Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01402/17
Data do Acordão:06/27/2018
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:IRC
TRANSMISSÃO
CUSTOS
INDISPENSABILIDADE DE CUSTOS
PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA
Sumário:I - O artº 58º do CIRC, na redacção vigente à data do facto tributário (da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro) permitia à Administração Fiscal efectuar as correcções que se mostrassem necessárias à determinação do lucro tributável sempre que existissem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, directa ou indirectamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se considerava verificado, designadamente, entre uma entidade e os membros dos seus órgãos sociais, ou de quaisquer órgãos de administração, direcção, gerência ou fiscalização, e respectivos cônjuges, ascendentes e descendentes;
II - Tendo sido determinada a existência de relações especiais entre a recorrente e os membros dos órgãos de administração de empresas do mesmo grupo económico, e tendo sido suscitadas dúvidas pela Administração Fiscal sobre a adequação do preço e modo de pagamento da venda, pela recorrente, de acções representativas de 64,5% do capital social de uma SGPS, pertencente àquele grupo económico, a membros de órgãos da administração daquela SGPS, impunha-se à luz o regime de preços de transferência plasmado no artigo 58º do CIRC, que a Administração Fiscal apurasse se tal preço e se tais meios de pagamento diferiam das condições que normalmente seriam acordadas entre entidades independentes, fundamentando as eventuais correcções ao abrigo do referido regime legal e do artº 77º da LGT.
III - O conceito de indispensabilidade dos custos, a que se reporta o artº 23º do CIRC refere-se aos custos incorridos no interesse da empresa ou suportado no âmbito das actividades decorrentes ao seu escopo societário. Só quando os custos resultarem de decisões que não preencham tais requisitos, nomeadamente quando não apresentem qualquer afinidade com a actividade da sociedade, é que deverão ser desconsiderados.
Nº Convencional:JSTA000P23466
Nº do Documento:SAP2018062701402
Data de Entrada:12/13/2017
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

A………………….., SA, inconformada com o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte em 14.01.2016 no recurso nº 634/06.0BEPRT, no qual se concedeu provimento ao recurso interposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira, se revogou a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto e se julgou procedente a impugnação apresentada, vem interpor recurso para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal por considerar que o referido acórdão está em oposição com o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 22 de Junho de 2011, proferido no âmbito do recurso nº 341/06.3BEPRT.

2 - Por despacho do Exmº Relator exarado a fls. 549/550 dos autos, foi admitido o recurso para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artº 284º, nº1 do CPPT.

3 - A recorrente veio apresentar a fls. 555 e seguintes, alegação tendente a demonstrar alegada oposição de julgados com o seguinte quadro conclusivo:
«A. Os acórdãos tirados pelo TCA-Norte nos processos n.ºs 341/06.3BEPRT e 634/06.OBEPRT, respectivamente, acórdão fundamento e acórdão recorrido, debruçam-se sobre a mesma operação de reorganização societária, mas vista de dois ângulos distintos.
B. Estamos perante a mesma operação, à qual o TCA-Norte aplicou as mesmas regras jurídicas, a saber, o artigo 23° do CIRC — que contém a regra sobre a (in)admissibilidade dos custos fiscais — e o então artigo 58.º do CIRC — relativo aos preços de transferência — chegando a conclusões diametralmente opostas, o que coloca em causa o princípio constitucional da confiança e segurança jurídicas.
C. Um dos primeiros e mais flagrantes erros em que incorre o acórdão recorrido é o de considerar que os encargos (menos-valias) decorrentes da transmissão onerosa de um determinado activo de que a recorrente é titular (participações sociais) emanam de actos que, não obstante a sua empresarialidade, não são próprios da sua actividade comercial, industrial ou produtiva porque extravasam o respectivo fim ou objecto social. Quer dizer, o Tribunal aceita, neste posto, imputar ao artigo 23.º do CIRC uma indexação ao objecto social ou estatutário, com vista a sustentar que todos os actos, mesmo considerados empresariais, que aí não se subsumam expressamente não são dedutíveis.
D. Ora, esta leitura daquela norma encontra-se em absoluta oposição com a que vem sustentada no acórdão fundamento, para o qual a ligação entre a indispensabilidade e o objecto social não é, nos termos do artigo 23°, uma conditio sine qua non, para que se ache preenchida a condição — essa sim da indispensabilidade dos custos dedutíveis fiscalmente. O interesse da sociedade não se encontra absolutamente refém do literal objecto social, pelo contrário, interesse da sociedade afere-se em função da actividade (legal) efectivamente exercida.
E. Na base do acórdão fundamento está a ideia de que o legislador fiscal não cuidou, nem no artigo 23.º nem noutra disposição, da relação específica da actividade das empresas com o seu objecto legal e estatutário. E ao não tê-lo feito, naturalmente que nos remetia para a actividade legal e efectivamente exercida ou, pelo menos, reservou esse juízo ou interpretação prévia aos critérios vigentes no domínio do direito das sociedades em geral, de acordo com as disposições conjugadas do art.º 11.º da LGT.
F. E, sendo assim, a conclusão é só esta, como se sustenta no acórdão fundamento, contra a tese propugnada no acórdão recorrido: custos, contabilizados como tal, que se inscrevem no âmbito da actividade da recorrente, são sempre indispensáveis, e consequentemente, dedutíveis fiscalmente, ainda que lhes subjaza uma operação empresarial insólita, arriscada, anormal ou ruinosa — o que nem sequer é o caso dos presentes autos.
G. Por outro lado, existe igualmente no acórdão recorrido um raciocínio baseado em censura relativamente ao facto de a recorrente ter agido de um modo dirigido à obtenção de um determinado fim fiscal — a obtenção de um determinado resultado fiscal — O acórdão recorrido desenvolve como única linha argumentativa a tese de que a menos-valia em questão não poderia ser fiscalmente relevada, na medida em que a impugnante, na sua declaração, teria infringido a regra do n.º 1 do artigo 23° do CIRC, segundo a qual apenas se consideram custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora.
H. Ou seja: a decisão proferida é toda assente na base do alegado desrespeito pelo princípio da independência a que estão obrigadas as entidades especialmente relacionadas (e não na dispensabilidade da perda suportada com a transmissão de participações sociais em causa), mas a norma que se alega ter sido violada nada tem a ver com essa fundamentação, sendo absolutamente imprestável para conformação legal da situação de facto.
I. Seja como for, a verdade é que, quer se tivesse seguido, congruentemente, uma ou outra linha de argumentação, nunca a situação de facto relevante teria consubstanciado qualquer contravenção legal e seria, portanto, verdadeiramente subsumível ao direito mobilizado.
J. Por outro lado, no acórdão recorrido não se chega verdadeiramente a colocar em causa, de modo consequente, a adequação das condições do negócio celebrado (preço e termos), do que se devia poder inferir que, do seu ponto de vista, não teria sido um possível ajustamento daquele valor à medida da menos-valia desejada que permitiu que esta viesse a ser efectivamente apurada.
K. Contudo, por se tratar de uma operação entre entidades relacionadas, não se estranharia que a fundamentado impugnada pretendesse demonstrar que a perda experimentada pela recorrente seria o resultado de uma subavaliação — inadmissível numa relação at arm’s length — do valor das participações sociais transmitidas e, que, portanto, para o corrigir fiscalmente, invocasse a regra do artigo 58° do CIRC, de acordo com a qual entre entidades sujeiras a relações especiais “devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites ou praticados entre entidades independentes em operações comparáveis
L. Não obstante, a verdade é que, nos autos em que foi proferido o acórdão recorrido, não foi a desadequação dos preços praticados o fundamento escolhido pela Administração fiscal para suportar a legalidade dos actos impugnados — o que, de resto bem se compreende, na medida em que os preços praticados foram indiscutivelmente os preços de mercado: o preço de mercado das participações sociais de sociedades cotadas em bolsa é, invariavelmente e por definição, o valor da sua cotação bolsista em cada momento. Sendo assim, não poderia ser este também o pressuposto em que o acórdão recorrido deveria ter fundado a solução jurídica da causa.
M. Antes teria sido necessário, como no acórdão fundamento, percorrendo o caminho da relação at arm’s lengfh, tê-lo expressamente invocado, com todas as exigências indiciárias e de demonstração inerentes à utilização deste recurso.
N. Ao invés, o Tribunal preferiu, no acórdão recorrido, lançar mão do artigo 23° do CIRC, mesmo sabendo que, para tal, todos os elementos mobilizados, indícios recolhidos e suspeitas levantadas apenas à utilização do artigo 58° e relações especiais respeitavam.
O. A evidente contradição entre fundamentos de facto e os fundamentos legais utilizados no acórdão recorrido é mais do que contrariada e combatida no acórdão fundamento, que expressamente se posiciona num sentido de franca oposição com aquela opção.
P. E, de resto, seja qual for o método pelo qual a Administração fiscal julga que a recorrente terá cumprido a intenção que aquela tanto lhe quer imputar (a produção de um determinado resultado fiscal através de um conjunto de operações com empresas do seu grupo económico, pré-ordenadas a esse fim) — seja através dos preços praticados ou pela forma como foram satisfeitas as obrigações decorrentes daquelas operações — é inegável que, ainda que essa intenção existisse, o respectivo efeito fiscal jamais poderia ser desconsiderado com fundamento no artigo 23° do CIRC.
Q. Justamente, a regra de que as menos-valias, enquanto perdas suportadas pelo sujeito passivo de imposto, concorrem negativamente para a determinação da matéria colectável é expressamente acolhida pela alínea i) desse preceito — nos termos da referida norma, consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente as menos valias realizadas.
R. Ora, de acordo com a formulação do artigo 23° do CIRC, a regra, bem ao invés do que pretende demonstrar o acórdão recorrido — contra o que vinha defendido no acórdão fundamento —, é a de que as menos-valias realizadas (isto é, as que não são meramente latentes) são custos fiscalmente dedutíveis — muito embora a indispensabilidade do custo constitua um conceito indeterminado, que carece de preenchimento, a verdade é que aí o poder da Administração é rigorosamente vinculado: não lhe assiste qualquer margem de livre apreciação, nem lhe cabe formular juízos de oportunidade.
S. Da mesma forma, por se tratar de determinar o significado do conceito, não está em causa qualquer especial saber técnico, juízo de mediação ou valoração pessoal; trata-se antes de um juízo de tipo cognoscitivo — rigorosamente controlável pelo tribunal —, o qual se há-de basear exclusivamente no quadro factual que consta do procedimento.
T. É exactamente por ser assim que o artigo 23° do CIRC não pode ser usado como mecanismo de controlo da validade, consoante a correspondente rentabilidade, dos actos de gestão das empresas; num ordenamento jurídico que reconheça expressamente a liberdade de iniciativa económica e o direito de propriedade privada, a bondade das opções empresariais não pode ser sindicada pela Administração, a menos que sobre elas recaia a suspeita de p são ilegais.
U. E muito menos, sabendo-se como se sabe e defende o acórdão fundamento, que não foi pela ausência da demonstração do carácter empresarial e da indispensabilidade do custo que se construiu o iter cognoscitivo da decisão.
V. Por outro lado, a indispensabilidade do custo não pode aferir-se em função da excepcionalidade do encargo ou da transacção.
W. O teor do excurso antecedente tem sido ainda reconhecido pela Jurisprudência portuguesa — a propósito da natureza do artigo 23°, decidiu o Tribunal Central Administrativo Sul no Acórdão n.º 6350/02 de 24/6/2003 que “custos fiscais, em regra, são os gastos derivados da actividade da empresa que apresentem uma conexão fáctica ou económica com a organização, que não consubstanciem uma diminuição patrimonial: só não cobram relevo fiscal os custos registados na parcela da actividade empresarial mas a ela alheio”. Pelo que “só se as operações económicas deixarem de indicar em razões empresariais, mas na ilícita concessão de vantagens a um terceiro ou de benefícios em favor do património pessoal do empresário em nome individual é que não serão havido: como custos fiscais”.
X. Ou seja, como se sufraga no acórdão fundamento, na senda da jurisprudência relevante maioritária: sempre que ocorra a alienação de um activo da sociedade, que implique uma perda relativamente ao respectivo valor contabilístico, a conexão empresarial desse encargo está assegurada, já que se verificou efectivamente uma diminuição patrimonial — por outras palavras, uma menos valia, como a que foi apurada pela Recorrente, não está sequer sujeita ao teste da indispensabilidade, já que corresponde a uma perda efectivamente sofrida com a alienação de um elemento do activo.
Y. Outra coisa será, no entanto, verificar se as condições do negócio, nomeadamente o preço, foram estabelecidas para beneficiar algum dos intervenientes em detrimento do património do outro — mas nesta hipótese, como vimos, estamos fora do campo de aplicação do artigo 23° do CIRC.
Z. Ora, as considerações tecidas tornam claro que aos factos descritos nunca se poderá aplicar o n.º 1 do artigo 23° do CIRC — repita-se: a desconsideração de uma menos-valia efectiva na determinação da matéria colectável de forma alguma se pode estribar na definição legal de custo fiscal
AA. Aceitando que os negócios se praticaram a valores adequados — e outra coisa não é admissível na ausência de correcções específicas aos preços praticados e na ausência de contestação à factualidade dada como provada —, a venda de um elemento do activo por uni valor inferior ao seu valor contabilístico resulta, necessariamente, numa perda, que não pode deixar de ser tida em conta na determinação da matéria colectável.
BB. Nestes termos, como ficou demonstrado, estamos perante uma mesma operação, à qual o TCA-Norte aplicou os mesmos regimes jurídicos e as mesmas normas legais, chegando, contudo, a conclusões diametralmente opostas, assim colando em causa os princípios constitucionais da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos, concretizadores do princípio do Estado de Direito, este expressamente consagrado no artigo 2° da CRP.
Termos em que deve a oposição invocada considerar- se verificada e o presente recurso julgado procedente, com todas as consequências legais.»

4 – Não foram apresentadas contra alegações.

5 – A fls. 582/583, o Exmº Procurador-Geral Adjunto proferiu douto parecer que, na parte relevante, se transcreve:
«FUNDAMENTAÇÃO
Requisitos gerais para o conhecimento do recurso
1.1 São requisitos legais cumulativos do conhecimento do recurso por oposição de acórdãos:
-identidade da questão fundamental de direito
-ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica
-identidade de situações fácticas
-antagonismo de soluções jurídicas
(art. 284° CPPT; art.27° n°1 al. b) ETAF vigente; art.152° n°1 al. a) CPTA)
A alteração substancial da regulamentação jurídica relevante para afastar a existência de oposição de julgados verifica-se «sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base a diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica» (acórdãos STA Pleno secção de Contencioso Tributário 19.06.96 processo n° 19 532; 18.05.2005 processo nº 276/05).
A oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais (Jorge Lopes de Sousa Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado 6ª edição 2011 Volume IV p.475; acórdão STJ 26.04.1995 processo n° 87 156)
A oposição de soluções jurídicas exige ainda pronúncia expressa sobre a questão, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta (acórdãos STA Pleno SCT 6.05.2009 processo n° 617/08, 26.09.2007 processo n° 452/07; acórdãos STA SCT 28.01.2009 processo n° 981/07); 22.10.2008 processo n° 224/08).
1.2. Apreciação do caso concreto
Não se verifica antagonismo relevante de soluções jurídicas adoptadas nos acórdãos em confronto:
a) liminarmente, a recorrente não enunciou nas alegações de 1°grau qualquer questão fundamental de direito resolvida com decisões antagónicas, limitando-se à sustentação de uma alegada identidade de situações de facto subjacente a ambos os processos, configurada na mesma operação de reorganização societária (fls.530/535);
b) acrescidamente, a ratio decidendi das decisões adoptadas é distinta:
- no acórdão recorrido foi invocado como fundamento normativo da desconsideração como custo fiscal das menos-valias realizadas o art.23° corpo CIRC ,e expresso o entendimento de que elas não se tinham revelado indispensáveis para a obtenção de proveitos; antes tinham sido geradas como custos extraordinários com o objectivo de diminuir resultados e o lucro tributável;
- no acórdão fundamento foi invocado como fundamento normativo da consideração como custo fiscal das menos valias realizadas o art.58° CIRC (numeração anterior à renumeração introduzida pelo DL n° 159/2009, 13 julho), e expresso o entendimento de que a administração tributária não tinha alegado os termos ou condições em que operação de idêntica natureza (ou comparável) seria realizada entre entidades independentes (acórdão fls. 522/523)
CONCLUSÃO
O STA não deve conhecer do objecto do recurso.»

6- Colhidos os vistos dos Excelentíssimos Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre apreciar em conferência do Pleno da Secção.

7 – No acórdão sob recurso encontram-se fixados os seguintes factos:

«A). Em 02.08.2000, a sociedade B …………….. HOTELARIA E TURISMO SA. celebrou escritura pública de redução do capital, cisão e alteração do pacto, da qual consta, além do mais, o seguinte:
“A) (...) reduz o capital social da sua representada de mil quatrocentos e sessenta e seis milhões cento e trinta e seis mil escudos para mil quatrocentos e trinta e oito milhões quinhentos e noventa e um mil escudos, para cobertura de prejuízos(...).

B) (...) leva a efeito a cisão, (...), mediante destaque do património no valor líquido de mil quatrocentos e quatro milhões quatrocentos e sessenta e dois mil escudos detido pela sua representada, (...) para com ele constituir uma nova sociedade a seguir identificada. (...)

C) Que, ainda em consequência do destaque, constitui uma sociedade anónima sob a firma “C…………. II. SGPS, SA.” (...) com o capital social integralmente realizado de mil quatrocentos e quatro milhões e sessenta e dois mil escudos, (...) - cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido e que consta de fls. 221 a 226 dos autos;

B). O património destacado corresponde à participação da sociedade B…………… Hotelaria e Turismo, SA., no capital social da sociedade D……….., SGPS, SA. (pessoa colectiva n.º ………….), correspondente a 400.000 participações (20% do capital social), com o custo histórico de 1.404.462.000$00; - cfr. fls. 227 a 229 dos autos;

C). Em 03.08.2000, é celebrado um “contrato de compra e venda de acções” entre a sociedade C………….. -- SGPS, SA e E……………… SA., do qual consta, além do mais, o seguinte:

“(...) A) A PRIMEIRA OUTORGANTE é dona e legitima possuidora de 1.404.462 (...) acções, correspondentes à qualidade do capital social da sociedade C…………..- SGPS, SA (...).

Pelo presente contrato, a PRIMEIRA OUTORGANTE vende à SEGUNDA, livre de quaisquer ónus ou encargos, 140.446 acções, com o valor nominal de mil escudos cada, da sociedade referida no considerando A). (...) O preço devido pelas acções é de 161.720.442$ (...)“. - cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido e que consta fls. 230 e 231 dos autos;

D). Em 04.12.2000, foi elaborado relatório “com o objectivo de determinar o valor da sociedade C…………. II- SGPS, SA, tendo em vista uma possível transacção da totalidade do capital social desta sociedade”, o qual se encontra subscrito pelo Revisor Oficial de Contas n.º 582 e cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido. - cfr. fls. 234 a 239 dos autos;

E). Em 31.12.2000, é celebrado um “contrato-promessa de compra e venda de acções” entre a sociedade F……………….., SA e A………………, SA, do qual consta, além do mais, o seguinte:

“(...) Pelo presente contrato, a Primeira Outorgante promete vender e entregar à Segunda, livre de quaisquer ónus ou encargos, 905.878 acções, com o valor nominal de 1.000$00 cada, correspondente a 64,5% do capital social de 1.404.462.000$00 da sociedade C…………. II- SGPS, SA. (...).

O preço devido pelas acções será de 1.043.096.851$00 ou o que corresponder a 64,5% da situação líquida da C…………- SGPS, SA. que se verificar em 31 de Dezembro de 2001, se superior.(...)” - cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido e que consta de fls. 232 e 233 dos autos;

F). Em 02.01.2001, é celebrado um “contrato de compra e venda e contrato- promessa de compra e venda de acções” entre a sociedade F…………….., SA e E………….., SA., do qual consta, além do mais, o seguinte:

“(...) Pelo presente contrato, a Primeira Outorgante vende e entrega à Segunda, livres de quaisquer ónus ou encargos 1.264.016 acções, com o valor nominal de mil escudos cada, correspondente a 90% do capital social de 1.404.462.000$00 da sociedade C………… II - SGPS, SA. (...).

O preço devido pelas acções é de 1.455.483979$00 e deverá ser pago de imediato. (...)

Por outro lado, a segunda outorgante: A) Aceita a posição contratual da primeira no contrato promessa de compra e venda de acções que ela celebrou com a A…………, SA. (...).“; - cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido e que consta de fls. 244 e 245 dos autos;

G). Em 31.12.2001, é celebrado um “contrato de compra e venda de acções” entre a sociedade E…………….. SA. e a A……………. - SA., do qual consta, além do mais, o seguinte:

“(...) Pelo presente contrato, a Primeira Outorgante vende e entrega à Segunda, livres de quaisquer Ónus ou encargos 905.878 acções, com o valor nominal de mil escudos cada, correspondentes a 64,5% do capital social da citada sociedade C…………… II que ascende a 1.404.462.000$00 pelo preço de 1.043.096.851$00 (...) e cede-lhe, ainda, os suprimentos supra referidos pelo seu valor nominal. (...) O preço será pago de imediato, (...)” - cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido e que consta fls. 246 e 247 dos autos;

H). Em 29.11.2002, foi elaborado relatório “com o objectivo de determinar o valor da sociedade C………….. II SGPS, SA, tendo em vista uma possível transacção da totalidade do capital social desta sociedade”, o qual se encontra subscrito pelo Revisor Oficial de Contas n.º 582, e do qual consta, além do mais, o seguinte:

“(...) 4. De igual modo, a actividade da sociedade D………., SGPS, SA, tem-se limitado à detenção de uma participação financeira de cerca de 49,99% do capital social da sociedade B………………, SGPS, SA. (...)

6. Dadas as indicadas características da D…………………., SGPS, SA., na avaliação efectuada no presente estudo foi adoptado o método patrimonial, por ser o único relevante. De facto, a sociedade não tem qualquer actividade específica, sendo, na prática, o seu valor constituído pelo valor de realização das acções da B………….. SGPS, SA..

7. Uma vez que a participação que a sociedade detém na B…………… SGPS, SA. é composta por acções que estão cotadas em bolsa efectuei um estudo da evolução da sua cotação durante o corrente ano de 2002. (...) A cotação à data de 2 de Dezembro de 2002 é de 2,97 euros. Em função destas cotações parece-nos que a sociedade B………….. SGPS, SA. deverá ser valorizada a um valor de aproximadamente 3 euros por acção. (...)

8. Uma vez que a participação financeira que a D…………………, SGPS, SA., possui da B…………….. SGPS, SA, é representada por 9.999.800 acções, o valor dessa participada será de 30 milhões de euros.

9. Então o valor da D…………………, SGPS, SA será o seguinte:

(...) 20.940.081€.

10. Dado que a participação que a C………………… II - SGPS, SA., detém nesta sociedade D…………………, SGPS, SA, é de 20%, e uma vez que, como já se disse, o valor da primeira corresponde apenas ao valor da sua participação na segunda, parece-nos que o valor da C…………..- SGPS, SA, será de aproximadamente 4 milhões de euros.” - cfr. fls. 250 a 254 dos autos;

I). Em 29.12.2002, é celebrado um “contrato de compra e venda de acções” entre a sociedade C………. II - SGPS, SA. e a G………….- SGPS, SA., do qual consta, além do mais o seguinte:

“(...) A PRIMEIRA OUTORGANTE é detentora de 400.000 acções da empresa D……………, SA. (...). Pelo presente contrato, a PRIMEIRA OUTORGANTE vende à SEGUNDA livre de quaisquer ónus ou encargos as acções referidas no Considerando supra. (...) O preço total devido pelas acções é de 4.402.362,26 Euros (...) a regularizar por cessão de créditos conforme contrato efectuado nesta data. “- cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido e que consta fls. 246 e 247 dos autos;

J). Em 30.12.2002, é celebrado um “contrato de compra e venda de acções” entre a sociedade A…………….., SA., como primeira outorgante, e H…………… e I………………., como segundo e terceiro outorgantes, respectivamente, do qual consta, além do mais o seguinte:

“(...) A PRIMEIRA OUTORGANTE é dona e legitima possuidora de 905.878 (...) acções representativas de 64,5% do capital social da sociedade C…………. II - SGPS, SA(...).

Pelo presente contrato, a PRIMEIRA OUTORGANTE vende aos Segundos e Terceiros Outorgantes, livre de quaisquer ónus ou encargos e em partes iguais, as acções referidas no Considerando supra. (...) O preço total devido pelas acções é de 2.839.536,56 Euros (...) a pagar em partes iguais pelo Segundo e Terceiro Outorgantes. Como forma de pagamento à A…………., o Segundo e Terceiro Outorgantes cedem à C…………..- SGPS, SA o valor da dívida acima referida.”- cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido e que consta fls. 255 e 256 dos autos;

L). À data dos factos supra descritos as sociedades intervenientes (G……….. , SGPS, SA., C………..- SGPS, SA., C…………. II- SGPS, SA., D…………., SA., B……….. HOTELARIA E TURISMO SA, B…………… SGPS, SA., E……………., SA. e A……………., SA.) estavam, directa ou indirectamente, interligadas - cfr. depoimentos das testemunhas J………….. e K……………….;

M). A Impugnante foi alvo de uma acção de inspecção tributária que decorreu no período de 04.04.2005 até 27.07.2005, incidindo sobre os exercícios de 2001 e 2002, e da qual resultou uma correcção à matéria tributável em sede de IRC, no exercício de 2002, no valor de 2.363.408,60€; - cfr. fls. 103 a 105 do processo administrativo;

N). Do referido Relatório de Inspecção Tributária consta, além do mais, o seguinte:

“E) CUSTOS E PERDAS EXTRAORDINÁRIOS

- ALIENAÇÃO DE INVESTIMENTO FINANCEIRO

EXERCÍCIO DE 2002

Neste exercício de 2002, a A……………. também declara custos e perdas extraordinários no montante de € 2.373 862,97; Custos relacionados com a compra e venda de acções representativas do capital de empresas do mesmo grupo económico.

(...) E. 1.2 ANÁLISE DOS MOVIMENTOS CONTABILÍSTICOS

Pelos lançamentos acima descritos, verifica-se que:

Os administradores I…………. (...) e H…………..(...) em 2001/01/08, cedem os créditos à C………………(...) que detinham na A……………..;

Os créditos cedidos pelos administradores à C…………, tem origem nas vendas à A…………… de acções; vendas efectuadas em Dezembro de 2000 e Janeiro de 2001, no valor total de €3 816 601,99 (por cada um dos administradores) (...).

A empresa C………..(...) que detinha o crédito de € 2 405 885,07 a 2000/12/30, com origem na venda simulada à A………… das acções da L……. (...); mais o crédito que recebeu a 2001/01/08 de € 7 633 203,98 (...) dos dois administradores; cede o crédito que detém a 2001/12/31 no valor total de € 10 039 089,05 para a G………….. II(...).

A empresa E……………., SA. (...) que vendeu a 31/12/2001 acções da empresa C………… II à A……………. por €5 202 945,16; A 31/12/2001 cedeu o crédito para a G...... II (...) no montante de €5 180 360,09 (...).

A empresa G……… II (...) que recebeu a 31/12/2001 o crédito da E…………. (...) de € 5 180 360,09; Mais o crédito que recebeu a 31/12/2001 da empresa C…………. (...) no valor de € 10 039 089,05; cede o crédito à empresa ….(...) no valor de €10 581 594,14; valor que detinha a 31/12/2002 (...).

A empresa C…………. II (...) que recebeu a 31/12/2002 a cedência do crédito da empresa G………… II (...) no valor de € 10 581 594, 14.(...) Com este valor cedido de € 10 581 594,14 a empresa C…………. salda a dívida da compra de acções das empresa F………….. e da empresa ..... acções que adquiriu à .....… a 31/12/2002 e ao preço de custo de €4 539 060,86; saída a dívida da venda das acções próprias, vendidas a 31/12/2002 pela A…….. aos administradores I…………. (...) e H…………. (...) pelo valor de €2 839 536,56 (...);

Acções que a A…………. havia adquirido em 31/12/2001 à E…….. (E……..) (...) por € 5 202 945,16(...)

Com todas estas transacções dentro do grupo de empresas com a mesma administração, gera-se assim uma menos valia na A………. de € 2 363 408,60 (...), considerado pela A……….. como custo fiscal do exercício de 2002 e relevado na contabilidade (...).

Histórico – A………. vende a H…………. e I……………., 905 878 acções da .............… por €2 839 536,56.

I…………… e H………….. pagam as acções adquiridas à A…………., cedendo o débito à C……………… II

Esta transacção da compra e venda das acções representativas de 64,5% do capital social da C………….. II SGPS, SA é uma operação em que os intervenientes apresentam uma administração comuns.

As acções são adquiridas pela A…………. a 31/12/2001 à E……………, SA (...) empresa que tem a mesma administração e a mesma sede social que a A………….(...).

As acções são vendidas pela A…………… a 31/12/2002, a I…………. e H…………., administradores da empresa C……….. ou actual empresa C’……….. e da empresa C………., empresas detentoras de acções da A…………; acções vendidas por cerca de metade do preço de custo, não tendo até à data nas contas daqueles qualquer reflexo em termos de mais e menos valias.

Em termos financeiros como ficou demonstrado pelas cedências de créditos entre as empresas do grupo e registado na contabilidade da A………….., quer a compra quer a venda das acções da C…………., foi efectuada pelas sucessivas transferências de crédito entre as diversas contas da contabilidade da A……….., de modo que as consta do POC 26 - Outros devedores e Credores, saldassem entre si.

Os administradores que compraram as acções da C…………. II, pagaram por débito da conta (...) C…………. II (...).

Pelo exposto confirma-se que não há movimentos monetários que sustentem esta transacção o que mais reforça a falta do princípio da independência entre as partes.

(...)

E. 1.4 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

No exercício de 2002, verifica-se uma desvalorização em cadeia de acções representativas de capital social, com início na desvalorização das acções cotadas na bolsa da empresa B…………, cujo valor Bolsista é especulativo e não se traduz na desvalorização da empresa.

As transacções com acções dentro da empresa do mesmo grupo económico e entre estas empresas e os próprios administradores, têm um único fim, que é o de provocar custos extraordinários na A…………, única empresa que declara proveitos de exploração, que seriam tributados em IRC, se não fosse o suporte desses custos.

As transacções com acções não têm como suporte a movimentação de dinheiro, estas são feitas por cedências de créditos, de modo que quem vende directa ou indirectamente cede o crédito a quem compra, de modo que as participações sociais são alteradas, sem que alguém pague algo.

Todas as transacções são realizadas entre empresas do mesmo grupo económico com administradores comuns na pessoa do Dr. I………… e Dr. H…………. tendo em comum a mesma técnica de contas Dra. J……………..

Por último quero referir que a A…………., empresa em análise não é sociedade gestora de participações sociais, não estando vocacionada para a gestão de participações sociais.

E. 1.5 - Correcções em sede de IRC - 2002

(...) Não se considera custo fiscal de 2002, o valor da menos valia de € 2 363 408,60 pelos argumentos antes expostos, e que comprovam negócios com o intuito de gerar custos extraordinários e assim diminuírem os resultados.

Deste modo, o contribuinte infringe o artigo 23° do Código do IRC. (...)“- cfr. Relatório da Inspecção Tributária, que ora se dá por integralmente reproduzido e que consta de fls. 103 a 146 do processo administrativo;

O). Em 14.03.2006, foi apresentada em juízo a presente impugnação. - cfr. fls. 2 dos autos;



8 – No acórdão fundamento foram fixados os seguintes factos:
«a). Em 2 de Agosto de 2000, a sociedade B…………… Hotelaria e Turismo, S.A, foi objecto de uma cisão, na modalidade prevista na al. a) do n° 1 do art. 118° do Código das Sociedades Comerciais, conforme consta da escritura pública junta a. fls. 58 a 69 dos autos e que aqui se dá por reproduzida.

b). Segundo o projecto de cisão elaborado para o efeito, a sociedade B…………… Hotelaria e Turismo, S.A destacou parte do seu património para com ele constituir a sociedade anónima C………….. II SGPS, S.A (ora impugnante), conforme documento de fls. 70 a 96 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

c). O património destacado para o efeito referido em b) era constituído por uma carteira de 400.000 participações sociais na sociedade D………………, SGPS, S.A, as quais se encontravam inscritas na contabilidade da B…………….., Hotelaria e Turismo S. A., pelo valor de 1. 404. 462$00 (€7. 005. 426 Euros).

d). Em resultado de tais factos, a sociedade C…………… II, SGPS, foi constituída com o capital social de Esc. 1. 404. 462$00 (€7. 005. 426 euros).

e). Em 29 de Dezembro de 2002, a C…………. lI, SGPS, S. A, transmitiu à sociedade G……….., SGPS, S. A, por contrato de compra e venda, as 400. 000 participações que detinha pela D……………, SGPS, S.A, pelo preço de 4. 402. 382, 26 euros, conforme documento (n° 5) junto a fls. 97/99 dos autos e que aqui se dó por reproduzido.

f). O preço da venda referido em e) foi ajustado em função do valor de mercado (correspondente à sua cotação bolsista) das participações sociais detidas pela D……………, SGPS, SA na sociedade cotada em bolsa B………………SGPS, SA.

g). O activo da sociedade D………………, SGPS, SA era exclusivamente composto pelas referidas participações sociais.

h). Por acordo das partes, a obrigação do preço da G………….. SGPS, SA, emergente da aquisição das participações sociais referida em e), extinguiu-se mediante a entrega de créditos que esta sociedade detinha sobre a sociedade G……… II, SGPS, conforme cláusula segunda do contrato constante de fls.97/99 dos autos.

i). À data dos factos referidos nas alíneas anteriores, todas as sociedades envolvidas (B…………. Hotelaria e Turismo, S.A, D…………….., SGPS, S.A, G……….., SGPS, S.A, G……….. II, SGPS, S.A e B………… SGPS, S.A) pertenciam ao mesmo “grupo económico”

j). A impugnante foi objecto de uma acção de inspecção levada a cabo pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto relativa ao exercício de 2002, da qual resultou uma correcção à matéria tributável em sede de IRC, no valor de 2.883.261,74 euros.

K) A fundamentação de tal correcção consta do relatório de inspecção tributária, junta a fls. 25 33 do p. apenso e cujo teor se dó por reproduzido para todos os efeitos legais e onde se escreveu, designadamente o seguinte:

“(…) B — Considerações — As acções da empresa D………. são vendidas pela C…………. II à G………….., mas o débito vai cair na empresa G………… II por cedência de créditos entre elas, ficando ambas com saldo zero a 31/12/2002, na contabilidade da C………… II (ver anexos 07 e 08). A justificação, dada pelo contribuinte para a desvalorização das acções representativas do capital da D………………, SGPS, SA é a seguinte: A empresa D…………. detinha uma participação de 49, 99% das acções da empresa B……….. SGPS, SA, cujas acções estavam cotadas na bolsa. Devido à descida da cotação das acções da B……….., foi desvalorizada a empresa D………. e como consequência disso foi também desvalorizada a empresa C………. I pelo facto desta empresa vender com menos valias as acções da D…………… a outras empresas do grupo G……….. As transacções com acções seriam credíveis se de facto estas fossem efectuadas com respeito pelo princípio da independência, ou seja, se as transacções de compra e venda das acções fossem efectuadas entre pessoas juridicamente independentes e que se comprovasse a efectiva movimentação dos meios monetários que conferissem alguma credibilidade, às mesmas. Também, é sabido que as subidas e descidas de cotação das acções na Bolsa, é um movimento que tem por base a especulação de quem compra e vende, não se traduzindo directamente na desvalorização real das empresas. Todas as transacções são realizadas entre empresas do mesmo grupo económico com sede no mesmo local e com administradores comuns na pessoa de Dr. I………… e Dr. H………, tendo também a mesma técnica de contas, Dra J………….. Estas transacções em cadeia de venda de acções de empresas do mesmo grupo económico, tem por finalidade única, justificar custos extraordinários contabilizados nas empresas do grupo que apresentam Resultados Correntes de Exploração e que sem esses custos, registados na contabilidade, apresentariam resultados positivos e tributados em IRC. Assim, a venda de acções da empresa l geram em 2002, menos valias na empresa C………. II, diminuindo o valor dos capitais próprios pela transferência de resultados transitados negativos. (…). O capital próprio da C…………. II em 2002 é desvalorizado pela menos valia:

Capital - 7.005.426,92 (igual ao valor de aquisição das acções da D……….. por cisão da B…………….)

Resultados Transitados — 3. 104, 76

Result Liquido do Exerc — 2.613.469,86

Total do Capital Próprio — 4. 388. 852, 31 (valor de vendas das acções da 183 4. 402. 382, 26)

Como se pode ver, a actividade da empresa C…….. I em 2002, resumiu-se a criar menos valias com a venda das acções representativas da empresa 183, para provocar a desvalorização do seu capital próprio e por último justificar o valor de venda das acções representativas do seu próprio capital, pela “A…………..” aos administradores comuns.

l). E concluiu que: “Não se considera custo fiscal de 2002, o valor da menos valia contabilística no valor de € 2.603.044,66 pelos argumentos expostos, e que comprovam negócios com o intuito de gerar custos extraordinários e assim diminuírem os resultados. Deste modo, o contribuinte infringe o artigo 23° do Código do IRC.

m). No seguimento, a Administração Fiscal procedeu à correcção da matéria tributável da impugnante relativamente ao ano de 2002, no montante de € 2. 883, 264, 74 e, assim, o resultado tributável negativo da impugnante foi corrigido de € 2. 893. 686, 94 para € 10. 425, 20.

n). Posteriormente, a Administração Fiscal emitiu a liquidação nº 2005 8910119668, de valor nulo, relativa ao exercício de 2002, notificada à impugnante em 6 de Novembro de 2005.

o). A presente impugnação foi apresentada em 6 de Fevereiro de 2006.

p). A sociedade C………… II, SGPS, S.A. procedeu à alteração da sua designação social, passando a mesma a ser C'............, SGPS, 3 (ap. 32120060724).

— cfr. fls. 136/141 dos autos.»


9. Da admissibilidade do recurso de oposição de acórdãos.
Por despacho a fls. 549/550 verso o Exmº Relator considerou que poderá ocorrer contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito.

Não obstante tal despacho, importa reapreciar se a mesma se verifica, pois tal decisão não faz caso julgado e não impede ou desobriga o Tribunal de recurso de proceder à reapreciação da necessária verificação dos pressupostos processuais de admissibilidade, prosseguimento e decisão do recurso, em conformidade com o disposto no artigo 641º, n.º 5, do Código de Processo Civil, podendo, se for caso disso, ser julgado findo o recurso (cf., neste sentido, entre muitos outros, os acórdãos do Pleno desta secção de 07.05.2003, recurso 1149/02, de 18.01.2012, recurso 1030/10, e de 12.12.2012, recurso 932/12.
Por isso, e perante o circunstancialismo fáctico-jurídico supra descrito cumpre apreciar, antes de mais, se se verificam os pressupostos do recurso por oposição de julgados.

Como vem afirmando a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, tendo os autos dado entrada posteriormente a 1 de Janeiro de 2004 é aplicável o regime previsto nos artigos 27.º, alínea b) do ETAF, 284.º do CPPT e 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), pelo que são os seguintes os requisitos de admissibilidade dos recursos por oposição de acórdãos:
- existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito;
– a decisão impugnada não estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
No que concerne à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados constitui também jurisprudência pacífica do pleno desta secção que se devem adoptar os critérios já assentes no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA, para detectar a existência de uma contradição, ou seja:
– identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica; – que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica; – que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta; o que pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais.
– a oposição deverá decorrer de expressa resolução da questão de direito suscitada, não sendo atendível a oposição implícita dos julgados – ver acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 18.02.1998, recurso 28637, de 12.03.2003, recurso 35205, de 26.09.2007, recurso 452/07, de 21.05.2008, recurso 460/07, de 06.06.2009, recurso 617/08, e de 13.11.2013, recurso 594/12.

No caso vertente a recorrente suscita a oposição de julgados no seu requerimento de fls. 530/535, fundamentando-se essencialmente na identidade da situação de facto subjacente a ambos os processos (o que, em sua tese, é só por si suficiente para fundamentar a oposição de acórdãos) e conclui da seguinte forma:
«(…) Os acórdãos tirados pelo TCA-Norte nos processos n.ºs 341/06.3BEPRT e 634/06.0BEPRT, respectivamente, acórdão fundamento e acórdão recorrido, debruçam-se sobre a mesma operação de reorganização societária, mas vista de dois ângulos distintos.

25. Assim, no processo n.º 341/06.3BEPRT a operação foi analisada na perspectiva da "C………….. II, SGPS, S.A.", ao passo que no processo n.º 634/06.0BEPRT, essa mesma operação foi olhada sob a perspectiva da A…………
26. Todavia, não deixamos de estar perante a mesma operação, à qual o TCA-Norte aplicou as mesmas regras jurídicas, a saber, o artigo 23.º do CIRC - que contém a regra sobre a (in)admissibilidade dos custos fiscais - e o então artigo 58.º do CIRC - relativo aos preços de transferência -, chegando a conclusões diametralmente opostas, o que coloca em causa o princípio constitucional da confiança e segurança jurídicas.
27. Ora, foi precisamente para estes casos - "situações de facto idênticas nos seus contornos essenciais [em que] está em causa o mesmo fundamento de direito, não tendo havido alteração substancial da regulamentação jurídica pertinente e tendo sido perfilada solução oposta, por decisões expressas e antagónicas" 4 - que o mecanismo do recurso por oposição de acórdãos foi estruturado.
Termos em que deve a oposição invocada considerar-se verificada e o presente recurso prosseguir os seus ulteriores termos.»

Sobre tais alegações de primeiro grau refere o Exmº Procurador-Geral Adjunto no seu supracitado parecer que que a recorrente não enunciou qualquer questão fundamental de direito resolvida com decisões antagónicas, limitando-se à sustentação de uma alegada identidade de situações de facto subjacente a ambos os processos, configurada na mesma operação de reorganização societária (fls.530/535), sustentando que, liminarmente, tal seria fundamento para não conhecimento de recurso.

Convenhamos que as referidas alegações não primam pela clareza, já que a recorrente não identifica de forma clara e com precisão qual a questão jurídica sobre a qual invoca a existência de oposição de julgados.

De facto a recorrente limita-se a afirmar que “perante idênticas situações de facto o Tribunal Central Administrativo-Norte chegou a conclusões diametralmente opostas, como se pode ver nos pontos 2 e 3 supra»
Sucede que nesses pontos 2 e 3 faz uma transcrição dos segmentos decisórios dos acórdãos em confronto referindo que no acórdão fundamento (341/06.3BEPRT) o Tribunal Central Administrativo Norte entendeu que: «em momento algum a AT esgrime argumentos no sentido de o custo não poder, ou dever ser, enquadrado no âmbito de aplicação do disposto no art. 23° do CIRC.
Aliás, apesar de invocar expressamente nesse relatório que o contribuinte infringe o disposto no art. 23° do CIRC, toda a sua argumentação, como bem se decidiu na sentença recorrida, vai no sentido de o custo não poder ser atendível, unicamente, por se tratarem de transacções de empresas do mesmo grupo económico, tratando-se, por isso, de transacções que apenas se justificariam pelas “relações especiais” que ligam os intervenientes.
(….) (pelo que) a AT deveria ter procedido à aplicação do regime previsto no art. 58° do CIRC e não à aplicação do regime do art. 23° do CIRC, como efectivamente fez.
E nesta medida, é irrelevante vir agora argumentar que o fundamento da liquidação também se estribou na falta de indispensabilidade do custo decorrente da menos-valia, precisamente, porque a própria admite que, a não ser realizado entre empresas do mesmo grupo, esse custo seria atendível.

Ao passo que no acórdão recorrido (634/06.0BEPRT) o mesmo Tribunal decidiu que:
«O que a AT pretendeu com a referência às transações dentro do grupo, sem dinheiro, não foi para as subsumir à norma do art. 58º do CIRC (como bem disse a Recorrida/Impugnante no artigo 47º da douta petição inicial, «Não foi este o caminho escolhido pela Administração Fiscal…») mas apenas esboçar o quadro geral das operações e assim demonstrar que as menos valias não podiam ser consideradas custos.
E de facto, de que outra maneira podia a AT demonstrar (indiciariamente) que as menos valias realizadas não podiam ser elegíveis como custos fiscais?
Só através do «circuito» das operações descritas se vislumbra que as mesmas não visaram a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora a que alude o art. 23º/1 do CIRC.
(pelo que) tendo a AT questionado validamente a dedutibilidade fiscal dos custos suportados com a menos valia fiscal, os quais foram indiciariamente (com base numa situação de facto idêntica àquele que esteve subjacente à decisão proferida no acórdão fundamento ) efectuados com a intenção de gerar custos extraordinários e assim diminuir os resultados, que a Impugnante/Recorrida não esclareceu devidamente, a sentença deverá ser revogada ( e a liquidação adicional mantida)”.



Ora da transcrição que a recorrente faz daqueles segmentos decisórios e das conclusões das referidas alegações (fls. 535) é efectivamente possível concluir que, perante quadro factual semelhante, os acórdãos em confronto decidiram de modo divergente a questão do enquadramento jurídico das operações financeiras realizadas entre o sujeito passivo e as entidades com as quais estava em situação de relações especiais, operações essas efectuadas no âmbito da “reorganização societária” (Assim designada pela recorrente.) do grupo económico referido nos pontos L e I do probatório de ambos os acórdãos, sendo essa a questão sobre a qual se invoca oposição de julgados.
E de facto, quer no Acórdão recorrido, quer no Acórdão fundamento, estava em causa uma realidade factual substancialmente idêntica, relativa às operações financeiras realizadas entre o sujeito passivo e as entidades com as quais estava em situação de relações especiais, no âmbito do grupo económico referido nos pontos L e I do probatório.
No acórdão recorrido estava em causa a transmissão pela A………………, SA, de acções representativas de 64,5% do capital social da Sociedade C………….. II- SGPS, SA, a membros de órgãos da administração daquela SGPS, os administradores H………… e I………….
E o Acórdão fundamento debruçou-se sobre a transmissão efectuada pela C……….. II, SGPS à sociedade G………., SGPS, S. A de 400.000 participações que detinha na sua participada D………………., SGPS, S.A, pelo preço de 4. 402. 382, 26 euros.
Ambas as operações decorreram no âmbito da reorganização societária do grupo económico que envolvia as sociedades B…………… Hotelaria e Turismo, SA, D……………, SGPS, G…………., SGPS, C……….. II, SGPS, e B……….., SGPS.

Sendo que existem decisões expressas opostas.
Na verdade o acórdão recorrido, dando aval à tese da recorrente Fazenda Pública, considerou ser aplicável ao caso em apreço o artº 23º do CIRC (Na redacção em vigor à data dos factos relevantes – 30.12.2002 – ponto j do probatório), que contém a regra da indispensabilidade dos custos e perdas para realização dos proveitos e a manutenção da fonte produtora, considerou serem inelegíveis as menos valias decorrentes da transmissão em causa como custos fiscais.
Já o acórdão fundamento, perante situação com contornos fácticos muito semelhantes (operação financeira também realizada entre o sujeito passivo e entidades com as quais estava em situação de relações especiais) enquadrou a questão no regime legal dos preços de transferência, tendo considerado que «a Administração Tributária deveria ter procedido à aplicação do regime previsto no art. 58° do CIRC e não à aplicação do regime do art. 23° do CIRC, como efectivamente fez», concluindo que «face aos termos e fundamentos que a AT elegeu para proceder à liquidação impugnada a mesma não se pode manter».

Entendemos assim, que, ao invés do que sustenta o Exmº Procurador-Geral Adjunto, se verifica, quanto a esta questão, para além de identidade de situações fácticas, a invocada oposição de soluções jurídicas.
É que, como refere Jorge Lopes de Sousa, no seu Código de Procedimento e Processo Tributário, Áreas Edit., 6ª edição, Volume IV, pag. 475, sendo a questão da existência ou não de oposição uma questão de direito, o tribunal não está limitado, ao apreciá-la, pelo alegado pelo recorrente sobre a existência daquela, como determina o princípio geral do processo civil enunciado no artº 5º nº 3 do Código de Processo Civil.
Por isso «a eventual inabilidade do recorrente para demonstrar a existência da oposição não poderá considerar-se um motivo para deixar de conhecer a da oposição e consequente possibilidade de prosseguimento do recurso» (cf., também neste sentido, Acórdão desta Secção de 27.06.2001, recurso 025596).

10. E verifica-se também o segundo requisito do recurso por oposição de acórdãos, pois atenta a questão de saber qual o enquadramento jurídico das operações financeiras realizadas entre o sujeito passivo e as entidades com as quais estava em situação de relações especiais, não se pode, com segurança, afirmar que o acórdão recorrido está em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (vide, por exemplo, em divergência com o decidido pelo Acórdão recorrido, os Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo de 21.09.2016, recurso 571/13 e de 1485/15 de 07.03.2018).

Estão, assim reunidos todos os requisitos do recurso com fundamento em oposição de acórdãos.


11. Do erro de julgamento no enquadramento jurídico das operações financeiras realizadas entre o sujeito passivo e as entidades com as quais estava em situação de relações especiais.

Como decorre dos autos a questão a decidir é a da aceitação ou não como custo fiscal da menos valia de 2.363.408,60€ gerada na sociedade impugnante, e ora recorrente, A……………., SA, decorrente da venda de acções representativas de 64,5% do capital social da Sociedade C……………. II- SGPS, SA, a membros de órgãos da administração daquela SGPS, os administradores H…………… e I……………..

Resulta da factualidade assente com relevância para apreciação da causa que por acto de cisão da sociedade B………………Hotelaria e Turismo, SA, mediante destaque de património, foi constituída a sociedade C………… II - SGPS, SA, com o capital social de € 7 005 426,00, ou seja, de valor igual ao do património destacado. E, que o património destacado era composto por 400 000 acções da sociedade D…………….., SGPS, SA, correspondentes a 20% do capital social da mesma e tinha o valor de € 7.005.426,00 [factos A) e B) do probatório].

E ainda que, após sucessivos actos de transmissão - constantes dos pontos C), E) e F) do probatório - a Recorrente, em 31.12.2001, adquiriu participações correspondentes a 64,5% da C………….. II - SGPS, SA à sociedade E…………….., SA, pelo preço de € 5.202.945,16 [facto G)].

Sendo que, em 29.12.2002, ocorreu a transmissão das 400.000 acções da sociedade D………………, SGPS, SA, da sociedade C…………… II para a sociedade G……….., pelo preço de €4.402.382,26 [cfr. facto I)]. A estipulação deste preço teve por base o relatório apresentado por ROC independente, em 29.11.2002, o qual indica o montante de €20.940.081, como sendo o valor global da sociedade D……………., SGPS, SA [cfr. facto H)].

Por sua vez, em 30.12.2002, a Recorrente alienou a I………… e H…………., a participação de 64,5% que, desde 31.12.2001, detinha na sociedade C…………… II, pelo preço €2.839.536,56, sendo o pagamento efectuado pela compensação de créditos que a C………… II detinha sobre a Impugnante (Curiosamente, e provavelmente, não por acaso, esta transacção ocorreu imediatamente antes da data de entrada bem vigor da Lei do Orçamento de Estado para 2003 (Lei 32-B/2002 de 30 de Dezembro) que aditou ao artigo 23° do CIRC os n.ºs 5, 6 e 7, cuja redacção dispõe, na parte que aqui interessa, que não são aceites como custos ou perdas do exercício os suportados com a transmissão onerosa das partes de capital, qualquer que seja o título por que se opere, quando detidas pelo alienante por período inferior a três anos e desde que as partes do capital tenham sido adquiridos a entidades com as quais existam relações especiais, nos termos do n.º 4 do artigo 58° (alínea a) do n.º 5), bem como que não são igualmente aceites os custos ou perdas do exercício os suportados com a transmissão onerosa de partes de capital, qualquer que o título por que se opere, a entidades com as quais existam relações especiais, nos termos do n.º 4 do artigo 58° (n.º 7).).


Ora, desta transacção, atendendo ao preço de aquisição da referida participação de 64,5% da C……………… II (€ 5.202.945,16) e ao preço recebido pela sua alienação (€2.839.536,56), resultou uma menos-valia para a Recorrente no valor de € 2.363.408,60.
Perante este circunstancialismo, a Administração Tributária invocou no Relatório de Inspecção que todas as sociedades com intervenção nas transmissões de participações realizadas, pertencem ao mesmo grupo económico, pelo que, se encontram numa situação de "relações especiais. E com base nessa circunstância, concluiu, não serem tais operações credíveis, pois só o seriam se houvessem sido realizadas entre pessoas independentes, acrescentando que «todas as transacções são realizadas entre empresas do mesmo grupo económico, com administradores comuns na pessoa de Dr. I………….. e Dr. H…………., tendo em comum a mesma técnica de contas Drª J………...» " (vide processo administrativo, autos apensos fls. 31, 140 e 143)
E com base em tal argumentação, por considerar que se comprovam negócios com o intuito de gerar custos extraordinárias e assim diminuírem os resultados a Administração Fiscal desconsiderou como custo fiscal do exercício de 2002 o valor da menos valia de €2.363.408,60, concluindo, sinteticamente, que «deste modo, o contribuinte infringe o artº 23º do CIRC» - vide relatório, ponto E.1.5, a fls. 143 dos autos apensos e 81 a 86 dos presentes autos.

Tendo presente a argumentação e fundamentação expendida pela a Administração Tributária no Relatório da Inspecção, considerou a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal ser aplicável o disposto no artigo 58° do CIRC e 77° n.ºo da LGT, por via dos quais a Administração Tributária deveria ter relatado de que forma a existência de relações especiais conduziriam ao estabelecimento de condições contratuais diferentes, caso houvessem sido estabelecidas, entre pessoas independentes - o que não fez – concluindo não ter sido infringida a regra do nº 1 do artº 23º do CIRC, até porque, ao contrário do que pretende a Administração Tributária, do estatuído no artigo 23° nº 1 alínea i) resulta expressamente a consideração das menos-valias como custos.


Já o acórdão recorrido, em apreciação do recurso interposto pela Fazenda Pública, a que deu provimento, considerou ser aplicável ao caso em apreço o artº 23º do CIRC, que contém a regra da indispensabilidade dos custos e perdas para realização dos proveitos e a manutenção da fonte produtora, e concluiu serem inelegíveis as menos valias decorrentes da transmissão em causa como custos fiscais.
Entendeu-se no referido aresto que resulta do art. 23º do CIRC, que «só os custos ou perdas indispensáveis para a realização dos proveitos são elegíveis para efeitos fiscais. E já não aqueles que se destinam a gerar custos extraordinários e assim diminuir os proveitos.»

E que o facto de as menos valias realizadas fazerem parte do elenco exemplificativo dos custos fiscais elegíveis não as subtrai ao teste da indispensabilidade para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora, que o corpo do artigo proclama como regra geral.
No prosseguimento de tal discurso argumentativo escreveu-se no Acórdão recorrido «que a Administração Tributária «questionou» validamente a indispensabilidade dos custos para a realização dos proveitos (dizendo que visaram apenas provocar custos extraordinários na A…………..)
E que, «se a AT questiona validamente que determinada despesa possa ser considerada como custo, designadamente porque não se revela indispensável para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora, (como manifestamente é o caso de uma redução de património destinada a gerar custos extraordinários e assim diminuir os resultados), o contribuinte tem o ónus de remover essas dúvidas».
Concluindo que a «Impugnante/Recorrida, contudo, não conseguiu remover as dúvidas validamente suscitadas pela AT», o que foi determinante para revogar a sentença do TAF do Porto e julgar improcedente a impugnação.
Em suma o acórdão recorrido sancionou a tese da Administração Tributária de que a menos-valia em questão não poderia ser fiscalmente relevada, na medida em que a impugnante, na sua declaração, teria infringido a regra do nº 1 do artº 23º do CIRC, segundo o qual apenas se consideram custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora.

12. Não sufragamos, no entanto, este entendimento.
Como já atrás se referiu mostram os autos que a Administração Tributária invocou, no Relatório de Inspecção, que todas as sociedades com intervenção nas transmissões de participações realizadas pertencem ao mesmo grupo económico, pelo que, se encontram numa situação de "relações especiais”.
E com base nessa circunstância, concluiu, não serem tais operações credíveis, pois só o seriam se houvessem sido realizadas entre pessoas independentes, acrescentando que «todas as transacções são realizadas entre empresas do mesmo grupo económico, com administradores comuns na pessoa de Dr. I……………….. e Dr. H……………., tendo em comum a mesma técnica de contas Drª J……………….» " (vide processo administrativo, autos apensos fls. 31, 140 e 143)

Pois bem, tendo a Administração Tributaria referido que as transacções com acções seriam credíveis se de facto estas fossem efectuadas com respeito pelo princípio da independência, ou seja, se as transacções de compra e venda de acções fossem efectuadas entre pessoas juridicamente independentes e que se com provasse a efectiva movimentação dos meios monetários que conferissem alguma credibilidade, às mesmas, e sendo este o fundamento, as «relações especiais” existentes entre as partes no contrato, a conclusão lógica de tais premissas é que o que estava em causa não era a apreciação da indispensabilidade dos custos mas sim a adequação e admissibilidade de tais custos, face ao regime legal dos preços de transferência, consagrado no artigo 58° do CIRC (Redacção então em vigor, da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro).

Até porque a Administração Fiscal admitiu a existência de relações especiais (Nos termos do artº 58º do CIRC, na redacção aplicável, considera-se que existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, directa ou indirectamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se considera verificado, designadamente, entre (…) c) Uma entidade e os membros dos seus órgãos sociais, ou de quaisquer órgãos de administração, direcção, gerência ou fiscalização, e respectivos cônjuges, ascendentes e descendentes;), e, estando em causa transacções entre entidades relacionadas - uma entidade e os membros dos seus órgãos de administração (artº 58º, nº 4, al. c) do CIRC) - o que importaria aferir, em caso de dúvidas sobre a adequação do preço e modo de pagamento da transmissão de activos questionada, era se tal preço e se tais meios de pagamento diferiam das condições que normalmente seriam acordadas entre entidades independentes, à luz do principio do preço de plena concorrência preceituado no regime do artº 58º do CIRC, cabendo à Administração Fiscal fundamentar as eventuais correcções ao abrigo do referido regime legal e do artº 77º da LGT.
Na verdade, para dar cabal resposta à questão suscitada há que distinguir dois planos: o da relevância dos custos em causa e seu enquadramento no conceito de indispensabilidade ligado ao artº 23º do CIRC e o da sua admissibilidade à luz do regime dos preços de transferência ( artº 58º do CIRC, na redacção então em vigor).
Quanto à indispensabilidade dos custos, como vem afirmando a doutrina de referência (António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa e Tomás de Castro Tavares, Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas, Ciência e Técnica Fiscal n.º 396, págs. 7 a 180) e também a mais significativa jurisprudência, o conceito a que se reporta o artº 23º do CIRC tem sido ligado aos custos incorridos no interesse da empresa ou suportado no âmbito das actividades decorrentes ao seu escopo societário.
Só quando os custos resultarem de decisões que não preencham tais requisitos, nomeadamente quando não apresentem qualquer afinidade com a actividade da sociedade, é que deverão ser desconsiderados.
Como ficou exarado no Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 28.06.2017, proferido no recurso 627/16, «no entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a adoptar para efeito de averiguar da indispensabilidade de um custo (cfr. art. 23.º do CIRC na redacção em vigor em 2001), a AT não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, sob pena de se intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade.
Assim, um custo ou perda será aceite fiscalmente caso, num juízo reportado ao momento em que foi efectuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa, e a AT apenas pode desconsiderar os que não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios (quando for de concluir, à face das regras da experiência comum que não tinha potencialidade para gerar proveitos)» - neste sentido vide também os Acórdãos Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo de 30 de Novembro de 2011, recurso n.º 107/11, e de 24.09.2014, recurso 779/12.
Ora, deste ponto de vista, tendo em conta aquele conceito (amplo) de indispensabilidade do artigo 23.° do CIRC, e ponderando que ao caso dos autos ainda não era aplicável o disposto no nº 7 daquele normativo, introduzido na redacção da Lei 32-B/2002 de 30 de Dezembro, os custos em causa terão sempre de ser considerados indispensáveis à obtenção dos proveitos, uma vez que se inscrevem no âmbito da actividade da recorrente.

Questão bem diversa é já a da relação de tais custos com os preços de transferência.
A expressão "preço de transferência" traduz-se, como sublinha João Sérgio Ribeiro (João Sérgio Ribeiro, Tributação Presuntiva do Rendimento, col. Teses, ed. Almedina, pag. 394.), «no preço fixado por um determinado sujeito passivo quando vende ou compra bens, ou partilha recursos com uma pessoa com quem tenha relações especiais. Nessas situações, os preços utilizados podem não corresponder aos preços de mercado, ou seja, aos preços negociados livremente».
A correcção desses preços de transferência, no sentido de evitar a manipulação dos preços com o intuito de transferir rendimentos (sob a forma de lucro, por exemplo) de um sujeito passivo para outro, tem como referência os preços que teriam sido fixados por entidades sem uma relação especial, actuando de forma independente.
Por isso, no caso vertente, não estava em causa saber da indispensabilidade dos custos não admitidos pela administração, mas sim esclarecer se tais custos, face ao que normalmente é corrente no mercado perante transacções equivalentes, seriam excessivos ou ficariam aquém do é normalmente praticado.
Só uma actuação da Administração Fiscal neste sentido permitiria, eventualmente, ajustar os custos da recorrente.
No caso em apreço, porém, a Administração Fiscal acabou por invocar apenas, como suporte legal das liquidações impugnadas, o regime do artº 23º do CIRC, numa situação em que, como se viu, não ocorre violação tal disposição, pelo que as liquidações sindicadas padecem de erro nos pressupostos de direito.

Procede, pois, o recurso, sendo que o acórdão recorrido, que assim não decidiu, não pode ser confirmado.

13. Termos em que acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar o Acórdão recorrido e confirmar a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto exarada a fls. 302/320, julgando procedente a impugnação e, em consequência, anulando as liquidações impugnadas respeitantes a IRC do exercício de 2002 e respectivos juros compensatórios.

Custas pela Fazenda Pública, salvo quanto à taxa de justiça neste recurso, uma vez que não contra-alegou.

Lisboa, 27 de Junho de 2018. – Pedro Manuel Dias Delgado (relator) – Ana Paula da Fonseca Lobo – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – António José Pimpão – Dulce Manuel da Conceição Neto - José da Ascensão Nunes Lopes – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.