Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1889/06.5TTLSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: PENSÃO DE REFORMA
BANCÁRIO
CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 10/27/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário : 1. Atendendo a que o trabalhador se reformou pela Segurança Social com base num período contributivo de vinte anos, dos quais oito anos respeitam a actividade profissional no sector bancário, o banco empregador deverá descontar da pensão que lhe paga o correspondente a oito vinte avos do valor da pensão da Segurança Social atribuída ao mesmo trabalhador, referente ao período em que trabalhou no banco empregador e sobre o qual foi calculada a pensão resultante da aplicação do ACTV do sector bancário.
2. Na verdade, o banco empregador apenas pode descontar do montante da pensão prevista no ACTV aplicável a parte proporcional da pensão da Segurança Social que corresponda ao período em que o trabalhador exerceu funções no sector bancário, uma vez que o trabalhador não pode receber duas pensões pela mesma prestação de trabalho de oito anos na instituição bancária.
3. Só assim é respeitado o princípio da não acumulação de prestações emergentes do mesmo facto, bem como o princípio constitucional, consagrado no n.º 4 do artigo 63.º da Constituição da República Portuguesa, de acordo com o qual todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. Em 16 de Maio de 2006, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, 3.º Juízo, 3.ª Secção, AA instaurou a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra BANCO BB, S. A., pedindo que a sociedade ré fosse condenada: (i) a reconhecer-lhe o direito a receber as diferenças entre o valor dos benefícios emergentes/atribuídos pelo ACTV para o Sector Bancário, a título de pensão de reforma, e aquele resultante dos benefícios da mesma natureza atribuídos pela Segurança Social, limitados ao proporcional de oito anos de serviço prestados à ré; (ii) a pagar-lhe todas as diferenças vencidas e não pagas resultantes das quantias recebidas pelo autor a título de pensão de reforma pagas pela ré e as que foram pagas pela Segurança Social, desde 1 de Julho de 1986, com base no proporcional de oito anos prestados ao Banco CC, antecessor da ré, de acordo com as normas contratuais aplicáveis, no total de € 78.307,69; (iii) a pagar-lhe as diferenças não pagas resultantes da totalidade das diuturnidades a que o autor tem direito (3/5 da 2.ª diuturnidade), emergente da referida antiguidade de oito anos de serviço (1 + 3/5, uma diuturnidade e 3 anuidades), que à data da propositura da acção perfazem € 4.405,68, e as vincendas, até ao respectivo integral pagamento; (iv) a pagar-lhe juros de mora vencidos, no valor de € 63.647,77, e os vincendos, até integral pagamento.

Alegou, em suma, que foi admitido, em 1 de Novembro de 1977, ao serviço do Banco CC, posteriormente integrado na ré, para trabalhar sob as suas ordens, direcção e fiscalização, passando, em 1 de Julho de 1986, à situação de reforma por invalidez, apurada em junta médica da Segurança Social, sendo que esta, porque havia exercido actividade profissional anteriormente à sua admissão no Banco CC, passou a pagar-lhe uma pensão de reforma, tendo para o efeito considerado a sua carreira contributiva desde Janeiro de 1967 até Junho de 1986 e as contribuições pagas pelo autor e pelas entidades a quem prestou trabalho.

Posto que auferia duas pensões de reforma (uma paga pela Segurança Social e outra paga pela instituição bancária), o autor ficou obrigado, nos termos da cláusula 136.ª do Acordo Colectivo de Trabalho Vertical para o Sector Bancário (ACTV), a entregar à instituição bancária a diferença entre o valor dos benefícios atribuídos pelo ACTV e os benefícios da mesma natureza atribuídos pela Segurança Social, na parte proporcional ao tempo de serviço no sector bancário; contudo, desde a data em que o autor passou à reforma, o Banco CC, e mais tarde a ré, deduziram da pensão de reforma o montante correspondente à totalidade do valor da pensão de reforma que a Segurança Social lhe pagava.

Mais aduziu que, perante os seus protestos, a ré dispôs-se a deduzir apenas a diferença proporcional a oito anos de serviço no sector bancário, mas fê-lo, tão só, a partir de 1 de Junho de 2005, considerando as diuturnidades a que tinha direito.

A ré contestou, excepcionando a prescrição dos créditos relativos a pensões de reforma vencidos mais de cinco anos antes da citação e sustentando, em sede de impugnação, que o autor, aquando da passagem à reforma, acordou com o Banco CC que ao valor da pensão de reforma que este lhe passaria a pagar seria deduzido o valor da pensão de reforma atribuída pela Segurança Social, pelo que o autor apenas tem direito a que a ré lhe pague uma pensão de reforma calculada com base no nível mínimo de admissão do Grupo I a que pertence (nível 3, primeiro, e nível 4, depois), deduzida do montante da pensão de reforma paga pela Segurança Social, com referência a todo o tempo de trabalho prestado pelo autor, ou seja, 20 anos no total, devendo aplicar-se às diuturnidades o mesmo critério.

Alegou, por outro lado, que, desde Junho de 2005, vem deduzindo apenas o valor da pensão paga pela Segurança Social proporcional a oito anos de trabalho no sector bancário, o que faz a título de liberalidade, e que, os juros de mora pedidos só poderiam incidir sobre as importâncias líquidas, e não sobre os valores ilíquidos das prestações peticionadas, sob pena de enriquecimento sem causa, pugnando, a final, pela sua absolvição de todos os pedidos formulados pelo autor.

No despacho saneador, relegou-se a apreciação da excepção de prescrição para a sentença final e dispensou-se a selecção dos factos assentes e controvertidos.

Após o julgamento, em que a matéria de facto provada e não provada foi fixada por acordo das partes, lavrou-se sentença em que se concluiu «que se mostram prescritos os créditos invocados pelo A. e reportados às prestações de reforma vencidas até cinco anos antes do dia anterior à referida interrupção da prescrição, ou seja, todos os que se venceram até 21/05/2001 (inclusive)» e que «o comportamento do B CC e posteriormente do R. em descontar do valor da pensão de reforma do A. calculada nos termos do ACTV a totalidade do valor da pensão de reforma atribuída pela Segurança Social, e que o Banco teve até 31/05/2005, não pode considerar-se ilícito, porquanto não ficou demonstrado que o valor da pensão atribuída ao A. pela Segurança Social fosse inferior ao mínimo garantido nos termos do n.º 2 da cl.ª 137.ª», e, consequentemente, julgou a acção parcialmente improcedente, condenando «o R. a reconhecer que o A. tem, desde 01/06/2005, direito a receber a diferença entre o montante da pensão de reforma calculada nos termos previstos no ACTV e a parte da pensão de reforma que aufere do Centro Nacional de Pensões proporcional aos oito anos em que esteve ao serviço do B CC», e absolvendo a ré do mais pedido.

2. Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação, que reportou aos créditos peticionados «que se venceram a partir do dia 22/05/2001 (inclusive) até 31/05/2005», tendo formulado as conclusões seguintes:

«I. O princípio da não acumulação de pensões é definido na redacção actual do n.º 1 do art. 67.º da Lei de Bases do Sistema de Segurança Social, Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro, que determina que: “salvo disposição legal em contrário, não são acumuláveis entre si as prestações emergentes do mesmo facto, desde que respeitantes ao mesmo interesse protegido”, correspondendo ao (idêntico) princípio estabelecido no n.º 3 da cl. 136.ª do Acordo Colectivo de Trabalho do sector bancário em vigor que estabelece que: “as instituições adiantarão aos trabalhadores abrangidos pelo Regime Geral da Segurança Social as mensalidades a que por este Acordo tiverem direito, entregando estes à Instituição a totalidade das quantias que receberem dos Serviços de Segurança Social a título de benefícios da mesma natureza”.
II. No caso sub judice, “as prestações emergentes do mesmo facto” atribuídas pela Segurança Social ou “a título de benefícios da mesma natureza” são aquelas que deram origem à pensão do Recorrente pela sua prestação de trabalho no Recorrido durante 8 (oito) anos, [s]endo o próprio ACTV do sector bancário, em consonância e reforçando o invocado princípio, que vem prevenir no n.º 3 da sua cl.ª 136.ª que o Recorrente não pode vir a receber duas pensões pela mesma prestação de trabalho de oito anos no Recorrido.
III. No plano prático e como metodologia a adoptar, o n.º 3 da cláusula referida determina que o Recorrido adiante (avance/antecipe) ao Recorrente quantia correspondente à pensão a que [tem direito] por este Acordo (a pensão calculada nos termos do ACTV — isto é, a que resulta dos seus oito anos de trabalho no Recorrido), devendo o Recorrente devolver-lhe a totalidade das quantias que da Segurança Social receber a esse mesmo título.
IV. O princípio do adiantamento estabelecido no ACT em apreço justifica-se por várias ordens de razões: em primeiro lugar, tendo em conta que as instituições de crédito têm ao seu serviço dois grupos de trabalhadores aos quais se aplica, a uns, o regime da Segurança Social do Estado, acumulado com o do ACTV (como é o caso dos autos) e, a outros, apenas e exclusivamente o regime substitutivo específico estabelecido no próprio ACTV do sector bancário, para acautelar as delongas dos procedimentos administrativos da Segurança Social e obviar a que, na prática, as operações de pagamento de salários e reformas, neste caso àqueles dois grupos distintos, ocorram em momentos (data/dia do mês) diferenciados. Deste modo, serve a dita obrigação como metodologia preventiva desses efeitos negativos, estabelecendo aí um adequado procedimento administrativo. Em segundo lugar, para acautelar que do adiantamento em apreço não resulte a duplicação de benefícios em função da quantia recebida dos serviços da Segurança Social.
V. Dessa metodologia não poderá resultar qualquer diminuição de garantia dos direitos a ter em conta, nomeadamente por via da violação dos princípios subjacentes, designadamente o princípio da igualdade estabelecido no artigo 13.º da Constituição da República e da proibição do enriquecimento sem causa ou à custa alheia prevenido no art. 473.º do Código Civil.
VI. Bem ao contrário do argumento fundamental que sustenta a douta sentença recorrida, e como aliás é pacificamente aceite por toda a doutrina e pela esmagadora maioria da jurisprudência sobre a matéria, o regime de segurança social estabelecido no ACTV do sector bancário tem carácter substitutivo e não meramente complementar, sendo certo que, no respectivo âmbito, os Bancos não procedem a descontos nas retribuições pagas aos seus trabalhadores nem contribuem para a Segurança Social do Estado.
VII. Tal regime, no entanto, em virtude dessas características específicas, não pode deixar de garantir o princípio constitucional segundo o qual todo o tempo de trabalho contribui para o cálculo das pensões de velhice e invalidez (art. 63.º, n.º 4, da CRP), nem o princípio da igualdade (idem, art. 13.º).
VIII. No caso concreto sub judice, o ora Recorrente, para além desse trabalho no sector bancário no total de 8 (oito) anos, soma, na contagem de todos os seus anos de trabalho, mais 12 (doze) anos, fora do sector bancário. Excluir desse cômputo global de 20 anos [este último período], para os efeitos da atribuição de pensão de reforma, na qual devem ser contados todos os anos de trabalho, é amputar 60% de todo o tempo de trabalho do Recorrente.
IX. Da aplicação do regime de segurança social específico do sector bancário, mormente na determinação da diferença entre os valores atribuídos pela Segurança Social e o valor estabelecido no ACT não pode resultar violação do princípio constitucional segundo o qual todo o tempo de trabalho contribui para o cálculo das pensões de velhice e invalidez (art. 63.º, n.º 4, da CRP).
X. Decidindo como decidiu, ainda que alegadamente fundada na (exclusiva) observação do princípio da pensão mínima estabelecido no n.º 2 da cláusula 137.ª do ACTV, isto é, sem atender à aplicação do princípio segundo o qual todo o tempo de trabalho contribui para o cálculo das pensões de velhice e invalidez violou frontalmente o disposto no n.º 4 do art. 63.º da Constituição da República Portuguesa.
XI. A jurisprudência citada na douta sentença recorrida respeita a pensões — essas sim, com carácter complementar — atribuíveis aos trabalhadores que, tendo trabalhado em instituições de crédito, cessaram o respectivo contrato de trabalho e abandonaram o sector bancário. Para esses, o referido ACT — na respectiva cláusula 140.ª — salvaguarda e define o direito a uma pensão complementar a pagar proporcionalmente por cada instituição, correspondente ao tempo de serviço nela prestado.
XII. No caso observado noutro acórdão citado na douta sentença recorrida, o trabalhador abrangido encontrava-se inscrito na Caixa de Previdência dos Empregados do Banco de Angola, com uma carreira profissional toda ela cumprida no sector bancário. Daí a obrigação de entregar à instituição em que ingressou e que lhe paga a reforma a totalidade das quantias que recebeu da Segurança Social relativas ao período em que trabalhou no Banco de Angola.
XIII. No caso dos autos, a prestação de trabalho fora do sector bancário pelo Recorrente foi anterior à admissão no Recorrido e ocorreu com todas as contribuições (da responsabilidade do trabalhador) a exclusivo cargo e responsabilidade do ora Recorrente.
XIV. Em suma, durante os 12 anos de carreira contributiva do Recorrente fora desse sector e antes de ser admitido no Recorrido, o Recorrente não beneficiou do regime de majoração do seu salário, nem tampouco o Recorrido pagou para a Segurança Social as correspondentes contribuições.
XV. Da decisão recorrida resulta violação do princípio da igualdade estabelecido no art.13.º, da CRP, em várias vertentes, a saber:
Na vertente da relação de comparação do Recorrente com os demais trabalhadores do Recorrido aos quais se aplicou apenas o regime de segurança social do sector bancário: durante igual período de 12 anos de trabalho não suportaram encargos/descontos obrigatórios nas suas remunerações por aos mesmos tal regime não obrigar e por não estarem inscritos no regime geral da Segurança Social;
Na vertente da relação de comparação do Recorrente com os demais trabalhadores do Recorrido aos quais se aplicou cumulativamente o regime de segurança social do sector bancário e o regime geral da Segurança Social: durante igual período de 12 anos de trabalho não suportaram encargos/descontos obrigatórios nas suas remunerações porque beneficiaram do regime da designada majoração dos salários correspondente aos descontos efectuados, por via da aplicação do disposto no n.º 5 da cláusula 92.ª do referido ACTV, que determina que a respectiva retribuição será corrigida, de modo a que estes percebam retribuição mínima mensal líquida igual à dos demais trabalhadores do mesmo nível;
Na vertente da relação de comparação do Recorrido com as entidades patronais do Recorrente: durante os 12 anos de trabalho do Recorrente, aliás, agora desprezados pela douta sentença recorrida para efeitos de contagem de todo o tempo de trabalho para a formação da respectiva pensão de reforma, estas, ao contrário da Recorrida, contribuíram/suportaram encargos/contribuições obrigatórias calculadas sobre as remunerações pagas ao ora Recorrente [por lapso manifesto, na numeração das conclusões repetiu-se a alínea XV].
XV. Não basta demonstrar que o valor da pensão atribuída pela Segurança Social não é inferior ao mínimo garantido nos termos do n.º 2 da Cláusula 137.ª. Nos casos como o do A., deve garantir sempre para além dela que o banco apenas desconte da pensão do ACTV a parte proporcional da pensão da Segurança Social que corresponde ao período em que o trabalhador exerceu funções no sector bancário.
XVI. O desconto referido deve coincidir com o valor da pensão calculada nos termos e segundo os critérios estabelecidos (na pensão calculada) pela Segurança Social, tal como se acham subjacentes, explanados e quantificados no pedido desta acção, pois só esses montantes e apenas esses estiveram subjacentes à atribuição de direito reclamado pelo Recorrente nesta acção e atribuído pela Segurança Social ao Recorrente a título de benefícios da mesma natureza e/ou emergente do mesmo facto.
XVII. Decidindo como decidiu, a douta sentença para além da violação em várias vertentes já observada do princípio da igualdade estabelecido no art. 13.º da CRP, atribui vantagens injustificadas ao Recorrido das quais resulta também a violação do princípio da proibição de enriquecimento sem causa/à custa alheia prevenido no artigo 473.º do Código Civil.
XVIII. Como bem decidiu o aliás douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28-01--2004, no Proc. n.º 8125/2003-4, sobre idêntica matéria, “Os trabalhadores bancários inscritos e reformados pelo Regime Geral da Segurança Social, ainda que a pensão de reforma seja superior às mensalidades que seriam devidas nos termos da cl. 137.ª do ACTV, têm direito ao pagamento pelo Banco, ex-entidade patronal, do valor correspondente às diuturnidades, nos termos da cl. 138.ª daquele IRCT”.
XIX. Por outro lado, como aí também se refere, decorre da aplicação das referidas cláusulas que foi intenção clara dos subscritores do ACTV atribuir distinta natureza às mensalidades devidas na doença e na invalidez, das prestações previstas na cláusula 138.ª e ainda, que às mensalidades a que os reformados têm direito acrescem sempre as diuturnidades (número 1 da cláusula 138.ª) — por lapso manifesto, na numeração das conclusões repetiu-se a alínea XVIII].
XVIII. Aceitando-se, como mero auxiliar de raciocínio, a tese da douta sentença recorrida, verifica-se ainda que a recente alteração do ACT para o sector bancário, incluindo a que decorre da auto designada/epigrafada “Cláusula Interpretativa“ — 138.ª-A —, foi publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª Série, n.º 4, de 29 de Janeiro de 2005, produzindo efeitos e entrando em vigor, após a sua publicação, nos mesmos termos das leis — cfr. art. 581.º do Código do Trabalho. A sua aplicação à factualidade em apreço nos autos, para além da matéria que encerra (como mero elemento/instrumento interpretativo) traduzir-se-ia na violação frontal do princípio da não retroactividade da lei.»

A ré, notificada da interposição do recurso pelo autor, veio interpor recurso subordinado, que circunscreveu ao segmento da decisão da 1.ª instância «que decidiu condenar o R. a reconhecer que o Autor tem, desde 01.06.2005, direito a receber a diferença entre o montante da pensão de reforma calculada nos termos previstos no ACTV e a parte da pensão de reforma que aufere do Centro Nacional de Pensões proporcional aos oitos anos em que esteve ao serviços do B CC», sustentando que, «face aos factos dados como provados, descritos na douta sentença recorrida, não resulta que a partir do momento em que o Banco passou apenas a descontar a quantia referente ao proporcional a oito anos — o que aconteceu a partir de 01.06.2005 — tenha nascido o direito para o Autor, e o vínculo para o Banco ora recorrente de o continuar a fazer, no futuro, como obrigação. Isto é, tal comportamento por parte do Banco — a partir de 01.06.2005 — consubstancia uma mera liberalidade por parte do Banco, motivo pelo qual deverá a douta sentença ser revogada — nesta parte — e substituída por outra que absolva o Réu de todos os pedidos».

Por outro lado, a ré apresentou contra-alegação relativamente ao recurso principal interposto pelo autor, defendendo, em substância, que «nada tem que pagar ao Autor, devendo deduzir — à pensão correspondente ao nível mínimo de admissão no Grupo no qual o Autor e recorrente estava integrado — a totalidade da pensão que o Autor recebe da Segurança Social, mantendo assim todo o procedimento que sempre foi efectuado pelo B CC e pelo ora Recorrido e que resulta expressamente do texto e acordo celebrado aquando da passagem à situação de reforma».

Notificado do recurso subordinado da ré, o autor não contra-alegou.

O Tribunal da Relação de Lisboa, tendo explicitado que, «tal] como resulta dos recursos interpostos, a questão que importa apreciar é a de saber em que termos se conjugam as duas pensões de reforma a que o autor tem direito, a paga pela segurança social e a paga pela ré, nos termos do ACTV para o sector bancário», a final, decidiu nos termos que se passam a transcrever: «julga-se procedente o recurso de apelação interposto pelo autor e altera-se a sentença recorrida, condenando-se a ré a reconhecer que o autor tem, desde 22.5.2001, direito a receber a diferença entre o montante da pensão de reforma calculada nos termos previstos no ACTV e a parte da pensão de reforma que aufere do Centro Nacional de Pensões proporcional aos oito anos em que esteve ao serviço do B CC, condenando-se a ré no seu pagamento, que é devido até 31.5.2005, data em que a ré passou a pagar ao autor essa diferença».

Foi, pois, omitida pronúncia sobre o recurso subordinado interposto pela ré.

É contra a aludida decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que a ré agora se insurge, mediante recurso de revista, ao abrigo das seguintes conclusões, alinhadas na sequência de convite que lhe foi dirigido, no sentido de reduzir as conclusões da alegação do recurso, apresentando, de forma sintética, os fundamentos do recurso:

«1. Decidiu o douto [acórdão recorrido] “reconhecer que o autor tem, desde 22.5.2001, direito a receber a diferença entre o montante da pensão de reforma calculada nos termos previstos no ACTV e a parte da pensão de reforma que aufere do Centro Nacional de Pensões proporcional aos oito anos em que esteve ao serviço do B CC, condenando-se a ré no seu pagamento, que é devido até 31.05.2005, data em que a ré passou a pagar ao autor essa diferença”.
2. Atenta a decisão do Tribunal de Primeira Instância, transitada em julgado, decidindo que as quantias referentes ao período até 22.05.2001, estavam desde logo prescritas (decisão esta da qual o Autor não interpôs recurso), o que está em causa são tão--somente as prestações peticionadas, vencidas (não concedendo) desde 22.05.2001 até 31.05.2005 (data esta a partir da qual o Réu passou a descontar da pensão a pagar ao Autor, apenas a quantia referente ao período relativo a 8 anos, sendo entendimento do Ré que a tal não estava obrigado, apenas o tendo o feito por mera liberalidade).
3. O regime de segurança social previsto no ACT/Sector Bancário não se aplic[a] ao Autor como regime próprio, mas apenas como regime complementar ao regime geral de segurança social (e mesmo como regime complementar, o que é certo é que o Autor nem sequer estava filiado em sindicato outorgante, à data em que passou à situação de reforma (1986), nem o Autor o alega na presente acção, nem tão pouco o comprova, apenas alega e comprova que se filiou em 12.01.1993, conforme consta do Ponto 4. dos factos provados).
4. Na carta enviada pelo Réu ao Autor, de 24.7.1986 (Doc. 1 com a p.i.), constam as condições de passagem à situação de reforma, em que o Banco Réu o informa que lhe será aplicada a cl.ª 139.ª (na redacção então em vigor) e que se calculava a pensão de reforma, durante os primeiros 8 meses, no valor de 84.200$00, acrescido de diuturnidades (no total de 87.733$00), durante os 8 meses seguintes, no valor de 42.100S00, acrescido de diuturnidades (no total de 45.633$00), e, posteriormente, uma pensão vitalícia no montante de 36.800$00, acrescido de diuturnidades (no total de 40.333$00) e em que expressamente se afirmava que “a esta importância ser-lhe-á deduzido o montante que lhe for atribuído como reforma pela caixa de Previdência” (cfr. Ponto 3. dos factos provados).
5. Consta ainda daquela carta que “A decisão tomada tem por pressuposto a sua reforma pela Caixa de Previdência, devendo V.Ex.ª diligenciar para que rapidamente nos chegue informação sobre o assunto” (cfr. Ponto 3. dos factos provados).
6. O Autor foi admitido ao serviço do então Banco CC, E.P, em 29 de Novembro de 1997, com a categoria profissional de piloto comercial (de aeronaves) e as funções de co-piloto (Doc.s n.º 1 e n.º 2 juntos com a contestação).
7. De harmonia com a cláusula 3.ª do Contrato Colectivo de Trabalho dos empregados bancários, de 28.07.1973, os pilotos não eram considerados empregados bancários, não se lhes aplicando, por isso, a citada Convenção Colectiva de Trabalho (Doc. 3 junto com a contestação).
8. Quando o Autor foi admitido no B CC já estava em vigor a PRT para o sector bancário, publicada no BMT, n.º 5, de 15 de Março de 1976, pág. 219, que procedeu, no capítulo X, à verticalização laboral, integrando os “trabalhadores não abrangidos pelo CCT dos Empregados Bancários”, como sucedia com o Autor, estipulando-se no n.º 3.º do referido capítulo X que: “estes trabalhadores (abrangendo o Autor) beneficiam das disposições do contrato colectivo de trabalho dos bancários, salvo a matéria relativa a previdência e admissão e carreira profissional, cujos regimes actuais se mantêm até oportunas revisões” (Doc. 4 junto com a contestação).
9. O regime de segurança social constante do capítulo X do citado CCT, sob a rubrica “Previdência”, não se aplicou ao Autor,
10. Continuando o Autor abrangido pelo regime geral de segurança social, onde se encontrava inscrito desde há cerca de 12 anos, quando foi admitido no B CC.
11. Com a entrada em vigor do Contrato Colectivo de Trabalho Vertical do Sector Bancário, publicado no BTE de 15.05.1978, o Autor ficou abrangido pelo regime dessa convenção colectiva de trabalho,
12. Sem prejuízo de continuar abrangido pelo regime de segurança social a que desde sempre pertencia, ou seja, pelo regime geral de segurança social, como aliás sucedeu com os demais trabalhadores que passaram, com a “verticalização”, a estar abrangidos pelo CCT dos empregados bancários (cf. capítulo X da citada PRT — Doc. 4 junto com a contestação).
13. Não se lhe aplicava, assim, como regime próprio, o regime de segurança social constante do ACTV do sector bancário, mas apenas como regime complementar ao regime geral de segurança social.
14. Ora, como os trabalhadores bancários não contribuíam, isto é, não sofriam quaisquer descontos na sua retribuição para o regime de segurança social constante do ACTV, (que estava apenas a cargo dos Bancos) veio a consignar-se nos ACTVs que a retribuição dos trabalhadores “Verticalizados” (como o Autor), que descontavam para a Segurança Social, seria “majorada”, ou seja, seria corrigida de modo a que os mesmos trabalhadores recebessem uma retribuição mínima mensal líquida igual à dos demais trabalhadores do mesmo nível (cf., i.a., cláusula 89.ª, n.º 5 do ACTV de 1984).
15. Assim, o Autor não suportou quaisquer encargos para a segurança social, quer para o regime público (a partir do momento em que a sua retribuição foi majorada para o efeito, pelo que as contribuições por o Autor feitas não tinham reflexo na mesma retribuição), quer para o regime constante do ACTV do sector bancário (porquanto, para este, apenas a Instituição Bancária faz as respectivas contribuições).
16. Quando o Autor passou à situação de invalidez, em 1 de Julho de 1986, foi-lhe contada pelo Regime Geral de Segurança Social uma antiguidade de 20 anos civis, referente ao período de Janeiro de 1967 a Junho de 1986, correspondente a 12 anos de serviço prestado fora do B CC e a 8 anos de serviço prestado no B CC, abrangendo, portanto, os períodos em que o Autor trabalhou fora do B CC e no B CC (cf. Doc. n.º 4 junto com a p.i.).
17. Quando o Autor se reformou por invalidez, em 1 de Julho de 1986, estava em vigor o ACTV do sector bancário de 1984, publicado no BTE, n.º 28, 1.ª série, de 29 de Julho de 1984, não tendo ainda entrado em vigor o ACTV do sector bancário de 1986, que só foi publicado no BTE, n.º 28, 1.ª série, de 29 de Julho de 1986.
18. As partes acordaram então em que a pensão de reforma do autor fosse calculada nos termos constantes do documento n.º 1 junto com a petição inicial.
19. No qual consta que, findos os dois períodos de 8 meses cada, subsequentes à data da passagem à situação de reforma, previstos no Anexo VI do citado ACTV de 1984, o Autor passaria a receber uma pensão mensal vitalícia cujo valor seria igual ao do nível 3 do Grupo I, por ser esse, então, o nível mínimo de admissão no Grupo em que o Autor se encontrava integrado, acrescido de uma diuturnidade, mais 3/5 de outra (cfr. doc. 1 junto com a p.i.).
20. Ficou também acordado pelas partes que ao valor dessa pensão seria deduzido o montante que fosse atribuído ao Autor como reforma pela Caixa de Previdência (Regime Geral de Segurança Social).
21. Decorridos quase 20 anos (!) sobre a data do referido Acordo que sempre foi cumprido pelo B CC e pelo ora Recorrente, vem o Autor agora impugnar o Acordo então estabelecido e que sempre foi cumprido pelas partes, com o fundamento, de que ao caso deveria aplicar-se o disposto no n.º 2 da Cl.ª 138.ª do ACTV do Sector Bancário de 1984.
22. O Autor tem apenas direito a que o Réu lhe pague uma pensão de reforma calculada com base no nível mínimo de admissão do Grupo I a que pertence (nível 3 primeiro, e, nível 4 depois), deduzida do valor da pensão de reforma paga nela Segurança Social, com base em todo o tempo de trabalho prestado pelo Autor, ou seja, 20 anos no total, como aliás fez até Junho de 2005.
23. A actuação do Banco, ao descontar apenas o valor proporcional a 8 anos (o que fez a partir de Junho de 2005) resulta de liberalidade do Banco, não implicando que, por isso, seja afinal condenado a descontar o mesmo, no período anterior, e decorrente entre 22.05.2001 e 31.05.2005.
24. O Recorrente agiu assim bem, ao deduzir (até 31.05.2005) à pensão correspondente ao nível mínimo de admissão no Grupo no qual o Autor estava integrado — a totalidade da pensão que o Autor recebeu mensalmente da Segurança Social.
25. O facto de o Banco ter passado apenas a descontar a quantia referente ao proporcional a oito anos — o que aconteceu a partir de 01.06.2005 — não implica que tenha nascido o direito para o Autor, e o vínculo para o Recorrente de o fazer reportado ao período anterior a 01.06.2005, nem de o continuar a fazer para o futuro, porquanto, tal comportamento por parte do Banco — a partir de 01.06.2005 — consubstancia uma mera liberalidade, e não tem efeitos para o período anterior a 31.05.2005.
26. Ao decidir como decidiu violou o douto Acórdão recorrido o disposto nas cl.as 136.ª, 137.ª e 138.ª do ACTV para o Sector Bancário e todas as disposições legais invocadas nas presentes conclusões.
27. Deverá assim o douto Acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro Acórdão que absolva o Recorrente de todos os pedidos.»

O recorrido contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado.

Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se no sentido de que o recurso de revista devia improceder, parecer que, notificado às partes, suscitou resposta da ré para dele discordar, reafirmando a alegação produzida.

3. No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar, segundo a ordem lógica que entre as mesmas intercede:

– Se as disposições do ACTV para o sector bancário relativas à segurança social («Previdência»), não se aplicam ao autor [conclusões 3), 6) a 15), 26) e 27), na parte atinente, da alegação do recurso de revista];
– Se, no período compreendido entre 22 de Maio de 2001 e 31 de Maio de 2005, ao valor da pensão de reforma devida ao autor nos termos previstos no ACTV para o sector bancário deve ser deduzida a totalidade da pensão de reforma que lhe é paga pela Segurança Social [conclusões 1), 2), 4), 5) e 16) a 27), na parte atinente, da alegação do recurso de revista];
– Se o facto da ré, a partir de 1 de Junho de 2005, passar apenas a descontar ao valor da pensão de reforma conferida ao autor nos termos previstos no ACTV para o sector bancário a parte da pensão de reforma que aufere do Centro Nacional de Pensões proporcional aos oito anos em que esteve ao serviço do Banco antecessor da ré configura uma mera liberalidade, que não vincula a ré, no futuro, como obrigação [conclusões 2), 23) e 25) a 27), na parte atinente, da alegação do recurso de revista].

O certo é que, no tocante à alegada natureza de mera liberalidade reportada ao facto de a ré, a partir de 1 de Junho de 2005, passar apenas a descontar ao valor da pensão de reforma conferida ao autor a parte da pensão de reforma que aufere do Centro Nacional de Pensões proporcional aos oito anos em que esteve ao serviço do Banco antecessor da ré, matéria que constituía o objecto do recurso de apelação subordinado da ré, o Tribunal da Relação de Lisboa omitiu qualquer pronúncia, não tendo a ré arguido a correspondente nulidade, a qual não é passível de conhecimento oficioso, pelo que não se pode conhecer daquela matéria, versada nas conclusões 2), 23) e 25) a 27), na parte atinente, da alegação do recurso de revista.

Corridos os «vistos», cumpre decidir.

II

1. Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram objecto de concreta impugnação pelas partes, nem se vislumbra qualquer das situações referidas no n.º 3 do artigo 729.º do Código de Processo Civil.

Por conseguinte, face ao disposto nos artigos 713.º, n.º 6, e 726.º do Código de Processo Civil, dá-se aqui por inteiramente reproduzida essa factualidade, sem embargo de serem discriminados, pontualmente, aqueles factos que se afigurem relevantes para a decisão do objecto do recurso.

2. A primeira questão posta centra-se em saber se as normas do ACTV para o sector bancário relativas à segurança social (Previdência) não se aplicam ao autor.

No caso, provou-se que «[o] A. foi admitido ao serviço do Banco CC, em 29 de Novembro de 1977, para trabalhar sob a autoridade e direcção deste, mediante retribuição» e que ««[o] Banco CC foi integrado no Banco BB, S. A., que lhe sucedeu em todos os direitos e obrigações, nomeadamente para com o A.» [factos provados 1) e 2)], sendo que a ré juntou, com a contestação, cópia dos contratos de trabalho celebrados entre as partes, aludidos no artigo 5.º do mesmo articulado (documentos n.º 1 e n.º 2), os mesmos documentos invocados pela ré na conclusão 6) da alegação do recurso de revista.

E sucede que o autor, face à apresentação dos documentos n.os 1 e 2 com a contestação, afirmou não se opor a essa junção, tendo esclarecido «que o contrato de trabalho sob o doc. n.º 2 foi datado e subscrito em 1 de Junho de 1978, data em que o primeiro CCTV do Sector Bancário já se encontrava plenamente em vigor».

Assim, ambas as partes assumiram a veracidade daqueles documentos e a exactidão das declarações neles exaradas, pelo que consubstanciam um meio probatório que faz prova plena, nessa dupla vertente — artigo 376.º do Código Civil.

Ora, o documento n.º 1 trata-se da cópia do contrato de trabalho, sem prazo, firmado entre as partes, em 29 de Novembro de 1977, em que o Banco antecessor da ré admite o autor, «com a Categoria de Piloto Comercial e as funções de Co-Piloto».

O documento n.º 2 trata-se da cópia do contrato de trabalho celebrado entre as partes, em 1 de Junho de 1978, mediante o qual «acordam na alteração do contrato de trabalho por ambos celebrado em 29.11.77, ficando com a seguinte redacção:
1
O regime jurídico de trabalho do 2.º outorgante [o autor] fica submetido às normas constantes do CCT/PRT do sector bancário, com excepção das cláusulas especiais do presente contrato. -
2
O local de trabalho do 2.º outorgante é na Sede Central do 1.º outorgante em Lisboa. -
3
A antiguidade do 2.º outorgante reporta-se, para todos os efeitos, a 29.11.77.
4
O 2.º outorgante obrigar-se-á a desempenhar as funções de co-piloto no avião ou aviões particulares que o 1.º outorgante lhe indique, sempre que para tanto seja solicitado, em qualquer parte do território nacional ou para países estrangeiros em aeroportos compatíveis com as características da aeronave. -
5
São especialmente deveres do 2.º outorgante: […] -
6
O vencimento será correspondente ao nível 13 do CCT do sector bancário que estiver em vigor. -
7
A carreira profissional do 2.º outorgante fica submetida ao que o regulamento interno do 1.º outorgante dispõe quanto ao estatuto de carreiras dos quadros técnicos ao seu serviço.-
8
1. O período normal de voo do 2.º outorgante é de 35 horas por mês; -
2. As horas de voo feitas para além deste limite e até ao limite de 70h/mês serão remuneradas ao preço unitário de esc.: 250$00; -
3. As horas de voo feitas para além das 70h/mês serão remuneradas ao preço unitário de esc.: 500$00. -
9
O 1.º outorgante garante ainda o seguinte:
a) Um subsídio para telefone no montante de esc.: 500$00; -
b) Um uniforme anual composto por um casaco, dois pares de calças, um boné, duas camisas de manga comprida e duas camisas de meia manga; -
c) Subsídio de transporte no montante de esc.: 300$00, a pagar quando o 2.º outorgante seja chamado a prestar serviço fora do horário normal de trabalho do banco; -
d) Pagamento de transporte do local de trabalho-aeroporto e vice-versa; -
e) Apólice de seguro de vida e acidentes pessoais no valor de esc.: 2.500.000$00. -
10
O 2.º outorgante adquire todas as regalias previstas no CCT/PRT do sector bancário, nomeadamente a remuneração por trabalho extraordinário, subsídio de infantário, subsídios de almoço, ajudas de custo e diuturnidades. -
11
Os períodos máximos de trabalho e mínimos de descanso do 2.º outorgante são os constantes do Decreto n.º 31/74, de 1 de Fevereiro. -
12
O primeiro outorgante facultará ao 2.º outorgante a sua promoção a comandante, logo que ele, para tal, seja considerado apto pelas entidades competentes. -
Feito em Lisboa em um de Junho de 1978, em duplicado, indo o original devidamente selado. --»

Deste modo, e por virtude do disposto nos conjugados artigos 659.º, n.º 3, 713.º, n.º 2, e 726.º do Código de Processo Civil, considera-se provado que as partes acordaram em submeter o regime jurídico do contrato de trabalho do autor, desde a sua admissão, «às normas constantes do CCT/PRT do sector bancário», e que, no clausulado inserido no documento n.º 2, não se consigna qualquer cláusula especial sobre previdência, nem é excepcionada a aplicação ao autor das disposições do contrato colectivo de trabalho dos bancários pertinentes a essa matéria.

Tudo para concluir que às relações laborais entre as partes aplica-se o ACTV para o sector bancário, o qual foi sucessivamente publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 18, de 15 de Maio de 1978, n.º 26, de 15 de Julho de 1980, n.º 26, de 15 de Julho de 1982, n.º 28, de 29 de Julho de 1984, n.º 28, de 29 de Julho de 1986, vigorando à data das questionadas prestações, vencidas desde 22 de Maio de 2001, o ACTV publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 31, de 22 de Agosto de 1990, com as alterações subsequentes também publicadas no BTE, concretamente, tal como afirma o acórdão recorrido, no BTE, 1.ª Série, n.º 42, de 15 de Novembro de 1994.

Nesta conformidade, improcedem as conclusões 3), 6) a 15), 26) e 27), na parte atinente, da alegação do recurso de revista.

3. A ré aduz que «o Autor não suportou quaisquer encargos para a segurança social, quer para o regime público (a partir do momento em que a sua retribuição foi majorada para o efeito, pelo que as contribuições por o Autor feitas não tinham reflexo na mesma retribuição), quer para o regime constante do ACTV do sector bancário (porquanto, para este, apenas a Instituição Bancária faz as respectivas contribuições)» e, doutro passo, que as partes acordaram que a pensão de reforma do autor fosse calculada nos termos constantes do documento n.º 1 junto com a petição inicial, no qual consta que, «findos os dois períodos de 8 meses cada, subsequentes à data da passagem à situação de reforma, previstos no Anexo VI do citado ACTV de 1984, o Autor passaria a receber uma pensão mensal vitalícia cujo valor seria igual ao do nível 3 do Grupo I, por ser esse, então, o nível mínimo de admissão no Grupo em que o Autor se encontrava integrado, acrescido de uma diuturnidade, mais 3/5 de outra», sendo «também acordado pelas partes que ao valor dessa pensão seria deduzido o montante que fosse atribuído ao Autor como reforma pela Caixa de Previdência (Regime Geral de Segurança Social)».

E propugna que «[o] Autor tem apenas direito a que o Réu lhe pague uma pensão de reforma calculada com base no nível mínimo de admissão do Grupo I a que pertence (nível 3 primeiro, e, nível 4 depois), deduzida do valor da pensão de reforma paga nela Segurança Social, com base em todo o tempo de trabalho prestado pelo Autor, ou seja, 20 anos no total, como aliás fez até Junho de 2005».

Ora, resulta da matéria de facto dada como provada que «[o] A. passou à situação de reforma por invalidez, com efeitos desde 01/07/1986, o que lhe foi comunicado pelo R. nos termos da carta datada de 24/07/1986, cuja cópia se acha a fls. 25/26 [documento n.º 1 junto com a petição inicial], e que tem o seguinte teor:
Exmo. Senhor,
Pela presente informamos que, por despacho do Conselho de Gestão, foi decidida a sua passagem à situação de reforma.
Assim, informamos que, a partir de 1 de Julho de 1986, passa V.Exa. à situação de reforma, auferindo uma pensão mensal cujos valores actuais e de acordo com a Cl.ª 139 do ACTV são os seguintes:

[...]

Findo este período, ficará com uma pensão mensal vitalícia, cujo valor actual é o seguinte:

[...]

* Líquido do imposto profissional e Fundo de Desemprego.
** A esta importância ser-lhe-á deduzido o montante que lhe for atribuído como reforma pela Caixa de Previdência.
A decisão tomada tem como pressuposto a sua reforma pela Caixa de Previdência, devendo V.Ex.ª diligenciar para que rapidamente nos chegue informação sobre o assunto.
Continuando sempre ao seu dispor, apresentamos os nossos melhores cumprimentos.
Direcção de Pessoal» [facto provado 3)].
Também se provou que, «[p]ara cálculo da pensão de reforma paga ao A. pela Segurança Social, esta considerou o percurso contributivo que transmitiu ao A. na carta datada de 26/04/2005, cuja cópia consta de fls. 29 e que tem o seguinte teor:
Em resposta ao pedido de V.Ex.ª, temos a informar o seguinte:
O cálculo da pensão por invalidez com início em 1986.07.01, que lhe foi atribuída, obedeceu às regras estabelecidas no artigo 80.º do Decreto n.º 45.266, de 23 de Setembro de 1963, com a nova redacção dada pelo Decreto n.º 486/73, de 27 de Setembro, e ainda pelo Decreto Regulamentar n.º 9/83, de 7 de Fevereiro.
Assim, para efeitos de cálculo foram considerados 20 anos civis com contribuições, correspondentes ao período de 1967/01 a 1986/06.
• Donde resultou a taxa de formação da pensão de 44% (20 anos x 2,2% por cada ano).
• A retribuição média foi calculada com base nos 5 anos civis a que correspondam remunerações mais elevadas, compreendidas nos últimos 10 anos com registo de remunerações (1977 a 1986), sendo o valor por cada ano de:
1982 — € 3.542,99; 1983 — € 5.890,85; 1984 — € 9.003,74; 1985 — € 10.492,82; 1986 — € 4.335,36.
O total das remunerações é de € 33.265,76. Assim, a retribuição média considerada resultante foi de € 554,46 (€ 33.265,76 : 60).
A pensão estatutária tem o valor de € 243,96 (€ 554,46 x 44%).
Após as devidas actualizações, o valor da sua pensão fixou-se em € 698,02, acrescido de € 32,39 de Complemento por cônjuge a cargo, a partir de 2004.12.01, de acordo com [o] estabelecido na Portaria n.º 1475/2004, de 21 de Dezembro» [facto provado 6)].

E mais se apurou que, «[a] partir da data de admissão no R. a retribuição do A. foi majorada, isto é, foi corrigida de modo a que o A. recebesse uma remuneração cujo valor líquido fosse igual à remuneração mínima mensal líquida auferida pelos demais trabalhadores do mesmo nível que não descontam para a Segurança Social Pública, suportando dessa forma o R. os descontos referentes ao trabalhador relativas à Segurança Social», sendo que, «[d]esde a data da passagem à situação de reforma — 01/07/1986 — até Maio de 2005 (inclusive), o R. deduziu à pensão a pagar ao A. o montante que lhe tinha sido atribuído pelo Centro Nacional de Pensões, conforme consta dos doc.s n.os 5-A e 29 juntos com a P.I.» e, «[a] partir de 01/06/2005 e até à presente data, o R. deduziu na pensão a pagar ao A. (correspondente ao nível mínimo de admissão no Grupo I) o valor proporcional a oito anos pago pelo CNP, conforme resulta dos doc.s n.os 7 e 17 juntos com a contestação» [factos provados 7) a 9)].

Assim, face ao acervo factual provado, carece do necessário suporte fáctico o argumento aduzido pela ré de que tinha sido «acordado pelas partes que ao valor [da pensão de reforma calculada nos termos previstos no ACTV] seria deduzido o montante que fosse atribuído ao Autor como reforma pela Caixa de Previdência (Regime Geral de Segurança Social)».

Na verdade, o que resulta do facto provado 3) e do documento para que o mesmo remete é que, por despacho do Conselho de Gestão, foi decidida a passagem do autor à situação de reforma, «a partir de 1 de Julho de 1986», passando o mesmo a auferir uma pensão mensal cujos valores são referidos naquele documento, e que à pensão mensal vitalícia a atribuir, no valor de 40.333$00, será «deduzido o montante que lhe for atribuído como reforma pela Caixa de Previdência».

Não se extrai, pois, do facto provado 3), nem do documento para que o mesmo remete, que a sobredita dedução tivesse resultado de um acordo com o autor e muito menos que a pensão de reforma em causa tivesse sido negociada à margem das disposições aplicáveis do ACTV para o sector bancário.

E também não colhe a argumentação expendida pela ré no sentido de que «o Autor não suportou quaisquer encargos para a segurança social, quer para o regime público (a partir do momento em que a sua retribuição foi majorada para o efeito, pelo que as contribuições por o Autor feitas não tinham reflexo na mesma retribuição), quer para o regime constante do ACTV do sector bancário (porquanto, para este, apenas a Instituição Bancária faz as respectivas contribuições)».

Com efeito, durante os doze anos de carreira contributiva do autor fora do sector bancário e antes de ter sido admitido pelo Banco antecessor da ré, o autor não beneficiou do regime de majoração da sua retribuição, nem tão-pouco a ré pagou para a Segurança Social as correspondentes contribuições.

Tal como se decidiu no acórdão recorrido:

«Importa ter presente que, desde o Contrato Colectivo de Trabalho do Sector Bancário de 1944 (Publicado no INTP, Ano XI, n.º 3, de 15.02.1944), vigora neste sector um sistema privado de segurança social, incluindo assistência na doença e reforma. Sistema que as sucessivas Leis de Bases da Segurança Social têm vindo a reconhecer — vd. artigos 69.º da Lei 24/84 de 14.08; 109.º da Lei 17/2000, de 08.08; 123.º da Lei 32/2002, de 20.12; e 10[3].º da Lei n.º 4/2007, de 16.01.
Porém, todas estas Leis têm ressalvado o princípio da não acumulação de prestações emergentes do mesmo facto, desde que respeitantes ao mesmo interesse protegido (arts. 15.º da Lei 28/84; 64.º, n.º 1, da Lei 17/2000, 69.º, n.º 1, da Lei 32/2002 e 67.º, n.º 1, da Lei 4/2007).
O mesmo princípio do Acordo Colectivo de Trabalho do Sector Bancário (BTE, n.º 42, de 15.11.1994, em vigor à data das prestações em causa, vencidas desde 22.5.2001) que, na sua cl.ª 136, n.º 1, estatui que “… nos casos em que os benefícios da mesma natureza sejam atribuídos por Instituições ou Serviços da Segurança Social a trabalhadores que sejam beneficiários dessas Instituições ou seus familiares, apenas será garantida, pelas Instituições de Crédito, a diferença entre o valor desses benefícios e o dos previstos neste Acordo”.
O n.º 3 [da sobredita cláusula 136.ª] estatui que: “[a]s Instituições adiantarão aos trabalhadores abrangidos pelo Regime Geral da Segurança Social as mensalidades a que por este Acordo tiverem direito, entregando estes à Instituição a totalidade das quantias que receberem dos Serviços de Segurança Social a título de benefícios da mesma natureza” (sublinhado nosso).
Ora, este n.º 3 da cl.ª 136.ª determina que a ré adiante (avance/antecipe) ao autor a quantia correspondente à pensão que resulta do ACTV (que decorre dos oito anos de trabalho no B CC) — devendo o autor devolver-lhe a totalidade das quantias que da Segurança Social receber a esse mesmo título, ou seja, relativos aos oito anos de trabalho no B CC. Assim, utilizando as expressões da Lei e do ACTV, “as prestações emergentes do mesmo facto” atribuídas pela Segurança Social ou “a título de benefícios da mesma natureza” são aquelas que deram origem à pensão do recorrente pela sua prestação de trabalho no B CC, durante 8 oito anos.
Deste modo, sem prejuízo da salvaguarda consagrada no n.º 2 da cl.ª 137.ª, a ré apenas pode descontar do montante da pensão prevista no ACTV a parte proporcional da pensão da Segurança Social que corresponda ao período em que o trabalhador exerceu funções no sector bancário pois, como se viu, não pode receber duas pensões pela mesma prestação de trabalho de oito anos no B CC.»

Tudo ponderado, sufragam-se as considerações transcritas e confirma-se o julgado, neste preciso segmento decisório.

Com efeito, só assim é respeitado o princípio constitucional, consagrado no n.º 4 do artigo 63.º da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado, pelo que, conforme decidiu o acórdão recorrido, o autor «tem razão quando pretende ver reconhecido o direito às diferenças reclamadas, que correspondem à diferença entre o montante da pensão de reforma calculada nos termos previstos no ACTV e a parte da pensão de reforma que aufere do CNP proporcional aos oitos anos em que esteve ao serviço do B CC, vencidas desde 22.05.2001 (face à procedência da prescrição) até 31.05.2005, data a partir da qual a ré lhe reconheceu tal direito […]».

Não se descortina, pois, a invocada violação do disposto nas cláusulas 136.ª, 137.ª e 138.ª do ACTV para o Sector Bancário, nem de qualquer outra norma aludida nas conclusões da alegação do recurso de revista, termos em que improcedem as conclusões 1), 2), 4), 5) e 16) a 27), na parte atinente, daquela alegação de recurso.
III

Pelo exposto, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas, neste Supremo Tribunal, a cargo da instituição bancária ré.

Lisboa, 27 de Outubro de 2010

Pinto Hespanhol (Relator)
Vasques Dinis
Mário Pereira