 13.º e 53.º da Constituição da República Portuguesa.»

Em contra-alegações, o recorrido veio defender a confirmação do julgado.

Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se no sentido de ser concedida a revista, parecer que, notificado às partes, suscitou resposta do recorrido para discordar daquela posição.

Entretanto, o recorrido requereu, nos termos do n.º 2 do artigo 732.º-A do Código de Processo Civil, o julgamento ampliado da revista, para assegurar a uniformidade da jurisprudência no que respeita à questão de saber se aos contratos de trabalho a termo celebrados pelo ICERR (integrado no IEP – Instituto das Estradas de Portugal) se aplica o regime do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, ou do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, pretensão que foi indeferida por despacho do Ex.mo Presidente deste Supremo Tribunal.

Por acórdão de 7 de Fevereiro de 2007 (fls. 346-380), este Supremo Tribunal decidiu conceder a revista, revogar o acórdão recorrido e repristinar a sentença da primeira instância, alterando, porém, a respectiva condenação, em relação ao montante do subsídio de Natal no ano de 2003, que fixou no montante de € 215,63, bem como no respeitante aos juros de mora referentes à indemnização de antiguidade, que deviam ser contados a partir da data da sentença, mantendo, no mais, a condenação proferida naquela sentença.

Sobre a questão da aplicação do regime do contrato individual de trabalho ao contrato de trabalho a termo firmado entre as partes, designadamente quanto à admissibilidade da sua conversão em contrato sem termo, aquele acórdão explicitou a fundamentação seguinte:

« 2.3. Resulta da matéria de facto assente que, em 7 de Junho de 2001, a autora foi admitida ao serviço pelo extinto ICERR para exercer, por conta, ordem e direcção deste último, funções de secretariado e apoio à gestão na Área de Planos, nas instalações da sua sede, sendo-lhe dado conhecimento que iria celebrar um contrato de trabalho a termo e do respectivo conteúdo [factos assentes 3), 4) e 5)].
Em 9 de Julho de 2001, as partes subscreveram um contrato de trabalho com termo certo, referindo-se, na cláusula 1.ª, que as funções e tarefas para as quais a autora fora contratada — secretariado e apoio à gestão na Área de Planos — eram «desempenhadas ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, e do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 38/96, de 31 de Agosto» (n.º 2), tendo «a duração de seis meses, renovável por iguais períodos até um máximo de duas renovações, de acordo com o artigo 44.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro» (n.º 3), mais se consignando na cláusula 7.ª, que o mesmo contrato produzia os seus efeitos a partir do dia 7 de Junho de 2001 [factos assentes 6) e 7)].
No seguimento desse ajuste contratual, em final de Maio de 2002, o réu comunicou à autora a não renovação do contrato [facto assente 9)], mas, apesar disso, o contrato renovou-se por igual período de seis meses [facto assente 10)], sendo que, em 7 de Novembro de 2002, «a A. recebeu do R. uma carta registada com A/R, em que este lhe comunicou a não renovação do contrato de trabalho a termo, fazendo cessar o mesmo em 6 de Dezembro de 2002, nos termos constantes de fls. 39» [facto assente 11)], com a invocação do preceituado, por um lado, no n.º 1 do artigo 46.º do Decreto-Lei n.º 64--A/89, de 27 de Fevereiro, e, por outro lado, no n.º 6 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 97/2002, de 18 de Maio, segundo o qual os contratos de trabalho a termo certo vigentes nos serviços e organismos da administração central e dos institutos públicos que revistam a natureza de serviços personalizados «caducam no final dos respectivos prazos, sem possibilidade de renovação».
Do exposto flui, claramente, que as partes quiseram submeter o contrato em causa ao regime da LCCT, diploma que, além do mais, disciplinava o regime jurídico de celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo, sendo que, no clausulado do sobredito contrato, não há uma única referência ao Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, que define o regime de constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na Administração Pública.
Mas será que, de todo o modo, o contrato em causa estava imperativamente sujeito ao regime geral da relação jurídica de emprego na Administração Pública, considerando as especificidades inerentes à natureza jurídica do ICERR, o que conduziria à proibição da conversão do contrato a termo em contrato por tempo indeterminado, nos termos do Decreto-Lei n.º 427/89?
O Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro (alterado pelo Decreto-Lei n.º 407/91, de 17 de Outubro, pelo Decreto-Lei n.º 175/95, de 21 de Julho, pelo Decreto-Lei n.º 218/98, de 17 de Julho, e pela Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho) estabelece os princípios a que deve obedecer a relação jurídica de emprego na Administração Pública e foi emitido pelo Governo em desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho (alterado pelas Leis n.os 30-C/92, de 28 de Dezembro, 25/98, de 26 de Maio, 10/2004, de 22 de Março, e 23/2004, de 22 de Junho), diploma que aprovou princípios gerais sobre salários e gestão de pessoal da função pública.
Segundo o regime do Decreto-Lei n.º 427/89, a relação jurídica de emprego na Administração Pública constitui-se por nomeação e contrato de pessoal (artigo 3.º), podendo esta última revestir as modalidades de contrato administrativo de provimento e de contrato de trabalho a termo certo [alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 14.º], sendo que, a partir da entrada em vigor do diploma legal em referência, ficou vedado ao Estado a constituição de relações de emprego com carácter subordinado por forma diversa das previstas no seu artigo 14.º, com responsabilização dos funcionários e agentes que tal possibilitassem (artigo 43.º).
O certo é, porém, que o Decreto-Lei n.º 427/89, ao mesmo tempo que prescrevia que as relações de emprego público não se poderiam constituir por forma diversa das previstas no dito artigo 14.º, veio determinar, no n.º 1 do seu artigo 44.º, epigrafado «Salvaguarda de regimes especiais», que ao pessoal dos institutos públicos que revestissem a forma de serviços personalizados ou de fundos públicos abrangidos pelo regime aplicável às empresas públicas ou pelo contrato individual de trabalho aplicavam-se as respectivas disposições estatutárias.
Neste mesmo sentido era já a previsão do n.º 4 do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho, regime jurídico que o Decreto-Lei n.º 427/89 desenvolveu.
Consequentemente, estes dois preceitos salvaguardam a existência de regimes especiais, determinando a aplicação das respectivas disposições estatutárias ao pessoal dos institutos públicos que revistam a natureza de serviço personalizado e se rejam pelo regime do contrato individual de trabalho.
O contrato em causa foi celebrado com um instituto público na modalidade de serviço personalizado do Estado, em que a vinculação jurídica do seu pessoal estava sujeita ao regime jurídico do contrato individual de trabalho, com as especificidades previstas nos respectivos estatutos e no diploma que os aprovou, pelo que, estando esse pessoal sujeito ao regime do contrato individual de trabalho, vigora a salvaguarda de regime especial consagrada no n.º 4 do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 184/89 e no n.º 1 do artigo 44.º do Decreto-Lei n.º 427/89, razão pela qual a disciplina dessas relações contratuais deve observar as disposições estatutárias do instituto em causa e não o regime geral da relação jurídica de emprego na Administração Pública.
Deste modo, a salvaguarda de um regime especial e diferenciado para o pessoal do ICERR, obsta a que se aplique, no caso vertente, o regime geral da relação jurídica de emprego na Administração Pública editado pelo Decreto-Lei n.º 427/89.
Não faz, por isso, sentido argumentar-se com as formas de constituição da relação jurídica de emprego na Administração Pública (artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 427/89) para concluir pela impossibilidade de conversão dos contratos a termo em contratos por tempo indeterminado, nem com a proibição de conversão dos contratos de trabalho a termo certo, em contratos por tempo indeterminado, prevista no n.º 4 do artigo 18.º do Decreto--Lei n.º 427/89, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 218/98.
Por outro lado, também carece de fundamento legal invocar-se a violação da regra do concurso para ingresso na função pública, quando o legislador estatuiu um regime especial para a relação de emprego a estabelecer com o pessoal do ICERR, em que não se previa a obrigatoriedade de tal forma de selecção e recrutamento de pessoal, o que vale por dizer que não tem aplicação, no caso, a norma do n.º 2 do artigo 47.º da Constituição da República Portuguesa.
E não se diga que, face aos termos da norma imperativa constante do n.º 1 do artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 427/89, não era possível, sob pena de nulidade da respectiva norma estatutária, os estatutos de um instituto público preverem formas diferentes das admitidas no Decreto-Lei n.º 427/89 para constituição de relações de emprego com carácter subordinado.
Em matéria de interpretação das leis, o artigo 9.º do Código Civil consagra os princípios a que deve obedecer o intérprete ao empreender essa tarefa, começando por estabelecer que «[a] interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (n.º 1); o enunciado linguístico da lei é, assim, o ponto de partida de toda a interpretação, mas exerce também a função de um limite, já que não pode «ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (n.º 2); além disso, «[n]a fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (n.º 3).
Ora, o que emerge do texto do n.º 1 do artigo 43.º citado é que, a partir da entrada em vigor do diploma legal em referência, ficou vedado aos serviços e organismos referidos no respectivo artigo 2.º a constituição de relações de emprego com carácter subordinado por forma diversa das previstas naquele diploma — ressalvados, claro está, os regimes especiais prevenidos no n.º 1 do seu artigo 44.º —, e não, que, a partir dessa data, não é possível, sob pena de nulidade da respectiva norma estatutária, os estatutos de um instituto público preverem formas diferentes das consagradas no Decreto-Lei n.º 427/89 com vista à constituição de relações de emprego com carácter subordinado.
Nesta conformidade, remetendo as normas que regulam o vínculo jurídico do pessoal do ICERR para as normas reguladoras do contrato individual de trabalho e não havendo qualquer disposição dos respectivos estatutos que impeça a conversão em contratos sem termo dos contratos a termo celebrados nesse âmbito, não se vislumbra impedimento legal à referida conversão do contrato de trabalho a termo celebrado entre as partes, por ilegalidade da estipulação do termo.
2.4. Em derradeiro termo, há que examinar o regime da Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho, que aprovou o regime jurídico do contrato individual de trabalho na Administração Pública, revogando os artigos 18.º a 21.º do Decreto-Lei n.º 427/89, que regulavam a «Admissibilidade», «Selecção de candidatos», «Estipulação do prazo e renovação do contrato» e «Limites à celebração» dos contratos de trabalho a termo certo na Administração Pública.
No que respeita às regras especiais agora aplicáveis ao contrato de trabalho a termo resolutivo, o artigo 10.º da Lei n.º 23/2004 estabelece que «[o] contrato de trabalho a termo resolutivo certo celebrado por pessoas colectivas públicas não está sujeito a renovação automática» (n.º 1), que «[o] contrato de trabalho a termo resolutivo celebrado por pessoas colectivas públicas não se converte, em caso algum, em contrato por tempo indeterminado, caducando no termo do prazo máximo de duração previsto no Código do Trabalho» (n.º 2) e que «[a] celebração de contratos de trabalho a termo resolutivo com violação do disposto na presente lei implica a sua nulidade e gera responsabilidade civil, disciplinar e financeira dos titulares dos órgãos que celebraram os contratos de trabalho» (n.º 3).
Sucede que, nos termos do n.º 1 do artigo 26.º do aludido diploma legal, «[f]icam sujeitos ao regime da presente lei os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho celebrados ou aprovados antes da sua entrada em vigor que abranjam pessoas colectivas públicas, salvo quanto às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento».
Ora, sendo o autor admitido ao serviço do réu em 7 de Junho de 2001, ocorrendo, em 6 de Dezembro de 2002, a cessação do contrato de trabalho a termo certo, e tendo a contratação da alegada prestação de serviços cessado em Junho de 2003, é inquestionável que a Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho, que entrou em vigor «30 dias após a data da sua publicação» (artigo 31.º), não se aplica às condições de validade e aos efeitos das relações jurídicas sucessivamente estabelecidas entre as partes, porque referentes a factos e/ou situações totalmente passados anteriormente à data da sua entrada em vigor.
O regime jurídico aprovado pela Lei n.º 23/2004 não se aplica, pois, ao caso.
Tudo para concluir que o contrato de trabalho em apreço está sujeito ao regime geral do contrato individual de trabalho, como ajuizou a sentença proferida na primeira instância, e não ao regime da relação jurídica de emprego na Administração Pública, conforme decidiu a Relação, não se verificando, pois, obstáculo legal à sua conversão em contrato por tempo indeterminado.
3. Estando em causa as condições de validade e os efeitos da celebração e cessação de um contrato de trabalho a termo, ocorridas em datas anteriores à entrada em vigor do Código do Trabalho (dia 1 de Dezembro de 2003 — n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto), aplica-se o disposto no anterior regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato a termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, na redacção anterior à Lei n.º 18/2001, de 3 de Julho, conforme o estipulado no n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 99/2003.
De acordo com o artigo 41.º da LCCT, diploma a que pertencem os demais preceitos a citar neste ponto, sem menção da origem, a celebração de contrato de trabalho a termo só é admitida nos casos seguintes: (a) substituição temporária de um trabalhador que, por qualquer razão, se encontre impedido de prestar serviço ou em relação ao qual esteja pendente em juízo acção de apreciação da licitude do despedimento; (b) acréscimo temporário ou excepcional da actividade da empresa; (c) actividades sazonais; (d) execução de uma tarefa ocasional ou serviço determinado, definido e não duradouro; (e) lançamento de uma nova actividade de duração incerta ou início de laboração de uma empresa ou estabelecimento; (f) execução, direcção e fiscalização de trabalhos na indústria de construção civil, obras públicas, montagens e reparações industriais, incluindo os respectivos projectos e outras actividades complementares de controlo e acompanhamento, bem como outros trabalhos de análoga natureza e temporalidade, tanto em regime de empreitada como de administração directa; (g) desenvolvimento de projectos, incluindo concepção, investigação, direcção e fiscalização, não inseridos na actividade corrente da entidade empregadora; (h) contratação de trabalhadores à procura de primeiro emprego ou de desempregados de longa duração ou noutras situações previstas em legislação especial de política de emprego.
Nos termos do mesmo artigo 41.º, «[a] celebração de contratos a termo fora dos casos previstos no número anterior importa a nulidade da estipulação do termo (n.º 2).
Já o artigo 42.º regula a forma do contrato de trabalho a termo, certo ou incerto, estabelecendo que esse contrato está sujeito a forma escrita (n.º 1) e acha-se na dependência de várias formalidades cuja indicação consta das alíneas do seu n.º 1; resta acrescentar que a lei aplicável considera contrato sem termo aquele em que falte a redução a escrito, a assinatura e identificação das partes, bem como, no caso de contratos a termo certo, quando se omita a referência ao prazo estipulado ou a indicação do motivo justificativo (n.º 3).
Doutro passo, como se determina no artigo 3.º da Lei n.º 38/96, de 31 de Agosto, a indicação do motivo justificativo da celebração de contrato de trabalho a termo só é atendível se mencionar «concretamente os factos e circunstâncias que integram esse motivo», daí que, não basta remeter para a previsão legal, sendo necessário fazer referência à situação concreta que fundamenta o termo estipulado.
Assim, o motivo justificativo da celebração do contrato de trabalho a termo terá de ser indicado no documento que suporta o próprio contrato, sob pena de se considerar nula a estipulação do termo e, nessa medida, de se converter em contrato por tempo indeterminado.
No caso, o contrato ajustado entre as partes refere apenas como motivo justificativo da contratação a termo da autora, que «as funções e tarefas previstas no número anterior [funções de secretariado e apoio à gestão na Área de Planos] são desempenhadas ao abrigo da alínea b) do número 1 do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, e do número 1 do artigo 3.º da Lei n.º 38/96, de 31 de Agosto, nos termos descritos», não fazendo qualquer alusão aos factos concretos em que se fundou a necessidade da contratação a termo, o que constitui formalidade ad substantiam, limitando-se a remeter para a norma constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 41.º da LCCT, o que não satisfaz, de modo algum, a exigência legal.
O réu alega que tal omissão se deveu a lapso ou erro na redacção do contrato a termo, que apenas impõe a sua rectificação e não a cominação estabelecida no n.º 3 do artigo 42.º da LCCT, «independentemente de ser um contrato formal», sendo que, «[n]a pior das hipóteses deve ampliar-se a matéria de facto no sentido de se apurar se existiu, ou não, erro ou lapso na elaboração do contrato, naquela parte da ausência do motivo justificativo».
Porém, ao contrário do contrato de trabalho sem termo, em que vigora o princípio da liberdade de forma, conforme prevê o artigo 6.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho (LCT), anexo ao Decreto Lei n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969, o contrato de trabalho a termo é um negócio formal, sendo a indicação do motivo justificativo da celebração do contrato de trabalho a termo uma exigência de forma ad substantiam, que, por isso, não pode ser substituída por qualquer outro meio de prova.
E, assim sendo, uma vez que o contrato de trabalho firmado entre as partes «não contém qualquer motivo justificativo do termo que prevê», é nula a estipulação do respectivo termo.
Ora, sendo ilegal a estipulação do termo, o contrato tem de considerar-se sem termo [artigos 41.º, n.º 2, e 42.º, n.º 1, alínea e), e 3, ambos da LCCT], pelo que, tal como se afirmou na sentença da primeira instância, «quando o R. comunica à A., em 7 de Novembro de 2002, a rescisão do contrato, fazendo cessar o contrato, está sem dúvida a proceder a uma cessação unilateral e ilícita do contrato de trabalho, o que consubstancia um despedimento ilícito, porque efectuado no âmbito de um contrato sem termo, sem existência de justa causa e sem a precedência de um processo disciplinar válido».
Na verdade, convertido o contrato celebrado a termo em contrato sem termo, era inadmissível a cessação do mesmo, operada em 6 de Dezembro de 2002, a qual consubstancia um despedimento ilícito, com as inerentes consequências.»


Deste aresto, o Instituto de Estradas de Portugal interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, que pelo acórdão n.º 409/2007, de 11 de Julho de 2007 (fls. 473-525), proferido no Processo n.º 306/07, da 2.ª Secção, e publicado no Diário da República n.º 165, II Série, de 28 de Agosto de 2007, pp. 24793-24803, decidiu:

a) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 47.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, a norma extraída da conjugação dos artigos 41.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho, 44.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, e 13.º dos Estatutos do Instituto para a Conservação e Exploração da Rede Rodoviária (ICERR), aprovados pelo Decreto-Lei n.º 237/99, de 25 de Junho, interpretados no sentido de permitirem a contratação de pessoal sujeito ao regime jurídico do contrato individual de trabalho, designadamente na parte em que permite a conversão de contratos de trabalho a termo em contratos sem termo, sem imposição de procedimento de recrutamento e selecção dos candidatos à contratação que garanta o acesso em condições de liberdade e igualdade; e, em consequência,
b) Conceder provimento ao recurso, determinando-se a reformulação da decisão recorrida em conformidade com o precedente juízo de inconstitucionalidade.

Há, assim, que proceder à ordenada reformulação da decisão recorrida.
Nos termos e para os efeitos previstos no n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil, foi determinada a audição das partes para se pronunciarem, querendo, «sobre a questão da aplicação do regime do contrato individual de trabalho ao contrato de trabalho a termo certo em causa, nomeadamente quanto à admissibilidade da sua conversão em contrato sem termo, à luz do critério normativo adoptado pelo sobredito acórdão do Tribunal Constitucional, tendo em consideração a matéria de facto provada no tocante aos procedimentos de recrutamento e selecção observados e, também, que a faculdade concedida a este Supremo Tribunal de ordenar a ampliação da matéria de facto, só pode ser exercida no respeitante a factos articulados pelas partes ou de conhecimento oficioso, nos termos do artigo 264.º do Código de Processo Civil».

Ambas as partes se pronunciaram.

O recorrido sustentou que «o procedimento em concreto seguido para a contratação da A. não garantiu a todos os potenciais candidatos o acesso ao cargo “em condições de liberdade e igualdade”, nomeadamente, porque não houve prévia publicitação da existência da vaga, isto é, não houve possibilidade de quaisquer outros potenciais candidatos ao lugar terem, sequer, conhecimento da existência de uma vaga e de concorrerem a ela» e, portanto, «não estão preenchidas as condições que o Tribunal Constitucional definiu para ser adoptado um outro critério normativo distinto daquele que foi julgado inconstitucional, sob pena de inconstitucionalidade da decisão».

Por sua vez, a recorrente defende que «não tem que ser alegado, nem provado pela Autora a prévia existência de vaga», «a não existência de vaga tem de ser alegada e provada pelo réu», «não o tendo este alegado, nem provado, não é matéria a conhecer por este Tribunal» e «quando assim se não entenda, deve ser dado cumprimento ao disposto nos artigos 54.º do CPT e artigos 265.º, n.º 3, e 508.º, ambos do CPC», tendo, ainda, alegado que «o entendimento contrário, ou seja, julgar que não houve um procedimento de recrutamento e selecção de candidatos equiparável ao concurso, por não resultar demonstrado que tivesse havido uma prévia publicitação da existência de vagas a preencher por forma a permitir a candidatura de todos os potenciais interessados e face à impossibilidade de conversão de contratos de trabalho a termo certo pelas partes em contrato por tempo indeterminado e julgar, consequentemente, que o Réu podia pôr livremente termo ao contrato, sem que tal configure um despedimento ilícito, consubstancia uma clara violação do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da CRP».

3. No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar, segundo a ordem lógica que entre as mesmas intercede:

Se ao contrato de trabalho celebrado entre as partes é aplicável o regime do contrato individual de trabalho, designadamente quanto à conversão dos contratos de trabalho a termo em contratos sem termo [conclusões 1) a 8), 10), 20) e 21), na parte atinente];
Valor jurídico da estipulação do termo no contrato de trabalho celebrado entre as partes, em 7 de Junho de 2001, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 41.º da LCCT [conclusões 9), 20) e 21), na parte atinente];
Se ocorre violação dos artigos 13.º e 53.º da Constituição [conclusões 11) a 13), 14) a 19) e 21), na parte atinente].

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II
1. O tribunal recorrido deu como provada a seguinte matéria de facto:
1) A A. é licenciada em economia;
2) A. R. é um instituto público que integrou o ICERR;
3) A A. foi admitida ao serviço pelo extinto ICERR (Instituto para a Conservação e Exploração da Rede Rodoviária), no passado dia 7 de Junho de 2001, para exercer funções de secretariado e apoio à gestão na Área de Planos, nas instalações da sede do R., sem prejuízo de eventuais deslocações necessárias em consequência do desempenho normal da sua actividade;
4) A A., a partir do dia 7 de Junho de 2001, passou a desempenhar funções de apoio na área do secretariado e apoio à gestão na Área dos Planos, por conta, ordem e direcção do R., mediante a remuneração base mensal ilíquida de 228.700$00, abonada em seis mensalidades, subsídio de Natal e de Férias, à qual acrescia o subsídio de refeição, no valor de 1.000$00 por cada dia de trabalho efectivamente prestado, que o R. lhe pagou;
5) Foi dado conhecimento à A. de que ia celebrar um contrato a termo e do respectivo conteúdo;
6) Em 9 de Julho de 2001, a A. e o R. celebraram um contrato de trabalho a termo certo, pelo período de seis meses, nos termos constantes de fls. 37 e 38, cujo conteúdo se tem aqui por inteiramente reproduzido;
7) A A. assinou esse contrato em 9 de Julho de 2001;
8) A A. foi contratada na sequência de um processo de avaliação de currículos dos candidatos, com entrevista de selecção;
9) Em final de Maio de 2002, o R. comunicou à A. a não renovação do contrato;
10) Apesar disso, o contrato renovou-se por igual período de seis meses;
11) Em 7 de Novembro de 2002, a A. recebeu do R. uma carta registada com A/R, em que este lhe comunicou a não renovação do contrato de trabalho a termo, fazendo cessar o mesmo em 6 de Dezembro de 2002, nos termos constantes de fls. 39, cujo teor se dá aqui por vertido;
12) A partir do dia 11 de Dezembro de 2002, a A. passou a exercer as mesmas funções para o R., mediante contrato de prestação de serviços, pelo período de seis meses, nos termos dos documentos de fls. 40 a 44 e cujo conteúdo se dá aqui por inteiramente reproduzido;
13) (…) mediante o pagamento da quantia de € 11.100, acrescido de IVA, sendo pago 10% desse valor no acto de adjudicação e o restante em seis prestações mensais, com a emissão do documento cuja cópia figura a fls. 45;
14) A A. apresentou livremente a proposta a que se referem os documentos de fls. 41 a 44;
15) A A. continuou a exercer as mesmas funções que exercia anteriormente, nos mesmos termos e condições, continuando sujeita às ordens direcção e remuneração do R., cumprindo o mesmo horário de trabalho, apresentando-se diariamente no seu local de trabalho;
16) Em 8 de Setembro de 2003, a A. celebrou um contrato de trabalho temporário com a empresa «Empresa-A, L.da» e que teve por finalidade a execução de um contrato de utilização de trabalho temporário celebrado entre a referida Empresa-A e o IEP, nos termos do documento de fls. 46, aqui dado por reproduzido;
17) Ao abrigo do citado contrato de trabalho temporário, celebrado pelo prazo de 6 meses, a A. continuou a exercer a sua actividade no Instituto de Estradas de Portugal, em Coimbra, sendo-lhe atribuída a categoria de Técnico Superior de Gestão/Economia;
18) (…) mediante o pagamento da remuneração mensal de € 1.348, acrescida dos proporcionais de férias, subsídio de férias, subsídio de Natal e, ainda, de subsídio de refeição, no valor de € 5,37;
19) A A. continuou a exercer as mesmas funções (trabalhos de gestão na área de conservação e exploração da rede viária), por conta do R., no mesmo local de trabalho onde diariamente se continuou a apresentar, mediante remuneração, cumprindo o mesmo horário (de segunda a sexta-feira das 9 às 12,30 horas e das 14 às 18 horas) e continuando e estando sujeita às ordens e direcção do R.;
20) O R. não instaurou qualquer processo disciplinar à A.;
21) Em 7 de Junho de 2001, a A. foi exercer para o R. uma actividade que já existia e com a qual o R. já laborava;
22) Os serviços que a A. foi executar para o R. e para os quais foi contratada, já eram executados há mais de 5 anos por outros trabalhadores do R. e continuaram a sê-lo pela A. até 3 de Outubro de 2003;
23) Entre o ICERR, BB e CC foram celebrados os acordos constantes de fls. 72 a 74, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido;
24) O Inverno de 2000/2001 foi bastante chuvoso, com frequentes temporais que danificaram várias estradas do país, o que originou a necessidade de beneficiação das mesmas e uma actuação dinâmica no serviço de planeamento e investimento;
25) A A. apresentou a declaração de rendimentos junta a fls. 147-154, relativa ao ano de 2003, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.

A recorrente defendeu, na resposta produzida ao abrigo do n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil, que «não tem que ser alegado, nem provado pela Autora a prévia existência de vaga», «a não existência de vaga tem de ser alegada e provada pelo réu», «não o tendo este alegado, nem provado, não é matéria a conhecer por este Tribunal» e «quando assim se não entenda, deve ser dado cumprimento ao disposto nos artigos 54.º do CPT e artigos 265.º, n.º 3, e 508.º, ambos do CPC».

Como é sabido, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça com vista ao apuramento da matéria de facto relevante é residual e destina-se exclusivamente a apreciar a observância das regras de direito material probatório, prevista nos conjugados artigos 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil, ou a mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto, nos termos do n.º 3 do artigo 729.º do mesmo diploma legal.

Nos termos dos conjugados artigos 729.º, n.º 3, e 730.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, o Supremo pode mandar «julgar novamente a causa», quando «entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito».

Porém, conforme se vem entendendo uniformemente, a faculdade concedida ao Supremo Tribunal de Justiça de ordenar a ampliação da matéria de facto, só pode ser exercida no respeitante a factos articulados pelas partes ou de conhecimento oficioso, conforme o disposto no artigo 264.º do Código de Processo Civil.

No caso, para além dos factos já considerados pelas instâncias, não se descortina que nos articulados apresentados pelo autor ou pelo réu tenha sido aduzida outra factualidade com relevância para o esclarecimento das circunstâncias em que ocorreram os procedimentos de recrutamento e selecção observados, nem estes são de conhecimento oficioso.

Ora, a falta de alegação e prova sobre a prévia publicitação da existência da vaga, traduz uma insuficiência alegatória e da prova produzida, que é insusceptível de justificar a determinação da ampliação da matéria de facto.

Por outro lado, não se vislumbram contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito.

Assim, não há fundamento para se fazer uso da faculdade de ampliação da matéria de facto ao abrigo do n.º 3 do artigo 729.º do Código de Processo Civil, nem tem aplicação, nesta sede, o disposto nos invocados artigos 54.º do Código de Processo do Trabalho, 265.º, n.º 3, e 508.º, ambos do Código de Processo Civil.

Será, pois, com base no acervo factual anteriormente enunciado que hão-de ser resolvidas as questões suscitadas no presente recurso.

2. A primeira questão suscitada no recurso centra-se em saber se ao contrato de trabalho celebrado entre as partes é aplicável o regime do contrato individual de trabalho, designadamente quanto à conversão dos contratos de trabalho a termo em contratos sem termo.

Sobre esta questão pronunciou-se o mencionado acórdão n.º 409/2007 do Tribunal Constitucional, que, a propósito, explicitou o seguinte:

« 2.3. Como é sabido, a questão central objecto do presente recurso já foi objecto de diversas pronúncias deste Tribunal, embora a propósito de outras normas. No Acórdão n.º 61/2004, na sequência dos Acórdãos n.os 140/2002 e 406/2003, todos proferidos em sede de fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade e tendo por objecto a questão da admissibilidade da aplicação do regime do contrato individual de trabalho, designadamente quanto à conversão dos contratos de trabalho a termo em contratos sem termo, expendeu-se:
6.1. O n.º 2 do artigo 47.º da CRP e a jurisprudência constitucional
O mencionado n.º 2 do artigo 47.º da CRP preceitua o seguinte:
Artigo 47.º
Liberdade de escolha de profissão e acesso à função pública
1. (...)
2. Todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso.
A questão do direito de acesso à função pública e da regra do concurso foi recentemente analisada pelo já citado Acórdão n.º 406/2003, relativo ao Instituto Nacional da Aviação Civil, com argumentação que se reitera e que conduz à emissão de declaração de inconstitucionalidade.
Como se afirmou no Acórdão n.º 683/99 (Diário da República, II Série, n.º 28, de 3 de Fevereiro de 2000, pág. 2351):
“Entre nós, retira-se do artigo 47.º, n.º 2, da Constituição, como concretização do direito de igualdade no acesso à função pública, um direito a um procedimento justo de recrutamento e selecção de candidatos à função pública, que se traduz, em regra, no concurso (embora não um direito subjectivo de qualquer dos candidatos à contratação — assim, v. recentemente o Acórdão n.º 556/99).
Este não pode, por outro lado, ser procedimentalmente organizado, ou decidido, em condições ou segundo critérios discriminatórios, conducentes a privilégios ou preferências arbitrárias, pela sua previsão ou pela desconsideração de parâmetros ou elementos que devam ser relevantes (cf., recentemente, o Acórdão n.º 128/99, que fundou no artigo 47.º, n.º 2, da Constituição, embora com votos de vencido quanto à sua aplicação ao caso, um julgamento de inconstitucionalidade da norma do artigo 36.º, alínea c), da Lei n.º 86/89, de 8 de Setembro, na medida em que, para a candidatura a Juiz do Tribunal de Contas, em concurso curricular, não considerava o exercício durante três anos de funções de gestão em sociedades por quotas).
É certo que o direito de acesso previsto no artigo 47.º, n.º 2, não proíbe toda e qualquer diferenciação, desde que fundada razoavelmente em valores com relevância constitucional — como exemplos pode referir-se a preferência no recrutamento de deficientes ou na colocação de cônjuges um junto do outro (assim G. Canotilho/V. Moreira, Constituição..., cit., pág. 265). Poderá discutir-se se do princípio consagrado no artigo 47.º, n.º 2, resulta, como concretização dos princípios de igualdade e liberdade, que os critérios de acesso (em regra, de decisão de um concurso) tenham de ser exclusivamente meritocráticos, ou se pode conceder-se preferência a candidatos devido a características diversas das suas capacidades ou mérito, desde que não importem qualquer preferência arbitrária ou discriminatória — assim, por exemplo, o facto de serem oriundos de uma determinada região, ou de terem outra característica (por exemplo, uma deficiência) reputada relevante para os fins prosseguidos pelo Estado.
Seja como for, pode dizer-se que a previsão da regra do concurso, associada aos princípios da igualdade e liberdade no acesso à função pública, funda uma preferência geral por critérios relativos ao mérito e à capacidade dos candidatos (de ‘princípio da prestação’ fala a doutrina alemã — v., por exemplo, Walter Leisner, ‘Das Leistungs­prinzip’, in idem, Beamtentum, Berlim, 1995, pág. 273 e seguintes —, sendo certo, contudo, que o respectivo texto constitucional é, como vimos, explicitamente mais exigente).
E o concurso é justamente previsto como regra por se tratar do procedimento de selecção que, em regra, com maior transparência e rigor se adequa a uma escolha dos mais capazes — onde o concurso não existe e a Administração pode escolher livremente os funcionários não se reconhece, assim, um direito de acesso (Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. e loc. cits., anotação XI; sobre o fundamento do procedimento concursal, v. também Ana Fernanda Neves, Relação jurídica de emprego público, cit., págs. 147 e seguintes).
Assim, para respeito do direito de igualdade no acesso à função pública, o estabelecimento de excepções à regra do concurso não pode estar na simples discricionariedade do legislador, que é justamente limitada com a imposição de tal princípio. Caso contrário, este princípio do concurso — fundamentado, como se viu, no próprio direito de igualdade no acesso à função pública (e no direito a um procedimento justo de selecção) — poderia ser inteiramente frustrado. Antes tais excepções terão de justificar-se com base em princípios materiais, para não defraudar o requisito constitucional (assim Gomes Canotilho/Vital Moreira, loc. cit.; Ana F. Neves, ob. cit., págs. 153-4).”
No mesmo sentido se pronunciou o Acórdão n.º 368/2000 (Diário da República, I Série--A, n.º 277, de 30 de Novembro de 2000, pág. 6886). E, anteriormente, no Acórdão n.º 53/88 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11.º vol., pág. 303 e seguintes) já se expressara o seguinte entendimento, relativamente ao n.º 2 do artigo 47.º da CRP:
“Como decorre do seu próprio enunciado, este preceito compreende três elementos: a) o direito à função pública, não podendo nenhum cidadão ser excluído da possibilidade de acesso, seja à função pública em geral, seja a uma determinada função em particular, por outro motivo que não seja a falta dos requisitos adequados à função (v. g., idade, habilitações académicas e profissionais); b) a regra da igualdade e da liberdade, não podendo haver discriminação nem diferenciações de tratamento baseadas em factores irrelevantes, nem, por outro lado, regimes de constrição atentatórios da liberdade; c) regra do concurso como forma normal de provimento de lugares, desde logo de ingresso, devendo ser devidamente justificados os casos de provimento de lugares sem concurso.”
E, neste mesmo acórdão, ainda se acrescentou que “não existe aqui nenhuma garantia de igualdade quando o provimento depende decisivamente de uma escolha discricionária do serviço” e que “é precisamente contra o poder de os serviços escolherem livremente o seu pessoal que se dirigem os princípios constitucionais da igualdade e do concurso no acesso à função pública”.
Ainda quanto à questão do direito de acesso à função pública e da regra do concurso, no já citado Acórdão n.º 683/99 afirmou-se igualmente que “visando assim o concurso possibilitar o exercício do próprio direito de acesso em condições de igualdade, a sua dispensa não pode deixar, como se afirmou, de se basear em razões materiais — isto é, designadamente, em razões relevantes para o cargo para o qual há que efectuar uma escolha (assim, por exemplo, para a escolha de pessoal dirigente, para o qual poderá eventualmente revelar-se adequada a selecção sem concurso). Considerando esta necessidade de justificação material da postergação da regra do concurso não pode, pois, tirar-se qualquer argumento do facto de o concurso não ser previsto imperativamente pela Constituição como único meio de acesso à função pública”.
Este Acórdão n.º 683/99 firmou, pois, o entendimento segundo o qual a postergação da regra de concurso carece de uma justificação material, entendimento esse que não foi questionado nos votos de vencido a ele apostos.
Próxima da apreciação da justificação material da postergação do concurso, situa-se a argumentação desenvolvida pelo Acórdão n.º 556/99 (Diário da República, II Série, n.º 63, de 15 de Março de 2000, pág. 4987). Neste acórdão discutiu-se a questão da conformidade constitucional do disposto na alínea a) dos n.os 1 e 2 do artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 46/88, de 11 de Fevereiro, através do qual o legislador permitiu o ingresso nos quadros do Ministério da Defesa Nacional a pessoal que, à data de 31 de Dezembro de 1987, não tendo a qualificação legal de funcionário, quisesse obtê-la; e, a propósito de tal questão, afirmou-se no citado aresto:
“No entanto, o direito de acesso à função pública não é um direito de exercício incondicionado.
O n.º 2 do artigo 47.º da Constituição estabelece a regra do concurso público, que será realizado sempre que as necessidades de preenchimento de lugares de quadro se verificarem. Este concurso é uma forma de selecção de candidatos, em função das aptidões demonstradas, não se podendo afirmar, à partida, o direito subjectivo de qualquer dos candidatos à contratação.
Da norma constitucional também não decorre uma exigência absoluta de realização de concurso, em todos os casos, para o acesso à função pública.
O artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 41/84, de 3 de Fevereiro (diploma que aprova instrumentos de mobilidade nos serviços da Administração Pública), proíbe, como regra, que, nos casos de criação ou alteração de quadros de pessoal, se estabeleçam ‘promoções automáticas ou reclassificações de pessoal’ [alínea a)] ou ‘integração directa em lugares de quadro a pessoal que não tenha a qualidade de funcionário ou que, sendo agente, não desempenhe funções em regime de tempo completo, não se encontre sujeito à disciplina, hierarquia e horário do respectivo serviço e conte menos de três anos de serviço ininterrupto’ [alínea b)].
Esta norma é uma concretização do imperativo constitucional do recurso ao concurso público para preenchimento de lugares nos quadros da função pública, em atenção, precisamente, ao respeito pela igualdade de oportunidades dos candidatos e à transparência nas relações jurídicas administrativas.
O artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 46/88 surge como uma derrogação a este regime. Derrogação, porém, que, como se demonstrou, obedece a imperativos de interesse público e à qual subjaz um critério objectivo, não incompatível com a Constituição. A desigualdade no tratamento legislativo das situações, ou seja, na fixação dos critérios de acesso aos quadros de funcionários do Ministério da Defesa Nacional, tem uma base constitucionalmente aceitável, que justifica a excepção à regra da realização do concurso público.”
6.2. O n.º 2 do artigo 47.º da CRP e a celebração de contratos individuais de trabalho
A primeira linha de argumentação da resposta do Primeiro-Ministro assenta na ideia de que o n.º 2 do artigo 47.º se destina à função pública, interpretando esta expressão no sentido de a limitar ao universo dos elementos ao serviço da Administração Pública a que corresponda o qualificativo de funcionário público, com exclusão dos agentes não funcionários e dos demais trabalhadores da Administração Pública não funcionários nem agentes.
Seguindo, uma vez mais, a argumentação desenvolvida no Acórdão n.º 406/2003, recordar-se-á que uma solução intermédia parece ser defendida por J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, quando referem (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, Coimbra, 1993, pág. 264, nota VIII ao artigo 47.º):
“A definição constitucional do conceito de função pública suscita alguns problemas, dada a diversidade de sentidos com que as leis ordinárias utilizam a expressão e dada a pluralidade de critérios (funcionais, formais) defendidos para a sua caracterização material. Todavia, não há razões para contestar que o conceito constitucional corresponde aqui ao sentido amplo da expressão em direito administrativo, designando qualquer actividade exercida ao serviço de uma pessoa colectiva pública (Estado, região autónoma, autarquia local, instituto público, associação pública, etc.), qualquer que seja o regime jurídico da relação de emprego (desde que distinto do regime comum do contrato individual de trabalho), independentemente do seu carácter provisório ou definitivo, permanente ou transitório.”
No entanto, Vital Moreira, mais tarde, viria a pronunciar-se em sentido mais amplo (Projecto de lei-quadro dos institutos públicos, Relatório Final e Proposta de Lei--Quadro, Grupo de Trabalho para os Institutos Públicos, Ministério da Reforma do Estado e da Administração Pública, Fevereiro de 2001, n.º 4, pág. 50, nota ao artigo 45.º), adoptando uma posição que tem também sido defendida pelo Tribunal Constitucional, ao ponderar que:
“No entanto, mesmo quando admissível o regime do contrato de trabalho, nem a Administração Pública pode considerar-se uma entidade patronal privada nem os trabalhadores podem ser considerados como trabalhadores comuns.
No que respeita à Administração, existem princípios constitucionais válidos para toda a actividade administrativa, mesmo a de “gestão privada”, ou seja, submetida ao direito privado. Entre eles contam-se a necessária prossecução do interesse público, bem como os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé (artigo 266.º, n.º 2, da Constituição), todos eles com especial incidência na questão do recrutamento do pessoal.
Além disso, estabelecendo a Constituição que ‘todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso’ (CRP, artigo 47.º, n.º 2), seria naturalmente uma verdadeira fraude à Constituição se a adopção do regime de contrato individual de trabalho incluísse uma plena liberdade de escolha e recrutamento dos trabalhadores da Administração Pública com regime de direito laboral comum, sem qualquer requisito procedimental tendente a garantir a observância dos princípios da igualdade e da imparcialidade.”
Estas últimas considerações afiguram-se inteiramente procedentes, principalmente quando, como é o caso, o regime laboral do contrato individual de trabalho se reporta a um instituto público que mais não é que um serviço público personalizado.
Com efeito, a exigência constitucional de “acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso” apresenta duas vertentes. Por um lado, numa vertente subjectiva, traduz um direito de acesso à função pública garantido a todos os cidadãos; por outro lado, numa vertente objectiva, constitui uma garantia institucional destinada a assegurar a imparcialidade dos agentes administrativos, ou seja, que “os trabalhadores da Administração Pública e demais agentes do Estado e outras entidades públicas estão exclusivamente ao serviço do interesse público» (n.º 1 do artigo 269.º da CRP). Na verdade, procedimentos de selecção e recrutamento que garantam a igualdade e a liberdade de acesso à função pública têm também a virtualidade de impedir que essa selecção e recrutamento se façam segundo critérios que facilitariam a ocupação da Administração Pública por cidadãos exclusiva ou quase exclusivamente afectos a certo grupo ou tendência, com o risco de colocarem a mesma Administração na sua dependência, pondo em causa a necessidade de actuação “com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé” (n.º 2 do artigo 266.º da CRP).
Esta perspectiva é particularmente importante quando se trate de recrutamento e selecção de pessoal para entidades que exerçam materialmente funções públicas, como acontece com o IPCR (cf., supra, 4.1).
A afirmação anterior não é desmentida pelo facto de o pessoal técnico superior e o pessoal destinado a desempenhar funções especializadas em investigação laboratorial para a conservação e restauro, ao contrário do restante pessoal do Instituto, ser admitido em regime de contrato individual de trabalho (artigo 22.º, n.º 1, do Decreto-Lei em análise). De facto, e se bem que se possa admitir que aquele regime se poderá adaptar melhor à situação do pessoal técnico especializado (embora não de todo o pessoal técnico superior), em virtude da sazonalidade e especificidade das tarefas que é chamado a desempenhar, não podemos ignorar que, no decurso da sua actividade, também poderá estar em causa o exercício de poderes de autoridade estadual, nomeadamente, os poderes de superintendência e de certificação acima mencionados.
Consequentemente, as atribuições e a natureza do IPCR, bem como as funções cometidas aos seus órgãos e agentes justificam inteiramente que ao recrutamento e selecção do seu pessoal, ainda que sujeito ao contrato individual de trabalho, se apliquem as garantias de liberdade e igualdade de acesso que se encontram fixadas no n.º 2 do artigo 47.º da Constituição.
Ainda que se entenda que para o recrutamento de pessoal sujeito ao regime do contrato individual de trabalho se não justifica a realização de um concurso público, nem por isso se pode deixar de reconhecer que a selecção e o recrutamento desse pessoal deverá sempre ter lugar através de procedimentos administrativos que assegurem a referida liberdade e igualdade de acesso.
A recente Lei n.º 3/2004, de 15 de Janeiro (Lei quadro dos institutos públicos), no seu artigo 34.º, sob a epígrafe Pessoal, veio justamente dispor:
“1 – Os institutos públicos podem adoptar o regime do contrato individual de trabalho em relação à totalidade ou parte do respectivo pessoal, sem prejuízo de, quando tal se justificar, adoptarem o regime jurídico da função pública.
2 – O pessoal dos institutos públicos estabelece uma relação jurídica de emprego com o respectivo instituto.
3 – O recrutamento do pessoal deve, em qualquer caso, observar os seguintes princípios:
a) Publicitação da oferta de emprego pelos meios mais adequados;
b) Igualdade de condições e oportunidades dos candidatos;
c) Fundamentação da decisão tomada.
4 – Nos termos do artigo 269.º da Constituição, a adopção do regime da relação individual de trabalho não dispensa os requisitos e limitações decorrentes da prossecução do interesse público, nomeadamente respeitantes a acumulações e incompatibilidades legalmente estabelecidas para os funcionários e agentes administrativos.
(...).”
Tratou-se da generalização para todos os institutos públicos de soluções que já vinham sendo adoptadas pelo legislador, como, por exemplo, no Decreto-Lei n.º 59/2002, de 15 de Março, que criou o Instituto Geográfico Português (vide o n.º 6 do artigo 46.º dos Estatutos por ele aprovados), e no Decreto-Lei n.º 96/2003, de 7 de Maio, que criou o Instituto do Desporto de Portugal (vide o artigo 33.º dos Estatutos por ele aprovados), o que demonstra que não existe qualquer incompatibilidade entre o regime do contrato individual de trabalho e a definição de garantias de liberdade e igualdade no acesso ao exercício de funções nos institutos públicos.
Em suma: as normas em causa, na medida em que prevêem uma plena liberdade de selecção e recrutamento do pessoal técnico superior e do pessoal técnico especializado do instituto público em apreço, sem estabelecerem qualquer requisito procedimental tendente a garantir a observância dos princípios da liberdade e da igualdade de acesso à função pública, colidem com o preceituado no n.º 2 do artigo 47.º da CRP.
6.3. A eventual existência de justificação material para um regime de excepção
Como vimos, sustentou o Primeiro-Ministro que existem aqui específicas razões materiais que se apresentam como bastantes para se admitir a dispensa do concurso público. Tais razões consistiriam na especial natureza, pontualidade, sazonalidade e especificidade das funções a desempenhar, conjugadas com as exigências da preservação, defesa e valorização da herança patrimonial.
Ainda que assim seja, estas razões não colhem no que respeita ao pessoal técnico superior, uma vez que estão em causa tarefas de gestão de recursos humanos, biblioteca e documentação, arquivo, consultadoria jurídica e informática, para os quais não se vislumbram quaisquer especificidades ou sazonalidade justificativas da dispensa de concurso público (veja-se o mapa anexo à Portaria n.º 288/2003, de 3 de Abril, que aprova o quadro de pessoal do IPCR — cf., supra, 4.2).
Já quanto ao pessoal técnico especializado em conservação e restauro (superior ou não), se as razões alegadas pelo Primeiro-Ministro se podem apresentar como procedentes para a opção pelo regime do contrato individual de trabalho, e eventualmente mesmo para se não prever que o recrutamento e selecção devessem ser efectuados por concurso público, o que elas não podem justificar é a ausência de quaisquer regras e procedimentos tendentes a assegurar que o acesso tenha lugar com efectivas garantias de liberdade e igualdade. Efectivamente, as qualidades técnicas que deverão constituir critério essencial de selecção do pessoal técnico especializado são, em grande medida, objectivamente avaliáveis, pelo que não se compreende a postergação daquelas regras.
De facto, se é verdade que este Tribunal definiu o entendimento segundo o qual a regra do concurso pode ser postergada, caso exista uma justificação material, uma vez que o n.º 2 do artigo 47.º apenas determina que o recurso ao concursos deve ter lugar em regra, já se não descortinam nem credencial constitucional nem, no caso vertente, quaisquer interesses que pudessem determinar a eventual existência de motivos conducentes ao afastamento de um recrutamento baseado em critérios que assegurem a liberdade e igualdade de acesso à função pública.”
Estas considerações são inteiramente transponíveis para o caso do presente recurso, sendo inquestionável que o instituto em causa está investido de poderes de autoridade (cf., designadamente, o n.º 3 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 237/99), e não se vislumbra nenhuma razão válida, nomeadamente face à especificidade das funções desempenhadas, para subtrair todo o seu pessoal, e especificamente a categoria profissional da ora recorrida, à regra do concurso.
Não se ignora que, entre a matéria de facto provada, consta que “a autora foi contratada na sequência de um processo de avaliação de currículos dos candidatos, com entrevista de selecção” (n.º 8). No entanto, para além de o critério normativo seguido no acórdão recorrido (e é sobre esse que há-de incidir o juízo de constitucionalidade deste Tribunal) ter considerado de todo irrelevante a existência, ou não, de procedimentos objectivos de selecção do pessoal a contratar, o certo é aquele facto provado é insuficiente (por nada revelar, por exemplo, sobre a prévia publicitação da existência da vaga) para dar por adquirido que o procedimento em concreto seguido tenha efectivamente garantido a todos os potenciais candidatos o acesso ao cargo “em condições de liberdade e igualdade”. Competirá, naturalmente, ao tribunal recorrido, ao proceder à reformulação da sua decisão, e se tal lhe for processualmente permitido, apurar se, em concreto, estas condições terão sido respeitadas, hipótese em que, adoptando então — como lhe é lícito — critério normativo distinto do ora julgado inconstitucional, não está à partida excluída a possibilidade de vir a julgar não inconstitucional esse novo critério.
3. Decisão
Em face do exposto, acordam em:
a) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 47.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, a norma extraída da conjugação dos artigos 41.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho, 44.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, e 13.º dos Estatutos do Instituto para a Conservação e Exploração da Rede Rodoviária (ICERR,), aprovados pelo Decreto-Lei n.º 237/99, de 25 de Junho, interpretados no sentido de permitirem a contratação de pessoal sujeito ao regime jurídico do contrato individual de trabalho, designadamente na parte em que permite a conversão de contratos de trabalho a termo em contratos sem termo, sem imposição de procedimento de recrutamento e selecção dos candidatos à contratação que garanta o acesso em condições de liberdade e igualdade; e, em consequência,
b) Conceder provimento ao recurso, determinando-se a reformulação da decisão recorrida em conformidade com o precedente juízo de inconstitucionalidade.»

Como resulta do acórdão transcrito, o Tribunal Constitucional não julgou inconstitucionais, em si mesmas, as normas dos artigos 41.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 184/89 e 44.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 427/89, na parte em que salvaguardam a existência de regimes especiais, diversos do regime geral de emprego público, e determinam a aplicação das respectivas disposições estatutárias ao pessoal dos institutos públicos que revistam a natureza de serviço personalizado e se rejam pelo regime do contrato individual de trabalho.

Nem julgou inconstitucional, em si mesma, a norma do artigo 13.º, n.º 1, dos Estatutos do ICERR, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 237/99, de 25 de Junho, que dispôs que o pessoal do ICERR está sujeito ao regime jurídico do contrato individual de trabalho, com as especificidades previstas nesses estatutos e no diploma que os aprovou.

O mencionado juízo de inconstitucional reporta-se à norma extraída da conjugação dos sobreditos preceitos, na interpretação segundo a qual seria permitida a contratação de pessoal daquele Instituto sujeito ao regime jurídico do contrato individual de trabalho, nomeadamente na parte em que permite a conversão dos contratos de trabalho a termo em contratos sem termo, sem imposição de procedimentos de recrutamento e selecção dos candidatos à contratação tendentes a garantir o acesso em condições de liberdade e igualdade.

E, como já se referiu, o Tribunal Constitucional aceitou que, ao emitir-se pronúncia sobre a pretendida conversão de tais contratos, se pondere a questão da suficiência ou não, em concreto, dos procedimentos objectivos de selecção do pessoal a contratar que, porventura, tenham sido seguidos na contratação efectuada e da consequente constitucionalidade ou não do critério normativo adoptado.

Ora, no concreto dos autos, não se mostra que fosse de postergar a regra do concurso ou de procedimento equiparado de recrutamento e selecção na contratação da autora, constante no n.º 2 do artigo 47.º da Constituição, por não se descortinarem quaisquer interesses que pudessem determinar a existência de motivos para afastar um recrutamento assente em critérios que garantissem a liberdade e igualdade de acesso à função pública.

Especificamente, não é de molde a postergá-la a natureza das funções para que a autora foi contratada e cujo exercício manteve, ulteriormente, no réu, «funções de secretariado e apoio à gestão na Área de Planos» e «trabalhos de gestão na área de conservação e exploração da rede viária» - factos assentes 3), 4), 12), 15), 19).

Tudo para concluir que a contratação da autora estava sujeita, como foi admitido no citado acórdão do Tribunal Constitucional, à observância de procedimento administrativo de recrutamento e selecção que garantissem a liberdade e igualdade de acesso à função pública.

Sem tal procedimento a norma extraída da conjugação dos artigos 41.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 184/89, 44.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 427/89 e 13.º dos Estatutos do ICERR revela-se inconstitucional, o que dita que, indemonstrada a sua existência, seja inválida a conversão do contrato a termo celebrado em contrato sem termo, por falta de suporte normativo para tal conversão.

Isto é, sem a prova da observância de procedimento administrativo de recrutamento e selecção que assegurasse a liberdade e igualdade de acesso à função pública, não pode concluir-se pela validade constitucional de tal norma.

Nos termos do n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado, sendo que, em caso de dúvida, «os factos devem ser considerados como constitutivos do direito» (n.º 3 do artigo 342.º citado).

E, tal como sublinham PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA (Código Civil Anotado, vol. I, Coimbra Editora, Limitada, Coimbra, 1967, p. 223), «[p]ara sabermos se um facto é constitutivo ou impeditivo não se pode olhar ao facto isoladamente considerado, mas à sua conexão com o direito invocado ou com a pretensão formulada».

Na presente acção, atendendo aos precisos termos da pretensão deduzida, a alegação e prova da observância de procedimento administrativo de recrutamento e selecção que assegurasse a liberdade e igualdade de acesso à função pública reveste natureza constitutiva, cujo ónus de prova cabia, portanto, à autora, nos termos do n.º 1 do artigo 342.º citado.

Aliás, como já se observou no acórdão deste Supremo Tribunal, de 26 de Setembro de 2007, proferido na Revista n.º 4470/06, da 4.ª Secção, cuja explanação se está a seguir de perto e que apreciou questão similar, «estamos perante aspecto de facto que, na presente acção, reveste natureza constitutiva e cujo ónus da prova cabe, por isso, ao A., nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Cód. Civil (diga-se que parece ter sido também o entendimento subjacente à posição do Acórdão do TC que vem sendo abordado, como se deduz da passagem acima transcrita sobre a protecção do juízo de inconstitucionalidade nele formulado ao caso concreto aí abordado)» (cf., no mesmo sentido, o acórdão deste Supremo Tribunal, de 3 de Outubro de 2007, proferido na Revista n.º 177/07, da 4.ª Secção, e que apreciou questão idêntica).

Ora, no caso, apenas se provou, neste particular, que «[a] A. foi contratada na sequência de um processo de avaliação de currículos dos candidatos, com entrevista de selecção» [facto assente 8)], sendo certo que da factualidade enunciada não resulta assente que tenha havido um processo de recrutamento e selecção de candidatos equiparável ao concurso, porque não resulta demonstrado, como era necessário, que tivesse havido uma prévia publicitação da existência da(s) vaga(s) a preencher, por forma a permitir a candidatura de todos os potenciais interessados.
Não se sabendo se ocorreu ou não o adequado procedimento administrativo de recrutamento e selecção que assegurasse a liberdade e igualdade de acesso à função pública, porque à autora competia alegar e provar tal facto, a dúvida resolve--se contra ela, nos termos das disposições combinadas dos artigos 342.º, n.º 1, do Código Civil e 516.º do Código de Processo Civil.

Nesta conformidade, sendo inconstitucional, por violação do preceituado no artigo 47.º, n.º 2, da Constituição, a norma extraída dos conjugados artigos 41.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 184/89, 44.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 427/89 e 13.º dos Estatutos do ICERR, interpretados no sentido de permitirem a contratação de pessoal sujeito ao regime jurídico do contrato individual de trabalho, designadamente na parte em que permite a conversão de contratos de trabalho a termo em contratos sem termo, sem imposição de procedimento de recrutamento e selecção dos candidatos à contratação que garanta o acesso em condições de liberdade e igualdade, a relação jurídica estabelecida entre as partes, iniciada em 7 de Junho de 2001, quando perspectivada como relação de trabalho subordinado, tem de se considerar nula e como tal declarada, face ao disposto no artigo 286.º do Código Civil, com a consequente impossibilidade, nos termos acima referidos, de conversão do contrato de trabalho a termo celebrado pelas partes em contrato por tempo indeterminado.

Improcedem, pois, as conclusões 1) a 8), 10), 20) e 21), na parte atinente, da alegação do recurso de revista.

3. Num outro plano de consideração, atenta a solução acolhida no tocante à invocada admissibilidade da aplicação do regime do contrato individual de trabalho, mormente quanto à conversão dos contratos de trabalho a termo em contratos sem termo, e de acordo com o n.º 2 do artigo 660.º do Código de Processo Civil, aplicável aos acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, ex vi artigos 713.º, n.º 2, e 726.º do mesmo Código, fica prejudicado o conhecimento da questão atinente ao valor jurídico da estipulação do termo no contrato de trabalho celebrado entre as partes, em 7 de Junho de 2001, à luz da alínea b) do n.º 1 do artigo 41.º da LCCT [conclusões 9), 20) e 21), na parte atinente, da alegação do recurso de revista].

4. A recorrente invoca, ainda, a violação dos artigos 13.º e 53.º da Constituição da República Portuguesa.

Também na resposta produzida ao abrigo do n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil, alega que «julgar que não houve um procedimento de recrutamento e selecção de candidatos equiparável ao concurso, por não resultar demonstrado que tivesse havido uma prévia publicitação da existência de vagas a preencher por forma a permitir a candidatura de todos os potenciais interessados e face à impossibilidade de conversão de contratos de trabalho a termo certo pelas partes em contrato por tempo indeterminado e julgar, consequentemente, que o Réu podia pôr livremente termo ao contrato, sem que tal configure um despedimento ilícito, consubstancia uma clara violação do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da CRP».

No dizer de GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA (Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição revista, vol. I, Coimbra Editora, 2007, p. 340), a proibição de discriminação ínsita no âmbito de protecção do princípio da igualdade «não significa uma exigência de igualdade absoluta em todas as situações, nem proíbe diferenciações de tratamento», o que se exige «é que as medidas de diferenciação sejam materialmente fundadas sob o ponto de vista da segurança jurídica, da proporcionalidade, da justiça e da solidariedade e não se baseiem em qualquer motivo constitucionalmente impróprio».

Isto é, deve tratar-se por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual.

Ora, no caso, não estão provados elementos de facto suficientes para poder aferir-se a violação do invocado princípio da igualdade.
E não se diga que se verifica a ofensa ao direito à segurança no emprego garantido no artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa, já que a situação apurada nos autos não configura um despedimento ilícito da autora pelo réu.

Não se descortina, pois, a violação dos invocados preceitos constitucionais, pelo que improcedem as conclusões 11) a 13), 14) a 19) e 21), na parte atinente.
III
Pelo exposto, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido, embora com diversa fundamentação.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 14 de Novembro de 2007

Pinto Hespanhol (Relator)
Vasques Dinis
Bravo Serra