Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4096/05.0TBVFX.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: SOUSA LAMEIRA
Descritores: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
ÓNUS DA PROVA
DAÇÃO EM CUMPRIMENTO
PRESSUPOSTOS
EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES
USUCAPIÃO
MATÉRIA DE FACTO
RECURSO DE REVISTA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
REJEIÇÃO DO RECURSO
DUPLA CONFORME
Data do Acordão: 07/05/2018
Nº Único do Processo:
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO À REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CAUSAS DE EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES ALÉM DO CUMPRIMENTO / DAÇÃO EM CUMPRIMENTO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / PROCEDIMENTOS CAUTELARES / PROCEDIMENTOS CAUTELARES ESPECIFICADOS / RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE / INVERSÃO DO CONTENCIOSO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 837.º;
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC):- ARTIGO 382.º.
Jurisprudência Internacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 17-10-2006;
-DE 02-07-2009.
Sumário :
I - Pese embora não seja de conhecer do recurso de revista no segmento em que aquele se reporta à reapreciação da matéria de facto (por exceder o âmbito do art. 382.º do CPC), tal não importa a rejeição do mesmo

II - Não constando dos factos provados que a recorrida aceitou a dação em pagamento de um imóvel como forma de extinção da dívida que o recorrente mantinha para consigo, é de concluir que não se mostram perfectibilizados os pressupostos de que o art. 837.º do CC faz depender a extinção daquela obrigação.

III - O ónus da prova da inexistência de causa da deslocação patrimonial incumbe ao pretenso empobrecido.

IV - O facto de se ter apurado que o recorrente se manteve no imóvel transmitido à recorrida após a celebração da escritura pública que formalizou o negócio mencionado em II é insuficiente para preencher os pressupostos de que depende o reconhecimento da aquisição por usucapião.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I – RELATÓRIO

  

l.  AA e BB intentaram contra Caixa CC, CRL, acção com processo ordinário, distribuída ao 1º Juízo Cível da comarca de …, pedindo a revogação de escritura de dação em função do cumprimento, mediante a qual foi transmitida pelos AA. à R. a propriedade de um prédio misto, e o cancelamento do registo a favor daquela, declarando-se os AA. proprietários desse imóvel e condenando-se a R. a reconhecer-lhes essa qualidade.


2. A Ré Caixa CC, CRL contestou impugnando os factos alegados pelos Autores e que fundamentam o seu pedido.

Conclui pedindo a improcedência da acção.


3. Procedeu-se ao saneamento e, posteriormente, observado o legal formalismo, realizou-se a audiência de julgamento

A final foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, determinou a rectificação da aquisição registral em causa, absolvendo-se a Ré do restante pedido.


4. Inconformado o Autor BB interpôs recurso de Apelação, para o Tribunal da Relação do Lisboa, que, por Acórdão de 25 de Janeiro de 2018, decidiu:

«em negar provimento ao recurso, confirmando-se, em consequência, a decisão recorrida».


5. Novamente inconformado o Autor BB interpôs Recurso de Revista para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formulou as seguintes conclusões:

 I. O Fundamento do Recurso, prende-se com a apreciação da Invalidade do contrato celebrado entre as partes, assim como, o direito do ora Recorrente, sobre o Imóvel em causa.

II. A forma natural de extinção das obrigações, é o cumprimento, ou seja, a realização da prestação a que se está vinculado, conforme o art.º 762.º do Código Civil.

III. No entanto, a lei prevê, além do cumprimento, outras formas de extinção das obrigações, conforme o disposto nos arts 523.º e 837.º e segs do Código Civil, entre elas a “dação em cumprimento”.

IV. A dação em cumprimento «datio in solutum» (art.º 837.º CC), verifica-se quando, com o consentimento do credor, o devedor efectua prestação diferente da devida. A prestação pode consistir na entrega de uma coisa ou realização de um facto ou prestação de serviço. Como refere Pessoa Jorge (Lições de Dir. das Obrigações, 1975, pag. 443) «a dação em pagamento é um contrato extintivo da obrigação. Há nela um acordo modificativo da prestação e um acto executivo, mas estes dois elementos aparecem essencialmente interligados. Trata-se de um acto complexo de formação simultânea, composto de dois outros factos que se produzem ao mesmo tempo (...) Além de poder dar-se em pagamento um facto, pode liquidar-se a dívida com a simples transmissão da propriedade ou de outros direitos, nomeadamente de crédito. A dação e pagamento configura-se então como contrato translativo ou de alienação».

V. Quanto aos seus efeitos, a «dação em pagamento», tem os mesmos efeitos do cumprimento, nomeadamente quanto à extinção da obrigação.

VI. A «dação em função do cumprimento» - datio pro solvendo - ainda que figura próxima da dação em cumprimento, não se pode confundir com aquela. Consiste a mesma (art.º 840.º CC) «na transmissão pelo devedor ao credor de uma coisa ou direito, com o encargo de o credor realizar o respectivo valor, pelo qual satisfará o seu crédito. Assim, o credor não adquire a coisa ou o direito em pagamento da dívida, mas recebe-o para, através da venda (se se trata de uma coisa) ou da cobrança (se se trata de um crédito) apurar dinheiro com o qual se pagará. Se o valor apurado for insuficiente para liquidar a dívida, o credor considera-se só parcialmente pago e continuará com direito ao restante; se o valor apurado exceder o do crédito, o credor deverá restituir o excesso ao devedor» Pessoa Jorge, obra citada pag. 446).

VII. Quanto aos seus efeitos, a dação em função do cumprimento, embora determinando a extinção da dívida, esta fica dependente da boa liquidação do direito transmitido. O credor pode alienar a coisa, devendo proceder diligentemente, devendo prestar contas ao devedor (sublinhado nosso). A alienação da coisa, terá como efeito a extinção da dívida, na medida do valor obtido, que sendo insuficiente para o pagamento será parcial, mas sendo superior deverá terá o credor que devolver o excesso.

VIII. Como refere Pessoa Jorge (obra citada pag. 448), «a dação em função do pagamento distingue-se da dação em pagamento por esta implicar a extinção imediata e incondicional da dívida, ao passo que, naquela, esse efeito extintivo acha-se condicionando à efectiva satisfação do interesse do credor esse efeito extintivo só se opera se o credor obtiver satisfação pela cobrança efectiva do crédito cedido (...) A dação pro solvendo implica concessão ao credor de poderes para alienar a coisa ou cobrar o crédito; há aqui uma autorização, concedida no interesse conjunto do autorizado e do autorizante...».

Mais,

IX. As características da «dação em função do cumprimento», não pressupõem a transmissão da propriedade do imóvel em causa.

Logo,

X. Considerando-se extinta a dívida, conforme melhor se explicará de seguida, não poderá entender-se que a propriedade do imóvel tenha sido transmitida.

XI. Por escritura pública de 28 de Novembro de 1995, no 2.° Cartório Notarial de …, o ora Recorrente, a sua ex-mulher, e a ora Recorrida outorgaram uma escritura pública, denominada, “Dação em Função do Cumprimento”, referente à “Quinta …”, descrita na Conservatória do Registo Predial de …, sob o n.º 003…/31…5, da freguesia de …, de forma a permitir à ora Recorrida a satisfação dos seus créditos de 35 mil contos e de 25 mil contos de dívidas de duas sociedades comerciais, nomeadamente, o “Aviário …” e a “S…”, no total de 60 mil contos.

XII.  No mesmo dia, e, no mesmo cartório, outorgaram uma outra escritura denominada por “Constituição Unilateral de Hipotecas” em que deram de garantia do pagamento de todos os montantes em dívida pelo “Aviário ….”, o prédio misto denominado “DD” e, o prédio rústico denominado por “EE”.

XIII. Para além da “DD” e dos “EE”, deram de garantia o prédio denominado por “Horta …” e “Casal …”, para pagamento de todos os montantes em dívida da “FF”.

XIV. Em 12 de Janeiro de 1996, a ora Recorrida celebrou um contrato-promessa de compra e venda da “Quinta do …”, com GG, HH e II, através do qual estes lhe prometiam comprar a “Quinta …”, pelo preço de 60.000 contos, aproximadamente 300.000 euros, não tendo prestado quaisquer contas ao Recorrente, não obstante ter sido interpelada para o efeito,

XV. Tendo este contrato sofrido, posteriormente, um aditamento, datado de 24 de Junho de 1997.

XVI. Nem na altura da celebração deste contrato, nem do seu posterior aditamento, o ora Recorrente, nem a sua ex-mulher tiveram conhecimento dos mesmos, não lhes deram o seu acordo, nem tão pouco conheciam o teor dos respectivos documentos.

XVII. Posteriormente, a Recorrida encetou negociações com uma outra entidade a quem pediu pela “Quinta …”, a quantia de 600 mil euros, a fim de ser construída uma cidade cinematográfica,

XVIII. A testemunha da Recorrida JJ, ao ser confrontada com esta situação, veio dizer no seu depoimento que não teve conhecimento deste negócio, porque se tratava de uma situação que não teve muita relevância, quando foi o próprio a dizer, “(...) que fazia parte da administração da Caixa CC, e que tinha conhecimento de tudo, porque participava em todas as reuniões referentes à Quinta … (...)” (conforme se pode confirmar através do seu depoimento prestado no dia 27.10.2016, com início às 10h12m, cujas declarações relativamente a este assunto constam ao minuto 24),

XIX. No entanto, este foi um negócio que devido à sua importância e relevância para o Concelho de … foi analisado e discutido no âmbito de uma Sessão Ordinária de 27 de Abril de 2001, que ocorreu na Câmara Municipal de …,

XX. Tendo, inclusivamente, sido alvo de notícia nos meios de comunicação locais, conforme documentos que se encontram juntos aos autos.

XXI. Confrontada a testemunha com a situação de não ter a ora Recorrida respondido às interpelações do Recorrente após a celebração do negócio (escritura de dação em função do cumprimento), apesar das insistências dos Autores? (Quesito 1.º)

XXII. Confirmou a testemunha que respondeu após ter sido interpelado pelo Banco de Portugal, (conforme se pode confirmar através do seu depoimento prestado no dia 27.10.2016, com início às 10h12m, cujas declarações relativamente a este assunto constam ao minuto 33),

XXIII. Tendo sido necessário o Recorrente solicitar a intervenção do Banco de Portugal, em virtude da ora Recorrida negar-se a responder às suas cartas, o que efectivamente deveria constar como Facto Provado, o que não aconteceu.

Sendo certo,

XXIV. Que tanto o Quesito 1.º, Quesito 2.º, como o Quesito 3, deveriam ter sido declarados como provados, e não o foram.

XXV. Considerando-se, deste modo, os mesmos incorrectamente julgados,

XXVI. Porque, efectivamente, desde a celebração da escritura de dação em função do cumprimento, que a Recorrida, apesar das insistências por parte dos Autores não mais lhes prestou qualquer informação,

XXVII. Nem tão pouco respondeu às suas cartas ou prestou quaisquer contas aos Autores.

XXVIII. Factos que se encontram fundamentados no depoimento da testemunha JJ, que, em nosso entender, e, salvo melhor opinião, foram mal interpretados, e, que impunham em relação aos mesmos, uma decisão diferente da que foi tomada pela Mma.ª Juiz do Tribunal “a quo”.

XXIX. Em 08 de Junho de 2010, a ora Recorrida adquiriu a propriedade denominada por “DD”, pelo valor de 150 mil euros, sendo este valor para deduzir na dívida existente.

XXX. Para além disso, foram entregues 15 mil contos em numerário.

XXXI. Tendo, ainda, sido contraído um empréstimo pelo filho do ora Recorrente no valor de 26 mil contos por conta da dívida existente, junto da ora Recorrida, e que, por sua vez, já se encontra liquidado, aliás como foi dito pela testemunha da Recorrida JJ (conforme se pode confirmar através do seu depoimento prestado no dia 27.10.2016, com início às 10h12m, cujas declarações relativamente a este assunto constam ao minuto 45),

Mais,

XXXII. Confrontada ainda a testemunha JJ, relativamente à venda dos imóveis sobre os quais pendia as hipotecas, confirmou esta que com a venda dos mesmos conseguiram apurar um valor que ronda os 300 mil euros. (conforme se pode confirmar através do seu depoimento prestado no dia 27.10.2016, com início às 10h12m, cujas declarações relativamente a este assunto constam ao minuto 59),

XXXIII. Tendo em consideração todos os montantes apurados com a venda dos imóveis hipotecados, entenda-se o prédio misto denominado “DD”, o prédio rústico denominado por “EE”, o prédio denominado por “Horta …” e “Casal …”,

XXXIV. Das entregas efectuadas pelo ora Recorrente por conta das dívidas,

XXXV. Do empréstimo contraído no valor de 26 mil contos, totalmente pago pelo filho do ora Recorrente, e entregue por conta da dívida existente,

XXXVI. O pagamento da dívida encontra-se integralmente pago, e, como tal, não pode o credor arrogar-se proprietário do bem, pois não tem legitimidade para tal.

XXXVII. A não entender-se desta forma, estamos perante um Enriquecimento Sem Causa.

Para além disso,

XXXVIII. Há que salientar, que com a outorga da escritura de “Dação em Função do Cumprimento”, o ora Recorrente constituiu um Mandato a favor da ora Recorrida, conferiu-lhe poderes para que esta diligenciasse no sentido de conseguir um comprador para a “Quinta …”, de forma a que lhe permitisse o pagamento dos montantes em dívida.

XXXIX. Sendo que, o Mandato pressupõe que o mandatário esteja obrigado a praticar os actos compreendidos no mandato, segundo as instruções do mandante; a prestar as informações que este lhe peça, relativas ao estado da gestão; a comunicar ao mandante, com prontidão a execução do mandato ou, se o não tiver executado, a razão por que assim procedeu; a prestar contas, findo o mandato ou quando o mandante as exigir; a entregar ao mandante o que recebeu em execução do mandato ou no exercício deste, se o não despendeu normalmente no cumprimento do contrato.

Ora,

XL. Não tendo, a Recorrida procedido diligentemente, nomeadamente, no que concerne à prestação de contas ao ora Recorrente, não obstante, as várias interpelações para o efeito, através de cartas registadas, com aviso de recepção datadas de 31.05.04 e 03.06.04, respectivamente, as quais se encontram juntas aos autos, tendo somente respondido, após a intervenção e interpelação por parte do Banco de Portugal, e,

XLI. Não tendo a ora Recorrida dado qualquer conhecimento ao ora Recorrente do teor das negociações, contratos escritos ou de quaisquer prestações recebidas por conta do preço, o que lhe incumbia por conta do Mandato que lhe foi conferido através da dação em função do cumprimento, inevitavelmente, este foi revogado, com justa causa.

Para além disso,

XLII. O ora Recorrente sempre manteve a posse da “Quinta …”, posse essa, pacífica, pública, contínua e de boa-fé, sem oposição de quem quer que seja, de forma ininterrupta, impedem o acesso e utilização da propriedade por parte de estranhos, entrada essa que mantêm vedada ao público, sempre na intenção e convicção de que a mesmo lhes pertence, assumindo todas as despesas e encargos inerentes à mesma, o que sucede há mais de 25 anos. O que aliás foi confirmado pelos depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento.

XLIII. Tendo o referido imóvel sido adquirido pelo Recorrente e pela sua ex-mulher, por escritura pública de compra e venda de 19/09/1979, tendo estes registado a aquisição a seu favor na Conservatória do Registo Predial de … através da inscrição n° Ap. 01/170480,

XLIV. Mantendo-se, efectivamente, na posse da “Quinta …”, antes e depois da mencionada escritura, de dação em função do cumprimento,

XLV. A ora Recorrida nunca pediu ao Recorrente a entrega do referido prédio misto, nem nunca diligenciou no sentido de tomar posse da “Quinta …”, nunca tendo esta, a posse material ou sequer a mera detenção do referido imóvel.

XLVI. Houve a determinada altura uma dívida à Câmara Municipal de …, que foi enviada directamente ao Recorrente, para que fosse este a liquidá-la, o que efectivamente aconteceu.

XLVII. Pelo que, se outro título não tivessem, sempre teriam adquirido o prédio em referência por usucapião, o que desde já se invoca para todos os efeitos legais.

 XLVIII. Por todo o anteriormente exposto, não restam dúvidas que o ora Recorrente é o único dono e legítimo possuidor da “Quinta …”, posição essa reconhecida pela ora Recorrida ainda que tacitamente,

XLIX. Mas, mesmo que assim não se entendesse, e que, de acordo e, por via da autoridade do caso julgado material formado em sede da Acção de Processo Ordinário, com o n.º 764/1998, que correu termos no 1.º Juízo Cível do Tribunal de …, que com a celebração da escritura pública de dação em função do cumprimento realizado em 28 de Novembro de 1995, “(…) os Autores quiseram transmitir a propriedade e a posse do prédio objecto do mesmo à Ré.” e que “Através do preço que a Ré viesse a obter pela venda, fossem extintas as dívidas de €25.000.000$00 e €35.000.0000$00 das sociedades “FF, Lda.” e “Aviário …, Lda.”, e que,

L. A “Dação em Função do Cumprimento” celebrada entre as partes, se tenha inserido num acordo global permitindo ao ora Recorrente e às duas sociedades “Aviário … Lda.” e “FF Lda.”, de que o mesmo, e a sua ex-mulher eram sócios gerentes, a resolução de todos os problemas económicos e financeiros,

LI. Não pode ser omitido o facto, de que, em 08 de Junho de 2010, a ora recorrida adquiriu a propriedade denominada por “DD”, pelo valor de 150 mil euros, sendo este valor para deduzir na dívida existente, que,

LII. Para além disso, foram entregues 15 mil contos em numerário.

LIII. Tendo, ainda, sido contraído um empréstimo pelo filho do ora Recorrente no valor de 26 mil contos por conta da dívida existente, junto da ora Recorrida, e que, por sua vez, já se encontra liquidado,

LIV. Com a venda dos imóveis sobre os quais pendia as hipotecas, conseguiu a Recorrida um valor de 300 mil euros (60 mil contos).

LV. Os montantes entregues pelo ora Recorrente por conta dos montantes em dívida, traduzem-se na quantia de 131 mil contos,

LVI. Tendo em conta que os valores confirmados e aceites pela ora Recorrida em termos de dívida, foram fixados e inseridos num acordo global que se traduzem nas quantias de €25.000.000$00 e €35.000.0000$00, respectivamente, e,

LVII. Se com a “dação em função do cumprimento”, o credor não adquire a coisa

ou o direito em pagamento da dívida, mas recebe-o para através da venda apurar o valor com o qual se pagará,

LVIII. Se o pagamento da dívida se encontra integralmente pago, não pode a ora

Recorrida arrogar-se proprietário da “Quinta …”,

LIX. Pois, que, o efeito que se pretendia alcançar com a “dação em função do cumprimento”, deixou de prevalecer, e,

LX. Como tal, deixa de fazer sentido que a “Quinta …”, que serviu de garantia ao pagamento das dívidas existentes, continue a ser objecto de litígio,

LXI. Não restando dúvidas que o ora Recorrente e a sua ex-mulher são donos e legítimos proprietários do imóvel em causa,

Pelo que,

Salvo o devido respeito, o douto Acórdão proferido pelos Senhores Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa que confirmou a decisão proferida em 1.ª Instância, que havia julgado a acção de processo ordinário parcialmente procedente, deverá ser revogado e substituído por outro que declare que o ora Recorrente e a sua ex-mulher são donos e legítimos proprietários da Quinta …, condenando-se a Recorrida a reconhecê-los nessa qualidade, assim como, revogar-se, por justa causa, a escritura de dação em função do cumprimento ajuizada, e, em consequência, ordenar-se o cancelamento do registo, ainda que rectificado, de aquisição a favor da ré, porquanto não foi feita a correcta interpretação dos factos, e a adequada aplicação do Direito, ao não considerar provados os Quesitos 1.º, 2.º, e 3, considerando-se, os mesmos incorrectamente julgados, não tendo sido levado em conta o facto da dívida encontrar-se totalmente liquidada, e o facto da Recorrida não ter cumprido com os poderes que lhe foram conferidos, no âmbito da constituição do Mandato, e, ainda, o facto da «dação em função do cumprimento», não pressupor a transmissão da propriedade do imóvel em causa.

Conclui pedindo que seja concedido provimento ao presente recurso, devendo o douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa que confirmou a decisão proferida em 1.ª Instância, que havia julgado a acção de processo ordinário parcialmente procedente, ser revogado e substituído por outro que declare que o ora Recorrente e a sua ex-mulher são donos e legítimos proprietários da Quinta …, condenando-se a Recorrida a reconhecê-los nessa qualidade, assim como, revogar-se, por justa causa, a escritura de dação em função do cumprimento ajuízada, e, em consequência, ordenar-se o cancelamento do registo, ainda que rectificado, de aquisição a favor da ré, em conformidade com as conclusões apresentadas.


6. A Recorrida Caixa CC, CRL apresentou contra-alegações tendo formulado as seguintes conclusões:

I - Inobservância dos requisitos formais exigidos

1 - Como é sabido, o âmbito do recurso determina-se pelas conclusões da alegação da recorrente - (art. 608°, n.°2,635°, n.°3 ambos do C. P. Civil) -, só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, ainda que outras, eventualmente, tenham sido suscitadas nas alegações propriamente ditas (Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 1).

2 - Sucede porém que, o Recorrente BB, não indicou de forma sucinta nas conclusões do Recurso os fundamentos por que pede a anulação do Douto Acórdão, pelo que o mesmo deve ser liminarmente rejeitado.

3 - Ora, estabelece o n.° 1 e 2 do artigo 639 do Código de Processo Civil que:

"1 - 0 Recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação de fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão."

4 - " 2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:

a) As normas jurídicas violadas

b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;

c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.

5 - O Recorrente BB contudo, limitou-se a apresentar conclusões genéricas e remissivas, sem nunca identificar que normas jurídicas é que o Douto Tribunal da Relação violou, nem indicou que normas é que constituem fundamento da decisão que deveriam ter sido interpretadas e aplicadas.

6 - Da leitura quer das conclusões de Recurso, quer da própria fundamentação, não se percebe qual a pretensão do Recorrente BB.

7 - Assim, no caso em apreço, não tendo sido cumprido pelo Recorrente BB o ónus de especificação imposto pela citada Disposição Legal, deve o presente recurso ser liminarmente rejeitado.

Por outro lado,

8 - o Recorrente BB conforme supra exposto, após desenvolver a sua «motivação», limitou-se a formular as «conclusões», repetindo tudo - fazendo remissão expressa do quanto iá expressara na motivação, - o que não é legalmente admissível.

9 - Nestes termos, deverá o presente recurso ser liminarmente rejeitado por violação clara dos requisitos legais exigíveis no n.° 1 e 2 do artigo 639° do CPC o que se requer.

II - Inadmissibilidade Recurso quanto à matéria de facto

10 - Não se entende nem se aceita que venha agora em sede de Recurso de Revista, invocar novamente os mesmos factos dados como não provados, para justificar o injustificável, bem sabendo que não é legalmente admissível.

11 - Ora, estabelece o n.°1 do artigo 682° do Código de Processo Civil que:

"Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o Supremo aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado."

12 - E estabelece ainda o n.° 2 do aludido artigo que:

"A decisão proferida pelo tribunal requerido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.°3 do artigo 722º"

13 - Pelo que, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, ao nível da decisão da matéria de facto, é restrita/residual, porque limitada à apreciação da (in) observância das regras de direito probatório material, ficando, por isso, fora do seu âmbito de competência a reapreciação da matéria de facto ficada pelo Tribunal da Relação no âmbito da faculdade prevista no artigo 662° do C.P.C.

14 - Determina ainda o disposto no artigo 26° da LOFTJ que: Fora dos casos previstos na lei, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece e matéria de direito".

15 - O Supremo Tribunal de Justiça só conhece de questões de Direito, não controla a matéria de facto nem revoga por erro no seu apuramento, compete-lhe antes fiscalizar a aplicação do direito aos factos seleccionados pelos Tribunais de primeira e segunda instâncias, daí dizer-se que é um tribunal de Revista e não um Tribunal de 3a Instância fn.°5 do artigo 210o da CRP).

16 - Neste sentido veja-se Acórdão Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 11.02.2004, no processo n.° 824/07.8TBLMG.P1.S1, in www.dgdsi.pt:

"A Relação tem, assim, a última palavra relativamente à fixação da matéria de facto, só a esta instância competindo, em regra, censurar, através do exercício dos poderes que lhe são conferidos pelos n.°1 e 4 do artigo 712° do Cod. Proc. Civil, a decisão proferida nesse particular pela 1a instância, limitando-se o Supremo Tribunal de Justiça, no exercício da sua função de tribunal de revista, a definir e aplicar o regime ou enquadramento jurídico adequado aos factos já anterior e definitivamente fixados."

17 - E ainda, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 27.06.2012, no processo 248/07.7TTVIS.C1.S1, in www.dgsi.pt:

"A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, ao nível da decisão da matéria de facto, é restrita/residual, porque limitada à apreciação da (ín) observância das regras de direito probatório material, ficando, por isso, fora do seu âmbito de competência a reapreciação da matéria de facto fixada pela Relação no âmbito da faculdade prevista no artigo 712° CPC, suportada em prova de livre apreciação e posta em crise pela recorrente apenas no âmbito da percepção e formulação do respectivo juízo de facto.

18 - Nestes termos, deverá o presente recurso ser liminarmente rejeitado por violação clara dos requisitos legais exigíveis nos artigos 26° da LOFTJ, do artigo 662° do CPC.

III - Da existência da dupla conforme

19 - No caso dos autos, existe dupla conforme pelo que, não poderá o Douto Tribunal, voltar a apreciar a matéria in caso nos autos.

20 - ín casu, já foram proferidas duas decisões conformes, a saber

- Sentença proferida em 23.01.2017 pelo Tribunal a quo

- Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 25.01.2018

21 - Do cotejo entre o disposto nos art.671° e 672° do CPC, conclui-se o seguinte:

A revista regra, ou seja, aquela que vem prevista no art.671° do CPC não é admissível sempre que se esteia perante uma situação de dupla-conforme.

22 - Determina o n.°3 do artigo 671° do CPC que: "Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1a instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte."

23 - Quer a referida norma referir que o recurso de revista não é admissível desde que ambas as decisões - a da 1a instância e a da Relação - decidam no mesmo sentido, confirmando o Tribunal da Relação a decisão proferida em 1a instância sem que seja lavrado voto de vencido e sem que a fundamentação seja essencialmente diferente.

24 - No caso dos autos, e como já se alegou in supra, existe dupla conforme quanto à apreciação do contrato celebrado entre as partes, assim como, o direito dos Recorrentes, sobre o imóvel em causa nos autos.

25 - O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, confirma sem voto de vencido e com base em fundamentação substancialmente idêntica a decisão de 1a Instância, pelo que sibi imputet.

26 - O Tribunal da Relação de Lisboa corroborou na íntegra a matéria assente na 1a Instância.

27 - Pelo que afastado se mostra o recurso de revista regra, que deverá por isso, ser rejeitado.

Do Acórdão Recorrido

28 - O Recorrente BB com o presente Recurso defende que desde a celebração do negócio (dação em função do cumprimento), que a Recorrida Caixa CC apesar das insistências dos Autores não mais lhes prestou qualquer informação.

29 - Ou seja, defende o Recorrente BB que a Recorrida Caixa CC violou o dever de informação.

30 - O Recorrente BB parece esquecer-se do teor da certidão da acta de Assembleia de Credores constante de fls. 602 a fls. 604,

31 - Porquanto, ficou expressamente consagrado da Acta da Assembleia de Credores da Insolvência do Aviário … a fls. 602 a 604 que Caixa como promitente vendedora e por KK, Lda., como promitentes-compradores de no prazo máximo de quinze dias celebrarem contrato de promessa de compra e venda do prédio objecto da referida dação, peio valor de 60.000.000$00 a ser pago no prazo de seis anos, a partir de 1 de Janeiro de 1997 em prestações trimestrais e sucessivas de igual montante acrescida de importância correspondente ao juros que se sobre o preço em divida se vencerem desde de 1 de Janeiro de 1996, calculados à taxa anual de 13% indexada à taxa Lisbon.

32 - Ora Recorrente BB, sabia perfeitamente que após a Escritura de Dação, teria 15 dias para outorgar o contrato de Promessa de Compra e Venda do prédio objecto da dação. Aliás, até porque esse Contrato Promessa foi outorgado com os sócios do próprio Recorrente BB.

33 - Veja-se a este respeito o Teor da Acta da Assembleia de Credores da Insolvência do Aviário … a fls. 602 a 604

34 - Ora, tratou-se assim, de acordo global, na qual o Recorrente BB participou e no qual ficou logo estabelecido que a Recorrida Caixa CC se comprometeria a outorgar contrato promessa de compra e venda com os novos accionistas do aviário das cardosas (em que o Recorrente BB se manteve como accionista).

35 - Veja-se que ficou expressamente estipulado judicialmente, em sede de acta de Assembleia de Credores que seria outorgado contrato promessa de compra e venda entre a Ré Caixa CC e KK, Lda.

36 - Promitentes-compradores esses, conhecidos e amigos pessoais do Recorrente BB, que passaram a ser administradores do Aviário …, Lda., quando foi transformada em Sociedade Anónima, e em que o Recorrente BB continuou como accionista.

37 - Bem como resulta da Sentença de Homologação do Piano junta a fls. 606 (sentença de homologação do plano).

38 - Pelo que, nunca em tempo algum, poderiam Recorrente BB desconhecer a existência do contrato de promessa (que judicialmente havia sido estipulado em acordo global).

39 - Veja-se a este respeito o depoimento de parte de JJ na sessão de julgamento de 10.05.2016 nos minutos (10:02:56 a 10:55:36) e ainda o depoimento da testemunha LL na sessão de julgamento de 27.10.2016 nos minutos 10:12:13 e 12:04:56.

Quanto ao Quesito n.° 2 e 3 dos Factos não provados

39 - Bem andou o Douto Tribunal ao não dar como provado o facto n.° 2 e 3 porquanto, as cartas que o Recorrente BB vem dizer que não foram respondidas, para além de não corresponder à verdade - cfr. resulta de fls. 932 a 933

40 - É importante referir em que contexto é que as mesmas foram enviadas.

41 - Veja-se que o Recorrente BB, remeteu as cartas em 2004, quando se encontrava pendente a acção judicial no qual a legavam a invalidade do negócio, e depois de ter sido realizada a audiência de julgamento em 26.05.2014.

42 - O que se facilmente se constata em face do teor das comunicações enviadas pela Recorrida Caixa CC ao Banco de Portugal, aguando da resposta às cartas da Autora/Recorrente Brígida juntas de fls. 932 e 933.

43 - A Recorrida Caixa CC, uma instituição de crédito, sempre esta respondeu aos Recorrente BB através do departamento de Supervisão Bancária do Banco de Portugal - cfr. fls 932 a 933, o que contraria a tese dos Recorrentes.

44 - O Recorrente BB, sempre soube a real situação do imóvel e negócios após a dação efectuada a favor da Ré Caixa CC, cfr. resulta das certidões judiciais juntas a fls. 601 a 607 dos presentes autos.

45 - Ora, apesar de se estar a discutir toda esta factualidade nos autos que correram termos sob o n.°764/98 no Tribunal de … e que aqui tem autoridade de caso julgado, como forma de preparar esta nova acção, começaram os Recorrentes a enviar cartas à Recorrida Caixa CC, como se a acção judicial em curso e como se todas as comunicações e informações mantidas com a Recorrida Caixa CC nunca tivessem existido -comportamento demonstrativo da pretensão dos Recorrentes ao longo de todos estes anos.

46 - Pretende o Recorrente BB nesta sede vir novamente pôr em causa os negócios e de créditos que já foram dados como provados, e que já transitaram em julgado na acção judicial n.° 764/98 que correu termos junto do 1o juízo cível do Tribunal Judicial de … - cfr. Acórdão junto de fls. e que nos presentes autos tem Autoridade de Caso Julgado.

47 - A este respeito veja-se toda ampla prova documental junta pela Recorrida Caixa CC no requerimento de 24.05.2016.

Conclui pedindo que se julgue improcedente o recurso.


7. O Tribunal da Relação de Lisboa, a fls. 1260, proferiu despacho a admitir o recurso.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II – FUNDAMENTAÇÃO


A Factualidade que importa ponderar é a seguinte:

1º- Em 28.11.95, no 2º Cartório Notarial de …, AA. e R. outorgaram uma escritura pública intitulada "Dação em função do cumprimento" (al. A).

2º- Do mesmo escrito consta que os AA. transmitem a favor da R. por dação em função do cumprimento, destinada a permitir a satisfação dos seus créditos de 60 mil contos sobre duas sociedades comerciais, a propriedade do prédio misto, denominado Quinta …, descrito na C.R. Predial de …, sob o nº 003…/31…5, da freguesia de … (al. B).

3º- O referido prédio é composto de vinha, cerejeiras, macieiras, oliveiras, pereiras (...) tudo conforme melhor descrito na certidão de registo predial junta a fis. 26 e segs e que aqui se dá por integralmente reproduzida (al. C).

4º- Por cartas registadas, com aviso de recepção datadas de 31.5.04 e 3.6.04, as quais se dão aqui por reproduzidas, os AA. solicitaram à R. determinadas informações relativas ao prédio misto denominado Quinta … e uma firma denominada Aviário … (al. D).

5º- A R. celebrou um contrato-promessa de compra e venda, datado de 12.1.96. com GG, HH e II, através do qual estes lhe permitem comprar a identificada Quinta …, pelo preço de 60.000 contos, contrato que posteriormente sofreu um aditamento datado de 24.6.97. (al. E).

6º- Não foi celebrada a escritura correspondente (al. F).

7º- A R. ainda não procedeu à venda do prédio misto mencionado em 1. (al. G).

8º- Em 28.11.95 a R. inscreveu a seu favor, a aquisição do prédio descrito por dação em cumprimento (al. H).

9º- O imóvel foi adquirido pelos AA. por escritura pública celebrada em 19.9.79, tendo os mesmos registado a aquisição a seu favor na CRP através da inscrição n.º ap 01/170480 a que corresponde a cota G1 (al. I).

10º- Após a celebração da escritura referida em 1., os AA. permaneceram na Quinta … (al. J).

11º- Posteriormente, a R. encetou negociações com uma outra entidade a quem pediu pela Quinta … cerca de 600.000 euros. (al. K).

12º- Celebrou novo contrato-promessa, mas também não chegou a celebrar a escritura definitiva, não tendo dado conhecimento aos AA. das respectivas negociações, contratos e prestações recebidas por conta do preço (al. L).

13º- Aquando da celebração do negócio referido em 1., cada um dos dois pavilhões para exploração avícola que fazem parte do prédio supra referenciado em 3. valiam no mínimo 150 mil euros (quesito 4º).

14º- Os pavilhões construídos de raiz e concluídos em 1995 são de alvenaria detendo cada um uma área de 1.537,60 m² e correspondem aos arts. 755 e 756 (quesito 5º).

15º- Em resultado da criação de novas vias que servem o concelho de …, da crescente procura de imóveis que se tem verificado na zona, bem como do crescimento urbano que aí se tem registado nos últimos anos a propriedade em causa valorizou-se (quesito 7º).

16º- Os dois pavilhões, com o equipamento e respectiva área de implementação valiam, em 2005, € 180.000 (quesito 8º).

17º- O preço corrente de mercado da restante área do prédio é de € 1,5/m² (quesito 9º).

18º- Foi por causa do acordo referido em 1. e em 2. que a R. contratou novos empréstimos e planos de pagamento com os AA. que pressupunham tal acordo e designadamente a redução de dívidas consequente à extinção do Aviário das Cardosas e da FF (quesito 21º).



III – DA SUBSUNÇÃO – APRECIAÇÃO


Verificados que estão os pressupostos de actuação deste tribunal, corridos os vistos, cumpre decidir.


A) O objecto do recurso é definido pelas conclusões da alegação do Recorrente, artigo 635 do Código de Processo Civil.

Lendo as alegações de recurso bem como as conclusões formuladas pelo Recorrente BB as questões concretas de que cumpre conhecer são apenas as seguintes:


1ª- A matéria de facto foi incorrectamente julgada e deveria ser alterada?

2ª- A dívida do Recorrente deveria ter sido considerada extinta pelo que a propriedade do imóvel não foi transmitida, sob pena de estarmos perante um enriquecimento sem causa?

3ª- O Recorrente e a sua mulher adquiriram o imóvel por usucapião sendo os legítimos proprietários do imóvel em causa nos presentes autos?


B) Todavia importa decidir a questão prévia da admissibilidade (ou não) da presente revista.


Vejamos


1- A recorrida Caixa CC, CRL nas suas contra-alegações defende que o recurso não poderá ser admitido uma vez que o Recorrente não formula verdadeiras conclusões, devendo por isso ser liminarmente rejeitado (artigo 639 n.º 1 e 2do CPC) o recurso não é admissível quanto à matéria de facto e, por último verifica-se uma situação de dupla conforme impeditiva de se voltar a apreciar a matéria em causa nos autos.

Analisando

Vejamos o último argumento, a existência de dupla conforme.

É certo que o Acórdão da Relação confirmou sem qualquer voto de vencido e com idêntica fundamentação a decisão da 1ª instância.

Efectivamente consta da parte decisória do Acórdão da Relação «negar provimento ao recurso confirmando-se, em consequência a decisão recorrida».

No que concerne à «fundamentação» não se vislumbra qualquer divergência entre a decisão da 1ª instância e a fundamentação do Acórdão recorrido.

Tal circunstância seria, nos termos do artigo 671 n.º 3 do Código de Processo Civil (que dispõe «Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância»), motivo para ser possível conhecer-se do objecto da revista e não se admitir o recurso interposto.

Todavia verifica-se que a acção deu entrada em juízo em 13 de Junho de 2005, pelo que não se aplica o normativo em causa.

O impedimento da dupla conforme não é aplicável aos presentes autos.

Quanto ao facto de o Recorrente não ter formulado verdadeiras conclusões, o que conduziria ao não conhecimento do recurso (Artigo 639.º n.º 3 do CPC), a verdade é que o Recorrente tem o ónus de alegar e formular conclusões.

E estas devem ser claras. Porém se as conclusões forem deficientes, obscuras ou complexas, o tribunal deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las.

Ora no caso concreto, apesar da imperfeição evidente das conclusões, a verdade é que é facilmente apreensível qual o sentido das mesmas quais as questões que o Recorrente pretende ver discutidas.

Daí que não se tenha convidado o recorrente a aperfeiçoar o recurso que se conhece.

Por último, quanto à questão da inadmissibilidade do recurso quanto à matéria de facto será questão a apreciar no âmbito do recurso, que se admite.


C) Vejamos a primeira questão: A matéria de facto foi incorrectamente julgada e deveria ser alterada?

Como bem observa a recorrida o recurso para o STJ, quanto á matéria de facto é inadmissível (art. 682 do CPC).

Efectivamente aos factos fixados pela Relação (provados e não provados) o Supremo deve aplicar o direito.

O Supremo não pode sindicar o erro na apreciação das provas nem na fixação dos factos materiais da causa excepto se ocorrer uma ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

Ora não vem invocada, nem se vislumbra que tenha ocorrido, esta excepção, pelo que é manifestamente inadmissível a pretendida alteração da matéria de facto fixada pela Relação.

Assim, nesta parte não se conhece do recurso.


D) Analisemos a segunda questão: A dívida do Recorrente deveria ter sido considerada extinta pelo que a propriedade do imóvel não foi transmitida, sob pena de estarmos perante um enriquecimento sem causa?

A este respeito consta do Acórdão recorrido:

«3. …..

A questão a decidir centra-se, assim, na apreciação da pretendida invalidade do contrato celebrado entre as partes, bem como do invocado direito do A., ora apelante, sobre o imóvel em causa.     

Funda-se o pedido formulado na acção no entendimento de que, havendo tal imóvel sido objecto de dação em função do cumprimento, estaria a R., ora apelada, obrigada a prestar contas da actividade desenvolvida com vista à respectiva venda - sendo ainda conferida ao apelante a faculdade de dar sem efeito o negócio, uma vez satisfeito integralmente o crédito daquela.

Em face do regime estabelecido nos arts. 837º e segs. do C.Civil, mostra-se, todavia, tal interpretação errónea, e desprovida de qualquer suporte legal.

Já que a circunstância de (ao invés do que ocorre na dação em cumprimento) não produzir a datio pro solvendo a imediata extinção da dívida, não obsta a que, através da mesma, desde logo se opere, mediante a efectivação da prestação, a transmissão para o credor (no caso, a apelada) do bem sobre que aquela incide».

Dispõe o artigo 837 do Código Civil, relativo à dação em cumprimento, que «A prestação de coisa diversa da que for devida, embora de valor superior, só exonera o devedor se o credor der o seu assentimento».

E, nos termos do n.º 1 do artigo 840 do mesmo diploma legal «se o devedor efectuar uma prestação diferente da devida, para que o credor obtenha mais facilmente, pela realização do valor dela, a satisfação do seu crédito, este só se extingue quando for satisfeito, e na medida respectiva»

Atenta a factualidade provada – e só esta releva, e já aquela que o Recorrente invoca nas alegações e conclusões – bem andou o tribunal recorrido em considerar que a dívida do recorrente não se encontra extinta.

É certo que o Recorrente e a mulher transmitiram – por dação em função do cumprimento (factos n.º 1 e 2) – para a Recorrida um prédio misto. Porém, esse facto, essa transmissão não extinguiu a dívida.

Não há factos provados (pelo contrário) que demonstrem que a Recorrida aceitou a entrega daquele prédio como forma de pagamento e extinção da dívida dos AA (no caso do Recorrente).

Deste modo é manifesto que não é possível afirmar-se que a dívida do Recorrente está extinta.

Nem se diga que se assim não se entender então estaremos perante uma situação de enriquecimento sem causa da Recorrida.

Relativamente ao Enriquecimento sem causa dispõe o artigo 473.º n.º 1 do Código Civil que «Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou».

Acrescenta o n.º 2 do mesmo normativo que «A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou».

O instituto do enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária, competindo a quem o invoca (no caso os autores) o ónus da prova de que ocorreu um enriquecimento de alguém (a Recorrida) à sua custa e que não havia causa justificativa para esse enriquecimento.

E tais factos devem ser alegados e invocados logo na petição inicial.

Como se afirma no Acórdão do STJ de 17.10.2006 «a matéria do ónus da prova constitui um dos “raros oásis de consenso” no âmbito do enriquecimento sem causa: na verdade, é doutrina praticamente pacífica e jurisprudência largamente dominante a tese de que cabe ao autor demonstrar a ausência de causa da sua prestação, não obstante tratar-se de um facto negativo».

Neste mesmo sentido podemos confrontar, na Jurisprudência, o Ac. do STJ de 02 de Julho de 2009, no qual se pode ler «Cabendo ao autor que pede a restituição com base no enriquecimento da ré à sua custa sem causa justificativa, por força do preceituado no art. 342º, nº 1 do CC, o ónus de alegação e prova dos referidos pressupostos.

Designadamente, o ónus da prova da ausência de causa da sua prestação pecuniária, sendo a carência de causa justificativa da deslocação patrimonial facto constitutivo de quem requer a restituição.     

Onerando, assim, o autor, que invocou o direito em referência, com a sua prova (citado art. 342º, nº 1)».

Ora, no caso em análise existe um contrato que justifica a deslocação patrimonial (o contrato referido em 1 e 2 dos factos provados).

Torna-se evidente a falta de razão do recorrente, não se verificando minimamente os pressupostos do instituto do enriquecimento sem causa.

Deste modo, impõe-se a improcedência desta questão.

E) Resta decidir a última questão: O Recorrente e a sua mulher adquiriram o imóvel por usucapião sendo os legítimos proprietários do imóvel em causa nos presentes autos?

Perante os factos provados é patente a falta de razão do Recorrente.

Não há factos provados que permitam concluir que o Recorrente e a mulher adquiriram o prédio em causa, por usucapião.

A este respeito consta do Acórdão recorrido:

«E, decorrendo do que ficou dito que, por força da transmissão efectuada, deixou o apelante de deter em nome próprio o imóvel em causa, não seria, por outro lado, ao invés do que se pretende, o decurso do respectivo prazo susceptível de conduzir (art. 1290º C.Civil) à sua aquisição, por via de usucapião.

Como decidido, e na falta dos respectivos pressupostos, forçoso seria, assim, igualmente concluir pela improcedência do pedido a tal atinente».

Podemos acrescentar que, após a escritura referida em 1), não só o Apelante (e a esposa) deixou de deter o imóvel em nome próprio como não há factos provados que sejam susceptíveis de consubstanciar a existência do «animus» e do «corpus» exigidos pela usucapião.

O único facto que poderia ser relevante é o de que «após a celebração da escritura referida em 1), os AA permaneceram na Quinta …» (facto 10 dos factos provados).

Ora isto é claramente insuficiente, pois podiam lá ter permanecido a título precário, por empréstimo, como arrendatários, etc. Mas isso era matéria que deveria ter sido alegada e provada pelo Recorrente.

Em suma, perante os factos provados é evidente que os AA não adquiriram o imóvel por usucapião nem são os legítimos proprietários do imóvel em causa nos presentes autos.

Assim, impõe-se a improcedência das conclusões do recurso do Recorrente e, consequentemente, impõe-se a improcedência da revista.



III – DECISÃO


Pelo exposto, e pelos fundamentos apontados, nega-se a presente revista e, consequentemente confirma-se o Acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente.


Lisboa, 05 de Julho de 2018


José Sousa Lameira (Relator)

Hélder Almeida

Maria dos Prazeres Beleza