Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1299/11.2TBPVZ.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
TRESPASSE
DANO EMERGENTE
LUCRO CESSANTE
INTERESSE CONTRATUAL POSITIVO
INTERESSE CONTRATUAL NEGATIVO INTERESSE CONTRATUAL POSITIVO
ESTABELECIMENTO COMERCIAL
LICENÇA DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL E INDUSTRIAL
NORMA IMPERATIVA
INVALIDADE
CONDENAÇÃO EM QUANTIA A LIQUIDAR
CULPA IN CONTRAHENDO
BOA FÉ
DIREITO DE RETENÇÃO
DETENÇÃO
ÓNUS DA PROVA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 12/20/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDAS PARCIALMENTE AMBAS AS REVISTAS
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICA / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURIDÍCO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL / FORMA / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / GARANTIAS ESPECIAIS DAS OBRIGAÇÕES / DIREITO DE RETENÇÃO - DIREITO DAS COISAS / POSSE/ EFEITOS DA POSSE.
Doutrina:
-Paulo Mota Pinto, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, 2008, Volume II, p. 1230 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC):- ARTIGOS 227.º, N.º1, 342.º, N.º1, 754.º E 1273.º.
Sumário :
I - Não enferma de nulidade por omissão de pronúncia, o acórdão em que a Relação, depois de ter sido declarada a nulidade dos contratos de arrendamento e de trespasse em causa nos autos, não conheceu da contrapartida pelo gozo e fruição pela autora do imóvel arrendado e do estabelecimento comercial, posto que, tendo a referida nulidade sido peticionada pelos autores, teve a ré a possibilidade de formular o pedido reconvencional que entendeu adequado, não cabendo, como tal, ao tribunal conhecer oficiosamente da mencionada contrapartida nem convolar o pedido reconvencional deduzido – de condenação no pagamento do valor auferido pela autora com a exploração do estabelecimento comercial – numa contrapartida pelo gozo do imóvel e do estabelecimento.

II - Vem sendo reiteradamente aceite pela doutrina e pela jurisprudência que a classificação “danos emergentes” versus “lucros cessantes” não se confunde com a classificação “danos por interesse contratual positivo” versus “danos por interesse contratual negativo”, uma vez que tanto a indemnização por interesse contratual positivo como a indemnização por interesse contratual negativo podem incluir lucros cessantes, ainda que de índole distinta.

III - Na indemnização por interesse contratual positivo os lucros cessantes correspondem aos lucros que o lesado teria recebido se, tendo o contrato sido celebrado, viesse a ser pontualmente cumprido; já na indemnização por interesse contratual negativo correspondem às oportunidades de lucro que o lesado perdeu por ter celebrado o contrato e que teria tido se não o tivesse celebrado.

IV - Sempre que a invalidade do contrato consiste no desrespeito de um requisito legal imperativo – como sucede no caso com a falta de licença de exploração do estabelecimento – não há lugar a indemnização pelo interesse contratual positivo por a razão de ser da norma que impõe aquele requisito e cuja violação fundamenta, no caso, a nulidade dos contratos de arrendamento e de trespasse ser incompatível com esta indemnização.

V - Tendo ficado provado que “no final do arrendamento relativo ao prédio onde se acha instalado o (…) estabelecimento comercial, a autora teria direito a fazer seu o estabelecimento (…), sem qualquer pagamento, já que a renda cobrada e definida no contrato de arrendamento foi negociada com esse pressuposto”, deverá apurar-se em sede de liquidação qual a parcela das rendas liquidadas que correspondia ao arrendamento propriamente dito e qual a que correspondia à amortização do estabelecimento comercial, com a consequente restituição à arrendatária desta última parcela em face da declaração de nulidade dos contratos de arrendamento e trespasse.

VI - A indemnização por danos emergentes em sede de interesse contratual negativo – correspondente às despesas com as escrituras públicas dos contratos de arrendamento e trespasse que vieram a ser declarados nulos –, com fundamento em responsabilidade pré-contratual, só pode ter lugar se se provar a violação das regras da boa fé (art. 227.º, n.º 1, do CC).

VII - Nos termos do art. 1273.º do CC, o direito a ser compensado por benfeitorias depende da prova da necessidade (n.º 1) ou da utilidade (n.º 2), das mesmas, competindo àquele que invoca o direito provar os respectivos factos constitutivos (art. 342.º, n.º 1, do CC).

VIII - A detenção de coisa por quem tem a obrigação de a entregar é facto constitutivo do direito de retenção, pelo que cabe àquele que invoca tal direito provar aquele facto (arts. 342.º, n.º 1, e 754.º do CC).

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



1. AA, unipessoal, Lda. e BB instauraram, em 17 de Maio de 2011, a presente acção declarativa sob forma ordinária contra CC, Lda., pedindo que o tribunal:

A) Declare nulos os contratos de arrendamento e de trespasse, ambos com fiança, celebrados entre autores e ré;

B) Declare nulas as cláusulas oitava e nona do contrato de arrendamento celebrado entre autores e ré;

C) Condene a ré, em consequência de tal declaração de nulidade, decorrente da actuação da ré e da ausência de licença de utilização do prédio e estabelecimento comercial, no pagamento à primeira autora dos seguintes prejuízos:

a) € 300.000,00, correspondentes à diminuição e redução de margem de lucro esperado, no período de 16 de Agosto de 2010 a 16 de Maio de 2011, num montante médio mensal de € 30.000,00, por cada mês de inexistência de licença de utilização;

b) € 30.000,00, correspondentes à diminuição e redução da margem de lucro esperado, por cada mês contado desde 16 de Maio de 2011 até à obtenção da licença e/ou indemnização à autora de todas as despesas e danos sofridos com os contratos celebrados sem licença de utilização válida e em vigor;

c) € 1.000.000,00, correspondentes ao lucro cessante, decorrente da valorização e maior valia que a autora iria retirar no trespasse do estabelecimento comercial, no final de um ano da sua exploração e com a implementação e incremento dos seus conhecimentos específicos e especiais na área da discoteca e restauração, mas que era e é dependente da existência de licença de utilização que inexiste;

d) € 100.000,00, correspondente a danos e afectação da imagem comercial da autora, na sequência das diligências de penhoras com remoção;

e) € 25.000,00, correspondente a despesas judiciais e com contratação de advogados que a autora teve que despender para defender a posse do estabelecimento comercial e dos bens que iam ser penhorados e removidos no âmbito dos processos executivos que correspondem aos documentos n.ºs 3 e 4 da petição inicial;

f) € 94.460,00, correspondente à importância paga pela autora e recebida pela ré, a título de rendas devidas por um contrato de arrendamento nulo e referente a um espaço e estabelecimento comercial sem licença de utilização para o efeito;

g) € 2.164,80, correspondente à importância paga pela autora e recebida pela ré, a título e prestações de preço de um trespasse nulo, realizado para um estabelecimento comercial sem licença de utilização para o objecto social a que se destinava e contemplando bens e equipamentos que não pertencem à ré;

h) € 6.000,00, correspondente a despesas e emolumentos pagos suportados pela autora com a celebração das escrituras de arrendamento e trespasse;

D) Condene a ré no pagamento a ambos os autores, na sequência da referida declaração de nulidade de ambos os contratos, no pagamento da seguinte importância:

a) € 251.000,00, correspondentes a parte do preço do trespasse que os autores pagaram e/ou assumiram pagar ao legal representante e gerente da empresa “DD, Lda.”, com o acordo, conhecimento e aceitação da ré, por forma a que fossem concretizados os arrendamento e trespasse celebrados entre autora e ré;

E) Condene a ré no pagamento aos autores dos prejuízos que se vierem a liquidar em sede de execução de sentença, relativos a:

a) Coimas que vierem a ser aplicadas à autora, ou às entidades a quem esta ceda a exploração do estabelecimento comercial, decorrentes da inexistência de licença de utilização;

b) Despesas efectuadas pela autora na aquisição de equipamentos, na realização de obras, na contratação de pessoal, em publicidade comercial e no normal desenrolar da sua actividade de exploração do estabelecimento comercial, que se fixam em montante nunca inferior a € 149.000,00, mas a serem contabilizadas e liquidadas em sede de execução de sentença;

F) Condene a ré a reconhecer o direito da autora a reter o imóvel e estabelecimento comercial dados de arrendamento e trespasse, mas sem licença de utilização para o fim a que se destinava, até integral pagamento à autora de todas as despesas e danos causados pelos referidos contratos e negócios realizados sem título válido.

     A R. contestou por impugnação e por excepção. A final deduziu pedido reconvencional, pretendendo haver dos AA., a título principal, o valor global de € 91.249,10, referente a rendas e outras despesas, o valor de, pelo menos, € 500.000, resultante da perda de clientes e do encerramento e não entrega do estabelecimento, neste período de Verão, valor a liquidar em execução de sentença até que o estabelecimento venha a poder ser aberto depois de lhe ser entregue; termina peticionando a condenação dos AA. como litigantes de má-fé, em multa, quer em indemnização, que agora computa em € 30.000,00; subsidiariamente, caso venham a proceder os pedidos de declaração da nulidade invocados, pede a condenação dos autores, solidariamente, a entregar o arrendado e o estabelecimento comercial, bem como que seja “relegado para execução de sentença o valor que vier a ser apurado como auferido pela Autora na pendência dos presentes contratos, por força da exploração do seu estabelecimento comercial, a ser pago pelos AA. à Ré.”

      Os AA. replicaram, reiterando as posições assumidas na petição inicial, invocaram a ineptidão da reconvenção e afirmaram ampliar a causa de pedir.

     A R. treplicou, retomando a posição assumida na contestação, impugnando os factos aduzidos pelos AA. para sustentar a alegada ampliação da causa de pedir e negando que o pedido reconvencional padeça de ineptidão.

      Realizou-se audiência preliminar sendo proferido despacho saneador: admitiu-se o pedido reconvencional, julgando-se prejudicada a apreciação da ineptidão da reconvenção, fixou-se o valor da causa, deferiu-se a ampliação da causa de pedir; relegou-se para final o conhecimento da ilegitimidade dos AA. e procedeu-se à condensação da factualidade considerada relevante para a boa decisão da causa.

         Por sentença de fls. 1058 foi decidido:

“1. Pretensão da autora.

Julgar parcialmente procedente por provada a sua pretensão, em função do que, - se declara a nulidade das cláusulas 8.ª e 9.ª do contrato de arrendamento;

- se condena a ré a pagar à autora as despesas que teve que suportar, por ter recorrido aos serviços de advogado e por ter assumido as inerentes despesas judiciais, para defender a posse nos autos de embargos de terceiro que deduziu, cuja fixação em concreto, se relega para momento posterior, por falta de elementos que as permita fixar aqui e agora,

- absolvendo-a do demais peticionado.

2. Pretensão da ré.

Julgar, parcialmente procedente por provado o pedido reconvencional, em função do que condenamos os autores, solidariamente, a pagar-lhe a quantia equivalente a € 70.980,00, bem como o valor das rendas e das prestações do preço do trespasse que se vencerem até à entrega do locado e do estabelecimento comercial, absolvendo-os do demais peticionado.”

 

Inconformados, os AA. interpuseram recurso para o Tribunal da Relação do Porto.

Por acórdão de 12 de Janeiro de 2015 decidiu-se declarar nula a sentença por falta de fundamentos de direito, ex vi artigo 615º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil, na parte em que condenou os AA. ao pagamento de indemnização moratória, nulidade que se supriu, julgar parcialmente procedente a impugnação da decisão da matéria de facto, e, no mais, julgar improcedente o recurso de apelação, mantendo-se a decisão recorrida nesses segmentos impugnados.

Inconformados com a decisão do Tribunal da Relação, EE, Lda. e FF interpuseram recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, sendo, em 2 de Junho de 2016, proferido acórdão que concedeu a revista, revogando o acórdão da Relação de 12 de Janeiro de 2015, declarando-se nulos os contratos de arrendamento e fiança e de trespasse e fiança celebrados entre AA. e R., determinando-se a remessa dos autos à Relação para que, se possível pelos mesmos juízes, serem apreciados os demais pedidos formulados, quer em via principal quer em via reconvencional, partindo da nulidade dos contratos.

Dando cumprimento à decisão do Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão da Relação do Porto de 12 de Setembro de 2016 foram conhecidos os pedidos assim elencados:

2. Questões a decidir tendo em conta o objeto definido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02 de Junho de 2016

2. Pedidos dos autores

2.1 da condenação da ré, em consequência da declaração de nulidade, no pagamento à primeira autora das seguintes indemnizações:

a) € 300.000,00, correspondentes à diminuição e redução de margem de lucro esperado, no período de 16 de Agosto de 2010 a 16 de Maio de 2011, num montante médio mensal de € 30.000,00, por cada mês de inexistência de licença de utilização;

b) € 30.000,00, correspondentes à diminuição e redução da margem de lucro esperado, por cada mês contado desde 16 de Maio de 2011 até à obtenção da licença e/ou indemnização à autora de todas as despesas e danos sofridos com os contratos celebrados sem licença de utilização válida e em vigor;

c) € 1.000.000,00, correspondentes ao lucro cessante, decorrente da valorização e maior valia que a autora iria retirar no trespasse do estabelecimento comercial, no final de um ano da sua exploração, e com a implementação e incremento dos seus conhecimentos específicos e especiais na área da discoteca e restauração, mas que era e é dependente da existência de licença de utilização que inexiste;

d) € 100.000,00, correspondente a danos e afetação da imagem comercial da autora, na sequência das diligências de penhoras com remoção;

e) € 94.460,00, correspondente à importância paga pela autora e recebida pela ré, a título de rendas devidas por um contrato de arrendamento nulo e referente a um espaço e estabelecimento comercial sem licença de utilização para o efeito;

f) € 2.164,80, correspondente à importância paga pela autora e recebida pela ré, a título e prestações de preço de um trespasse nulo, realizado para um estabelecimento comercial sem licença de utilização para o objeto social a que se destinava e contemplando bens e equipamentos que não pertencem à ré;

g) € 6.000,00, correspondente a despesas e emolumentos pagos e suportados pela autora com a celebração das escrituras de arrendamento e trespasse;

2.2 da condenação da ré ao pagamento a ambos os autores, na sequência da referida declaração de nulidade de ambos os contratos, da importância de € 251.000,00, correspondentes a parte do preço do trespasse que os autores pagaram e/ou assumiram pagar ao legal representante e gerente da empresa “DD, Lda.”, com o acordo, conhecimento e aceitação da ré, por forma a que fossem concretizados o arrendamento e trespasse celebrados entre autora e ré;

2.3 da condenação da ré ao pagamento aos autores dos prejuízos que se vierem a liquidar em sede de execução de sentença, relativos a coimas que vierem a ser aplicadas à autora, ou às entidades a quem esta ceda a exploração do estabelecimento comercial, decorrentes da inexistência de licença de utilização e das despesas efetuadas pela autora na aquisição de equipamentos, na realização de obras, na contratação de pessoal, em publicidade comercial e no normal desenrolar da sua atividade de exploração do estabelecimento comercial, que se fixam em montante nunca inferior a € 149.000,00, mas a serem contabilizadas e liquidadas em sede de execução de sentença;

2.4 da condenação da ré a reconhecer o direito da autora a reter o imóvel e estabelecimento comercial dados de arrendamento e trespasse, mas sem licença de utilização para o fim a que se destinava, até integral pagamento à autora de todas as despesas e danos causados pelos referidos contratos e negócios realizados sem título válido.

3. Pedido da ré

3.1 da condenação solidária dos autores a entregarem o arrendado, bem como o estabelecimento comercial e da condenação dos autores ao pagamento do valor que vier a ser apurado como auferido por ela na pendência dos presentes contratos, por força da exploração do seu estabelecimento comercial de café, restaurante e discoteca.


A final foi proferida a seguinte decisão:

Pelo exposto, em audiência, neste recurso de apelação em que são recorrentes AA, Lda e BB e recorrida CC, Lda., os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto, em cumprimento do decidido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02 de junho de 2016, acordam:

a) em julgar parcialmente procedente a ação e, em consequência, sem prejuízo da decisão já transitada em julgado condenando CC, Lda. a pagar “pagar à autora as despesas que teve que suportar, por ter recorrido aos serviços de advogado e por ter assumido as inerentes despesas judiciais, para defender a posse nos autos de embargos de terceiro que deduziu, cuja fixação em concreto, se relega para momento posterior, por falta de elementos que as permita fixar aqui e agora”, condena-se CC, Lda. a restituir a AA, Lda a quantia de mil e sessenta e cinco euros, recebida pela ré a título de parte do preço do trespasse, reconhecendo-se à autora o direito de retenção do estabelecimento comercial instalado na Avenida …, em prédio urbano composto de dois pavimentos, na freguesia e concelho de Póvoa de Varzim, inscrito na matriz sob o artigo 5…2, para garantia do pagamento do crédito ilíquido que lhe foi reconhecido na decisão proferida em primeira instância em conclusão aberta a 13 de março de 2014, improcedendo as demais pretensões deduzidas pelos autores, indo a ré absolvida de tais pedidos;

b) em julgar parcialmente procedente por provada a pretensão reconvencional subsidiária, e, em consequência, em condenar  AA, Lda.a restituir a CC, Lda. o estabelecimento comercial (complexo comercial) de café, restaurante, discoteca, denominado “CC – Café, Restaurante, Discoteca”, instalado no prédio urbano composto de dois pavimentos e logradouro, situado na Avenida dos …, com todos os elementos que o constituem, nomeadamente, todos os móveis e recheio que constam da relação anexa ao contrato de trespasse celebrado em 16 de agosto de 2010, lavrado de folhas 49 e seguintes do livro nº 42-A para Escrituras Diversas, no Cartório Notarial da Sra. Notária GG, sito na Rua D. …, nº …, freguesia e concelho de Esposende, restituição a efetivar apenas quando se extinguir o direito de retenção antes reconhecido, a favor de AA, Unipessoal, Lda., absolvendo-se o autor desta pretensão reconvencional.

Custas do recurso e da ação a cargo dos recorrentes e da recorrida, na exata proporção da sucumbência, sendo as custas da reconvenção na proporção de 4/5 para a reconvinte e de 1/5 para a reconvinda (artigo 527º, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil), sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso.


2. Vem a A. AA, Lda recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:

1. Os lucros cessantes que a Autora deixou de auferir com a nulidade dos contratos, de arrendamento e trespasse, celebrados com a Ré, cabem no cômputo da indemnização pelo interesse contratual negativo (ou dano de confiança);

2. Tais danos foram causados por uma actuação da Ré pautada pela má-fé, que, conhecendo a inexistência de licença de utilização (tinha recebido uma ordem camarária de encerramento do estabelecimento, por inexistência de licença, no ano de 2008 e tinha promovido e instruído um processo de licenciamento, nesse mesmo ano, que ainda não estava concluído) ainda assim tratou de celebrar tais contratos omitindo tal informação da Autora, criando a aparência de o fazer sob a égide de licenças válidas;

3. Ainda que tais danos devam ser considerados como danos positivos, atentas as circunstâncias contratuais, e aquela má-fé da Ré, sempre devem ser indemnizados por esta, quer no que respeita à diminuição e redução das margens de lucro, quer na indemnização pelos danos e despesas sofridos e com contratos celebrados e valorização do estabelecimento comercial com a actividade da Autora.

4. Acresce que a quantia de € 72.932,00, liquidada pela Autora à Ré, a título de rendas, não pode apenas ser considerada como a contrapartida do gozo que sempre seria devido por aquela a esta. Na verdade, para além de tal renda, de valor elevado, corresponder a um espaço e a um estabelecimento licenciado - que não era o caso - também no respectivo valor de renda estava considerado e englobado o direito que a Autora teria, no final do contrato, a fazer seu tal estabelecimento comercial;

5. E foram tais condições, que assim ficaram inviabilizadas, que determinaram a Autora a liquidar tal renda elevada e a realizar despesas de investimento, contratos e aquisição de equipamentos, na perspectiva de um negócio que ficou gorado por má-fé da Recorrida.

6. Por tal motivo, não pode ser concedido à senhoria Ré o direito a reter o pagamento de importâncias que recebeu e que não tinha direito a receber ou a reter, quer porque não correspondem à contrapartida do gozo de um local licenciado, quer porque incluíam outras remunerações e contrapartidas.

7. E ainda por tal motivo, deve ser reconhecido à Autora o direito a ser reembolsado de tal importância, de € 72.932,00 e ainda o direito a reter o estabelecimento comercial e o prédio até ser integralmente ressarcida de tal importância.

8. Por outro lado, e sem prescindir, também assiste à Autora/Recorrente o direito a ser reembolsada das despesas com a celebração das escrituras de arrendamento e trespasse, no montante que ficou provado de € 5.324,81, pois que foi uma despesa frustrada, decorrente da invalidade dos contratos.

9. Acresce que as despesas realizadas pela Autora, e demonstradas no ponto 3.3.1.6, não careciam sequer de ser consideradas benfeitorias úteis para ela haver o direito a ser delas reembolsada pela Ré/Recorrida.

10. E também todas as demais despesas e investimentos realizados pela Autora, na aquisição de equipamentos, na realização de obras, na contratação de pessoal, em publicidade comercial e no normal desenrolar da sua actividade de exploração do estabelecimento comercial, apesar de não terem sido demonstradas no montante, deveria o respectivo conhecimento ter sido relegado para liquidação de sentença.

11. Tais despesas de investimento, realizadas pela Autora, foram no pressuposto da existência de uma licença de utilização que se veio a reconhecer inexistir, por causa exclusivamente imputável à Ré, que não só declarou em escritura possuir tais licenças, que não possuía, como também sabia, não podendo desconhecer, que tais licenças eram inexistentes e que aquela licença que exibiu era uma aparência formal da licença real que ainda não possuía, mas que estava a tratar de obter na Câmara Municipal.

12. A indemnização pela destruição da relação contratual, por efeito da declaração da nulidade, não está, nem pode estar, assim, limitada ao interesse contratual negativo, podendo ainda abranger, como no presente caso, os danos positivos, o interesse contratual positivo, desde que tal não acarrete, como não acarreta, qualquer situação geradora de desequilíbrios ou benefícios injustificados.

13. A Autora/Recorrente sempre deverá ter direito ao lucro cessante, nos termos gerais do artigo 562.° e seguintes do C.C..

14. E tal prejuízo pode ser avaliado de duas formas:

- avaliado pela utilização lucrativa que aquele lhe daria, designadamente revendendo-a (e o dano corresponderá à diferença entre o preço do contrato e o preço numa revenda);

- a diferença entre o preço do contrato e o preço que o credor tem de desembolsar para conseguir uma coisa igual (diferença entre o preço do contrato e o preço de aquisição com uma coisa igual).

Termos em que deve ser concedida revista, revogando-se o douto acórdão recorrido, e substituindo-se por outro que condene a R. a pagar à A. as quantias por esta reclamadas, liquidadas ou a liquidar em execução de sentença, correspondentes aos danos pelo interesse contratual negativo e positivo.


Também a R. CC, Lda., interpôs recurso de revista, formulando as seguintes conclusões:

1. A nulidade dos contratos de Arrendamento e de Trespasse tem como consequência que a recorrida/arrendatária seja absolvida do pagamento das rendas resultantes da ocupação a título de arrendatária.

2. No entanto, o imóvel pertencente à Recorrente Enseada encontrou-se no gozo e fruição da Recorrida, desde Abril de 2010 a Outubro, inclusive de 2012, sem que esta tenha liquidado qualquer valor compensatório.

3. Desse modo, o uso e fruição de tal imóvel pela Recorrida, teria que levar o Tribunal Recorrido, na posse de tais elementos, que constam da sentença da primeira instância, e face à nulidade dos contratos "sub judice", decidida pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02 de Junho de 2016, decidir a compensação a favor da Recorrente em valor que fizesse coincidir tal compensação com o valor mensal das prestações convencionadas.

4. Assim, deveria ter condenado a Recorrida a pagar a favor da ora Recorrente, por força de tal gozo e fruição, valor equiparado ao montante da renda acordada "ab initio", prestação que ascendia ao valor mensal de 11.380,00 €, pelo que, multiplicado pelos meses que durou tal fruição sem pagamento de contrapartida (19 meses - Abril de 2010 a Outubro de 2012), ascende ao montante de 216.220,00 €, que ora se requerer o devido pagamento,

5. Mais, não estando a Recorrida na posse do imóvel, desde Outubro de 2012, tendo a entrega do mesmo e referido estabelecimento comercial ocorrido nesse momento, não lhe podia ser concedido pela decisão do Tribunal recorrido, o direito de retenção, pois este sempre implica que a mesma recorrida estivesse na posse do mesmo, o que não se verifica desde Outubro de 2012.

6. Assim, o Acórdão de que ora se recorre, ao não se ter pronunciado sobre a indemnização devida pela Recorrida a Recorrente, a título e compensação pelo gozo e fruição do imóvel, desde Abril de 2010 até Outubro de 2012, sem que aquela liquidasse qualquer valor, fosse a que título fosse, não conheceu de matéria a que estava obrigado, pois a nulidade, sendo exceção do conhecimento oficioso, as consequências a esta inerentes não podem passar incólumes ao JULGADOR, como "in casu", pelo que o Tribunal recorrido não pode deixar de conhecer, tendo violando assim o disposto no artigo 615°, n.° 1 do CPC.

7. De igual modo, tendo o imóvel em causa e o respetivo estabelecimento comercial sido entregues ao Recorrente em Outubro de 2012, não podia o Acórdão recorrido ter deferido o direito de retenção invocado pela Autora.

8. O direito de reter implica que a Autora detivesse o estabelecimento em causa, o que não se verifica há muito e muito tempo, pelo que a entrega do mesmo teria sempre feito caducar qualquer direito de retenção.

9. Assim, o Acórdão recorrido, ao decidir, pelo direito à retenção do estabelecimento comercial, a favor da Recorrida, violou também o previsto nos artigos 759° e 761° do Código Civil.

Termina pedindo que se dê “provimento ao presente recurso de Revista, revogando-se o douto Acórdão recorrido, e decidindo-se conforme o exposto nas presentes conclusões, ou seja, condenando-se a Recorrido a pagar á Recorrente, a título de compensação pelo uso e gozo do imóvel, a quantia de 216.220,00 € e ainda não deferindo o direito de retenção a favor da Recorrida.

Não houve contra-alegações.

         Cumpre decidir.


4. Vêm dados como provados os factos seguintes (mantêm-se a identificação e a redacção da Relação):

3.3.1.1 No exercício da atividade de autora e ré [,ambas] celebraram, entre si, a 16.8.2010, no Cartório Notarial da Dra. GG, no concelho de Esposende, duas escrituras públicas, de arrendamento e fiança e de trespasse e fiança, respetivamente, tendo-se a ré declarado dona e legítima possuidora de um prédio urbano composto por dois pavimentos e logradouro, situado na Avenida dos …, freguesia e concelho da Póvoa de Varzim, inscrito na matriz urbana sob o artigo 5….2, com alvará de licença n.º 6/91, para a exploração de atividades de snack-bar, café, restaurante, hamburgueria e danceteria e discoteca, assumindo o segundo autor e garantindo pessoal e solidariamente com a primeira autora, perante a ré, o bom e integral pagamento e cumprimento de todas as obrigações decorrentes do respetivo trespasse (alínea A dos factos assentes).

3.3.1.2 Acordaram autora e ré que o arrendamento seria realizado pelo prazo de 208 meses, tendo o seu início no dia 16.8.2010 e termo em 1.1.2028, que a renda mensal a pagar por aquela a esta seria no montante de € 11.830,00 e que “a falta de pagamento de, pelo menos três rendas, concederá à senhoria o direito de resolver imediatamente o contrato de arrendamento, servindo este mesmo contrato como título executivo para a senhoria intentar a acção executiva para cobrança dos montantes em dívida” (alínea B dos factos assentes).

3.3.1.3 Acordaram autora e ré que “cumulativamente, a arrendatária autoriza a senhoria, na falta de pagamento de pelo menos aquelas três rendas, a entrar de imediato na posse do arrendado, sem recurso à via judicial, se esta assim o entender, considerando-se, de imediato, rescindido o presente contrato, cláusula essa que se estende a toda e qualquer entidade que venha a tomar a posição contratual da ora arrendatária”, assumindo o segundo autor e garantindo pessoal e solidariamente com a primeira autora, perante a ré, o bom e integral pagamento e cumprimento de todas as obrigações decorrentes do referido arrendamento (alínea C dos factos assentes).

3.3.1.4 Através do contrato de trespasse e fiança a ré declarou-se dona e legítima possuidora de um estabelecimento comercial (complexo comercial) de café, restaurante e discoteca, denominado CC – CAFÉ, RESTAURANTE, DISCOTECA, instalado no referido prédio que deu de arrendamento à autora, e pelo mesmo contrato, deu de trespasse à autora o referido estabelecimento comercial, com todos os elementos que o constituíam à data da escritura pública, nomeadamente todos os móveis e recheio que constam de uma relação anexa ao referido contrato de trespasse, bem como a respetiva licença; o preço do referido trespasse foi de € 45.760,00, a ser pago em duzentos e oito prestações mensais, iguais e sucessivas, de € 220,00 cada, reservando a ré para si a propriedade do estabelecimento até integral pagamento do preço, não permitindo a antecipação do pagamento do preço (alínea D dos factos assentes).

3.3.1.5 Autora e ré acordaram que aquela poderia, em qualquer altura do arrendamento, proceder ao levantamento de todo o recheio, incluindo máquinas e outros elementos do estabelecimento, desde que o seu levantamento não importasse a deterioração do imóvel onde se encontra instalado o estabelecimento, que no final do arrendamento relativo ao prédio onde se acha instalado o referido estabelecimento comercial, a autora teria direito a fazer seu o estabelecimento comercial, sem qualquer pagamento, já que a renda cobrada e definida no contrato de arrendamento foi negociada com esse pressuposto, sem prejuízo de a autora poder levantar o estabelecimento comercial, recheios e máquinas, no caso de cessação ou termo do arrendamento, a qualquer altura (alínea E dos factos assentes).

3.3.1.6 A autora levou a cabo no prédio e estabelecimento comercial mencionados, pinturas e substituição de elementos velhos que não poderão ser retirados sem detrimento do prédio arrendado (alínea F dos factos assentes).

3.3.1.7 A autora é uma sociedade que tem por objeto social a confeção, comercialização, importação, exportação e representação de têxteis, vestuário e seus acessórios, exploração de bares, discotecas e outros espaços de dança, cafetaria, pizzarias, gelatarias, restaurantes, salas de espetáculos e outras atividades conexas (resposta ao artigo 1º da base instrutória).

3.3.1.8 O segundo autor é o gerente da primeira autora (resposta ao artigo 2º da base instrutória).

3.3.1.9 A ré é uma sociedade que tem por objeto, também, a exploração de discotecas (resposta ao artigo 3º da base instrutória).

3.3.1.10 A licença n.º 6/91, que a ré declarou na escritura de arrendamento possuir, emitida pela Junta Autónoma dos Portos do Norte, diz apenas respeito à ocupação do domínio público hídrico (resposta ao artigo 4º da base instrutória).

3.3.1.11 A ré entregou na Câmara Municipal da …, em 29 de abril de 2008, o processo de licenciamento do prédio e estabelecimento comercial que arrendou e deu de trespasse à autora, que corre termos sob o processo de licenciamento 330/08, de que é autora e que se acha titulado em seu nome e que não se encontra concluído (resposta ao artigo 5º da base instrutória).

3.3.1.12 A ré foi notificada em 19.8.2008, pela Câmara Municipal da … para se pronunciar, em 15 dias úteis, acerca da projetada ordem de cessação de utilização do estabelecimento, por não possuir título válido que lhe permita estar aberto ao público (resposta ao artigo 6º da base instrutória).

3.3.1.13 O processo de licenciamento que actualmente se encontra instruído pela ré, e em curso na Câmara Municipal da …, obrigará à realização de obras que consistem em construções, ampliações e alterações a introduzir no prédio e estabelecimento comercial dados de arrendamento e trespasse pela ré à autora permitindo a final à ré obter a licença de utilização do prédio para o fim a que o mesmo se destina (resposta ao artigo 7º da base instrutória).

3.3.1.14 A ré exige da autora o pagamento acrescido de metade da renda devida em cada um desses meses, ou seja, mais € 5.915,00 por cada mês em que a renda foi liquidada em atraso, ameaçando como tem feito sucessiva e constantes vezes, resolver os contratos e tomar posse imediata do arrendado, do estabelecimento comercial, e de todos os equipamentos e investimentos que a autora já realizou no mesmo (resposta ao artigo 12º da base instrutória).

3.3.1.15 A ré mudou a fechadura do imóvel, depois de o mesmo ter estado arrendado à “DD, Lda.”, que por sua vez havia cedido a sua exploração à sociedade “Sugestão Nocturna, Lda.” (resposta ao artigo 14º da base instrutória).

3.3.1.16 E na posse do estabelecimento, a ré arrendou-o e deu-o de trespasse à autora (resposta ao artigo 15º da base instrutória).

3.3.1.17 Alguns dos bens e recheio do estabelecimento comercial que a ré deu de trespasse à autora não se encontravam integral ou parcialmente liquidados e pagos aos respectivos fornecedores (resposta ao artigo 17º da base instrutória).

3.3.1.18 No dia 17 de novembro de 2010, no âmbito do processo de execução nº 4111/10.6TBPVZ, que corria termos pelos Juízos de Execução de Guimarães, uma solicitadora de execução apresentou-se no estabelecimento comercial dado de trespasse pela ré à autora, propondo-se e pretendendo penhorar e remover diversos bens e equipamentos aí existentes e descritos no requerimento executivo daqueles autos (resposta ao artigo 18º da base instrutória).

3.3.1.19 A autora contactou advogado (resposta restritiva ao artigo 20º da base instrutória).

3.3.1.20 A autora deduziu embargos de terceiro nos autos de execução 1784/11.6TBGNR, anteriormente 4111/10.6TBGMR do 1.º Juízo Cível de Guimarães (resposta ao artigo 21º da base instrutória).

3.3.1.21 No dia 14 de fevereiro de 2011, uma solicitadora de execução deslocou-se ao estabelecimento comercial explorado pela autora e trespassado a esta pela ré, para realizar diligência de penhora no âmbito do processo executivo n.º 78/11.1TBPVZ, que corre termos pelo 2.º Juízo Cível deste Tribunal Judicial da Comarca da … (resposta ao artigo 22º da base instrutória).

3.3.1.22 Por forma a evitar a remoção dos bens, a autora contactou e contratou advogado que, de imediato se deslocou ao estabelecimento comercial (resposta ao artigo 25º da base instrutória).

3.3.1.23 Em ambas as ocasiões destinadas à penhora, a autora exibiu os contratos de arrendamento e trespasse, para defender a sua posse e evitar a realização das penhoras e a remoção dos bens (resposta ao artigo 27º da base instrutória).

3.3.1.24 No dia 14 de fevereiro de 2011, a solicitadora de execução nomeada e encarregue da penhora não se mostrou sensível aos argumentos do advogado da autora nem tampouco aos documentos – contratos de arrendamento e trespasse – que lhe foram exibidos, chamando ao local agentes da P.S.P (resposta ao artigo 28º da base instrutória).

3.3.1.25 No 14 de fevereiro de 2011, a autora havia organizado um jantar destinado a comemorar o dia de S. Valentim (resposta ao artigo 29º da base instrutória).

3.3.1.26 A partir das 17.00 horas desse dia, todos os clientes que entravam no estabelecimento comercial da autora verificaram e constataram que esta estava a ser objeto de uma qualquer ordem judicial ou de penhora, tendo acorrido ao estabelecimento comercial três agentes da polícia (resposta ao artigo 31º da base instrutória).

3.3.1.27 A permanência do agente de execução e dos agentes de autoridade no estabelecimento comercial ocorreu entre as 11.50 e as 19.15 horas (resposta ao artigo 33º da base instrutória).

3.3.1.28 Em ambas as ocasiões em que ocorreram as diligências de penhora para remoção de bens o estabelecimento comercial estava aberto ao público (resposta ao artigo 26º da base instrutória).

3.3.1.29 Não existe um monta-cargas no espaço de cozinha (resposta ao artigo 37º da base instrutória).

3.3.1.30 Não existem nas instalações sanitárias masculinas vinte e cinco urinóis e dez sanitas, nem existem nas instalações sanitárias femininas vinte sanitas (resposta ao artigo 40º da base instrutória).

3.3.1.31 Não existe elevador de acesso aos pisos (resposta ao artigo 44º da base instrutória).

3.3.1.32 A ré requereu em 31.03.2011 à Câmara Municipal da … o deferimento tácito do parecer da Delegação de Saúde, com fundamento na ausência de emissão de parecer no período fixado por lei (resposta ao artigo 45º da base instrutória).

3.3.1.33 Não houve qualquer comunicação ao Governo Civil por parte da ré relativamente à autorização de utilização (resposta ao artigo 50º da base instrutória).

3.3.1.34 A autora teve que contratar advogados e realizar despesas judiciais, para defender a posse dos equipamentos que iam ser penhorados e retirados, no que gastou montante não apurado (resposta ao artigo 60º da base instrutória).

3.3.1.35 A autora entregou à ré e ao Estado, a título de retenções, por contrapartida do arrendamento, até 10 de maio de 2011, a importância total de € 72.932,00 (resposta restritiva ao artigo 61º da base instrutória).

3.3.1.36 A autora entregou à ré, por contrapartida do trespasse, até 06 de janeiro de 2011, a quantia global de € 1.065,00 (resposta restritiva ao artigo 62º da base instrutória).

3.3.1.37 A autora despendeu a quantia de € 5.324,81 na celebração das escrituras públicas de arrendamento e de trespasse, correspondente quer a impostos, quer a emolumentos devidos ao Estado e à Notária (resposta restritiva ao artigo 63º da base instrutória).

3.3.1.38 A sociedade que detinha o direito ao arrendamento e trespasse do estabelecimento comercial, antes da celebração das escrituras públicas de arrendamento e trespasse por autora e ré, denominava-se “DD – Restauração e Discotecas, Lda.”, pessoa colectiva n.º 508.717.817, matriculada sob o mesmo número na Conservatória do Registo Comercial da …, com sede no local do estabelecimento comercial arrendado à autora (resposta ao artigo 64º da base instrutória).

3.3.1.39 Para garantia da dívida no valor de € 216.000,00, o 2.º autor constituiu hipoteca sobre a fracção autónoma designada pela letra “G”, descrita na Conservatória do Registo Predial de Esposende sob o n.º1…1 da freguesia de Fão e inscrita na matriz sob o artigo 2.119, a favor de HH (resposta ao artigo 70º da base instrutória).

3.3.1.40 A autora não pagou à ré quatro meses de renda do estabelecimento comercial arrendado (resposta ao artigo 82º da base instrutória).

3.3.1.41 A autora não liquidou os montantes de, pelo menos, 15.000,00 € referentes ao consumo de energia eléctrica (resposta ao artigo 83º da base instrutória).

3.3.1.42 A primeira autora encerrou o estabelecimento e colocou dísticos indicativos do dito encerramento (resposta ao artigo 86º da base instrutória).

3.3.43 A sociedade denominada “II, S.A..”, contratou DJ'S, e assumiu a despesa, para os mesmos atuarem no estabelecimento arrendado (resposta restritiva ao artigo 88º da base instrutória).


Foram dados como não provados os seguintes factos:

3.3.2.1 Quando a ré arrendou à autora o referido prédio, com o destino de café, snack-bar, restaurante e discoteca, sabia que o mesmo não se encontrava licenciado pelas entidades competentes para a emissão do licenciamento, ou seja, a Câmara Municipal da … e que podia não funcionar sem tal licença (resposta ao artigo 8º da base instrutória).

3.3.2.2 E sabia, não podendo desconhecer, que tal licença de utilização apenas seria emitida pela Câmara Municipal da … após a obtenção de todas as licenças e autorizações necessárias e após a realização de obras no referido prédio e a obtenção de títulos a emitir pelos recursos hídricos, pelo Ministério do Ambiente e autoridades marítimas (resposta ao artigo 9º da base instrutória).

3.3.2.3 A ré sabia que a autora ia investir, como investiu, diversos milhares de euros na aquisição do trespasse do estabelecimento comercial, no arrendamento e nas obras de conservação, reparação, melhoramento, equipamentos e promoção comercial do prédio e estabelecimento comercial nele instalado (resposta ao artigo 10º da base instrutória).

3.3.2.4 As limitações à exploração do arrendado e estabelecimento comercial, decorrentes da inexistência de licença de utilização, provocaram uma redução dos lucros da autora que determinaram que em alguns meses a autora tenha atrasado um ou alguns dias o pagamento da renda, tendo ainda assim a ré recebido tais rendas (resposta ao artigo 11º da base instrutória).

3.3.2.5 Na ausência da autorização das entidades mencionadas em 9) da base instrutória poderão retirar à ré a concessão do prédio, e, subsequentemente, à autora, a sua posse, bem como ordenar a demolição do prédio (resposta ao artigo 13º da base instrutória).

3.3.2.6 Muitos dos bens e recheio do estabelecimento comercial que a ré deu de trespasse à autora pertencem à sociedade “JJ, Lda” (resposta ao artigo 16º da base instrutória).

3.3.2.7 O contacto da autora com advogado foi para que não sofresse o enxovalho de uma penhora e de remoção de bens, na presença de solicitador de execução e polícias chamados ao local (resposta restritiva e negativa ao artigo 20º da base instrutória).

3.3.2.8 Por forma a obstar tal penhora e remoção de bens que lhe haviam sido dados de trespasse, a autora chamou ao local o legal representante da ré, Sr. KK, para que este demonstrasse a titularidade e propriedade de tais bens que estavam a ser alvo e [Tribunal Judicial de Póvoa de Varzim] objeto de penhora e remoção, e para que defendesse, em representação da ré, a propriedade de tais bens, de que tinha guardado a reserva por ocasião do trespasse celebrado com a autora, tendo a ré e o seu representante recusado deslocarem-se ao local (resposta ao artigo 19º da base instrutória).

3.3.2.9 Tendo aquela autora voltado novamente a solicitar a comparência do legal representante da ré, Sr. KK, para vir demonstrar a titularidade e propriedade dos bens dados de trespasse (resposta ao artigo 23º da base instrutória).

3.3.2.10 O legal representante da ré recusou-se a deslocar[-se] ao estabelecimento comercial que deu de trespasse à autora e recusou-se e não entregou até hoje, à autora, o comprovativo da compra e aquisição dos bens e equipamentos que iam ser objeto de penhora nesta, como na outra execução (resposta ao artigo 24º da base instrutória).

3.3.2.11 Durante todo o dia anterior a esse dia 14 de fevereiro, diversos clientes procuraram comprar e reservar, no estabelecimento comercial dado de trespasse à autora, entradas e bilhetes para o jantar, seguido de dança e música selecionada (resposta ao artigo 30º da base instrutória).

3.3.2.12 O chefe da P.S.P mandou permanecer no local e estabelecimento comercial dois agentes por forma a manterem a ordem pública (resposta restritiva ao artigo 32º da base instrutória).

3.3.2.13 O que perturbou a imagem da autora ao nível do seu comércio (resposta ao artigo 34º da base instrutória).

3.3.2.14 A ré sabe que a Autoridade de Saúde Concelhia, à data em que foi celebrada a escritura pública de arrendamento e trespasse, não havia dado parecer favorável à aprovação do licenciamento do estabelecimento comercial requerido pela ré, porquanto eram e são violadas diversas normas regulamentares e legais, atinentes à salubridade, saúde e segurança do estabelecimento comercial (resposta ao artigo 36º da base instrutória).

3.3.2.15 Os vestiários dos trabalhadores não estão equipados com cacifos individuais encerráveis (resposta ao artigo 38º da base instrutória).

3.3.2.16 As instalações sanitárias não cumprem os rácios legais (resposta ao artigo 39º da base instrutória).

3.3.2.17 As instalações sanitárias masculinas deveriam conter 25 urinóis e 10 sanitas e as instalações sanitárias femininas 20 sanitas (resposta restritiva ao artigo 40º da base instrutória).

3.3.2.18 Os urinóis existentes não possuem afastamento de 60 cm entre si e os urinóis e sanitas não existem e não são em número suficiente para o estabelecimento comercial (resposta ao artigo 41º da base instrutória).

3.3.2.19 Não existem instalações sanitárias para pessoas com mobilidade condicionada (resposta ao artigo 42º da base instrutória).

3.3.2.20 Não existem corrimões nas escadas de acesso aos diversos pisos (resposta ao artigo 43º da base instrutória).

3.3.2.21 Porque o prédio e estabelecimento comercial não se encontram licenciados, a autora vem explorando e utilizando o estabelecimento comercial em causa com variadas limitações e sempre com receio de ser intimada a encerrá-lo e a cessar a sua utilização a qualquer instante por ordem das autoridades competentes (resposta ao artigo 46º da base instrutória).

3.3.2.22 A autora deixou de explorar o estabelecimento de restaurante, porquanto não existem meios elevatórios ao primeiro andar, para cidadãos de mobilidade reduzida, e as escadas existentes são bastante íngremes e não têm corrimão completo (resposta ao artigo 47º da base instrutória).

3.3.2.23 A Autora passou a abrir o estabelecimento comercial de discoteca apenas aos fins de semana, por forma a evitar os sobressaltos de reclamações, queixas e fiscalizações das entidades competentes durante o horário de expediente semanal (resposta ao artigo 48º da base instrutória).

3.3.2.24 Os clientes do café, do restaurante e da discoteca têm que subir e descer escadas, quer para aceder aos diferentes espaços do estabelecimento comercial, quer para se deslocarem até à cave e quartos de banho na mesma instalados (resposta ao artigo 49º da base instrutória).

3.3.2.25 Em consequência da inexistência de [licença de ] utilização a autora poderá ter que pagar uma coima até € 22.445,91, por não ter comunicado ao Governo Civil territorialmente competente, no prazo de 30 dias, a obtenção de autorização de utilização do estabelecimento, o início de atividade, as caraterísticas técnicas dos equipamentos eletrónicos de vigilância instalados e a identificação do responsável pela gestão do sistema de segurança (resposta ao artigo 51º da base instrutória).

3.3.2.26 A autora aceitou pagar a renda de € 11.830,00 na expetativa de explorar na máxima plenitude o prédio e estabelecimento comercial que lhe foram dados de arrendamento e trespasse (resposta ao artigo 52º da base instrutória).

3.3.2.27 A autora aceitou ainda outorgar o arrendamento e trespasse relativos ao prédio e estabelecimento comercial porque pretendia investir em equipamentos, publicidade e clientela, potenciando a valorização do negócio por si transacionado e adquirido (resposta ao artigo 53º da base instrutória).

3.3.2.28 A autora tinha intenção de vir a dar de trespasse o referido estabelecimento comercial, no final do primeiro ano de exploração, por um preço nunca inferior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros) e tal não sucedeu por falta de licenças para o exercício da atividade e porque variados equipamentos do estabelecimento comercial não pertenceram nem pertencem à ré (resposta ao artigo 54º da base instrutória).

3.3.2.29 A autora contratou diversa publicidade, Disc Jockeys (DJ’s) de todo o mundo, em largo número, sendo em algumas festas mais de dez DJ’s famosos, em cada festa, valorizando em mais de 1000% o estabelecimento comercial que anteriormente existia naquele espaço (resposta ao artigo 55º da base instrutória).

3.3.2.30 Da exploração plena e máxima dos diversos espaços de restauração, café, snack-bar, restaurante e discoteca, a autora estimava retirar lucros anuais médios de € 500.000,00, tendo em consideração a intensidade de consumo e clientela no Verão, mas também nos diversos eventos festivos ao longo do ano, designadamente Passagem de Ano, Carnaval, Dia das Bruxas, Dia dos Namorados e outros (resposta ao artigo 56º da base instrutória).

3.3.2.31 A autora viu reduzida a sua margem de lucro, decorrente das limitações de exploração dos espaços determinadas pela inexistência de licença de autorização de utilização do estabelecimento comercial em quantia média mensal de € 30.000,00 (trinta mil euros) e que totaliza desde o início do arrendamento e trespasse até ao presente, em montante não inferior a € 300.000,00 (trezentos mil euros) (resposta ao artigo 57º da base instrutória).

3.3.2.32 A autora contratou pessoal e celebrou diversos contratos de prestação de serviços e de exploração, que a determinam e impõem a manter aberto o estabelecimento comercial, por forma a cumprir, ainda que parcialmente e/ou com dificuldade, as obrigações, compromissos e pagamentos a que se obrigou, tendo prejuízos, consubstanciados em danos emergentes decorrentes de tais aquisições e investimentos, em montante nunca inferior a € 400.000,00 (resposta ao artigo 58º da base instrutória).

3.3.2.33 E, por isso, sofreu danos irreversíveis na sua imagem comercial, que afetaram a clientela e a rendibilidade da empresa autora, em montante nunca inferior a € 100.000,00 (cem mil euros) (resposta ao artigo 59º da base instrutória).

3.3.2.34 A autora entregou à ré, e ao Estado, a título de retenções, por contrapartida do arrendamento, até ao presente, ou seja, até 16 de maio de 2011, a importância total de € 94.640,00 (noventa e quatro mil seiscentos e quarenta euros) (resposta ao artigo 61º da base instrutória).

3.3.2.35 A autora entregou à ré, por contrapartida do trespasse, até ao presente, ou seja, até 16 de maio de 2011, a quantia de € 2.164,80 (dois mil cento e sessenta e quatro euros e oitenta cêntimos) (resposta ao artigo 62º da base instrutória).

3.3.2.36 A autora despendeu a importância de aproximadamente € 6.000,00 na celebração das escrituras públicas de arrendamento e de trespasse, correspondente quer a impostos, quer a emolumentos devidos ao Estado e Notária (resposta ao artigo 63º da base instrutória).

3.3.2.37 O legal representante e gerente da sociedade “DD – Restauração e Discotecas, Lda.” é o sr. HH, natural da República Francesa e residente na Avenida …, n.º…/3.º andar, freguesia e concelho da Póvoa de Varzim; para que a referida sociedade DD, Lda., representada por HH, não manifestasse oposição ao contrato de arrendamento e ao contrato de trespasse que a ré pretendia celebrar com a autora, designadamente para que a referida sociedade “DD, Lda.”, representada por HH, entregasse voluntariamente a posse do imóvel à ré, para que esta de seguida o arrendasse e desse de trespasse à autora, aquela impôs a esta que lhe fosse entregue a importância de € 251.000,00 (duzentos e cinquenta e um mil euros) (resposta ao artigo 65º da base instrutória).

3.3.2.38 Destinava-se tal importância a fazer pagamento do trespasse do estabelecimento comercial (resposta ao artigo 66º da base instrutória).

3.3.2.39 Que a ré aceitou e colocou como condição fosse liquidado e entregue pela autora à empresa DD, Lda., por forma a poder obter a posse do seu imóvel sem conflitos físicos ou judiciais (resposta ao artigo 67º da base instrutória).

3.3.2.40 Porém, porque a autora não dispunha de tal quantia, negociaram todos, autora, ré e empresa DD, Lda., o seguinte:

a) a autora entregava, como entregou efectivamente, à empresa DD, Lda., a quantia de € 35.000,00, destinando-se parte a fazer pagamento pela DD, Lda. à ré de rendas em atraso, e a restante parte a liquidar parcialmente o preço do trespasse;

b) o gerente da autora, segundo autor, confessava-se devedor ao gerente da empresa DD, Lda., Sr. HH, da restante importância devida pela autora àquela sociedade DD, Lda., por contrapartida do trespasse parcial, comprometendo-se a liquidar tal importância em 72 prestações mensais e sucessivas, no montante de € 3.000,00 (três mil euros) cada, vencendo-se a primeira no dia 16 de setembro de 2011 e as restantes no mesmo dia dos meses subsequentes (resposta ao artigo 68º da base instrutória).

3.3.2.41 A importância de € 35.000,00 foi efectivamente paga pelos autores à sociedade DD, Lda., como contrapartida do trespasse que se veio e vem a verificar corresponder a um estabelecimento comercial que tinha ordem de cessação de atividade e não está licenciado (resposta ao artigo 69º da base instrutória).

3.3.2.42 Tais importâncias foram aceites liquidar pelo segundo autor no pressuposto e condição que o contrato de arrendamento e trespasse realizados com a autora, eram válidos e possuíam licenças que permitiam explorar e gerir na plenitude, e sem quaisquer limitações, o estabelecimento comercial dado de arrendamento e trespasse (resposta ao artigo 71º da base instrutória).

3.3.2.43 A ré participou nas negociações havidas entre as sociedades, nas quais participaram ainda os gerentes de todas elas, sabendo que era pressuposto e condição da celebração dos contratos de arrendamento e trespasse com a autora, a entrega por aquela, ou pelo seu gerente, à sociedade DD, Lda., ou ao seu gerente, da importância de € 251.000,00 (resposta ao artigo 72º da base instrutória).

3.3.2.44 A ré conformou-se com o referido pagamento e assunção de responsabilidade de pagamento da quantia de € 251.000,00 pelo segundo autor ao sr. HH, referente ao pagamento de parte do preço do trespasse devido pelo estabelecimento comercial, bem sabendo, como não desconhecia, que o estabelecimento comercial não tinha licença de utilização e que existia uma ordem, emanada em agosto de 2008, que determinava a cessação da atividade do estabelecimento comercial (resposta ao artigo 73º da base instrutória).

3.3.2.45 Após a autora e o seu representante terem entregue a importância de € 35.000,00, e assumido o pagamento da quantia restante de € 216.000,00, à empresa DD, Lda., a ré exigiu desta uma declaração de entrega do imóvel e estabelecimento comercial (resposta ao artigo 74º da base instrutória).

3.3.2.46 E só após a entrega de tal declaração, com assinatura reconhecida, aceitou e acedeu a ré a celebrar com a autora os contratos de arrendamento e trespasse que outorgou na mesma data de 16 de agosto de 2011, no mesmo local e em atos notariais sucessivos e interligados (resposta ao artigo 75º da base instrutória).

3.3.2.47As obras levadas a cabo pela autora foram realizadas sem licenciamento (resposta ao artigo 76º da base instrutória).

3.3.2.48 A autora sabia que não podia levar a cabo obras de construção, referentes a melhoramento e a adaptação, sem estar munida das respectivas licenças (resposta ao artigo 77º da base instrutória).

3.3.2.49 Encontrando-se na posse da autora o alvará (resposta ao artigo 79º da base instrutória).

3.3.2.50 Todos estes factos eram do conhecimento dos autores à data da celebração dos contratos que se encontram em crise neste procedimento judicial (resposta ao artigo 80º da base instrutória).

3.3.2.51 A autora desde janeiro de 2011 e quanto ao trespasse não liquidou o valor de € 825,00, bem como não liquidou as diferenças da taxa de IVA, dos meses de janeiro, fevereiro e março de 2011 (resposta ao artigo 81º da base instrutória).

3.3.2.52 E não liquidou o valor de € 3.714,91 devido à falta de pagamento das tarifas de água, saneamento e lixo (resposta ao artigo 84º da base instrutória).

3.3.2.53 A autora pagou à ré, pelo trespasse do estabelecimento, até à presente data, o valor de € 1.881,00, equivalente a sete prestações iguais, a que deve ser deduzida a diferença de IVA, ainda não paga (resposta ao artigo 85º da base instrutória).

3.3.2.54 O encerramento do estabelecimento cria um prejuízo à reconvinte em valor não inferior a € 500.000,00, resultante da perda de clientes, e do mesmo se encontrar encerrado e não entregue à reconvinte neste período de Verão, período esse que é dos melhores para a sua rentabilidade (resposta ao artigo 89º da base instrutória).

3.3.2.55 Face às obras efetuadas pela reconvinda, sem prévia autorização do Município da Póvoa de Varzim e demais entidades competentes, a reconvinte corre o sério risco de ver, por força de tal facto, o seu estabelecimento comercial continuar encerrado, quando o mesmo lhe for entregue (resposta ao artigo 90º da base instrutória).

3.3.2.56 A autora procurou alterar a titularidade dos contratos de eletricidade e água junto das entidades competentes, designadamente junto da EDP e da Loja do Ambiente da Câmara Municipal da ..., tendo exibido os contratos de arrendamento e trespasse e solicitado a alteração do titular dos respetivos contratos, da ré para a autora (resposta ao artigo 91º da base instrutória).

3.3.2.57 O que não conseguiu dado o imóvel e o estabelecimento comercial, respetivamente arrendados e dados de trespasse à autora, não possuírem licença de utilização e/ou funcionamento (resposta ao artigo 92º da base instrutória).

3.3.2.58 Por tal motivo, a ré comunicou à autora que os referidos contratos teriam que se manter na sua titularidade ou nome, liquidando-lhe depois a autora os débitos que ela lhe exigisse (resposta ao artigo 93º da base instrutória).

3.3.2.59 Desde, pelo menos, julho de 2010 e até ao encerramento do estabelecimento, foi a sociedade denominada “II, S.A..”, com sede no local arrendado pela ora ré, que explorou tal estabelecimento comercial, sociedade essa que detém como administrador o segundo autor (resposta ao artigo 87º da base instrutória).


5. Tendo em conta o disposto no nº 4, do art. 635º, do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelas conclusões do mesmo. Assim, nos presentes recursos estão em causa as seguintes questões:

Recurso da A. AA, Lda(numeração nossa):

I. Direito da A. a ser indemnizada pelos lucros cessantes pelo interesse contratual positivo (correspondestes aos pedidos C) a), b) e c));

II. Direito da A. à devolução da quantia de € 72.932,00, liquidada pela A. à R. a título de rendas, até Maio de 2011, com direito a exercer o direito de retenção sobre o estabelecimento comercial e o prédio enquanto tal crédito não for satisfeito;

III. Direito da A. ao reembolso das despesas com a celebração das escrituras de arrendamento e trespasse, no montante de € 5.324,81;

IV. Direito da A. ao reembolso das despesas correspondentes ao ponto 3.3.1.6 dos factos provados (“A autora levou a cabo no prédio e estabelecimento comercial mencionados, pinturas e substituição de elementos velhos que não poderão ser retirados sem detrimento do prédio arrendado”);

V. Direito da A. ao reembolso das demais despesas e investimentos por si realizados com a aquisição de equipamentos, com a realização de obras, com a contratação de pessoal, com publicidade comercial e no normal desenvolvimento da actividade de exploração do estabelecimento, a apurar em liquidação de sentença.


Recurso da R. (numeração nossa):

I. Nulidade por omissão de pronúncia quanto ao direito da R. a receber da A. uma compensação pelo uso e fruição da coisa (entre Abril de 2010 e Outubro de 2012) em valor coincidente com o montante global das rendas acordadas, isto é, € 216.220,00;

II. Não reconhecimento de direito de retenção da A. sobre o estabelecimento comercial.


Por acórdão da Conferência de fls. 1914 a Relação apreciou a questão da alegada nulidade por omissão de pronúncia, concluindo em sentido negativo, e ainda que, quanto muito, existirá erro de direito a apreciar pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Esclareça-se também que o A. BB foi absolvido dos pedidos reconvencionais, sem que a R. tenha impugnado esta decisão.


As questões vão ser apreciadas pela seguinte ordem:

- Nulidade por omissão de pronúncia quanto ao direito da R. a receber da A. uma compensação pelo uso e fruição da coisa (entre Abril de 2010 e Outubro de 2012) em valor coincidente com o valor global das rendas acordadas, que será de € 216.220,00;

- Direito da A. a ser indemnizada pelos lucros cessantes pelo interesse contratual positivo (correspondentes aos pedidos C) a), b) e c));

- Direito da A. à devolução da quantia de € 72.932,00, liquidada pela A. à R. a título de rendas, até Maio de 2011;

- Direito da A. ao reembolso das despesas com a celebração das escrituras de arrendamento e trespasse, no montante de € 5.324,81;

- Direito da A. ao reembolso das despesas correspondentes ao ponto 3.3.1.6 dos factos provados (“A autora levou a cabo no prédio e estabelecimento comercial mencionados, pinturas e substituição de elementos velhos que não poderão ser retirados sem detrimento do prédio arrendado”);

- Direito de retenção da A. sobre o prédio e o estabelecimento comercial (questão comum aos recursos da A. e da R.).


6. Relativamente à questão da alegada nulidade por omissão de pronúncia quanto ao direito da R. a receber da A. uma compensação pelo uso e fruição da coisa (entre Maio de 2010 e Outubro de 2012) em valor coincidente com o montante global das rendas acordadas, que, segundo a R. Recorrente, será de € 216.220,00, constata-se que, em sede de reconvenção, a R. não formulou qualquer pedido a uma contrapartida a suportar pelos AA. pelo gozo e fruição do imóvel arrendado e do estabelecimento comercial.

      Na verdade, a R., subsidiariamente, para o caso de virem a proceder os pedidos de declaração da nulidade dos contratos, pediu a condenação dos AA., solidariamente, a entregar o arrendado e o estabelecimento comercial, bem como, que fosse “relegado para execução de sentença o valor que vier a ser apurado como auferido pela autora na pendência dos presentes contratos, por força da exploração do seu estabelecimento comercial, a ser pago pelos autores à ré”.

      Este pedido reconvencional da R., no sentido de os AA. lhe pagarem o “valor que vier a ser apurado como auferido pela autora na pendência dos presentes contratos, por força da exploração do seu estabelecimento comercial”, foi conhecido no acórdão recorrido e decidido em sentido negativo.


A questão da contrapartida a suportar pelos AA. pelo gozo e fruição pela A. do imóvel arrendado e do estabelecimento comercial (entre Maio de 2010 e Outubro de 2012) só foi suscitada pela R. em sede de contra-alegações de apelação (a fls. 1611).

Sobre a possibilidade de, a título oficioso, ser atribuída tal contrapartida, se pronunciou o acórdão recorrido nos seguintes termos:


“No caso de contratos nulos que envolvem a concessão onerosa do gozo de coisas, porque esta utilidade não é passível de ser restituída, tem-se entendido que a contrapartida do gozo convencionada pelas partes deve ser retida por aquela que concede o gozo e como sucedâneo da impossível restituição do gozo da coisa por aquela que fruiu a coisa.

Expostas estas noções básicas, analisemos cada uma das pretensões formuladas pelas partes[12], na eventualidade de declaração de nulidade dos contratos ajuizados.”

Nota 12: “Uma vez que neste acórdão se trata de cumprir o que foi determinado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02 de Junho de 2016, está fora de causa a aplicação da doutrina que dimana do Assento nº 4/95, nomeadamente no que respeita ao eventual arbitramento oficioso de contrapartida pelo gozo do imóvel e do estabelecimento comercial, o que bem se compreende porque a nulidade não foi oficiosamente declarada, pois foi logo pedida na petição inicial, tendo assim a ré a oportunidade processual de se acautelar, deduzindo os pedidos mais adequados à tutela da sua posição jurídica.”


Vejamos.

Importa ponderar se, apesar de a R. não ter peticionado uma contrapartida pelo gozo e fruição pela A. do imóvel arrendado e do estabelecimento comercial (entre Maio de 2010 e Outubro de 2012), cabia conhecer da mesma, oficiosamente ou por convolação do pedido reconvencional formulado.

         A resposta é negativa.

     A nulidade dos contratos dos autos foi peticionada pelos AA. pelo que a R. teve possibilidade de formular o pedido ou pedidos reconvencionais que entendeu adequados. Optou por peticionar que os AA. fossem condenados a pagar-lhe o “valor que vier a ser apurado como auferido pela autora na pendência dos presentes contratos, por força da exploração do seu estabelecimento comercial”, pedido negado no acórdão recorrido e do qual não recorreu.

Considerando-se que não pode este pedido reconvencional relativo ao pagamento do valor auferido pela A. com a exploração do estabelecimento comercial ser convolado no pedido de uma contrapartida pelo gozo do imóvel e do estabelecimento comercial, a pretensão recursória da R. não pode proceder.

Concluindo, não se verifica a alegada nulidade por omissão de pronúncia sobre a questão da contrapartida a suportar pela A. pelo gozo e fruição do imóvel arrendado e do estabelecimento comercial.


7. Quanto à questão do direito da A. a ser indemnizada pelos lucros cessantes pelo interesse contratual positivo (correspondestes aos pedidos C) a), b) e c)) apresenta a A. Recorrente extensas alegações, que sintetiza nos seguintes fundamentos:

- A indemnização por interesse contratual negativo também inclui a reparação dos lucros cessantes;

- No caso dos autos tem a A. direito a ser indemnizada pelos danos correspondentes ao interesse contratual positivo (posição que sustenta tanto em jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça como em extensas citações doutrinais da dissertação de doutoramento de Paulo Mota Pinto);

- Foi provado que a R. actuou de má fé ao celebrar as escrituras de arrendamento e de trespasse sem dispor de licença para a exploração do estabelecimento comercial;

- Ainda que não tenha sido feita prova do montante dos lucros cessantes, tal devia ter sido relegado para liquidação de sentença.


         Vejamos.

      Como o acórdão recorrido reconheceu, e vem sendo reiteradamente aceite quer pela doutrina quer pela jurisprudência, a classificação “danos emergentes” versus “lucros cessantes” não se confunde com a classificação “danos por interesse contratual positivo” versus “danos por interesse contratual negativo”. Na verdade, tanto a indemnização por interesse contratual positivo como a indemnização por interesse contratual negativo podem incluir lucros cessantes. São é lucros cessantes de índole distinta. Simplificando, na indemnização por interesse contratual positivo são os lucros que o lesado teria recebido se, tendo o contrato sido celebrado, viesse a ser pontualmente cumprido; na indemnização por interesse contratual negativo são as oportunidades de lucro que o lesado perdeu precisamente por ter celebrado o contrato e que teria tido se não o tivesse celebrado.

     No caso dos autos, basta a leitura dos pedidos C) a), b) e c), formulados na p.i. (a) € 300.000,00, correspondentes à diminuição e redução de margem de lucro esperado, no período de 16 de Agosto de 2010 a 16 de Maio de 2011, num montante médio mensal de € 30.000,00, por cada mês de inexistência de licença de utilização; b) € 30.000,00, correspondentes à diminuição e redução da margem de lucro esperado, por cada mês contado desde 16 de Maio de 2011 até à obtenção da licença e/ou indemnização à autora de todas as despesas e danos sofridos com os contratos celebrados sem licença de utilização válida e em vigor; c) € 1.000.000,00, correspondentes ao lucro cessante, decorrente da valorização e maior valia que a autora iria retirar no trespasse do estabelecimento comercial, no final de um ano da sua exploração e com a implementação e incremento dos seus conhecimentos específicos e especiais na área da discoteca e restauração, mas que era e é dependente da existência de licença de utilização que inexiste) para concluir que estão em causa lucros cessantes pelo interesse contratual positivo. Que, portanto, apenas serão indemnizáveis se se admitir que, no caso sub judice, a A. tem direito a ser indemnizada pelo interesse contratual positivo.

     No acórdão recorrido respondeu-se negativamente à questão, considerando ser tal indemnização incompatível com a declaração de nulidade do contrato de arrendamento e do contrato de trespasse celebrados entre a A. e a R.

     A A. Recorrente contesta esta orientação, fazendo apelo à tendência que, nos últimos anos, se vem detectando na doutrina e na jurisprudência, de revisão da posição tradicional a respeito da indemnização por interesse contratual positivo versus indemnização por interesse contratual negativo. Contudo, no intuito de defender os seus interesses fá-lo de modo pouco claro e rigoroso.

Importa pois esclarecer.

Por um lado, aquela tendência de revisão da posição tradicional tem sido levada a cabo sobretudo a respeito de duas hipóteses específicas – a resolução do contrato bilateral por incumprimento da contraparte e a responsabilidade pré-contratual por não conclusão de contrato já negociado – nenhuma das quais está em causa na presente acção.

Por outro lado, a revisão da posição tradicional tanto em relação às duas hipóteses a respeito das quais é comummente discutida, como, por maioria de razão, a respeito de outras situações (como a dos autos) tem de ser realizada com prudência e rigor.

Ora, as alegações de recurso da A. em nada contribuem para tal análise prudente e rigorosa. Com efeito, verifica-se que aí se invocam decisões deste Supremo Tribunal que apreciam casos muito diferenciados – que vão desde a resolução de contrato bilateral por incumprimento da contraparte à nulidade do contrato com pedido de indemnização por lucros cessantes por interesse contratual negativo – quando, como se sabe, o caso dos autos diz respeito a uma situação de nulidade de contratos por violação de exigência legal (licença de exploração de estabelecimento comercial) com pedido de indemnização por lucros cessantes por interesse contratual positivo.

Não é, por isso, possível tentar equiparar as soluções dadas a casos diferenciados.

Pela mesma ordem de razões, as extensas citações feitas pela A. em sede de alegações recursórias, retiradas da obra de referência de Paulo Mota Pinto (Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, Coimbra Editora, 2008), dizem respeito à problemática da indemnização em caso de resolução do contrato bilateral por incumprimento da contraparte e não à situação dos autos.

Ora, não apenas tais citações se encontram incorrectamente seleccionadas quanto é certo que, naquela mesma obra, se pode encontrar análise ponderada do grupo de hipóteses no qual, efectivamente, se enquadra o caso dos autos. Convocamos aqui a passagem pertinente:


Também quando não está em causa propriamente uma nulidade resultante da ilicitude do objecto negocial, mas antes uma ineficácia por falta de uma autorização (ou de outra formalidade) legalmente exigida de forma imperativa, a indemnização deverá corresponder, em regra, ao interesse contratual negativo. É certo que, nesses casos, se o lesado tivesse sido informado pelo lesante da falta do preenchimento do requisito em causa e da sua necessidade, ou se tivesse cumprido o outro dever pré-contratual em causa, não é de excluir – por iniciativa do lesado ou não – que esse requisito tivesse sido preenchido. A situação hipotética (relevante nos termos do artigo 562º) em que o lesado estaria sem a violação do dever pré-contratual /de informação ou, por exemplo, de cooperação e lealdade) poderia, pois, ser a de conclusão do contrato. Todavia, mesmo que essa prova se faça – e o problema da indemnização do interesse contratual positivo só poderá mesmo pôr-se quando tal prova exista – há que ter em conta, como referimos, a razão de ser da (norma que impõe o requisito e, portanto, fundamenta a) nulidade, ou da ineficácia, do contrato. Essa razão de ser poderá opor-se a que o lesante fique obrigado a uma reparação correspondente ao interesse contratual positivo, por exemplo, quando o requisito em causa visa justamente o controle de legalidade (ou mesmo a ratificação pelo órgão deliberativo) dos compromissos obtidos, em razão do seu tipo ou valor (e, nesse sentido, a protecção do responsável), uma vez que tal razão de ser não é alcançada com um mero preenchimento hipotético do requisito.” (Paulo Mota Pinto (Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, cit., Vol. II, págs. 1230 e seg.) (negrito nosso).


     Quer dizer que, quer se siga a tese tradicional segundo a qual, em caso de invalidade do contrato não há lugar a indemnização pelo interesse contratual positivo, quer se acompanhe, total ou parcialmente, a doutrina que propõe a revisão daquela tese tradicional, distinguindo em função do tipo e natureza da causa da invalidade, sempre se terá de concluir que, no caso dos autos, a indemnização não poderá ser fixada pelo interesse contratual positivo.

Com efeito, a razão de ser da norma que impõe o requisito da licença de exploração do estabelecimento comercial, e cuja violação fundamenta a nulidade dos contratos dos autos, é incompatível com a indemnização por interesse contratual positivo. E isto é assim ainda que, porventura, tivesse sido alegado e provado – que não foi – que, se a A. tivesse sido avisada pela R. da falta de licença, teria diligenciado no sentido de a obter e os contratos teriam sido validamente celebrados.

Repita-se, sempre que a causa da nulidade consistir no desrespeito por um requisito legal imperativo – aqui a licença de exploração do estabelecimento – não pode admitir-se que a indemnização corresponda ao interesse contratual positivo.

Deste modo, conclui-se não ter a A. Recorrente direito a ser indemnizada pelos lucros cessantes por interesse contratual negativo.


8. Quanto à questão do recurso da A. quanto ao alegado direito à devolução da quantia de € 72.932,00, liquidada pela A. à R. a título de rendas, até Maio de 2011, a decisão da Relação foi negativa, pelo facto de constituir uma forma de compensar o gozo do imóvel que a A. não pode restituir à R.. Com efeito, tendo a A., não obstante os contratos dos autos serem nulos, beneficiado durante meses do gozo e fruição do imóvel e do estabelecimento comercial, será abusivo pretender agora a restituição integral das rendas liquidadas à R.

       Contudo, foi dado como provado (facto 3.3.1.5) que, “no final do arrendamento relativo ao prédio onde se acha instalado o referido estabelecimento comercial, a autora teria direito a fazer seu o estabelecimento comercial, sem qualquer pagamento, já que a renda cobrada e definida no contrato de arrendamento foi negociada com esse pressuposto”, pelo que haverá que apurar em ulterior liquidação, qual a parcela das rendas que corresponde ao arrendamento propriamente dito e qual a que corresponde a amortização do estabelecimento comercial. Devendo ser devolvida à A. a segunda parcela.


9. Relativamente à questão do direito da A. ao reembolso das despesas com a celebração das escrituras de arrendamento e trespasse, no montante de € 5.324,81, considere-se o teor da fundamentação da decisão da Relação nesta parte:

 “No que tange a quantia de € 6.000,00, correspondente a despesas e emolumentos pagos e suportados pela autora com a celebração das escrituras de arrendamento e trespasse, importa não olvidar, por um lado, a matéria não provada sob o ponto 3.3.2.36 e, por outro lado, da factualidade provada sob o nº 3.3.1.37 resulta que o montante efetivamente despendido pela autora ao aludido título foi de € 5.324,81, importância que a autora teria a haver da ré, se estivessem reunidos os pressupostos legais da responsabilidade pré-contratual (artigo 227º do Código Civil), dado tratar-se de uma despesa frustrada por força da invalidade que afetou os contratos, despesa que a autora não teria realizado caso não tivesse celebrado os referidos contratos. De facto, a factualidade alegada pelos autores no sentido de demonstrar uma conduta da ré contrária às exigências da boa-fé não se provou, sendo a provada insuficiente para concluir pela verificação de uma conduta culposa da ré que levou à celebração dos contratos declarados nulos.

No quadro de uma mera obrigação de restituição por força da declaração de nulidade e estando em causa valores que não foram recebidos pela ré, há que concluir pela improcedência desta pretensão.”


Foi dado como provado que a A. despendeu € 5.324,81 com as escrituras públicas de arrendamento e de trespasse que se frustraram. Assim sendo, a pretensão de obter o reembolso de tais despesas consiste na pretensão de ser indemnizada por danos emergentes em sede de interesse contratual negativo, com fundamento em responsabilidade pré-contratual. Como se viu supra, pode a A. pedir a reparação destes danos; desde que seja provada a violação das regras da boa fé (art. 227º, nº 1, do Código Civil) por parte da R.

     Tendo sido dado como não provado que “3.3.2.1 Quando a ré arrendou à autora o referido prédio, com o destino de café, snack-bar, restaurante e discoteca, sabia que o mesmo não se encontrava licenciado pelas entidades competentes para a emissão do licenciamento, ou seja, a Câmara Municipal da … e que podia não funcionar sem tal licença” e ainda que “3.3.2.2 E sabia, não podendo desconhecer, que tal licença de utilização apenas seria emitida pela Câmara Municipal da … após a obtenção de todas as licenças e autorizações necessárias e após a realização de obras no referido prédio e a obtenção de títulos a emitir pelos recursos hídricos, pelo Ministério do Ambiente e autoridades marítimas”, não pode senão concluir-se que não foi feita prova de que a R. tivesse violado as regras da boa fé, pressuposto da responsabilidade pré-contratual.

     Conclui-se, assim, não ter a A. direito ao reembolso deste valor.


10. Quanto à questão do direito da A. ao reembolso das despesas correspondentes ao ponto 3.3.1.6 dos factos provados (“A autora levou a cabo no prédio e estabelecimento comercial mencionados, pinturas e substituição de elementos velhos que não poderão ser retirados sem detrimento do prédio arrendado”), vejamos os termos em que a Relação fundamentou a decisão:

“Quanto à pretensão dos autores de que a ré seja condenada ao pagamento aos autores dos prejuízos que se vierem a liquidar em sede de execução de sentença, relativos a coimas que vierem a ser aplicadas à autora, ou às entidades a quem esta ceda a exploração do estabelecimento comercial, decorrentes da inexistência de licença de utilização e das despesas efetuadas pela autora na aquisição de equipamentos, na realização de obras, na contratação de pessoal, em publicidade comercial e no normal desenrolar da sua atividade de exploração do estabelecimento comercial, que se fixam em montante nunca inferior a € 149.000,00, mas a serem contabilizadas e liquidadas em sede de execução de sentença, atenta a factualidade não provada em 3.3.2.25 e 3.3.2.32, bem como o que se provou em 3.3.1.6, é patente inexistir base fáctica que lhe dê suporte. De facto, a matéria de facto provada em 3.3.1.6 não é sequer suficiente para que tais trabalhos possam ser qualificados como benfeitorias úteis, já que não resulta da mesma que a coisa em que foram aplicadas as pinturas e os elementos substituídos tenha aumentado de valor.”

Alega a A. Recorrente que o seu direito ao reembolso das despesas demonstradas no ponto 3.3.1.6 não dependia da qualificação dessas despesas como benfeitorias úteis (ou outra qualificação).

Não tem razão. Nos termos do art. 1273º do Código Civil, o direito a ser compensado por benfeitorias depende da prova da necessidade (nº 1) ou da utilidade (nº 2) das mesmas. Nos termos gerais das regras de distribuição do ónus da prova (art. 342º, nº 1, do CC) àquela que invoca o direito (a A.) cabe provar os factos constitutivos do direito alegado. Não o tendo feito, improcede a sua pretensão.


11. Quanto à questão do direito da A. ao reembolso das demais despesas e investimentos por si realizados com a aquisição de equipamentos, com a realização de obras, com a contratação de pessoal, com publicidade comercial e no normal desenvolvimento da actividade de exploração do estabelecimento, a apurar em liquidação de sentença, a Relação fundamentou a decisão nos seguintes termos:

“Quanto à pretensão dos autores de que a ré seja condenada ao pagamento aos autores dos prejuízos que se vierem a liquidar em sede de execução de sentença, relativos a coimas que vierem a ser aplicadas à autora, ou às entidades a quem esta ceda a exploração do estabelecimento comercial, decorrentes da inexistência de licença de utilização e das despesas efetuadas pela autora na aquisição de equipamentos, na realização de obras, na contratação de pessoal, em publicidade comercial e no normal desenrolar da sua atividade de exploração do estabelecimento comercial, que se fixam em montante nunca inferior a € 149.000,00, mas a serem contabilizadas e liquidadas em sede de execução de sentença, atenta a factualidade não provada em 3.3.2.25 e 3.3.2.32, (…), é patente inexistir base fáctica que lhe dê suporte.”

         Vejamos.

Tendo sido dado como não provado que “3.3.2.32 A autora contratou pessoal e celebrou diversos contratos de prestação de serviços e de exploração, que a determinam e impõem a manter aberto o estabelecimento comercial, por forma a cumprir, ainda que parcialmente e/ou com dificuldade, as obrigações, compromissos e pagamentos a que se obrigou, tendo prejuízos, consubstanciados em danos emergentes decorrentes de tais aquisições e investimentos, em montante nunca inferior a € 400.000,00”, conclui-se não merecer censura a decisão da Relação que negou esta pretensão da A., aqui Recorrente.


12. Por último considere-se a questão do direito de retenção da A. sobre o prédio e o estabelecimento comercial (que, no recurso da R., se nega na totalidade e, no recurso da A., se pretende conexionar com outros dos pretensos créditos da A.).

       Alega a R. Recorrente que, “não estando a Recorrida na posse do imóvel, desde Outubro de 2012, tendo a entrega do mesmo e referido estabelecimento comercial ocorrido nesse momento, não lhe podia ser concedido pela decisão do Tribunal recorrido, o direito de retenção”.

      A detenção da coisa por quem tem a obrigação de o entregar (aqui a A.) é facto constitutivo do direito de retenção de que se arvora (art. 754º do Código Civil). Também aqui, nos termos do art. 342º, nº 1, do CC, cabe àquele que invoca o direito (a A.) provar esse facto. Não o tendo feito, dá-se como não provado, com o consequente não reconhecimento do direito de retenção.


13. Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso da A. e parcialmente procedente o recurso da R., decidindo-se:

a) Revogar parcialmente o acórdão recorrido:

(i) Condenando-se a R. a devolver à A. a parcela do montante global de rendas liquidadas pela A. à R. que, em ulterior liquidação, venha a apurar-se corresponder a amortização do estabelecimento comercial e não ao arrendamento em sentido estrito (de acordo com o ponto 8 do presente acórdão);

(ii) Não reconhecendo o direito de retenção da A. sobre o estabelecimento comercial instalado na Avenida dos …, em prédio urbano composto de dois pavimentos, na freguesia e concelho de Póvoa de Varzim, inscrito na matriz sob o artigo 5…2.

b) No mais, manter o acórdão recorrido.



Custas da acção na proporção do decaimento.

Custas do recurso da A. a final, na proporção do decaimento.

Custas do recurso da R. na proporção de 1/2 para a A. e 1/2 para a R.


Lisboa, 20 de Dezembro de 2017


Maria da Graça Trigo (Relatora)


Maria Rosa Tching


Rosa Maria Ribeiro Coelho