Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0295/20.3BESNT
Data do Acordão:05/26/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:RECLAMAÇÃO DE ACTO PRATICADO PELO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA
ATENDIBILIDADE DE FACTO SUPERVENIENTE
DEVER DE DECIDIR
Sumário:I - Na decisão do pedido de dispensa da prestação da garantia a que alude o artigo 52.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária, o órgão decisor deve atender a factos jurídicos supervenientes que relevem para o apuramento da situação económica do requerente.
II - Na reclamação da decisão que indefere o pedido de dispensa de prestação de garantia, o juiz decide da legalidade da decisão reclamada e não da pretensão do requerente à dispensa da garantia.
Nº Convencional:JSTA00071154
Nº do Documento:SA2202105260295/20
Data de Entrada:04/26/2021
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A..........................., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Legislação Nacional:LGT ART52 N4
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1. – Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional pela REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, visando a revogação da sentença de 04-03-2021, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a reclamação deduzida por A………………………, S.A., melhor sinalizada nos autos, contra a decisão do Diretor Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, que indeferiu o seu pedido de dispensa de prestação de garantia, formulado em 21-11-2019.

Inconformada, nas suas alegações, formulou a recorrente Representante da Fazenda Pública, as seguintes conclusões:


a) Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a reclamação de atos do OEF e, em consequência, decidiu anular o “despacho reclamado e a baixa dos autos ao órgão de execução fiscal para apreciação do pedido formulado pela Reclamante em 21-11-2019”.

b) Com o decidido não pode a RFP conformar-se com o decidido, entendendo que a douta sentença padece de erro de julgamento de direito, designadamente por violação do disposto no n.º 8 do art.º 52.º e 56.º da Lei Geral Tributária [LGT] e nos n.ºs 1 e 3 do art.º 170 do CPPT.

c) Em momento algum do pedido formulado pela Reclamante foi fundamentada a superveniência do pedido de dispensa de garantia com base na alegada impossibilidade de proceder a reestruturação financeira, mas antes no ii) conhecimento da avaliação efetuada pela Administração Tributária dos bens do activo fixo tangível da Reclamante sujeitos a penhora e, bem assim, das ações representativas do seu capital social e ii) da exigência de constituição de seguros de danos próprios sobre as viaturas penhoradas [que viria a ser revogada].

d) Mesmo que se entenda que a Reclamante sustentou a tempestividade do seu pedido em tal impossibilidade, sempre se dirá que o pedido deveria ser considerado intempestivamente apresentado, atenta a data em que foram realizadas as penhoras dos ativos.

Entende a RFP que facto da Reclamante ter tido conhecimento “da avaliação efetuada pela AT dos bens do ativo fixo tangível da Reclamante sujeitos a penhora, bem como das ações representativas do seu capital social”, não poderá ser entendido uma alteração superveniente que possibilite reabrir prazo para novo pedido de dispensa de garantia, nos termos do n.º 2 do art.º 170 do CPPT.

e) Pois não qualquer alteração do acervo patrimonial da Reclamante e sabia de antemão que aqueles concretos ativos não eram suficientes para garantir a totalidade da dívida, pois quando os mesmo foram dados em garantia, foi requerido a dispensa do remanescente.

f) Sendo que o acervo patrimonial da Reclamante não se resume aqueles ativos avaliados pela AT, sendo tal acervo mais que suficiente para garantir a totalidade da dívida, não tendo sido objeto de penhora para não lhe causar prejuízo.

g) Possibilitar que se possa discutir novamente um pedido de dispensa de garantia tendo única e exclusivamente por base a avaliação de um pequena parte dos ativos da Reclamante que foram aceites como garantia, não pode deixar de ser considerado efetivamente como um abuso de direito.

h) Não consta do probatório que tenha havido qualquer alteração da posição económica e financeira da Reclamante desde o despacho que deferiu a dispensa parcial de garantia em 18 de outubro de 2019 [facto N] e o pedido realizado em 21 de novembro de 2019, cerca de um mês depois [facto S],

i) Não podendo deixar de se considerar este tal requerimento como uma verdadeira reanálise do pedido inicial feito em 18 de setembro de 2019.

j) O despacho de deferimento parcial da dispensa de garantia, não foi objeto de qualquer contestação por parte da Reclamante, tendo-se conformado com o teor do mesmo, vindo a ser confirmado em sede de pedido efetuado pela Reclamante de manutenção da decisão de suspensão do processo de execução fiscal com dispensa parcial de prestação de garantia, ao abrigo do disposto no n.º 5 do art.º 52.º da LGT.

k) A jurisprudência constante do acórdão do STA proferido em 06/04/2016, não tem qualquer paralelismo com a dos presentes autos, não lhe podendo ser aplicado.

l) O ónus da prova das condições cuja verificação determinará o deferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia, nos termos do n.º 4 do art.º 52.º da LGT, onde se inclui as questões da tempestividade, cabe à Reclamante, sob pena de subversão das regras do ónus da prova, plasmadas no n.º 1 do art.º 74.º da LGT.

m) De todo o exposto, sendo intempestivo o pedido, não existia qualquer dever de decisão.

n) No entanto, o OEF não deixou ainda assim de propor a manutenção do despacho de aceitação de garantia e dispensa de remanescente proferido em 2019/10/18, no âmbito da informação n.º E201903365 (…), face à situação líquida confortável da Reclamante no valor de € 17.148.342,90.

o) Não havendo qualquer violação ao dever legal de decisão.

Nestes termos e nos demais de Direito, deve ser dado provimento ao presente recurso por erro de julgamento, revogando-se a douta sentença recorrida, com as consequências legais.

A Fazenda Pública requer, muito respeitosamente a V. Exas., ponderada a verificação dos seus pressupostos, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça prevista no n.º 7 do art.º 6º do RCP.

Houve contra-alegações, das quais a recorrida A……………….., S.A. concluiu nos seguintes termos:

A) Na Sentença recorrida, decidiu o Douto Tribunal a quo revogar a decisão de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia, concluindo que, contrariamente ao considerado pela Administração Tributária, o mesmo foi tempestivamente apresentado e desencadeou o dever legal de decisão;
B) Discordando desse entendimento, a Recorrente interpôs o presente recurso jurisdicional, sustentando:
(i) Que o pedido de dispensa de prestação de garantia foi intempestivamente apresentado, na medida em que:
a. A Recorrida não fundamentou a superveniência do pedido na circunstância de o penhor das acções impedir a realização de uma reestruturação financeira (tendo invocado esse facto apenas para demonstrar estarem preenchidos os pressupostos de que depende a dispensa de garantia);
b. O pedido foi apresentado mais de trinta dias após a penhora dos activos e o penhor das acções; e
c. O conhecimento da avaliação feita pela Administração Tributária dos bens que compõem o activo da Recorrida não é uma circunstância superveniente susceptível de justificar a dispensa de garantia uma vez que não consubstancia um facto que altere a sua situação económica;
(ii) Que a Recorrida é detentora de bens penhoráveis suficientes para garantir o pagamento da dívida exequenda e acrescido, os quais só não foram objecto de penhora porque tal poderia implicar prejuízo irreparável para a situação patrimonial da Recorrida. Assim, e tendo a Recorrida apresentado “voluntariamente” garantias parciais, a solicitação posterior da dispensa de prestação de garantia configura abuso do direito;
(iii) Que a Recorrida se encontra numa posição líquida confortável, não se justificando o deferimento da dispensa solicitada;
C) O presente recurso contesta a Sentença recorrida em dois planos: num plano de facto, atinente à alegada situação económica «confortável» da Recorrida e à suposta existência de bens penhoráveis em valor suficiente para garantir o pagamento da dívida exequenda e acrescido e, bem assim, num plano de direito, relativo à tempestividade do pedido de dispensa de prestação de garantia e ao alegado abuso do direito;
D) Os recursos que versem sobre matéria de facto e sobre matéria de direito deverão ser interpostos para o Tribunal Central Administrativo, devendo por isso esse Douto Tribunal ad quem julgar-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso, remetendo os autos ao Tribunal Central Administrativo Sul, ao abrigo dos artigos 16.º, n.º 1, e 280.º, n.º 1, do CPPT;
E) A Sentença recorrida não enferma de erro de julgamento da matéria de facto ao considerar que a situação económica da Recorrida é débil e tem vindo a degradar-se cada vez mais em face da manutenção das garantias prestadas a favor da Administração Tributária, na medida em que, como demonstrado nos presentes autos, a Recorrida não tem uma posição líquida «confortável», sendo certo que os activos inscritos no seu balanço, pese embora o respectivo valor contabilístico seja elevado, não são aptos a garantir o pagamento da dívida exequenda e acrescido;
F) A Recorrida demonstrou, desde logo em face da avaliação dos seus activos e das acções representativas do seu capital social efectuada pela Administração Tributária, não dispor de meios económicos que lhe permitissem proceder ao pagamento da dívida exequenda e acrescido ou à prestação de garantia;
G) Não existe qualquer fundamento legal que permita sustentar que o pedido de dispensa de prestação de garantia superveniente tem de se fundar numa alteração da situação económica subjectiva do executado, antes podendo decorrer de qualquer circunstância – ainda que externa – que revele a impossibilidade objectiva (pelo menos sem lesão desproporcionada e irreparável para o executado) de suspensão do processo de execução fiscal mediante a prestação de garantia;
H) A notificação dos Ofícios n.ºs 006004, de 21 de Outubro de 2019, e 0063298, de 31 de Outubro de 2019, evidenciou que a Recorrida não dispõe sequer de bens penhoráveis cujo valor se aproxime do da dívida exequenda, tendo os mesmos sido avaliados em apenas EUR 148.614,34 (ou seja, cerca de 4,95% do montante de EUR 3.002.799,96, fixado pelo órgão da execução fiscal como garantia idónea);
I) A Administração Tributária avaliou as acções representativas do capital social da Recorrida em EUR 0,00, o que evidencia a ausência de meios económicos da Recorrida para, por si ou recorrendo a terceiros, prestar garantia em valor suficiente para a dívida exequenda como ainda revela a total irrelevância da manutenção desta garantia, a qual causa constrangimentos desnecessários e injustificados à actividade da Recorrida – nomeadamente, ao impedir a reestruturação financeira projectada pelos seus accionistas – e contribui para o constante agravamento da sua já débil situação económica;
J) O conhecimento por parte da Recorrida das referidas avaliações, concretizado através dos Ofícios n.ºs 006004, de 21 de Outubro de 2019, e 0063298, de 31 de Outubro de 2019, consubstancia um facto superveniente susceptível de justificar a apresentação do pedido de dispensa de prestação de garantia na origem destes autos, o qual foi, assim, tempestivamente apresentado, razão pela qual se impunha a sua apreciação pela Administração Tributária;
K) A Recorrida não actuou em abuso de direito ao apresentar o pedido de dispensa de garantia na origem dos presentes autos, limitando-se a exercer o direito procedimental previsto nos artigos 52.º da LGT e 170.º do CPPT, sem extravasar os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico ou social desse direito;
L) Não existem fundamentos que justifiquem a revogação da Sentença recorrida, a qual deverá ser plenamente mantida na ordem jurídica, com as demais consequências legais.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Ex.as doutamente suprirão, requer-se a esse Douto Tribunal ad quem que se julgue incompetente em razão da hierarquia para apreciar o presente recurso, ordenando a respectiva remessa para o Tribunal Central Administrativo Sul, nos termos dos artigos 16.º, n.º 1, e 280.º, n.º 1, do CPPT, tudo com as demais consequências legais.
Nestes termos, e com a remessa do presente recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul, requer-se ao Douto Tribunal ad quem que julgue o presente recurso totalmente improcedente, na medida em que a Sentença recorrida não padece dos erros de julgamento apontados pela Representante da Fazenda Pública, devendo por isso ser plenamente mantida na ordem jurídica, com as demais consequências legais.
Em consequência, requer-se ao Douto Tribunal ad quem que condene a Fazenda Pública no pagamento de custas de parte, nos termos do artigo 26.º do Regulamento das Custas Processuais, tudo com as demais consequências legais.

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de assistir razão à recorrente, no parecer que se segue:

“I. Objecto do recurso.
1. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo TAF de SINTRA, que julgou procedente a reclamação apresentada contra o ato do órgão de execução fiscal que indeferiu o seu pedido de dispensa de prestação de garantia.
A Recorrente insurge-se contra o assim decidido, por considerar que a sentença padece de erro de julgamento, «designadamente pela violação do disposto no n.º 7 do art.º 52.º da Lei Geral Tributária [LGT] e nos n.º 1 e 3 do art.º 170 do CPPT».
Mais entende que «decorre do estatuído no n.º 1 e 2 do art.º 52.º da LGT que a cobrança da prestação tributária no processo de execução fiscal se suspende em virtude de apresentação de processo que tenha por objeto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda [oposição à execução, reclamação graciosa, impugnação], desde que seja prestada garantia nos termos das leis tributárias». E que «constituem fundamentos supervenientes o i) conhecimento da avaliação de alguns ativos da Reclamante por parte da AT e ii) e a alegada impossibilidade da Reclamante levar a cabo a sua reestruturação financeira [já que a exigência de constituição e manutenção de seguros contra danos próprios dos veículos penhorados foi revogada, conforme se pode ver pelo facto v) do probatório]. Ora, considerando que as penhoras dos ativos foram realizadas em 2 e 10 de outubro de 2019, quando foi apresentado o pedido de dispensa [em 21 de novembro d e 2019], já tinha sido ultrapassado o prazo de 30 dias plasmado no n.º 2 do art.º 170.º do CPPT. Já quanto ao facto da Reclamante ter tido conhecimento “da avaliação efetuada pela AT dos bens do ativo fixo tangível da Reclamante sujeitos a penhora, bem como das ações representativas do seu capital social”, entende a RFP que tal facto não poderá ser entendido uma alteração superveniente que possibilite reabrir prazo para novo pedido de dispensa de garantia, nos termos do n.º 2 do art.º 170 do CPPT. despacho de deferimento parcial da dispensa de garantia, que, uma vez notificado, não foi objeto de qualquer contestação por parte da Reclamante, tendo-se conformado com o teor do mesmo.
Despacho de isenção parcial que viria a ser confirmado por despacho datado de 2 de outubro de 2020, proferido pelo Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, na sequência do pedido efetuado pela Reclamante de manutenção da decisão de suspensão do processo de execução fiscal com dispensa parcial de prestação de garantia, ao abrigo do disposto no n.º 5 do art.º 52.º da LGT [vide docs. n.º 1 a 3, cuja junção aos autos se requer nos termos do art.º 425.º do CPC]».
Conclui, assim, que «sendo intempestivo o pedido, não existia qualquer dever de decisão».
Mais alega que «ainda assim, se atentarmos ao despacho reclamado, verificamos que o OEF, sem prescindir da sua posição de que o pedido era intempestivo, não deixou ainda assim de propor a manutenção do despacho de aceitação de garantia e dispensa de remanescente proferido em 2019/10/18, no âmbito da informação n.º E201903365 (…), face à situação líquida confortável da Reclamante no valor de € 17.148.342,90»
E termina pedindo a revogação da sentença recorrida.
2. Por sua vez a Recorrida suscita nas suas contra-alegações a questão da incompetência hierárquica deste tribunal, alegando que a Recorrente questiona a matéria de facto vertida na sentença recorrida, ao invocar que a recorrida tem uma situação económica confortável e que dispõe de bens penhoráveis que só não foram objecto de penhora porque a AT não quis causar prejuízo irreparável à Recorrida.
2. FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA.
2.1 Na sentença recorrida deu-se como assente, para além do mais, que correm termos no Serviço de Finanças de Oeiras 1 diversos processos de execução fiscal para cobrança da quantia global de € 2.373.128,67 euros.
Mais se deu como assente que na sequência da impugnação contenciosa dos atos tributários que deram origem à dívida exequenda, foi apresentado pedido de dispensa de prestação de garantia, ao abrigo do nº4 do artigo 52º da LGT, com o fundamento na inexistência de bens suficientes que permitissem prestar a garantia fixada no montante de € 3.002.799,96 euros.
Posteriormente a executada e aqui recorrida ofereceu à penhora diversos bens do seu ativo fixo tangível, assim como o penhor das suas próprias ações, tendo sido constituídas garantias a favor da Fazenda Pública no valor de € 148.614,34 euros e deferida a dispensa de garantia na parte restante (€ 2.854.185,62), por despacho do diretor de finanças datado de 18/10/2019.
Mais se deu como assente que em 21/11/2019 foi apresentado novo pedido de dispensa de prestação de garantia, em que se solicita o levantamento das garantias prestadas, com o fundamento de que a apreensão dos bens “comporta significativos constrangimentos à sua actividade”.
Mais se deu como assente que o referido pedido foi indeferido por extemporaneidade e por não haver obrigatoriedade de proferir decisão, nos termos do artigo 56º da LGT, por tal questão ter sido apreciada há menos de dois anos.
2.2 Para se decidir pela procedência da reclamação considerou o tribunal “a quo” que os fundamentos invocados pela executada assumiam carater inovatório e nessa medida não só gozava de novo prazo para apresentar o pedido de dispensa de prestação de garantia, como sempre podia solicitar nova apreciação da situação, motivo pelo qual impendia sobre a AT o dever legal de decisão.
III. Análise do Recurso.
1. Quanto à questão da incompetência hierárquica deste tribunal suscitada pela Recorrida.
No entender da Recorrida a Fazenda Pública questiona a matéria de facto fixada na sentença, pelo que deve ser excecionada a incompetência hierárquica.
Afigura-se-nos, contudo, e salvo melhor opinião que as considerações efetuadas pela Fazenda Pública e referenciadas pela recorrida consubstanciam considerações laterais, sem qualquer relevância na apreciação do vício de erro de julgamento que é assacado à sentença recorrida.
Com efeito, o que está em causa no recurso dirigido a este tribunal é a apreciação que tribunal “a quo” fez sobre a imposição à AT da apreciação do “novo” pedido de dispensa de prestação de garantia, em face do seu indeferimento com base na intempestividade e na falta de dever de pronúncia. E nesta parte quaisquer considerações que a Recorrente faça sobre a existência de bens penhoráveis na esfera jurídica da recorrida não contendem com a solução a dar à questão supra enunciada do erro de julgamento, nem resulta das conclusões de recurso que tenha sido essa a intenção da Recorrente.
Assim sendo e nesta parte entendemos que o recurso não versa ou envolve a apreciação de questões de facto, mas unicamente questões de direito.
2. A questão que se vem suscitada pelo Recorrente consiste em saber se a sentença padece do vício de erro de julgamento ao ter considerado verificado o dever legal de decisão perante a pretensão manifestada pela executada de ver apreciada de novo o pedido de dispensa de prestação da garantia.
Resulta dos autos e da matéria de facto fixada na sentença recorrida que o pedido de dispensa de prestação de garantia apresentado pela executada foi deferido parcialmente por despacho do diretor de finanças adjunto datado de 18/10/2019, por ter sido considerado que os bens penhorados apenas garantiam em parte a dívida exequenda e a reclamante e aqui recorrida não possuir outros bens suscetíveis de constituir garantia da dívida exequenda e essa situação não ser da sua responsabilidade.
Mais resulta que após ser notificada dessa decisão a executada e aqui recorrida apresentou novo pedido, em que perante a constatação de que os bens penhorados não constituíam garantia idónea da dívida exequenda, peticiona que seja dispensada dessa prestação e sejam levantadas as garantias prestadas, invocando que a penhora de tais bens “comporta significativos constrangimentos à atividade e à situação financeira da executada”, que baseou nos custos decorrentes da constituição da garantia (seguros de danos próprios dos veículos penhorados) e impedimento à realização de uma “reestruturação financeira”.
Resulta igualmente que o referido pedido foi indeferido com base na sua intempestividade, por ter sido ultrapassado o prazo previsto no nº1 do artigo 170º do CPPT, e no facto de já ter sido apreciado anteriormente um pedido de dispensa e não haver obrigação de apreciação de novo pedido, face ao disposto no artigo 56º da LGT.
Na sentença recorrida e para se decidir pela procedência da ação considerou o tribunal “a quo” que os fundamentos invocados pela executada assumiam carater inovatório face ao pedido de dispensa de garantia anteriormente apresentado.
Salvo o devido respeito, não concordamos com tal asserção. É patente que no anterior pedido de dispensa de prestação de garantia a executada simplesmente invocou que em face do valor da dívida exequenda e do montante fixado como garantia - € 3.216.343,08 – não tinha bens nem situação económico-financeira que lhe possibilitassem obter uma garantia bancária. Posteriormente acordou dar em garantia a penhora de bens do seu ativo fixo e penhor das próprias participações sociais (tituladas pelos respetivos sócios), sendo certo que era expetável, face ao montante da garantia a prestar, que o valor desses bens não se revelaria suficiente para garantia da dívida exequenda.
Assim, independentemente do valor concreto atribuído na avaliação efetuada pela AT (que a executada não contesta), certo é que a pretensão manifestada pela executada foi acolhida pela AT, ou seja, aceitar a constituição de garantias reais de parte da dívida (não se pode olvidar que o penhor das participações sociais foi disponibilidade dos sócios da executada) e dispensar essa prestação no remanescente da dívida (e que é a grande parte). E o facto de a AT ter imposto algumas obrigações acessórias de reforço dessas garantias não altera o figurino dessas garantias.
Ora, o que a executada e aqui recorrida pretende com o novo pedido não é a apreciação de uma nova situação ou de novos dados que tenham alterado a situação anterior, pois esses dados mantém-se, mas sim uma reapreciação da mesma situação com novos argumentos. De facto, a situação económico-financeira da executada não se alterou, nem a situação de insuficiência de bens para prestar garantia idónea da dívida exequenda. O que a executada pretende é a reformulação do anteriormente acordado e que conduziu à decisão da AT. Mas neste caso o procedimento a seguir não é o procedimento previsto no artigo 170º do CPPT, mas sim o procedimento previsto no nº7 do artigo 52º da LGT. Na verdade, o que aparentemente está subjacente ao pedido da executada é o facto de as participações sociais dadas em penhor não terem sido valorizadas para efeitos de garantia e nessa medida liberá-las desse ónus.
Entendemos, assim, e salvo melhor opinião, que não estamos perante “fundamentos que podem ser reputados de supervenientes”, como se entendeu na sentença recorrida, de modo a possibilitar à executada, ao abrigo do nº2 do artigo 170º do CPPT, formular um novo pedido de dispensa total de prestação de garantia.
Nessa medida afigura-se-nos correto o entendimento da AT ao indeferir o pedido com base no disposto no artigo 56º da LGT, pelo facto de o mesmo já ter sido objecto de decisão anterior.
Em face do exposto, assiste razão à Recorrente na censura que faz à sentença recorrida, por esta padecer de erro de julgamento, por errónea interpretação e aplicação do disposto no artigo 170º, nº2, do CPPT, o qual constitui fundamento para a sua revogação e em substituição julgar-se improcedente a reclamação apresentada.”

Notificada do Parecer do Digno Procurador da República no passado dia 10 de Maio de 2021, veio ao abrigo dos princípios da colaboração consagrado no artigo 8.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do contraditório consagrado no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do Código de Procedimento e Processo Tributário (“CPPT”), pronunciar-se sobre o mesmo, reiterando, no essencial, o que defendera nas suas contra-alegações.

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Os autos vêm à conferência com dispensa de vistos atenta a natureza urgente do processo.

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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

A) Contra a ora Reclamante A…………………………, S.A, foram instaurados pelo Serviço de Finanças de Oeiras 1, os PEF n.ºs 3654201901094521 e apensos (3654201901094530, 3654201901094548, 3654201901094556, 3654201901094564, 3654201901094572, 3654201901094580, 3654201901094599, 3654201901094718, 3654201901094726, 3654201901094734 e 3654201901094742), para cobrança coerciva de dívida de IVA, referente ao ano de 2014, cuja quantia exequenda global corresponde a € 2.373.128,67 – cfr. documentos 1 e 2 juntos com a p.i.;

B) Em 05-08-2019, a Reclamante apresentou impugnação judicial das liquidações de IVA e juros compensatórios em cobrança na execução mencionada na alínea antecedente, o que deu lugar à instauração neste Tribunal do processo n.º 952/19.7BESNT – facto dado como provado através da consulta efetuada nesta data à plataforma sitaf;

C) Também em 05-08-2019, a Reclamante apresentou junto do Serviço de Finanças de Oeiras 1 pedido de dispensa de prestação de garantia para suspensão dos processos de execução fiscal identificados em A), cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e onde consta, designadamente, o seguinte:

(…)
[segue imagem, aqui dada por reproduzida]

- cfr. documento n.º 6 junto com a p.i.;
D) Em 07-08-2019, por Técnica da Direção de Finanças de Lisboa, foi emitida informação sob o assunto “Pedido de dispensa de garantia”, com o seguinte teor, que em parte se transcreve:

(…)
[segue imagem, aqui dada por reproduzida]

- cfr. documento n.º 7 junto com a p.i.;
E) Em 09-08-2019, pelo Diretor de Finanças Adjunto de Lisboa, foi exarado na referida informação despacho de indeferimento do requerimento referido em C) – cfr. documento n.º 7 junto com a p.i.;

F) Em 23-08-2019, a Reclamante apresentou reclamação “nos termos dos artigos 276.º do Código do Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 103.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária (LGT)”, com vista à anulação da decisão de indeferimento referida em E) – cfr- documento n.º 8 junto com a p.i.;

G) Em 06-09-2019, o Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa revogou a decisão de indeferimento do pedido de dispensa da prestação de garantia referido em C) - cfr. documento n.º 9 junto com a p.i;

H) Em 18-09-2019, a Reclamante apresentou junto do Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de Oeiras 1, exposição escrita, mediante a qual formulou o seguinte pedido:

“Termos em que, com vista à suspensão do presente processo de execução fiscal, se requer: (i) a penhora dos elementos identificados no documento n.º 1, no valor total de EUR 415.269,19, os quais compõem o estabelecimento comercial da Requerente, enquanto unidade jurídica; e (ii) quanto ao valor da dívida exequenda não garantido pela referida penhora, reitera-se, nos termos e com os fundamentos já apresentados no âmbito do presente processo, o pedido de dispensa de garantia ao abrigo dos artigos 52.º, n.º 4 da LGT e 170.º do CPPT.”

- cfr. documento n.º 10 junto com a p.i.;

I) Em 02-10-2019, foram penhorados 35 veículos automóveis propriedade da Reclamante, avaliados pela AT em € 63.322,31 – cfr. autos de penhora juntos como documento n.º 11 da p.i.;

J) Foram igualmente penhorados outros bens móveis da Reclamante, avaliados pela AT em € 85.292,03 – cfr. auto de penhora junto como documento n.º 12 da p.i.;

K) Em 10-10-2019, os acionistas da Reclamante constituíram penhor de ações da sociedade a favor da Autoridade Tributária – cfr. documento n.º 13 junto com a p.i.;

L) Em 11-10-2019, a Reclamante apresentou junto do Serviço de Finanças de Oeiras 1 pedido de dispensa de entrega dos documentos únicos automóvel, dos livretes e dos títulos de registo de propriedade dos veículos penhorados pela AT – cfr. documento n.º 14 junto com a p.i.;

M) Em 18-10-2019, por técnica da AT, foi subscrita informação, sob o assunto “Penhora de estabelecimento e dispensa do remanescente”, onde consta o seguinte:

[segue imagem, aqui dada por reproduzida]

- cfr. documento n.º 15 junto com a p.i.;

N) Em 18-10-2019, na informação referida na alínea antecedente, foi exarado despacho pelo Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, com o seguinte teor:

[segue imagem, aqui dada por reproduzida]
- cfr. documento n.º 15 junto com a p.i.;

O) Em 21-10-2019, pelo Serviço de Finanças de Oeiras 1, foi remetido ao mandatário da Reclamante ofício sob o assunto “Suspensão de execução fiscal – Isenção de prestação de garantia e prestação de garantia”, dando-lhe conhecimento da decisão referida em N) – cfr. documento n.º 15 junto com a p.i.;

P) Em 28-10-2019, por funcionária do Serviço de Finanças de Oeiras 1, foi emitida informação, sob o assunto “Penhora de veículos/entrega de documentos”, onde consta, designadamente, o seguinte:

(…)

Assim, a concretização das penhoras dos 35 veículos oferecidos como garantia, nos termos dos artigos 221.º e 230.º do CPPT, com vista à suspensão do PEF e tendo em conta que a sua apreensão com a entrega dos documentos únicos automóvel ou livrete e registo de propriedade, inviabilizará a persecução da atividade da executada, parece-me ser de deferir o pedido da dispensa da entrega dos citados documentos, mas de forma a precaver os interesses da Administração Tributária, a executada deverá efetuar um seguro de danos próprios relativamente às viaturas em causa, onde conste como beneficiária a Administração Tributária – SF 3654 – Oeiras 1, sem a qual, em caso por exemplo, de sinistro, estará sempre em risco a exigibilidade da garantia que consiste nos aludidos veículos penhorados.

(…)”

- cfr. documento n.º 16 junto com a p.i.;

Q) Em 30-10-2019, pelo Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de Oeiras 1, foi exarado despacho de concordância com a informação referida na alínea antecedente – cfr. documento n.º 16 junto com a p.i.;

R) Em 31-10-2019, foi emitido ofício n.º 006328, do Serviço de Finanças de Oeiras 1, dirigido ao mandatário da Reclamante, mediante o qual lhe foi comunicada a decisão referida na alínea antecedente – cfr. documento n.º 16 junto com a p.i.;

S) Em 21-11-2019, a Reclamante formulou, junto da Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de Oeiras 1, novo pedido de dispensa de prestação de garantia, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, e onde consta, designadamente, o seguinte:

[segue imagem, aqui dada por reproduzida]
- cfr. documento n.º 17 junto com a p.i.;

T) Em 09-12-2019, por técnica da Direção de Finanças de Lisboa, foi emitida informação, sob o assunto “Pedido de dispensa de garantia”, onde consta o seguinte:

[segue imagem, aqui dada por reproduzida]
- cfr. documento n.º 18 junto com a p.i.;

U) Em 09-12-2019, pelo Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, foi proferido despacho de concordância com a informação referida na alínea antecedente – cfr. documento n.º 18 junto com a p.i.;

V) Em 10-01-2020, foi proferida pelo Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de Oeiras 1, decisão de revogação do despacho de 30-10-2019, ficando sem efeito a imposição de contratar seguros de danos próprios sobre os veículos constituídos de garantia – facto não controvertido.


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2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida na sentença, a qual julgou procedente a reclamação apresentada pela então recorrente, ora recorrida, padece de erro de julgamento de direito, por violação do disposto no n.º 8 do art.º 52.º e 56.º da LGT e nos n.º 1 e 3 do art.º 170 do CPPT, por ter considerado verificado o dever legal de decisão perante a pretensão manifestada pela executada de ver apreciado de novo o pedido de dispensa de prestação da garantia, já que os fundamentos invocados pela executada assumiam carácter inovatório face ao pedido de dispensa da garantia anteriormente apresentado.
Sustenta a recorrente que «decorre do estatuído no n.º 1 e 2 do art.º 52.º da LGT que a cobrança da prestação tributária no processo de execução fiscal se suspende em virtude de apresentação de processo que tenha por objeto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda [oposição à execução, reclamação graciosa, impugnação], desde que seja prestada garantia nos termos das leis tributárias». E que «constituem fundamentos supervenientes o i) conhecimento da avaliação de alguns ativos da Reclamante por parte da AT e ii) e a alegada impossibilidade da Reclamante levar a cabo a sua reestruturação financeira [já que a exigência de constituição e manutenção de seguros contra danos próprios dos veículos penhorados foi revogada, conforme se pode ver pelo facto v) do probatório]. Ora, considerando que as penhoras dos ativos foram realizadas em 2 e 10 de outubro de 2019, quando foi apresentado o pedido de dispensa [em 21 de novembro de 2019], já tinha sido ultrapassado o prazo de 30 dias plasmado no n.º 2 do art.º 170.º do CPPT. Já quanto ao facto da Reclamante ter tido conhecimento “da avaliação efetuada pela AT dos bens do ativo fixo tangível da Reclamante sujeitos a penhora, bem como das ações representativas do seu capital social”, entende a RFP que tal facto não poderá ser entendido uma alteração superveniente que possibilite reabrir prazo para novo pedido de dispensa de garantia, nos termos do n.º 2 do art.º 170 do CPPT, despacho de deferimento parcial da dispensa de garantia, que, uma vez notificado, não foi objeto de qualquer contestação por parte da Reclamante, tendo-se conformado com o teor do mesmo.
Despacho de isenção parcial que viria a ser confirmado por despacho datado de 2 de outubro de 2020, proferido pelo Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, na sequência do pedido efetuado pela Reclamante de manutenção da decisão de suspensão do processo de execução fiscal com dispensa parcial de prestação de garantia, ao abrigo do disposto no n.º 5 do art.º 52.º da LGT [vide docs. n.º 1 a 3, cuja junção aos autos se requer nos termos do art.º 425.º do CPC]».
Com base nesse argumentário epiloga que «sendo intempestivo o pedido, não existia qualquer dever de decisão» e que, «ainda assim, se atentarmos ao despacho reclamado, verificamos que o OEF, sem prescindir da sua posição de que o pedido era intempestivo, não deixou ainda assim de propor a manutenção do despacho de aceitação de garantia e dispensa de remanescente proferido em 2019/10/18, no âmbito da informação n.º E201903365 (…), face à situação líquida confortável da Reclamante no valor de € 17.148.342,90».
Em coerência com esses fundamentos finaliza a pedir a revogação da sentença recorrida.
Tomando posição sobre os alicerces recursórios, a Recorrida começa por suscitar a questão prévia da incompetência hierárquica deste tribunal, porquanto a Recorrente vem questionar a matéria de facto vazada na sentença recorrida, ao invocar que a recorrida tem uma situação económica confortável e que dispõe de bens penhoráveis que só não foram objecto de penhora porque a AT não quis causar prejuízo irreparável à Recorrida.
E é pelo conhecimento desta matéria de excepcionalidade que começaremos dada a priorização legalmente estabelecida visto ser uma questão que é de ordem pública e prioritária em relação a qualquer outra [cf. art. 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro]. Cumpre, designadamente, aferir da incompetência em razão da hierarquia, que determina a incompetência absoluta do tribunal, a qual é do conhecimento oficioso e pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final (cf. art. 16.º do CPPT). No caso, foi arguida pela recorrida e sobre a mesma foi exercitado o contraditório pois as partes tiveram oportunidade de se pronunciarem.
Note-se ainda que na sequência da declaração de incompetência em razão da hierarquia deve remeter-se o processo ao tribunal competente (cf. art. 18.º do CPPT).
Como é sabido, nos termos do disposto nos arts. 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, e no art. 280.º, n.º 1, do CPPT, a competência para conhecer dos recursos das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância em matéria de contencioso tributário, pertence à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo quando os recursos tenham por exclusivo fundamento matéria de direito, constituindo uma excepção à competência generalizada dos tribunais centrais administrativos, aos quais cabe conhecer «dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários, salvo o disposto na alínea b) do artigo 26.º» [art. 38.º, alínea a), do ETAF].
Assim, para aferir da competência em razão da hierarquia do Supremo Tribunal Administrativo, há que olhar para as conclusões da alegação do recurso e verificar se, em face das mesmas, as questões controvertidas se resolvem mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas, ou se, pelo contrário, implicam a necessidade de dirimir questões de facto, seja por insuficiência, excesso ou erro, quanto à matéria de facto provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, seja porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, seja ainda porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos.
Da leitura das conclusões do presente recurso jurisdicional, que acima ficaram reproduzidas e que delimitam os respectivos âmbito e objecto (cf. art. 684.º, n.º 3, do CPC), e como bem salientou a Procuradora-Geral Adjunta junto deste Supremo Tribunal não ocorre a incompetência hierárquica deste porquanto da leitura e análise das conclusões das presentes alegações de recurso somos levados a concluir que a matéria nelas vertida é essencialmente de direito.
Na verdade, as considerações feitas pela Fazenda Pública e aludidas pela recorrida consubstanciam considerações laterais, sem qualquer relevância na apreciação do vício de erro de julgamento que é assacado à sentença recorrida na medida em que o que se controverte no presente recurso é tão só a apreciação que tribunal “a quo” fez sobre a imposição à AT da apreciação do “novo” pedido de dispensa de prestação de garantia, em face do seu indeferimento com base na intempestividade e na falta de dever de pronúncia sendo que, nesta vertente, quaisquer considerações que a Recorrente faça sobre a existência de bens penhoráveis na esfera jurídica da recorrida não contendem com a solução a dar à questão supra enunciada do erro de julgamento, nem resulta das conclusões de recurso que tenha sido essa a intenção da Recorrente.
Na senda do douto Parecer do Ministério Público, entendemos que a recorrente não sindica, directamente, o julgamento de facto efectuado pelo tribunal a quo, não se verificando a incompetência deste STA, em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso.

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Na decisão fáctica constante do probatório elaborado pelo Mº Juiz a quo, listaram-se as seguintes realidades e ocorrências que se reputam as únicas com relevo para a boa aplicação do direito:
-Correm termos no Serviço de Finanças de Oeiras 1 diversos processos de execução fiscal para cobrança da quantia global de €2.373.128,67 euros;
-Na sequência da impugnação contenciosa dos atos tributários que deram origem à divida exequenda, foi apresentado pedido de dispensa de prestação de garantia, ao abrigo do nº4 do artigo 52º da LGT, com o fundamento na inexistência de bens suficientes que permitissem prestar a garantia fixada no montante de € 3.002.799,96 euros;
-Posteriormente a executada e aqui recorrida ofereceu à penhora diversos bens do seu activo fixo tangível, assim como o penhor das suas próprias acções, tendo sido constituídas garantias a favor da Fazenda Pública no valor de € 148.614,34 euros e deferida a dispensa de garantia na parte restante (€ 2.854.185,62), por despacho do director de finanças datado de 18/10/2019;
-Em 21/11/2019 foi apresentado novo pedido de dispensa de prestação de garantia, em que se solicita o levantamento das garantias prestadas, com o fundamento de que a apreensão dos bens “comporta significativos constrangimentos à sua actividade”.
-O antedito pedido foi indeferido por extemporaneidade e por não haver obrigatoriedade de proferir decisão, nos termos do artigo 56º da LGT, por tal questão ter sido apreciada há menos de dois anos.
Aplicando o Direito que culminou na decisão de procedência da reclamação julgou o tribunal “a quo” que os fundamentos invocados pela executada assumiam carácter inovatório e nessa medida não só gozava de novo prazo para apresentar o pedido de dispensa de prestação de garantia, como sempre podia solicitar nova apreciação da situação, motivo pelo qual impendia sobre a AT o dever legal de decisão.
A questão decidenda passa, pois, por aferir se a sentença enferma do vício de erro de julgamento ao ter ponderado a existência do dever legal de decisão face à pretensão exposta pela executada de ver apreciada de novo o pedido de dispensa de prestação da garantia.
É o seguinte o discurso fundamentador gizado na sentença recorrida:
“Atenta a factualidade assente, constata-se que o novo pedido de dispensa de prestação de garantia formulado pela Reclamante não se limita a reiterar os fundamentos anteriormente por ela aduzidos em pedidos anteriores de dispensa de garantia.
Na verdade, este novo pedido assenta na avaliação efetuada pela AT dos bens do ativo fixo tangível da Reclamante sujeitos a penhora, bem como das ações representativas do seu capital social; e na exigência de constituição de seguros de danos próprios sobre as viaturas.
A Reclamante apenas tomou conhecimento da avaliação efetuada pela AT dos bens do seu ativo fixo tangível e das suas ações mediante ofício datado de 21-10-2019 [cfr. alínea O) do probatório].
Quanto à informação de que teria que suportar custos adicionais com os seguros de danos próprios das viaturas penhoradas, tal informação apenas lhe foi comunicada por ofício datado de 31-10-2019 [cfr. alínea P) do probatório].
Acresce que, no pedido de dispensa de prestação de garantia, formulado pela Reclamante em 21-11-2019, pode igualmente ler-se o seguinte: “saliente-se que a manutenção das referidas penhoras e do penhor de ações comporta significativos constrangimentos à atividade e à situação financeira da executada: i) por um lado, para poder continuar a utilizar na sua atividade os veículos penhorados pela Administração Tributária, a Executada terá de suportar custos adicionais com a constituição e manutenção de seguros contra danos próprios dos veículos que têm como beneficiária a Administração Tributária, o que será uma agravante para a sua já débil situação financeira; ii) por outro lado, face ao penhor de ações de 10 de outubro de 2019, a Executada vê-se impedida de levar a cabo a sua necessária e planeada reestruturação financeira, que passaria inevitavelmente pela capitalização da sociedade através da entrada de novos acionistas”.
Conclui-se, pois, que deste novo pedido resultam fundamentos que podem ser reputados de supervenientes à luz do n.º 2 do artigo 170.º do CPPT: a exigência de constituição e manutenção de seguros contra danos próprios dos veículos penhorados; a avaliação efetuada pela AT dos bens do ativo fixo tangível da Reclamante sujeitos a penhora, bem como das ações representativas do seu capital social; e a alegada impossibilidade de a Reclamante levar a cabo a sua “necessária e planeada reestruturação financeira, que passaria inevitavelmente pela capitalização da sociedade através da entrada de novos acionistas”, face ao penhor das ações.
Quanto à exigência de constituição e manutenção de seguros contra danos próprios dos veículos penhorados, constata-se que foi a mesma entretanto revogada pela AT [cfr. alínea V) do probatório], pelo que a alegação da Reclamante quanto a este fundamento perdeu o seu efeito útil.
No entanto, o mesmo não se verifica quanto aos invocados constrangimentos advenientes do penhor das ações e da avaliação das mesmas efetuada pela AT.
Com efeito, revelando tais fundamentos caráter inovatório face ao pedido de dispensa de garantia anteriormente formulado pela Reclamante, merece aplicação o prazo de 30 dias constante do n.º 2 do artigo 179.º do CPPT.
Por outro lado, tal como referido pelo Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 06-04-2016, proferido no processo n.º 0282/16, cuja posição se sufraga, “(…) o contribuinte pode a todo o tempo pedir a dispensa da prestação da garantia mas para obter o efeito útil por si pretendido da suspensão da execução é que necessita de o apresentar em determinado prazo.
Com efeito, o decurso de qualquer dos prazos previstos no artº 170º do CPPT não libera a Administração Fiscal de conhecer do pedido de prestação de garantia ou de dispensa de garantia, por entender que o pedido é extemporâneo. Enquanto estiver pendente a execução tais pedidos podem sempre ser formulados e têm que ser apreciados.
Os prazos dos artigos 169º e 170º são, prazos durante os quais a Administração Fiscal não pode prosseguir com a execução. Decorridos os mesmos, a execução pode e deve prosseguir, mesmo que esteja pendente um requerimento de dispensa de garantia entretanto apresentado”.
Face ao que antecede, conclui-se que é tempestivo o pedido formulado pela Reclamante em 21-11-2019.
Mais se refira que a Autoridade Tributária tinha o dever de apreciar o pedido face aos novos fundamentos invocados.
Na verdade, tendo sido alegados, conforme supra mencionado, fundamentos inovatórios face ao anterior pedido formulado pela Reclamante, designadamente que, face ao penhor de ações de 10 de outubro de 2019, a Reclamante se vê impedida de levar a cabo a sua necessária reestruturação financeira, que alegadamente passaria pela capitalização da sociedade através da entrada de novos acionistas, competia à Autoridade Tributária ponderar, na elaboração da sua decisão, a factualidade superveniente alegada pela Reclamante.
E se necessário fosse, deveria a Autoridade Tributária ter encetado as diligências instrutórias que reputasse convenientes à adequada apreciação do novo pedido de dispensa de garantia, atento o princípio do inquisitório, consagrado no artigo 58.º da LGT.
Deveria, designadamente, a Autoridade Tributária ter solicitado elementos à Reclamante sobre a referida reestruturação financeira e ter apreciado se, e em que medida é que tal reestruturação ficaria inviabilizada pelo penhor de ações em causa.
Era obrigação da Autoridade Tributária munir-se de informação patrimonial atualizada da executada, instando a Reclamante a instruir o seu pedido de dispensa com elementos atualizados.
Citando o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 05-02-2020, proferido no processo n.º 01930/19.1BEPRT, “a atendibilidade de factos supervenientes no procedimento é um reflexo do princípio do inquisitório (que domina todo o procedimento) na própria decisão: se nos termos do artigo 58.º da Lei Geral Tributária, o órgão decisor está obrigado a trazer ao processo tudo o que releva para uma decisão que se conforme com a verdade material do sujeito passivo (não estando sequer subordinado à iniciativa do autor do pedido), isso só pode significar que está obrigado também a apurar os factos supervenientes, desde que concorram para a descoberta da verdade material. E a considerar esses factos na decisão a proferir”.
Conclui-se, assim, que impendia sobre a Autoridade Tributária o dever legal de decisão.”
A recorrida, secundada pelo Ministério Público nesta instância, sustentam ser “patente que no anterior pedido de dispensa de prestação de garantia a executada simplesmente invocou que em face do valor da dívida exequenda e do montante fixado como garantia - € 3.216.343,08 – não tinha bens nem situação económico-financeira que lhe possibilitassem obter uma garantia bancária. Posteriormente acordou dar em garantia a penhora de bens do seu ativo fixo e penhor das próprias participações sociais (tituladas pelos respetivos sócios), sendo certo que era expetável, face ao montante da garantia a prestar, que o valor desses bens não se revelaria suficiente para garantia da dívida exequenda.
Assim, independentemente do valor concreto atribuído na avaliação efetuada pela AT (que a executada não contesta), certo é que a pretensão manifestada pela executada foi acolhida pela AT, ou seja, aceitar a constituição de garantias reais de parte da dívida (não se pode olvidar que o penhor das participações sociais foi disponibilidade dos sócios da executada) e dispensar essa prestação no remanescente da dívida (e que é a grande parte). E o facto de a AT ter imposto algumas obrigações acessórias de reforço dessas garantias não altera o figurino dessas garantias.
Ora, o que a executada e aqui recorrida pretende com o novo pedido não é a apreciação de uma nova situação ou de novos dados que tenham alterado a situação anterior, pois esses dados mantém-se, mas sim uma reapreciação da mesma situação com novos argumentos. De facto, a situação económico-financeira da executada não se alterou, nem a situação de insuficiência de bens para prestar garantia idónea da dívida exequenda. O que a executada pretende é a reformulação do anteriormente acordado e que conduziu à decisão da AT. Mas neste caso o procedimento a seguir não é o procedimento previsto no artigo 170º do CPPT, mas sim o procedimento previsto no nº7 do artigo 52º da LGT. Na verdade, o que aparentemente está subjacente ao pedido da executada é o facto de as participações sociais dadas em penhor não terem sido valorizadas para efeitos de garantia e nessa medida liberá-las desse ónus.
Entendemos, assim, e salvo melhor opinião, que não estamos perante “fundamentos que podem ser reputados de supervenientes”, como se entendeu na sentença recorrida, de modo a possibilitar à executada, ao abrigo do nº2 do artigo 170º do CPPT, formular um novo pedido de dispensa total de prestação de garantia.
Nessa medida afigura-se-nos correto o entendimento da AT ao indeferir o pedido com base no disposto no artigo 56º da LGT, pelo facto de o mesmo já ter sido objecto de decisão anterior.
Em face do exposto, assiste razão à Recorrente na censura que faz à sentença recorrida, por esta padecer de erro de julgamento, por errónea interpretação e aplicação do disposto no artigo 170º, nº2, do CPPT, o qual constitui fundamento para a sua revogação e em substituição julgar-se improcedente a reclamação apresentada.”
Quid juris?
Antecipe-se que sobre o dissídio propendemos a adoptar a jurisprudência deste STA referida na bem elaborada sentença recorrida plasmada, em especial, nos Acórdãos de 15/05/2013, Processo nº0519/13, de 06/04/2016, Processo n.º 0282/16 e de 05/02/2020, Processo nº01930/19.1BEPRT, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.
Nesse sentido, com a devida reverência, apropriamo-nos da fundamentação jurídica deste último em que o relator desta formação interveio como adjunto, sobretudo do bloco em que se discreteou assim:
“Mas subsiste a questão fundamental de saber se, na prolação da nova decisão, a Autoridade Tributária tinha que se reconduzir à situação económica do contribuinte existente à data do ato anulado (a que existia no ano de 2017) ou tinha o poder/dever de considerar a sua situação económica ulterior. É a questão da atendibilidade dos factos supervenientes que relevem para a situação jurídica dirimida.
Deve observar-se desde já que, se em vez de estar em causa a atendibilidade de factos supervenientes pela Administração, estivesse em causa a atendibilidade desses factos por juiz, em pedido de dispensa que lhe fosse inicialmente dirigido, a resposta não podia deixar de ser afirmativa.
Ou seja, se fosse pedida a dispensa da prestação da garantia ao juiz, em 2017, com base em insuficiência económica que sobreveio posteriormente, mas antes da decisão, o pedido não poderia deixar de ser apreciado com base na factualidade superveniente. Desde logo porque atender a factos supervenientes que atribuem o direito peticionado não implica alteração da causa de pedir. É o que deriva do artigo 611.º do Código de Processo Civil.
Mas é dispositivo que não vale para o caso, visto que a decisão sobre o pedido de dispensa da garantia é – segundo o entendimento firmado nesta Secção, um ato administrativo “tout court” enxertado na execução. A que são aplicáveis, por isso, as regras próprias dos procedimentos administrativos, e não as regras formais dos atos judiciais.
Mas a atendibilidade de factos supervenientes no procedimento é um reflexo do princípio do inquisitório (que domina todo o procedimento) na própria decisão: se nos termos do artigo 58.º da Lei Geral Tributária, o órgão decisor está obrigado a trazer ao processo tudo o que releva para uma decisão que se conforme com a verdade material do sujeito passivo (não estando sequer subordinado à iniciativa do autor do pedido), isso só pode significar que está obrigado também a apurar os factos supervenientes, desde que concorram para a descoberta da verdade material. E a considerar esses factos na decisão a proferir.
Porque só faz sentido impor o apuramento da verdade material na instrução se a verdade material apurada for o suporte da decisão.
Ora, a modificação da situação económica do requerente no decurso do procedimento não pode deixar de relevar para a decisão da dispensa da garantia. Fundamentalmente porque deriva do regime legal e do artigo 52.º da Lei Geral Tributária em particular que se pretende que a situação económica do requerente seja sempre atualizada e periodicamente monitorizada.
E, como é óbvio, de um tal regime nunca podem advir prejuízos para a garantia dos créditos do Estado. Muito pelo contrário! Uma decisão que tome por base a verdadeira situação económica do requerente, no período mais recente que puder ser atendido é também a que garante melhor os créditos fiscais. A degradação do património na pendência do procedimento também pode despoletar o reforço de uma garantia inicialmente prestada. E uma significativa melhoria pode suportar o indeferimento de uma dispensa que até podia ser inicialmente justificada.
Do exposto deriva que a decisão também não merece censura nesta parte. E que o recurso também não merece provimento na parte a que se reportam as conclusões “h” a “u”.
4.3. O último vício imputado à decisão recorrida diz respeito à inobservância pelo próprio tribunal a quo dos seus deveres inquisitórios. Considera o Ex.mo Representante da Fazenda Pública – na essência – que o incumprimento pelo órgão decisor dos seus deveres inquisitórios deveria ter sido suplantado pelo juiz com base nos seus próprios poderes inquisitórios.
Também se não pode acordar com tal argumentação.
É claro que um tal entendimento implicaria que a inobservância pelo órgão decisor dos seus próprios deveres de direção e de instrução do procedimento, em ver de afetar a validade da decisão respetiva, ia onerar o tribunal com os deveres que aquele declinou cumprir.
Mas não é só essa a objeção que, no caso, se levanta: é que a reclamação de uma decisão administrativa do órgão de execução fiscal é uma verdadeira impugnação de atos administrativos. E não impugnação de atos administrativos a função do tribunal tributário é a de aferir a legalidade da atuação administrativa, e não a de se lhe substituir no exercício da função administrativa.
Na impugnação da decisão que indefere o pedido de dispensa de garantia o juiz decide se o ato de indeferimento está suportado na lei. Não decide em primeira mão se o requerente tem direito a ser dispensado da prestação da garantia.
Pelo que ao recurso deve ser negado provimento, na totalidade.”


E, assim sendo, a decisão da Administração Tributária não se pode manter, como o considerou a decisão recorrida, que é de manter por via da improcedência do presente recurso.

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3.- Decisão:

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Tribunal em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, tendo em conta sobretudo a simplicidade da causa, suportada também na qualidade técnica das alegações de recurso, que favoreceu uma rápida delimitação do objecto do litígio – artigo 6.º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais.

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Assinado digitalmente pelo relator, que consigna e atesta que, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de maio, têm voto de conformidade com o presente acórdão os restantes Conselheiros que integram a formação de julgamento.
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Lisboa, 26 de Maio de 2021. - José Gomes Correia (relator) – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro.