Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
09S0159
Relator: SOUSA GRANDÃO
Descritores: FAT
PRESTAÇÃO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Nº do Documento: SJ200909090001594
Data do Acordão: 09/09/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I - No domínio da vigência do art. 1.º do DL n.º 142/99, de 30 de Abril, na sua redacção original, era entendimento pacífico que o FAT assumia a responsabilidade pelo pagamento das prestações agravadas ou, havendo responsabilidade subsidiária de uma seguradora – circunscrita às prestações fundadas na denominada responsabilidade objectiva – pelo respectivo diferencial.

II - A nova redacção conferida ao art. 1.º, n.º 5, do DL n.º 142/99, de 30 de Abril, introduzida pelo DL n.º 185/2007, de 10 de Maio, veio afastar a responsabilidade do FAT pelo pagamento das denominadas “pensões agravadas”.

III - Todavia, intui-se do modo como o legislador se exprimiu que a norma que, na lei nova, limita a responsabilidade do FAT, não tem a natureza de lei interpretativa, ao mesmo tempo que não tem por objecto regular directamente situações jurídicas constituídas antes da sua entrada em vigor, ou seja, situações emergentes de acidentes de trabalho anteriormente ocorridos.

IV - Por isso, em caso de acidente de trabalho ocorrido antes da entrada em vigor do DL n.º 185/2007, de 10 de Maio, e verificada a situação de impossibilidade de a entidade primitivamente responsável pela reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho proceder ao pagamento da pensão agravada, mantém-se a obrigação do FAT de assegurar este pagamento ou o seu diferencial, caso haja responsável subsidiário.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


1- RELATÓRIO

1.1.
No âmbito da acção declarativa com processo especial, emergente de acidente de trabalho, que correu termos, sob o n.º 490/00, pelo Tribunal do Trabalho de Setúbal, foi em 11/3/05 lavrada a respectiva sentença em 1ª instância, que transitou em julgado e na qual se decidiu:
“A) condenar a Ré P... S... e M... Ld.ª a pagar ao A., AA, na sua residência:
a.1) Com efeitos a partir de 28/01/2003, a pensão anual e vitalícia de € 4.762,52, actualizada para o montante de € 4.872,06, com efeitos a partir de 01/12/2004.
A pensão deverá ser paga em prestações mensais, de valor unitário equivalente a 1/14 avos do valor da pensão anual, sendo acrescidas de uma prestação a título de subsídio de férias e de Natal, a pagar nos meses de Maio e de Novembro.
Naturalmente que a Ré P... S... e M.... Ld.ª terá o direito de, às pensões devidas, descontar os montantes da pensão provisória que hajam sido pagos ao A. pela Ré Seguradora.
a.2) A quantia de € 3.818,77, a título de subsídio por elevada incapacidade permanente.
a.3) A prestação suplementar para ajuda de terceira pessoa a que se reporta o art. 19.º n.º 1 da Lei 100/97, no montante global, já vencido até 28/2/2005, de € 23.302, 29 (calculado nos termos referidos no procedente n.º III. 4.3), à qual, porém e atento o disposto no n.º 2 do citado preceito, deverá ser descontada a quantia correspondente ao período de internamento hospitalar ou em instituição similar, e cuja liquidação, se necessário, se relega para incidente ulterior, nos termos dos arts. 661.º n.º 2 e 378.º e segs. do C.P.C., bem como as prestações vincendas a que se reporta o n.º 1 do citado preceito, sem prejuízo, porém, da suspensão da obrigação de tal pagamento, nos termos do n.º 2 do mesmo, enquanto se mantiver o internamento do A. em hospital ou em instituição similar, designadamente na Casa de Saúde do Mirante.
a.4) A quantia de € 100.000,00, a título de indemnização pelos danos morais sofridos pelo A. em consequência do acidente, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
B) Condenar a Ré P... S... M... Ld.ª a prestar ao Autor toda a assistência médica, medicamentosa, cirúrgica, farmacêutica, hospitalar e qualquer outra que se mostre necessária, face ao seu estado de saúde consequente ao acidente, incluindo o fornecimento da cadeira de rodas peticionada.
C) Condenar a Ré P... S... M... Ld.ª a pagar à Ré Companhia de Seguros A... P..., S.A., as quantias por esta desembolsadas, desde 24/10/2003, com o pagamento ao A. da pensão provisória fixada por decisão de fls. 281/282 dos autos, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde a data do respectivo pagamento pela Ré Seguradora ao A. de cada uma das prestações até efectivo e integral pagamento.
D) Condenar a Ré Companhia de Seguros A... P..., S.A., a título subsidiário, a pagar ao A., AA, na sua residência:
d.1) Com efeitos a partir de 28/01/2003, a pensão anual e vitalícia de € 3.278,04, actualizada para o montante de € 3.353,43, com efeitos a partir de 01/12/2004.
A pensão deverá ser paga em prestações mensais, de valor unitário equivalente a 1/14 avos do valor da pensão anual, sendo acrescidas de uma prestação a título de subsídio de férias e de Natal, a pagar nos meses de Maio e de Novembro.
Naturalmente que a Ré Seguradora terá o direito de, às pensões devidas, descontar os montantes da pensão provisória que já haviam sido pagos ao A..
d.2) A quantia de € 3.818,77, a título de subsídio por elevada incapacidade permanente.
d.3) A prestação suplementar para ajuda de terceira pessoa a que se reporta o art. 19.º n.º 1 da Lei 100/97, no montante global, já vencido até 28/02/2005, de € 23.302,29 (calculado nos termos referidos no precedente n.º III. 4.3.), à qual, porém e atento o disposto no n.º 2 do citado preceito, deverá ser descontada a quantia correspondente ao período de internamento hospitalar ou em instituição similar, e cuja liquidação, se necessário, se relega para incidente ulterior, nos termos dos arts. 661.º n.º 2 e 378.º e segs. do C.P.C., bem como as prestações vincendas a que se reporta o n.º 1 do citado preceito, sem prejuízo, porém, da suspensão da obrigação de tal pagamento nos termos do n.º 2 do mesmo, enquanto se mantiver o internamento do A. em hospital ou em instituição similar, designadamente na Casa de Saúde do Mirante.
E) Condenar a Ré Companhia de Seguros A... P..., S.A., a título subsidiário, a prestar ao Autor toda a assistência médica, medicamentosa, cirúrgica, farmacêutica hospitalar e qualquer outra que se mostre necessária face ao seu estado de saúde consequente ao acidente, incluindo o fornecimento da cadeira de rodas peticionada”.
1.2.
Através de requerimento ajuizado em 9/5/2007, veio o sinistrado informar que a Ré patronal não tem pago as prestações fixadas na sentença – carecendo, aliás, de quaisquer bens para o fazer – nem a seguradora o tem feito a título subsidiário.
Neste contexto, requereu que, realizadas as diligências pertinentes, se declare a incapacidade daquela primeira Ré para assumir os compromissos sentenciados, respondendo a seguradora nos termos da respectiva condenação subsidiária e deferindo-se ao FAT (Fundo de Acidentes de Trabalho) a responsabilidade pelo pagamento do correspondente diferencial.
Exercido o contraditório:
- veio o FAT dizer que não responde pelo pagamento de indemnizações por danos morais nem pelo agravamento das pensões;
- expressou a seguradora o entendimento de que importaria comprovar a pretensa incapacidade da co-Ré para satisfazer as prestações a seu cargo;
- a Ré patronal não respondeu.
Por fim, foi proferida decisão, em cujo âmbito se reconheceu que a entidade patronal do sinistrado não possui bens que permitam a satisfação das prestações em que foi condenada e já não desenvolve sequer qualquer actividade, assim se determinando que:
“- a Companhia de Seguros A... P...., S.A. proceda ao pagamento das prestações devidas ao sinistrado AA, fixadas nas als. D) e E) do segmento condenatório da sentença; e,
- o Fundo de Acidentes de Trabalho proceda ao pagamento da pensão fixada em A) a.1) do segmento condenatório da sentença, mas apenas pela diferença não garantida pela Seguradora – pois esta já pagará parte dessa pensão, mas apenas até ao montante fixado em D) d.1 do mesmo segmento decisório”.
Irresignado com tal decisão, dela agravou o FAT; debalde o fez, todavia, uma vez que o Tribunal da Relação de Évora confirmou na íntegra o despacho impugnado.
1.3.
Continuando irresignado agravou para este Supremo Tribunal, coligindo o seguinte quadro conclusivo:
1- nos termos do n.º 5 do art. 1.º do DL n.º 142/99, de 30 de Abril, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 185/2007, de 10 de Maio, “... o FAT apenas responde pelas prestações que seriam devidas caso não tivesse havido actuação culposa”;
2- assim, em situações de agravamento de pensões, o FAT apenas responde pelo pagamento das prestações normais;
3- porém, entendeu o Acórdão recorrido que o que deve relevar para efeitos de aplicação das alterações introduzidas pelo DL n.º 185/2007 no DL n.º 142/99 é a data do início da pensão e não aquela em que foi proferida a decisão judicial que responsabiliza o FAT, prevalecendo assim o princípio da não retroactividade;
4- estamos, pois, perante um problema de aplicação das leis no tempo;
5- acerca de tal questão, dispõe a 2ª parte do n.º 2 do art. 12.º do Código Civil que quando a lei dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações jurídicas já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor;
6- é o caso do DL n.º 142/99, de 30 de Abril que, ao regular quer o âmbito, quer o modo de intervenção do FAT, dispõe directamente sobre o conteúdo de relações jurídicas já existentes abstraindo do facto ou factos que lhes deram origem;
7- na verdade, o que determina a intervenção do FAT é a verificação pelo tribunal, num momento posterior ao acidente de trabalho dos factos em que assentam os pressupostos referidos, quer no artigo 39.º n.º 1 da Lei n.º 100/97, 13 de Setembro, quer no artigo 1.º n.º 1 al. a) do DL n.º 142/99, 30 de Abril;
8- assim, sendo a decisão que ordenou o pagamento pelo FAT da quota-parte da pensão devida ao sinistrado posterior à entrada em vigor do D.L. n.º 185/2007, deverá ser susceptível de aplicação à situação dos autos o disposto no n.º 5 do artigo 1.º do DL. N.º 142/99, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo DL n.º 185/2007;
9- encontrando-se, no caso concreto, a responsabilidade pelo pagamento das prestações normais integralmente transferida para a Companhia de Seguros A... S.A., nada haverá a liquidar pelo FAT ao sinistrado AA.
1.4.
Não foram apresentadas contra-alegações.
1.5.
A Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta sustentou, sem reacção das partes, a confirmação de julgado.
1.6.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
____//___

2- FACTOS

Não vindo questionada a factualidade atinente à condenação operada na sentença declarativa da 1ª instância nem, tão pouco, a ulterior decisão assertativa da incapacidade económica da Ré empregadora nenhum concreto acervo factual importa coligir para a decisão de mérito do recurso.
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3- DIREITO

3.1.
Aquando do requerimento com que despoletou o incidente sub iudice, foi o sinistrado suficientemente explícito no sentido de que a Ré Seguradora deveria assegurar o pagamento das prestações a que fora subsidiariamente condenada, assumindo o FAT a responsabilidade pelo pagamento da diferença entre essas prestações e aquelas com que, a título principal, se onerara na sentença a respectiva entidade patronal.
Assim, pretendeu o sinistrado significar que a reclamada responsabilidade daquele organismo se reportava à indemnização por danos morais e à diferença entre as prestações ditas “normais” – a cargo da Seguradora – e as prestações “agravadas” – inicialmente a cargo da Ré patronal.
A 1ª instância decidiu, com trânsito em julgado, que a cobertura do FAT não abrangia a falada indemnização por danos morais.
Como assim, o litígio ficou circunscrito, desde então, à problemática do apontado “diferencial” – com exclusivo reporte, de resto, à pensão anual e vitalícia – em cujo domínio aquela instância, com o sequente aval da Relação, sufragou a tese do sinistrado.
Entretanto, ao exercer o contraditório sobre a pretensão em análise, logo o FAT deixara transparecer que a sua postura era motivada pelo quadro normativo – tido por aplicável – emergente do D.L. n.º 185/2007, de 10 de Maio, mais em concreto, pela redacção que esse diploma veio conferir ao artigo 1.º do D.L. n.º 142/99, de 30 de Abril.
Essa anunciada motivação quedou expressamente confirmada nas alegações de recurso.
Dito de outro modo:
- não fora a entrada em vigor daquele primeiro diploma, jamais o FAT questionaria que a sua responsabilidade pudesse ter o âmbito que as instâncias lhe conferiram.
Neste particular, convergiram as instâncias no entendimento de que o quadro jurídico atendível era o que constava da redacção inicial do D.L. n.º 142/99, tendo em conta a data do acidente (tese da sentença) ou a data da fixação da sobredita pensão (tese do Acórdão revidendo).
Por isso, a única questão ora em debate consiste em saber se, condenada em definitivo a entidade empregadora a pagar agravadamente uma pensão anual e vitalícia ao beneficiário de um acidente de trabalho – mas reconhecida ulteriormente a sua incapacidade económico-financeira para satisfazer os respectivos montantes – deverá o FAT assumir esse pagamento, tendo em conta a alteração introduzida pelo falado D.L. n.º 185/2007.
3.2.1.
É altura de esclarecer a polémica alteração legislativa.
No que ora releva, essa alteração consistiu na nova redacção que aquele diploma veio conferir ao artigo 1.º do D.L. n.º 142/99, ao qual aditou os números 4, 5, 6 e 7, optando por prescrever naquele n.º 5, que, verificando-se “... algumas das situações referidas no n.º 1 do artigo 295.º, e sem prejuízo do n.º 3 do artigo 302.º, todos da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, o FAT responde apenas pelas prestações que seriam devidas caso não tivesse havido actuação culposa”.
A Lei n.º 99/2003 é o diploma que aprovou o Código do Trabalho de 2003 e os preceitos a ela reportados – 295.º n.º 1 e 303.º n.º 3 – correspondem, respectivamente, aos artigos 18.º n.º1 e 37.º n.º 2 da Lei n.º 100/97 (“Lei dos Acidentes de Trabalho”), ainda em vigor.
Assim, a nova redacção conferida ao artigo 1.º n.º 5 do D.L. n.º 142799 veio afastar a responsabilidade do FAT pelo pagamento das chamadas “pensões agravadas”, sabendo-se que esse agravamento só ocorre “... quando o acidente tiver sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante ou resultar de falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho ...”, isto é, quando se comprove a invocada “actuação culposa” da entidade patronal.
Em contrapartida, na redacção original daquele citado artigo 1.º – que não previa uma tal exclusão – era entendimento pacífico que o FAT assumia a responsabilidade pelo pagamento das pensões agravadas ou, havendo responsabilidade subsidiária de uma Seguradora – que é necessariamente circunscrita às prestações “normais” – pelo respectivo diferencial (cfr., entre tantos outros, os Acórdãos deste S.T.J. de 10/4/2002 – processo n.º 4204/01 – e de 19/2/2004 – processo n.º 87/04).
Tudo está em saber, pois, qual a normação atendível no caso vertente.
3.2.2.
Já teve este Supremo Tribunal ensejo de apreciar a questão em análise: fê-lo nos Acórdãos de 10/9/2008 e 10/12/2008, respectivamente nas Revistas n.ºs 6/2008 e 3084/2008.
Na parte útil, discorreu como segue aquele primeiro Aresto:
“Face ao texto da primitiva versão do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de Abril, que omitia qualquer referência à limitação da responsabilidade do FAT às prestações que seriam devidas se não tivesse havido actuação culposa da entidade empregadora (ou seu representante), entendia-se que, verificada a situação de incapacidade económica das entidades responsáveis pela reparação, ao FAT incumbia efectuar o pagamento das prestações a que os lesados tinham direito, contemplando a obrigação de garantir o pagamento, em caso de terem sido fixadas prestações agravadas, dos respectivos montantes (...).
O Decreto-Lei n.º 185/2007, de 10 de Maio, no assumido propósito de alterar o regime jurídico do Fundo dos Acidentes de Trabalho criado pelo Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de Abril (artigo 1.º), aditou, ao artigo 1.º deste último diploma, um inciso com o n.º 5, de acordo com o qual “o FAT responde apenas pelas prestações que seriam devidas caso não tivesse havido actuação culposa”.
Segundo o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 185/2007, de 10 de Maio, o legislador pretendeu “excluir da responsabilidade do FAT o pagamento da parte correspondente ao agravamento das pensões resultante de actuação culposa por parte da entidade empregadora”.
Intui-se do modo como o legislador se exprimiu que a norma que, na lei nova, limita a medida da responsabilidade do FAT, não tem a natureza de lei interpretativa, o que, a verificar-se, conduziria, em face do disposto no artigo 13.º n.º 1 do Código Civil, à sujeição do caso em apreciação à regra da limitação da responsabilidade consignada naquele n.º 5.
De acordo com o disposto no artigo 12.º do Código Civil, “a lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos” (n.º 1); e “quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhe deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor” (n.º 2).
Sobre a sua aplicação no tempo, o Decreto-Lei n.º 185/2007, de 10 de Maio, estabelece, no n.º 1 do artigo 5.º, que “sem prejuízo do disposto no número seguinte, o presente decreto-lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação”; e, no n.º 2, que “o disposto no artigo 6.º do Decreto-lei n.º 142/99, de 30 de Abril, com a redacção do presente decreto-lei, produz efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2008”.
Não contendo a lei nova qualquer disposição de que resulte a sua aplicação retroactiva, nem decorrendo da análise dos termos em que o legislador se expressou o intuito de regular directamente situações jurídicas constituídas antes da sua entrada em vigor, ou seja, situações emergentes de acidentes de trabalho anteriormente ocorridos, não pode o novo regime ser observado para o caso dos autos (FIM DE TRANSCRIÇÃO – sublinhados nossos).
Por seu turno, o Acórdão de 10//12/2008, depois de também convocar a transcrita motivação, acrescentou o seguinte:
“... o que se torna relevante é, justamente, o facto de o novel regime que veio a ser consagrado pelo Decreto-Lei n.º 185/2007, ao proceder à introdução do n.º 5 do art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 142/99, por não poder ser perspectivado como tendo o desiderato de interpretar os anteriores comandos legais, tal como se deparavam no ordenamento jurídico, só dever ser observado para os casos ocorridos após a entrada em vigor do primeiro dos indicados Decretos-Leis (...).
E não se diga, em contrário, que a responsabilidade do Fundo de Acidentes de Trabalho somente é definida após a prolação de decisão judicial que verifique os pressupostos da respectiva existência.
Na verdade, aquela responsabilidade estava já legalmente “desenhada” em função da ocorrência de determinadas condições que a lei previa, sendo que, tratando-se de uma responsabilidade garantística ou subsidiária das obrigações decorrentes de um acidente de trabalho que eclodiu no domínio de uma dada legislação e que impendiam, numa primeira linha, sobre a entidade primitivamente responsável, será essa legislação a regente do caso (...) (FIM DE TRANSCRIÇÃO – sublinhados nosso)).
3.2.3
Subscrevemos por inteiro as extractadas motivações e o juízo que delas se retirou, aquelas e este suficientes para a necessária confirmação do julgado.
Apesar disso, não deixaremos de anotar que um breve cotejo histórico sobre a criação de “Fundos” destinados a garantir o pagamento de prestações decorrentes de acidentes laborais também conforta – assim o cremos – a solução alcançada.
No domínio da legislação infortunístico laboral de pretérito, a Lei n.º 2.127, de Agosto de 1965, instituiu, na sua Base XLV, o “Fundo de Garantia e Actualização de Pensões” – “F.G.A.P.” – constituído no âmbito da Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais – “C.N.S.D.P.” – .
Com a revogação da Lei n.º 2.127 e a sua substituição pela Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, prevista ficou, desde logo, a criação de um novo “Fundo”, que viria a substituir o anterior “F.G.A.P.” (artigo 39.º n.º 1 daquele último diploma).
Foi nessa decorrência que surgiu o D.L. n.º 142/99, de 30 de Abril, que criou o “Fundo de Acidentes de Trabalho” – F.A.T. – (art. 1.º n.º 1) e extinguiu o referido “F.G.A.P.”, cujas “responsabilidades e saldos” passariam para o novo organismo “... nos termos e condições a definir por portaria dos Ministros das Finanças e do Trabalho e da Solidariedade” (art. 15.º n.º 2).
Sem que se imponha, aqui e agora, particularizar o âmbito de cobertura dos dois organismos, sempre se adiantará que ao F.A.T. foram cometidas responsabilidades alargadas.
Entretanto, o diploma previsto no mencionado Decreto-Lei veio a ser corporizado pela Portaria n.º 291/00, de 25 de Maio, cujo art. 3.º estatui:
“As responsabilidades do Fundo de Garantia e Actualização de Pensões, que transitam para o Fundo de Acidentes de trabalho, correspondentes a acidentes de trabalho ocorridos até 31 de Dezembro de 1999, ficam limitadas às obrigações legais e regulamentares do anterior Fundo”.
Perante esta previsão e a falta de coincidência de responsabilidades entre os dois organismos, haverá necessariamente que distinguir, no domínio da competência do F.A.T.:
A - por um lado, a sua competência própria, cujo âmbito decorre da previsão contida no artigo 39.º da Lei n.º 100/97 e no artigo 1.º n.º 1 alínea a) do D.L. n.º 142/99;
B - por outro, a sua competência enquanto sucessor do “F.G.A.P.”, que fica circunscrita às responsabilidades cometidas ao organismo extinto e abrange todos os acidentes laborais ocorridos até 31 de Dezembro de 1999.
Ora, se recordarmos que o D.L. n.º 142/99 iniciou vigência em 1/12/2000 (cfr. art. 16.º, na redacção conferida pelo D.L. n.º 382-A/99, de 22/9), logo se alcança que o legislador da época pretendeu excluir do novo regime todos os acidentes laborais que ocorressem até à entrada em vigor do diploma, do mesmo passo que assegurava tratamento igualitário para todas as vítimas de sinistros ocorridos no mesmo referido período temporal.
Nada mais, justamente, do que aquilo que também entendemos acontecer com o legislador de 2007, relativamente às inovações que o Decreto-Lei n.º 185/2007 veio introduzir no atinente regime jurídico.
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4- DECISÃO
Em face do exposto, julga-se improcedente o recurso e confirma-se o Acórdão impugnado.
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Sem custas.

Lisboa, 9 de Setembro de 2009

Sousa Grandão (Relator)
Pinto Hespanhol
Vasques Dinis