Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01457/04.6BESNT
Data do Acordão:11/27/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23879
Nº do Documento:SA12018112701457/04
Data de Entrada:11/13/2018
Recorrente:A...... E MUNICÍPIO DE CASCAIS
Recorrido 1:OS MESMOS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A A……… intentou, no TAF de Sintra, contra o Município de Cascais, acção administrativa comum pedindo a condenação do Réu no pagamento de uma quantia que a ressarcisse dos danos causados pela impossibilidade da execução do julgado anulatório, acrescidos das despesas judiciais, extra-judiciais e honorários de advogado, a liquidar em execução de sentença, com os juros legais devidos.
O TAF julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu o Réu do pedido.

A Autora apelou para o TCA Sul e este declarou a nulidade daquela decisão e, conhecendo em substituição, julgou a acção procedente.

É desse acórdão que a Autora e o Município de Cascais vêm recorrer (artigo 150.º/1 do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos se, in casu, tais requisitos se verificam.

2. A Câmara Municipal de Cascais licenciou uma construção com a área de 1289,10m2 com desrespeito das prescrições inscritas no respectivo alvará de loteamento, licenciamento que veio a ser declarado nulo por sentença de 3.9.1993, confirmada por Acórdão deste Supremo de 7.12.1994. E, por decisão do TAC, de 22.3.1996, depois confirmada por este Tribunal, por Acórdão de 4.7.2002, foi declarada a existência de causa legítima de inexecução do referido julgado anulatório - por o seu cumprimento implicar a demolição daquele prédio e tal lesar gravemente os interesses dos adquirentes das suas várias fracções - e que, sendo assim, isto é, não sendo possível obter a tutela reparatória na forma de restauração natural, a Autora deveria utilizar a via de indemnização pelos prejuízos resultantes do acto anulado e da inexecução da sentença.
A Autora intentou, então, esta acção pedindo a condenação do Réu a pagar-lhe:
“a) a quantia actualizada, a liquidar em execução de sentença, correspondente aos prejuízos causados em consequência do ilegal licenciamento e construção do edifício erigido no lote 13 do alvará de loteamento n.º 566/83 da CMC, invocados nos arts. 32.º a 43.º do presente articulado;
b) a quantia actualizada, a liquidar em execução de sentença, correspondente aos encargos que a A. Suportou a continua a suportar, com a defesa dos seus direitos, conforme resulta do art. 45º do presente articulado;
c) os juros legais relativos às quantias peticionadas nas alíneas anteriores acrescidos, a partir do trânsito em julgado da sentença de condenação que vier a ser proferida, de juros à taxa anual de 5%, nos termos do disposto no art. 829.º-A/3 e 4 do Cód. Civil.”

TAF, após declarar que a questão a decidir era a de saber se Réu podia ser responsabilizado pelo pagamento de indemnização pelos danos, alegadamente, resultantes da inexecução da sentença que declarou a nulidade do despacho” que licenciou a construção do prédio dos autos e que o pedido relativo à indemnização pelas despesas judiciais, extra-judiciais e honorários a advogados improcedia por falta de fundamentação de facto e de direito, prosseguiu para afirmar que a procedência desta acção dependia da prova dos requisitos da responsabilidade civil extracontratual do Estado, por facto ilícito praticado no exercício da função administrativa, e que, destes, se encontravam demonstradas apenas a ilicitude, a culpa e os danos.
Por ser assim, julgou a acção improcedente com fundamento na inexistência do nexo de causalidade pelas razões que, no essencial, se transcrevem:
“Sucede que, compulsada a matéria de facto provada, não resulta que os danos apurados, nas als U), V), W), X), sejam devidos à falta de execução espontânea da sentença de 3.9.1993, ou mesmo ao aumento do índice de construção do edifício implantado no lote 13, à altura do edifício, à distância do logradouro do colégio da Autora.
Os factos provados dão-nos a conhecer que o edifício construído no lote 13 afecta as condições de insolação e vistas do Colégio da Autora.
Mas, não ficou provado que os danos apurados resultam directamente, necessariamente da inexecução ilícita da falta de recolha do parecer obrigatório da DGPU, do acto ilícito praticado pelo Município em 23.3.1983.
Isto é, não ficou provado que o ensombramento do Colégio fosse provocado pela inexistência de parecer obrigatório da DGPU, ou mesmo pelo aumento do índice de construção do lote 13 aprovado e licenciado pelo acto declarado nulo, pelo aumento da cércea do lote 13.
Termos em que se decide não estar verificado o nexo de causalidade entre a inexecução ilícita da sentença proferida em 3.9.1993 e os danos alegados e provados (patrimoniais) no caso.
Conclusão:
Sendo os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas de verificação cumulativa, não se provando o nexo de causalidade, improcede o pedido.”

Decisão que o TCA Sul revogou.
O Acórdão recorrido começou por julgar improcedente o invocado erro de julgamento da M.F. e por sinalizar quea Autora nunca peticionou em juízo ser indemnizada em consequência da expropriação do direito à execução do julgado que declarou a nulidade do ato impugnado. O pedido deduzido é muito claro ao referir-se à condenação ao pagamento de uma indemnização pelos prejuízos causados em consequência do ato ilegal de licenciamento da construção … .” Daí que tivesse concluído que o “ Tribunal a quo não soube interpretar e compreender a estruturação da causa, assente no pedido e na causa de pedir, passando a conhecer de um pedido que não fora deduzido pela Autora e sob um duplo incorrecto enquadramento da causa de pedir, quer porque não se está perante um caso em que a Autora tivesse peticionado a indemnização por danos decorrentes de inexecução da sentença, quer porque, ainda que assim não fosse, nunca seria um caso de indemnização por inexecução ilícita de decisão judicial, mas antes de responsabilidade civil por facto lícito, assente no reconhecimento judicial de existência de causa legítima de inexecução do julgado.”
E com este fundamento o Acórdão recorrido declarou nula a sentença e passou a conhecer, em substituição, nos termos do disposto no artigo 149.º do CPTA, tendo concedido provimento ao recurso. Fê-lo pelas razões seguintes:
Os danos que se produziram têm por causa direta a prática do ato ilícito, pois não fora o ato de licenciamento, não se teriam produzido tais danos patrimoniais na esfera jurídica da Autora, ora Recorrente.
Acresce que não se apurou qualquer outra causa direta ou indireta para a produção dos danos.
Assim, o que decorre da factualidade apurada é que os danos causados à Autora, ficaram a dever-se em consequência da edificação que foi levada a efeito no lote Y, em desrespeito das prescrições previstas no alvará de loteamento.
….
Se pela violação das normas legais ou técnicas aplicáveis é aumentado ou potenciado o risco do dano e se os danos ou lesão provocada se localiza no círculo dos perigos que as normas aplicáveis pretendem evitar, deve concluir-se pela prova da causalidade entre a omissão e o dano.
No caso tem de entender-se pela ligação causal entre a violação das normas legais aplicáveis, traduzidas no desrespeito pelas vinculações previstas no alvará de loteamento no respeitante aos índices de construção e do número de fogos, e os danos que se produziram na esfera jurídica da Autora, quanto ao ensombramento da fachada nascente do seu prédio, assim como afetar as condições de insolação e vistas do Colégio da Autora, para além de implicar o aumento de consumo de energia elétrica.
Nestes termos, conclui-se pela verificação do pressuposto do nexo de causalidade e, consequentemente, pela reunião de todos os requisitos de que depende a responsabilidade civil do Réu.
Nestes termos, estão demonstrados todos os requisitos da responsabilidade civil extracontratual do Réu, Município de C, que determinam a sua condenação na obrigação de indemnizar.”
Daí que tivesse concluído:
“… conceder provimento ao recurso, em declarar a nulidade da sentença recorrida, por conhecer de objecto diverso do pedido e, em substituição, julgar a ação procedente, condenando o Município de C ao pagamento à Autora, R., de uma indemnização fundada na responsabilidade civil extracontratual do Estado, por facto ilícito, cujo valor será apurado em liquidação de sentença, julgando a ação em tudo o mais peticionado, improcedente, por não provada.”

3. Nem a A…….. nem o Município de Cascais se conformaram com essa decisão. Daí a interposição destas revistas.
A Autora porque, ao contrário do que se entendeu no Acórdão sob censura, considera que também peticionou a atribuição de uma indemnização pela expropriação do direito à execução das apontadas decisões judiciais anulatórias as quais, de resto, já haviam transitado.
O Réu porque entende que aquele Aresto errou na interpretação dos artigos 2.º, 3.º e 6.º do DL n.º 48.051, de 21 de Novembro.

4. Como se acaba de ver as instâncias discordaram na interpretação do que vem peticionado nesta acção, divergência que também atingiu o Acórdão recorrido já que este foi tirado com um voto de vencido que versou, precisamente, sob essa problemática. Ora, esta é uma questão de relevante importância jurídica visto essa interpretação condicionar de modo decisivo o desfecho da acção.
Por outro lado, muito embora a sentença e o Acórdão concordassem que se encontravam demonstrados três dos requisitos da responsabilidade civil extracontratual - a ilicitude, a culpa e os danos – divergiram, todavia, no tocante à apreciação do nexo de causalidade uma vez que o TAF considerou que os danos peticionados não eram consequência normal e adequada do acto ilícito – não ficou provado que o ensombramento do Colégio fosse provocado pela inexistência de parecer obrigatório da DGPU, ou mesmo pelo aumento do índice de construção do lote 13 aprovado e licenciado pelo acto declarado nulo - e o TCA entendeu precisamente o contrário, isto é, que esse nexo causal se verificava.
Ora, a análise do nexo de causalidade entre o dano e as causas de que ele decorre é, por vezes, complexa visto envolver raciocínios que, apesar da sua lógica, não deixam de estar imbuídos de alguma subjectividade sendo que esta é, muitas vezes, suficiente para fazer pender esse juízo num ou noutro sentido. Ponderação que, por via de regra, passa pela análise de questões jurídicas de algum melindre e dificuldade.
O que, por si só, aconselha a admissão desta revista.
Deste modo, quer a divergência manifestada nas instâncias sobre o peticionado nesta acção, quer a análise que elas fizeram a respeito do nexo causal, quer, ainda, as questões conexas com elas constantes do recurso do Réu inclina-nos a pensar que a admissão de ambas as revistas é necessária para uma mais esclarecida aplicação do direito.

DECISÃO
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em admitir as revistas.
Sem custas.

Lisboa, 27 de Novembro de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – Carlos Carvalho.